domingo, 29 de dezembro de 2013
quinta-feira, 26 de dezembro de 2013
GLOBAL CLIMATE POLICY IMPACTS ON LIVESTOCK,LAND USE,LIVELIHOODS,AND FOOD SECURITY
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sexta-feira, 20 de dezembro de 2013
quinta-feira, 19 de dezembro de 2013
DELLA PROTEINS REGULATE ARBUSCULE FORMATION IN ARBUSCULAR MYCORRHIZAL SYMBIOSIS
sábado, 14 de dezembro de 2013
sexta-feira, 13 de dezembro de 2013
quinta-feira, 12 de dezembro de 2013
quarta-feira, 11 de dezembro de 2013
segunda-feira, 9 de dezembro de 2013
sábado, 7 de dezembro de 2013
sexta-feira, 6 de dezembro de 2013
quinta-feira, 5 de dezembro de 2013
quarta-feira, 4 de dezembro de 2013
sexta-feira, 29 de novembro de 2013
quinta-feira, 28 de novembro de 2013
quarta-feira, 27 de novembro de 2013
segunda-feira, 25 de novembro de 2013
A ESTAÇÃO DO ENTRONCAMENTO
Era no verão, por altura dos Santos Populares. Seria bom que o povo tomasse
contacto com a arte. E vai daí, fizeram uma exposição ao ar livre, num recinto
convidativo, com árvores, com canteiros, num jardim. A um canto, arte
abstracta, noutro canto, afastado, arte figurativa. E aconteceu, com frequência, o que
era de esperar. Olhem para aquilo. Isto também eu pintava. Borradas, é o que tal
coisa é. O meu filho, que anda na escola primária, podia ter aqui os seus
desenhos. São muito melhores do que todos estes. Não têm jeito para fazer
quadros que a gente entenda, depois, é o que se vê. Tanto tempo, tanta tinta, para
sairem coisas destas. Olha a estação do Entroncamento. Era uma tela de grandes
dimensões. Até parece que estamos lá. O homem sabe disto. E empurravam-se, todos
queriam ficar bem ao pé, para não perderem nada. Sim senhor, isto é que arte.
Pensam que a gente não consegue distinguir, mas estão muito enganados. Vejam lá
como está tudo no seu lugar. O homem sabe do ofício. As plataformas, os
comboios, os passageiros, os vendedores de pevides e de tremoços. E as
cores?, cores de um rico dia de sol. Este comprava eu,se tivesse dinheiro. Ficava
bem lá na sala. Agora, os outros, lá de trás, nem dados. Que diriam os parentes e
os amigos se os vissem lá na sala? Que estávamos malucos de todo.
COMO AS ANEDOTAS
Com a vertigem, o frenesim, a desatenção que vão por aí, há quem pense, talvez
mal, que os escritos têm de ser como as anedotas. Têm de ser curtos. Já viram o
que seria se elas fossem longas? Quase ninguém lhes acharia graça, de
nervosismo, de cansaço, por tanta espera. Oh homem, ou mulher, despacha-te, que tenho
mais que fazer.
domingo, 24 de novembro de 2013
UMA AJUDINHA
Era uma terra nem pequena, nem grande, uma terra asim assim, que ficava lá para o
cabo do mundo, mas com comboio à porta. Nessa terra, havia três pessoas
importantes, o comerciante João, o médico e o engenheiro. O senhor João ia, uma vez
por outra, à capital, para se actualizar. Aquilo era um contar de novidades de
estarrecer, no café central, à noite, depois dos trabalhos. Certa vez, o senhor João
contou também uma aventura. Oh senhor João, se a sua mulher calha a saber, coitada
dela? Não tem dúvida. Ela sabe muito bem que é só dela que eu gosto, ela está
sempre em primeiro lugar. O médico não tinha mãos a medir, mas não na sua
profissão. Como a gente lá da terra raramente estava doente e ele não era de se
encostar às paredes, arranjara outros interesses. Ele era agente disto e
daquilo, ele era agricultor, ele era, acima de tudo, mecânico de viaturas. A terra
era ponto obrigatório de passagem de tractores e de
camionetas, que, frequentemente, tinham as suas mazelas, a necessitar de tratamento.
E o médico intervinha, a dar uma ajudinha. Chegava a estender-se no chão, a
examinar eixos e cambotas, ficando numa lástima. O engenheiro era o responsável de
uma grande obra. Por tal motivo e por estar muito interessado em encarecer o seu
complexo trabalho, era ele que pontificava. A grande obra iria custar metade do
que estava previsto. É que ele sabia poupar. Hoje meti nos cofres da empresa um
dinheirão, era a sua expressão favorita. Quem eram os ouvintes para daquilo
duvidar? Mas parecia haver ali economias a mais, alguém teria feito mal as
contas.
MUITAS MANIAS
No reino da bicharada, apareceu por lá, um dia, um cágado cego e mudo. Durante
muito tempo, tiveram pena dele, desfazendo-se em repetidos cuidados e atenções.
Mas, a certa altura, já muito próximo da partida para o outro mundo, tudo mudou, o que
não era de esperar. É que, repentinamente, deu-lhe para exibir muitas manias. Se
fosse apenas uma, vá que não vá, ainda se tolerava. Quem as não tem? Mas assim
tantas, era de perder a paciência e disposição para o aturar. Mas havia uma que
dava vontade de rir e era o que muitos faziam, por não resistirem à cena.
Então, não é que se julgava o maior saltador do reino? E isso,porque, certa vez, depois de muito tentar, conseguira saltar um milímetro. Sou o maior, sou o
maior, não se cansava ele de atroar os ares. Passou a ser, pois, motivo de grande
chacota. Ele não dava conta, coitado. E assim permaneceu, até que se foi desta
para melhor.
sábado, 23 de novembro de 2013
GENTE FIXE
É pintor de interiores o senhor Francisco. Anda nisto há um ror de anos, tantos
que até já lhe perdeu o conto. Deita mãos aos pincéis logo de manhazinha, só os
largando pela noite dentro. Aos domingos, faz uma pausa, mas mais porque é um pau
mandado e o sócio tem outras exigências. O corpo é franzino, mas rijo. Diz que
esteve apenas uma vez doente, com uma forte gripe. Mas só faltou um dia à
chamada. Podia lá estar sem as suas tintas. Tinto é também o seu líquido
preferido. Às vezes, exagera, sobretudo em dias de folga. Tem um grupo de gente
fixe com quem se diverte à grande. Volta não volta, dão grandes passeatas. Até já
foram à Galiza. É que a vida não é só trabalhar. Com este modo de vida, o que
mais se poderia esperar do senhor Francisco? A bebida será para ele um refúgio e
até um resguardo para as correntes de ar que tem de apanhar, com as janelas
sempre todas abertas. Não sabe fazer mais nada. Nem a bola o atrai, pois não sabe
ler lá muito bem. Pouco informado, como é que acompanharia as conversas? Os
companheiros do grupinho fixe serão também dos seus, pelo que ficará tudo em
família.
A BONDADE
Chovia uma chuva miudinha e o chaparro vinha mesmo a calhar. E assim, três almas
que andavam por ali vieram pedir-lhe protecção. Está-se aqui bem. Eu que o
diga, que me tem servido muita vez. E a conversa veio. Então, pastor, qual é o seu
ganho? Cinco escudos e de comer, não contando com o polvilhal. Vê aquele monte, lá
ao longe, aquele com uma grande barra azul? Ali a soldada é maior. Aquilo é que é
um patrão bom. Dá seis escudos, de comer e mais o resto, como eu disse. A bondade
traduzida em dez tostões. Outros tempos.
DE CIGARRO NA MÃO DIREITA
O que se estava vendo era isto, mas já se vira isto muitas mais vezes. A idade
rondará os setenta. O corpo é esguio, alto. As costas são direitas, que nem
tábuas. A cabeça é pequena, como a de um passarinho. O cabelo é
grisalho, levemente ondulado. O andar é lesto, ainda que tropeçado, talvez por
assim ter saído. E ali ia ela, como sempre, de cigarro na mão direita. Dava um
passo, aparentemente inseguro, e levava o cigarro à boca. Dava um passo, recolhia a
mão com o cigarro. Dava um passo, expelia o fumo. Dava um passo, levava o cigarro
à boca. Isto, como uma máquina. As costas,sempre direitas,olhando em
frente,imperturbável.
PARECIA VOAR
Toda a gente sabe, ou devia saber, que se não deve mandriar, que se deve fazer pela
vida, que a vida está lá à espera, muito nervosa, para ser vivida. E era o que
aquela senhora estaria fazendo. Já não era nova, longe disso. Teria aí uns
cinquenta ou sessenta anos, que isto de idades tem muito que se lhe diga. Toda
ela se vestia de negro, de negro mais negro, da cabeça aos pés. Não se sabe o que
ela teria vendido. Apenas se ouviu o que ela disse a alguém que lhe teria ficado
com uma parte da sua mercadoria, o resto da qual, que ainda era muito, estava
envolvido num pano, também negro, de negro mais negro, a servir de saco. Eu nunca
mais esquecerei a senhora dona Maria e a dona Maria também não se irá esquecer
de mim nunca mais. Pouco mais tempo ela ali se demorou, pois tinha lá, à sua
espera, outras donas, Marias ou não. A pressa que ela levava, rua fora, ligeiramente
a subir, merecia ter ficado registada. Parecia voar.
sexta-feira, 22 de novembro de 2013
BAGAÇOS E PASSAS
Os cimos onde ele se demorou, só vistos. Foi mesmo façanha de estarrecer. Muito
podem, pois, enganar os começos. Numa manhã de bater o queixo, quando ele andava
muito cá por baixo, comendo pão que o diabo amassou, desabafara, a modos que
desconfiando das suas capacidades. Não sei como me tenho aguentado. Metia um
grande dó olhar para ele, um corpo amarfanhado, quase transparente. Meio
curvado, cara lívida, olhos encovados, era uma personificação da derrota. Estou
aqui, já ia alta a manhã, apenas com um bagaço e uma passa. Coisas só para dar um
calorzinho aos ossos. Muitos outros dias não teriam arrancado melhor. A escalada
foi meteórica. A apoiá-lo, não lhe faltaram dons, deve afirmar-se, em abono da
verdade, dons excelentíssemos. Mas sem aqueles muitos bagaços e muitas passas não
teria, com toda a certeza, chegado tão alto e lá permanecido..
QUEM VÊ CARAS...
Era um homem de meia idade. A sua cara não inspirava simpatia. Teria contribuído
para isso uma ou outra palavra grosseira que se lhe ouvira. Naquela
altura, esperava um transporte. Tinha junto de si uma cadeira de rodas, onde se
sentava uma mulher sem uma das pernas. Quando o eléctrico chegou os seus
potentes braços facilmente deram conta do recado, içando cadeira e ocupante. Feito
isto, sem ligar aos protestos de alguém que se estava sentindo muito incomodado
com tal vizinhança, tratou de sentar a companheira num dos bancos.
Imperturbável, veio desmanchar, com presteza, a cadeira, ficando na plataforma até
vagar o lugar ao lado da mulher. E então, aconteceu o inesperado. Aquela cara, que
parecia trancada, abriu-se em largos , meigos sorrisos. Aqueles olhos, que
pareciam turvos, ficaram límpidos, brilhantes. A ternura dele comovia. É bem certo
que quem vê caras não vê corações.
quinta-feira, 21 de novembro de 2013
CUIDADOS DA MAMÂ
Já não se estava em guerra, o que tinha sido um alívio, daqueles dos muito
grandes. Ela findara, é certo, mas sentiam-se ainda sequelas suas. Entrara-se no
seu rescaldo, que atingiu ainda muitos. Aquela mesa era uma prova evidente de que
a carestia não se fora de todo, pelo menos nalguns cantos. Rondava por ali, com
pezinhos de lã, com ares de se querer perpetuar. E ora veja-se se não era
verdade. Pontificavam no cardápio três requintadas iguarias, quer dizer, alface,
feijão dito colonial e manteiga de banha de porco. Ganharia um prémio o fotógrafo
que tivesse registado, para a posteridade, a cara do anfitrião, deleitado com a
excelência dos acepipes. Todo ele eram sorrisos de triunfo, quando, ele próprio, se
encarregava do serviço, enchendo os pratos. Parecia estar a fornecer
ambrósia. Para muitos, noutras mesas, seria, mesmo, ambrósia. Mas para aqueles
moços, acabados de sair dos cuidados da mamã, aquilo não era mais do que ração de
encarcerados. Estranharam muito, de inicio, é um facto, mas bem depressa se tiveram
de resignar. Contribuíram para isso, um cágado que lhes ensinou a terem
paciência, e um papagaio que não se cansava de lhes desejar bom apetite.
A PRIMEIRA CASA
Um verdadeiro palácio, a bem dizer, sobranceiro
a rua nobre. Nada lhe faltava, nem mesmo o princezinho. A entrada era um
luxo, como não podia deixar de ser. Portão largo, pátio
amplo,
empedrado, cavalariça, recanto ajardinado, de vistosos jarros, escadaria de dois lanços, varandim. Depois, era um nunca mais acabar de quartos, alguns para visitas, como lhe competia, cozinha de convento, onde pontificava a Joana, salão nobre, para os repastos ,e, sobretudo, um grande quintal, para os folguedos. Neste, presidia uma alta nespereira. Tinha cisterna, outra fonte de inquietações para a senhora, que o princezinho podia lá cair. A um lado, rasgava-se varanda a condizer, debruçada sobre outro palácio, onde reinava uma princesinha , sempre triste, porque a mãe não se dava ao respeito.
Depois, ainda, seguiu-se o desterro, e lá se foi o palácio. Não ficaram na rua, que uma segunda casa, para lá do grande rio, estava livre para os receber.
empedrado, cavalariça, recanto ajardinado, de vistosos jarros, escadaria de dois lanços, varandim. Depois, era um nunca mais acabar de quartos, alguns para visitas, como lhe competia, cozinha de convento, onde pontificava a Joana, salão nobre, para os repastos ,e, sobretudo, um grande quintal, para os folguedos. Neste, presidia uma alta nespereira. Tinha cisterna, outra fonte de inquietações para a senhora, que o princezinho podia lá cair. A um lado, rasgava-se varanda a condizer, debruçada sobre outro palácio, onde reinava uma princesinha , sempre triste, porque a mãe não se dava ao respeito.
Depois, ainda, seguiu-se o desterro, e lá se foi o palácio. Não ficaram na rua, que uma segunda casa, para lá do grande rio, estava livre para os receber.
quarta-feira, 20 de novembro de 2013
UNS COBRES
Muito mudada está ela,ali sentada. Ela, que não descansava um dia sequer,que o seu negócio não deixava. Vendia flores, á porta de padaria de bairro. Para as ter, tinha de se levantar bem cedo, que a fonte delas estava longe.
Mas os anos não perdoam, como é costume dizer. E ali se encontra ela sentada, como já se referiu. Não tem ela´flores para vender, nem outra mercadoria que as substitua. Espera que os donos dos carros estacionados num recinto que ela guarda por duas ou três horas, estejam dispostos a aliviar-se de alguns cobres.
Mas os anos não perdoam, como é costume dizer. E ali se encontra ela sentada, como já se referiu. Não tem ela´flores para vender, nem outra mercadoria que as substitua. Espera que os donos dos carros estacionados num recinto que ela guarda por duas ou três horas, estejam dispostos a aliviar-se de alguns cobres.
DOIS CAUDAIS
Aquelas casas não deviam estar ali. Mesmo às suas portas passavam dois caudais - um, de carros, e o outro, de águas. Naquele dia, o rio quase transbordava, mas em toda a roda do ano o seu nível seria sempre alto.
Crianças brincavam, aparentemente descuidadas, nos arremedos de passeios. O cenário arrepiaria qualquer um que não fosse dali. Tudo aquilo tinha, porém, o ar de ter sido assim já há um ror de anos.
Quem se teria lembrado de construir tais moradias e como se permitira uma coisa destas? É mesmo vontade de arranjar sarilhos. Quantos desastres teriam ocorrido e quantas vezes aquelas casas teriam ficado de molho?
Só a muita necessidade levara aquela gente a sujeitar-se a tais condições. Estaria perto o local do seu ganha-pão e os rendimentos não seriam por aí além. Em quantos não nascera o desejo de se mudarem? Mas como?
Crianças brincavam, aparentemente descuidadas, nos arremedos de passeios. O cenário arrepiaria qualquer um que não fosse dali. Tudo aquilo tinha, porém, o ar de ter sido assim já há um ror de anos.
Quem se teria lembrado de construir tais moradias e como se permitira uma coisa destas? É mesmo vontade de arranjar sarilhos. Quantos desastres teriam ocorrido e quantas vezes aquelas casas teriam ficado de molho?
Só a muita necessidade levara aquela gente a sujeitar-se a tais condições. Estaria perto o local do seu ganha-pão e os rendimentos não seriam por aí além. Em quantos não nascera o desejo de se mudarem? Mas como?
DIA DO BOMBEIRO
Já ontem.pela tarde,fora dado aviso. Instalação sonora ao longo da avenida lançava aos quatro ventos música apropriada. De vez em quando, intercalavam-se vozes que indicavam ser de ensaio. Iria haver festa rija. E hoje, ainda a manhã mal despertara, repetiram a dose.
Aí pelas onze, ouviram-se sons de muitas cornetas, de toada já conhecida. Eram os bombeiros. Era o seu dia. Marchavam garbosos, em grande número. Só que desta vez, São Pedro pregou-lhes grossa partida. Chovia que Deus a mandava. Mas eles teimaram, como em tantas ocasiões. Completaram o circuito programado, ainda que todos ficassem num charco. Elas então metiam dó.
Em local adequado levantara-se vistoso palanque. Foi aí que se alojaram as forças vivas, devidamente resguardadas, não fosse o céu fazer das suas, como se referiu. Convinha que não debandassem, se não estragar-se-ia a cerimónia, que incluía aparatosas continências à direita. Lá se ouviram as vozes de comando e os gestos correspondentes.
Apesar de tudo, deviam ter ficado todos satisfeitos. No final, para compensar, esperá-los-ia fraterno convívio em redor de mesa farta. Mereciam, sobretudo os soldados da paz.
Aí pelas onze, ouviram-se sons de muitas cornetas, de toada já conhecida. Eram os bombeiros. Era o seu dia. Marchavam garbosos, em grande número. Só que desta vez, São Pedro pregou-lhes grossa partida. Chovia que Deus a mandava. Mas eles teimaram, como em tantas ocasiões. Completaram o circuito programado, ainda que todos ficassem num charco. Elas então metiam dó.
Em local adequado levantara-se vistoso palanque. Foi aí que se alojaram as forças vivas, devidamente resguardadas, não fosse o céu fazer das suas, como se referiu. Convinha que não debandassem, se não estragar-se-ia a cerimónia, que incluía aparatosas continências à direita. Lá se ouviram as vozes de comando e os gestos correspondentes.
Apesar de tudo, deviam ter ficado todos satisfeitos. No final, para compensar, esperá-los-ia fraterno convívio em redor de mesa farta. Mereciam, sobretudo os soldados da paz.
quarta-feira, 24 de julho de 2013
REGRESSO
Chovera torrencialmente nos últimos dias. Os terrenos estavam numa papa e os
caminhos alagados. A ocasião não era propícia,pois,para o regresso,mas havia um
prazo a cumprir,que não devia ser ultrapassado,sob pena de se encontrar a porta
fechada. Valeu a perícia do condutor e a colaboração de três ajudantes,ou
melhor,de três boas vontades.
O primeiro obstáculo surgiu logo à partida. O rio corria lá em baixo,apressado e turbulento,e o talude da margem parecia manteiga. A jangada já estava esperando. Duas tábuas oscilantes faziam negaças ao jipe. Mas este,só com o deslisar,que o mais estava interdito,deu com elas.
Uma estrada de terra batida aguardava. Como se encontraria ela? Passara-se por lá há uns meses,quando da vinda,e aquilo era uma fábrica de poeira vermelha e um crivo de malha larga. Não se precisou de esperar muito para se saber a resposta. O que fazia ali jeito era um barco. Mas o jipe lá avançou,corajoso,a passo de boi,que mais não podia ser.
A água,lamacenta,infiltrava-se por todos os buracos e a sua altura era,por vezes,de respeito. Houve,assim,necessidade de se fazerem desvios pelos morros,em risco de o jipe ir parar lá abaixo. Mas o declive,volta não volta,não permitia. Teve então de se recorrer ao expediente das pontes improvisadas com capim. Mas este era rei e não faltaram sapadores.
O primeiro obstáculo surgiu logo à partida. O rio corria lá em baixo,apressado e turbulento,e o talude da margem parecia manteiga. A jangada já estava esperando. Duas tábuas oscilantes faziam negaças ao jipe. Mas este,só com o deslisar,que o mais estava interdito,deu com elas.
Uma estrada de terra batida aguardava. Como se encontraria ela? Passara-se por lá há uns meses,quando da vinda,e aquilo era uma fábrica de poeira vermelha e um crivo de malha larga. Não se precisou de esperar muito para se saber a resposta. O que fazia ali jeito era um barco. Mas o jipe lá avançou,corajoso,a passo de boi,que mais não podia ser.
A água,lamacenta,infiltrava-se por todos os buracos e a sua altura era,por vezes,de respeito. Houve,assim,necessidade de se fazerem desvios pelos morros,em risco de o jipe ir parar lá abaixo. Mas o declive,volta não volta,não permitia. Teve então de se recorrer ao expediente das pontes improvisadas com capim. Mas este era rei e não faltaram sapadores.
DROGAS
Um antigo baluarte,com uma guarita quase intacta,estava a ser posto a
descoberto,para íncola ou turista ver. Sempre que valha a pena,há que cuidar do
património. Alguns homens tinham sido encarregados dessa tarefa dura. Uma mulher
nova,de aspecto sadio,ia levar-lhes água. Trazia-a ao ombro e o caminho era a
subir. Parou para descansar e conversar. Ainda não completara trinta anos e já
dera ao mundo quatro filhos. Ela e o seu homem tinham de labutar muito.
Felizmente que ele não era dado à bebida,nem a drogas. E por ali havia muita. Um
vizinho dela,um miúdo,a bem dizer,trabalhava um ou dois dias e passava o resto
da semana entregue a esse maldito vício. A mãe dele andava que nem um farrapo.
Mas não era preciso que elas aparecessem,pois já havia por ali outra e que era o
vinho. A mãe dela que o dissesse,bem como ela e os irmãos,que, volta não
volta,apanhavam grandes sovas do pai,que, depois, não se lembrava de nada.
Coitado,já lá estava. A mãe ficava como morta. Além das tareias,já contava, ao
todo ,sete operações. Não sabia como ainda estava viva. Mas ainda bem,pois era
ela que lhe valia,tomando conta dos catraios,enquanto ela e o marido faziam pela
vida. Graças a Deus que ele não era como o seu velho.
terça-feira, 23 de julho de 2013
O CADEIRÃO
Andara uma vida inteira a sonhar com o cadeirão. O que ele sofreu por ver o
tempo passar e sem ver o sonho realizado. Mas não perdia a esperança. Havia de
chegar a sua hora. E é que chegou,tarde para muitos,mas para ele não. Ali estava
ele,finalmente,no cadeirão,no seu cadeirão. Sentia-se ali tão bem,que o não
largou durante dias e noites. Passava os olhos,com vagares,pelas paredes,pelos
móveis,pelos retratos dos antecessores. Fechava-os,de quando em vez,para
dormitar um pouco,pois tinha de estender ao máximo aqueles momentos deliciosos
de posse recente. Ao fim desses dias e dessas noites,sentiu-se inteiramente
compensado por tanta espera, e decidiu pôr mãos à obra. E a primeira coisa que
fez ,foi ir ver o cofre. Compreende-se muito bem esse passo,pois sem dinheiro
não se pode ir muito longe. E apanhou um grande choque. O cofre estava quase
vazio. E agora?,e esta? Querem ver que tenho de tirá-lo do meu bolso. Era o que
faltava. Mas eu hei-de me desembaraçar. Cheguei até aqui depois de tantas
barreiras saltar,não será esta que me há-de trair. Pegou da pena e escreveu a
sua primeira missiva. Tinha planeado ser de outra maneira,uma maneira que
pusesse na sombra as do passado,mas não podia ser. Mais tarde,resolvido esse
magno problema de carestia,iriam ver o que era um plano. Naquela hora
grave,tinham de compreender. Na missiva,na sua primeira
missiva,pedia-se,simplesmente,miseravelmente,dinheiro,esse vil.
A CARTOLA
A feira estava a terminar. Naquele ano,o
negócio fora muito fraco. Tinham escapado,apenas,as barracas de comes e bebes.
As ruas das roupas,dos sapatos,das quinquilharias metiam dó. Só lá de onde em
onde, é que aparecia alguém a querer saber o preço,ficando-se,quase sempre,por
ali. Os carrocéis,os cavalinhos,os automóveis estavam às moscas. Os miúdos
insistiam,berravam,mas os paizinhos não se comoviam.
O circo ia pela mesma. Bem se esforçavam os arautos das maravilhas,mas os mirones não estavam para ali virados. Não queriam ouvir falar de trapézios,nem de arames,nem de malabarismos,quanto mais ver. Lembravam-lhes a ginástica que todos os dias tinham de fazer para equilibrarem as finanças. Os animais não os atraíam. Constava,até,que passavam fome. E as grades não pareciam,também, de confiança, por estarem muito atacadas de ferrugem.
Num último esforço,anunciaram uma novidade,uma novidade de estarrecer. Venham ver o homem da cartola,o homem das grandes surpresas. Carros percorriam a cidade,esquadrinhando todos os bairros,mesmo os de lata. Venham ver,venham ver,que é quase de graça.
O circo encheu-se. Houve outras intervenções,mas coisa rápida,a despachar. O suspirado momento chegou e fez-se um grande silêncio. O homem vinha de preto. A cartola era minúscula,pouco mais do que um dedal. Mostrou-a em todas as direcções,acariciado-a repetidas vezes. Depois,ao toque de uma comprida e fina vara,que roçava o tecto da tenda,sairam dela,em rápida cadência,objectos incríveis,que se iam amontoando.
O espaço mostrava-se acanhado para tanta bugiganga. Por acção da poderosa vara apareceu um maior. Mais objectos esquisitos foram saindo,sem descanso. O circo foi crescendo,crescendo,irresistivelmente. Atravessou fronteiras,atravessou mares. Ocupou o mundo todo. O maior espectáculo do mundo.
O circo ia pela mesma. Bem se esforçavam os arautos das maravilhas,mas os mirones não estavam para ali virados. Não queriam ouvir falar de trapézios,nem de arames,nem de malabarismos,quanto mais ver. Lembravam-lhes a ginástica que todos os dias tinham de fazer para equilibrarem as finanças. Os animais não os atraíam. Constava,até,que passavam fome. E as grades não pareciam,também, de confiança, por estarem muito atacadas de ferrugem.
Num último esforço,anunciaram uma novidade,uma novidade de estarrecer. Venham ver o homem da cartola,o homem das grandes surpresas. Carros percorriam a cidade,esquadrinhando todos os bairros,mesmo os de lata. Venham ver,venham ver,que é quase de graça.
O circo encheu-se. Houve outras intervenções,mas coisa rápida,a despachar. O suspirado momento chegou e fez-se um grande silêncio. O homem vinha de preto. A cartola era minúscula,pouco mais do que um dedal. Mostrou-a em todas as direcções,acariciado-a repetidas vezes. Depois,ao toque de uma comprida e fina vara,que roçava o tecto da tenda,sairam dela,em rápida cadência,objectos incríveis,que se iam amontoando.
O espaço mostrava-se acanhado para tanta bugiganga. Por acção da poderosa vara apareceu um maior. Mais objectos esquisitos foram saindo,sem descanso. O circo foi crescendo,crescendo,irresistivelmente. Atravessou fronteiras,atravessou mares. Ocupou o mundo todo. O maior espectáculo do mundo.
segunda-feira, 22 de julho de 2013
CHÁ DAS CINCO
Já tinha visto muita coisa. Um pesado casaco de peles cobria-lhe o corpo
avantajado. Ao lado,a dama de companhia. Estavam sentadas numa pastelaria
tomando o chá das cinco. Os dedos da senhora quase se não viam,tantos eram os
anéis que os cobriam. Depois da torrada,de que não comeu a côdea,seguiu-se um
bolo,tragado até à última migalha. Via-se que não ficara satisfeita. Os olhos
procuraram o empregado,que renovou a dose. A dama de companhia limitara-se ao
chá,talvez por causa da linha. A dada altura,entrou em cena um cauteleiro. A
sala estava repleta. Com dificuldade,abeirou-se da mesa desta senhora. Já devia
ser conhecimento antigo,pois a compra foi rápida. Seria um número exclusivo
desta cliente. Quem tocou no dinheiro foi a dama de companhia. O cauteleiro
abandonou a sala sem levar a fortuna a mais ninguém. Tratar-se-ia de uma questão
de princípio,uma espécie de preito de vassalagem. Só convém servir um senhor.
PELE TIRADA
Era um homem alto,magro,de olhar confiado. Fora um dos primeiros a arrancar para
a França e,já regressado,estava agora ali naquele emprego de jardineiro. Com o
dinheiro que amealhara,pusera casa que se visse e ainda comprara uns pedaços de
terra,onde gastava as horas livres. Murara-os com videiras e enchia-os de milho.
Engordava,ainda,dois ou três vitelos barrosãos. Naquela altura,andava muito
desanimado,pois concluíra que se esforçava em vão. Uma pessoa trabalha,entrega
bom dinheiro pela semente,pelo aluguer do tractor,pelos animais,pela ração,pelo
adubo,e,depois,é o que se vê,um quase nada. Os intermediários queriam levar
tudo. Esperava,a ver se chegavam a um melhor preço,mas estavam todos combinados.
O milho do ano anterior ainda estava por vender. Quanto ao gado,dizia-lhes que
era carne de primeira,o que era verdade. Pois sabiam o que é que lhes ouvia?
Depois da pele tirada são todas iguas. Assim,estava decidido a ficar só com o
vinhito. Trabalhassem eles.
CARA RIDÍCULA
Ele andava muito ralado e não era para menos. É que já há dois tristes anos que
não fora passar,pelo menos, uma mísera semana no estrangeiro,quer dizer,no país
ali ao lado do seu. E estava a ver,coitado,que naquele ano iria acontecer o
mesmo. A vida estava cada vez mais cara e o patrão não havia meio de dele se
condoer.
Quando as férias acabassem,que cara poria ele lá no emprego,ao ouvir falar os colegas das delícias das suas em Cancún,nas Bahamas,em Cuba,em Miami,nas Seychelles,e assim por diante? Sim,que cara ele mostraria? Uma cara ridícula,certamente,se ele,coitado,a contrapor,quando muito,só poderia dizer que tinha gasto essa mísera semana em Paio Pires ou na Baixa da Banheira,sem menospreso,claro, por estas duas honradas terras.
Teria de ficar calado,reduzido à sua insignificância,engulir em seco,e começar a pensar em mudar de emprego,que naquele já estava aviado. Nem colegas,nem patrão lhe dariam a mínima importância. Não era ali mais do que um zero à esquerda. E então,minhas ricas encomendas. Nunca mais sairia do degrau de acesso,da soleira da porta.
Quando as férias acabassem,que cara poria ele lá no emprego,ao ouvir falar os colegas das delícias das suas em Cancún,nas Bahamas,em Cuba,em Miami,nas Seychelles,e assim por diante? Sim,que cara ele mostraria? Uma cara ridícula,certamente,se ele,coitado,a contrapor,quando muito,só poderia dizer que tinha gasto essa mísera semana em Paio Pires ou na Baixa da Banheira,sem menospreso,claro, por estas duas honradas terras.
Teria de ficar calado,reduzido à sua insignificância,engulir em seco,e começar a pensar em mudar de emprego,que naquele já estava aviado. Nem colegas,nem patrão lhe dariam a mínima importância. Não era ali mais do que um zero à esquerda. E então,minhas ricas encomendas. Nunca mais sairia do degrau de acesso,da soleira da porta.
domingo, 21 de julho de 2013
PASSADO
Ainda os ouvira cantar pelas ruas,à noitinha,depois do regresso dos trabalhos.
Soltariam as mágoas ou esperariam,deste modo,recobrar forças para o dia
seguinte. Ainda os vira sentados em bancos corridos,servindo-se de sopas de pão
que fumegavam. Ainda envergou os seus pelicos,quando o frio o atormentava e a
eles não,porque a enxada ou a picareta os aquecia. Ainda sentiu o cheiro forte
dos seus sobretudos de lã,lembrando pão saído do forno,quando o jipe ia trancado
por causa das intempéries. Ainda os viu, atrás de muares,de mão na rabiça do
arado rasgando a terra,orientando-se por belgas,ou pela ciência de anos sem
conta,ou pela torre de algum castelo ou igreja. Ainda passou por muitas varas de
porcos,engordando à custa de bolota dos montados. Ainda se refrescou com
pirolitos feitos com água da Serra de Ossa. Ainda comeu à luz de candieiros a
petróleo,em vilas cabeças de concelho,e viu correr esgotos a céu aberto.Ainda
assitiu ao fabrico de carvão de sobro e de azinho. As fábricas lembravam
afloramentos rochosos,que se somavam aos muitos que por lá existem. Não tiveram
conta os quilómetros que andara de jipe por caminhos de herdade e os palmilhados
por chão plano e por encostas a subir e a descer,umas vezes cobertas de searas e
outras à espera de que lá as pusessem. Já passou por alguns "montes" adquiridos
com o dinheiro da venda de meia dúzia de metros quadrados urbanos.
UMA TRAQUITANA
Na banca,apenas se via meia dúzia de pequeninos peixes,ainda vivos. Tinham sido
pescados de madrugada,numa barragem,a uns bons quilómetros dali. Eram de um
velho,de setenta e mais alguns anos,um tanto para o baixo,ainda vigoroso e de
ricas cores. Mas valia-lhe a pena,dava para o petróleo? Tinha de dar,pois como é
que se havia de viver? A pensão era o que se sabia,uma miséria,mal chegava para
as côdeas. Andava a gente numa vida de rudes trabalhos,hoje para um,amanhã para
outro,para se chegar àquilo. O que lhe valia eram uns biscates,ali e acolá,onde
calhava,de vária natureza,que ele não era esquisito. Uma pessoa tinha de se
desenrascar.Valia-lhe também ser um homem de poucos achaques. Depois,um sobrinho
dera-lhe uma traquitana,de que se tinha farto,mas que a ele lhe fazia um grande
arranjo. Fora com ela que chegara ainda a tempo para a venda. Por causa daqueles
peixinhos,o resto do que tinha apanhado,não dormira naquela noite. Passava-se
muito. Mas tudo ia do treino e a ele não lhe faltara. Podia acontecer que o
vissem ali na semana seguinte. Dependeria isso da pescaria. Faria umas contas e
logo veria se lhe valeria a pena vir até ali,onde as pessoas parecia terem mais
dinheiro do que lá para as suas bandas.
JOGOS DE PALAVRAS
Eram o João e o José. O João comandava as vendas e o José encarregava-se das
contas. Um,sabia de números e de letras,o outro,de trapos e demais família. Mas
não havia duas pessoas mais iguais e mais diferentes. Eram iguais em quê? No
tamanho,para o baixo,na cabeça pendida,no cabelo negro e basto,nos olhos
fugidios,no ar astuto e untuoso,no jeito de lidar com o patrão,que se sentiria
deles dependente. E diferentes em quê? Na gordura,o João a tirar para o
chupado,e o José para o luzidio,na linguagem,no João ,desbragada,no José,polida
e buscada. Nunca se sabia como era o seu acordar. O que viria dali,daquelas duas
cabecinhas,de um e do outro? Boa coisa não seria,adocicada,macia,no
José,amarga,áspera,no João. Cada um brincava à sua maneira,mas gostavam ambos
dos seus jogos de palavras. Tudo neles tinha um duplo sentido,ou mais. Nunca se
vira gente tão desconcertante,tão escorrregadia. Pareciam peixes vivos
sábado, 20 de julho de 2013
O PLANO
Os pais viviam lá para o norte,onde
cultivavam umas courelas. Quando chovia,a água arrastava as partículas mais
finas,a fracção nobre do solo,levando-a para o rio que corria próximo. A região
que acabava por beneficiar com esses carrejos era a vasta leziria de um senhor
rio,que ano após ano,por via de sucessivas inundações,se cobria de férteis
nateiros. Por este andar,ficariam reduzidos a areia quase estéril. Seria a sua
ruína.
Em vista de tal perspectiva,traçaram um plano que lhes pareceu trazer-lhes a salvação. Com algumas economias e a ajuda de familares, mandaram o filho estudar para doutor. O rapaz era inteligente e tirou o curso no devido tempo. Fizeram,então,uma reunião, para assentar ideias. Olha filho,o que prevíamos aconteceu. O melhor da nossa terra foi parar lá abaixo. A riqueza daqueles sítios é,em parte,fruto da nossa pobreza. Ninguém se importa com esta injustiça,de bradar aos céus,pelo que temos de ser nós a repará-la. Estou velho e nada posso fazer,mas tu és novo,tens qualidades,e arranjaste uma arma que te pode permitir recuperar o que é nosso,muito nosso,e até,talvez,acrescentá-lo. O filho entendeu,e prometeu fazer tudo para não os desiludir.
Com a benção dos pais,rumou ao sul. Instalou-se,e olhou em volta. Não descobriu o que era seu,mas não havia dúvida de que aquelas férteis planuras não tinham comparação com as encostas no osso lá dos seus sítios. E pareceu-lhe sentir um forte apelo vindo daquela riqueza. Não se fez rogado,que as circunstâncias pediam acção sem demoras. E assim,em pouco tempo,estava casado com a filha única de um abastado lavrador,cumprindo-se o plano habilmente urdido pelos atilados pais.
Em vista de tal perspectiva,traçaram um plano que lhes pareceu trazer-lhes a salvação. Com algumas economias e a ajuda de familares, mandaram o filho estudar para doutor. O rapaz era inteligente e tirou o curso no devido tempo. Fizeram,então,uma reunião, para assentar ideias. Olha filho,o que prevíamos aconteceu. O melhor da nossa terra foi parar lá abaixo. A riqueza daqueles sítios é,em parte,fruto da nossa pobreza. Ninguém se importa com esta injustiça,de bradar aos céus,pelo que temos de ser nós a repará-la. Estou velho e nada posso fazer,mas tu és novo,tens qualidades,e arranjaste uma arma que te pode permitir recuperar o que é nosso,muito nosso,e até,talvez,acrescentá-lo. O filho entendeu,e prometeu fazer tudo para não os desiludir.
Com a benção dos pais,rumou ao sul. Instalou-se,e olhou em volta. Não descobriu o que era seu,mas não havia dúvida de que aquelas férteis planuras não tinham comparação com as encostas no osso lá dos seus sítios. E pareceu-lhe sentir um forte apelo vindo daquela riqueza. Não se fez rogado,que as circunstâncias pediam acção sem demoras. E assim,em pouco tempo,estava casado com a filha única de um abastado lavrador,cumprindo-se o plano habilmente urdido pelos atilados pais.
O DIABO TECE-AS
A mulher morrera-lhe já há uns anos,mas ele nunca dera mostras de se ter
conformado. A cada passo,carpia copiosamente junto de amigos e de conhecidos de
qualquer data. Só esperaria que a morte também o levasse. Mas nunca se diga que
desta água não beberei. E assim,sem aviso prévio,dá segundo nó. Desta vez é que
era para o resto dos seus dias. A senhora tinha casa posta,pelo que se desfez
daquela onde vivera largos anos com a muito chorada defunta. Desfez-se também
dos tarecos,que seriam supérfluos e,talvez,lembrassem a outra,o que não era
conveniente. O diabo tece-as,porém,frequentemente. E decorridos escassos meses,o
segundo nó desatou-se,não porque ela se tivesse finado,mas simplesmente porque
assim decidiram. E agora? Casa como a primeira,de renda antiga,onde é que ele a
iria arranjar? Não teve remédio,se não alugar um quarto,um modesto quarto,pois a
magra pensão não dava para mais. Novamente o invadiu uma grande tristeza,onde se
cruzariam,pelo menos,o ressentimento e a contrição Alguém insinuou que teria
havido ali intervenção da que se vira substituida. Lá onde estaria fizera as
suas queixas e fora atendida. Para que lhe servisse de emenda. Traições destas
não se toleravam.
OS AFILHADOS
Era o senhor muito rico e solteiro.
Tratava-se,pois,de um alvo sujeito a grande procura. Acontecia,também,que não se
lhe via interesse pelo casamento. Gostava de se sentir livre,de modo a poder
dedicar-se ao que lhe desse na cabeça. E em boa verdade não parava. A sua figura
quase metia dó,de tanta actividade em que se metia. Mas se casar não
queria,significava isso que filhos não viria a ter. Não era,de facto,pessoa para
os fazer por outra via. E assim,aquela enorme fortuna ficaria para os
familiares. Mas nesses abundavam,também,os teres e haveres.
Surgiram,então,candidatos especiais,os afilhados. Talvez uma parte do espólio
rico lhes viesse parar às mãos. Nunca se vira tanto interessado numa colheita.
Mas o que admirava era o senhor aceitar sempre mais um. Não se sabia se o fazia
por gosto ou por mania de coleccionador. É que ele tinha várias,algumas de luxo.
Acabou isso por se esclarecer. Aquilo não passava,afinal,de uma outra mania,só
que de parcos gastos. Do que constou,os meninos e meninas não foram contemplados
como desejavam,eles, ou os paizinhos. Também era o que estavam todos a pedir.
Não se via logo que era uma coisa sem jeito? Um ou dois,vá que não vá,mas um
monte deles cheirava a esturro.
sexta-feira, 19 de julho de 2013
AS BATAS
Estava de pé,encostada ao balcão,bebendo um copo de leite e comendo uma
sanduíche de queijo. Era o seu almoço. O ordenado não dava para mais. A saúde da
moça não parecia ser das melhores. Com aquele tratamento,e sabe-se lá mais de
quê,não seria de esperar outra coisa. Causava tristeza olhar para
ela.
Lastimava-se. Recebera há uma semana o ordenado e já pouco lhe restava. Bem se esforçava em esticá-lo,mas não podia fazer milagres. Não eram as coisas que estavam caras,ela é que estava ganhando pouco. Ai a minha vida,suspirava ela. Quem melhor a ouvia,do outro lado do balcão,compreendia-a muito bem e até fazia coro com ela.
A esperança das duas residia no décimo terceiro mês. Seria ele que viria tapar alguns buracos que há muito ansiavam que deles se lembrassem. Mas esse ainda vinha lá muito longe. Era a tristeza das duas a manifestar-se a uma só voz.
O jeito que lhes iria fazer. Há um ror de tempo que andavam com aquelas roupas,até tinham vergonha de aparecerem assim no emprego. Valiam-lhes as batas. Chamavam-lhes as tapa-misérias. O pior era à entrada e à saída. Ai a nossa vida.
Lastimava-se. Recebera há uma semana o ordenado e já pouco lhe restava. Bem se esforçava em esticá-lo,mas não podia fazer milagres. Não eram as coisas que estavam caras,ela é que estava ganhando pouco. Ai a minha vida,suspirava ela. Quem melhor a ouvia,do outro lado do balcão,compreendia-a muito bem e até fazia coro com ela.
A esperança das duas residia no décimo terceiro mês. Seria ele que viria tapar alguns buracos que há muito ansiavam que deles se lembrassem. Mas esse ainda vinha lá muito longe. Era a tristeza das duas a manifestar-se a uma só voz.
O jeito que lhes iria fazer. Há um ror de tempo que andavam com aquelas roupas,até tinham vergonha de aparecerem assim no emprego. Valiam-lhes as batas. Chamavam-lhes as tapa-misérias. O pior era à entrada e à saída. Ai a nossa vida.
OUSADIA
Ouvia-se-lhe a voz,mas não se conseguia vê-lo. Ainda se tentou encontrá-lo,para
uma justificação,mas escondia-se. Coisas de rapazes. Do ladrão,ladrão,é que ele
não desistia. Tudo isto,porque se lhe invadira os domínios e houvera a ousadia
de pôr num saco meia dúzia de quilos da sua terra,muito negra e muito
encharcada. O milho,já alto,era capaz de se afogar. Aconteceu isto nas
imediações de Póvoa do Lanhoso,há uns largos anos. Sabia-se que fora por ali que
eclodira uma "confusa rebelião popular usualmente conhecida de revolução de
Maria da Fonte". Dera-se ela em tempos muito recuados,mas aquele moço podia ser
descendente de um revolucionário. Era capaz de ir tocar a rebate. O mais
acertado era sair dali,para pôr a recato o precioso saco e sabe-se lá mais o
quê. Noutros locais,já os tinham olhado com olhos desconfiados. Que andarão
estes por aqui a fazer? Boa coisa não será. Se o moço tivesse visto o jipe,um
tanto afastado,o que é que ele iria pensar? Querem ver que me vão levar a terra
toda. Então é que iria mesmo pedir socorro.
COISA ÉPICA
Hoje será muito diferente,com certeza,mas
naquela noite de um frio de dezembro,há uns bons sessenta anos,a passagem por
uma urgência de hospital foi assim. Declarara-se uma apendicite que pedia
internamento imediato. Mas para se poder deitar na cama que o esperava,em
enfermaria de larga concorrência,não foi coisa fácil. Pode dizer-se,até,sem
grande exagero,que foi coisa épica. Para começar,teve de se sujeitar aos cuidados
do fígaro. Se não fosse uma nota de vinte,naquele tempo era dinheiro,teria
apanhado com a máquina zero. Mas havia mais etapas a vencer. Dali,pasou,sob
escolta,não lhe apetecesse fugir,à secção da higiene corporal. Una tina de
mármore,que mais parecia um sarcófago,estava preparada. O ar da sala,de pé
direito dos antigos,era gelado e a água imitava-o. Seria constipação certa. Lá
foi providencial outra nota de vinte. Ia já preparado. Estava quase lá,mas tinha
ainda de mudar de farpela. Nunca se vira metido numa camisa daquelas. Parecia a
de um presidiário. Mas não havia outra. Finalmente,a tão sonhada cama. O que é
lá isso? Esse fio não pode estar aí. Por vezes,dá-lhes para o apertar demasiado.
O que lhe valeu foi a intervenção de uma menina enfermeira que se condoeu. Deixe
lá o rapaz ficar com o fio. Eu responsabilizo-me. Pôde, então, descansar e rezar
com a cruz entre os dedos.
quinta-feira, 18 de julho de 2013
O TENTADOR
A Maria era moça e ajudava a patroa lá na pensão da vila. Era ela que servia às
mesas. Um dia,apareceu por lá o tentador. Estás-te aqui a perder,rapariga. Que
futuro vai ser o teu,aqui neste buraco? O que estás ganhando não dá para mandar
cantar um cego. A minha mulher está precisando de alguém como tu. Passavas a
ganhar três vezes mais,e,assim,arranjavas bem depressa para o enxoval. E olhava
para ela de uma maneira que não enganava. Enquanto ali permaneceu,não se cansou
de pôr a Maria a escutar o mesmo disco. A Maria,simplória,dizia que ia pensar.
Quando lá voltasse,queria vê-la decidida. Não vás Maria,aconselhavam alguns.
Aqui todos te respeitam. Lá para onde ele te quer levar há muitas ratoeiras. E
depois,ganhavas mais,mas tambén o gastarias. A Maria hesitava,mas via-se que
ficara perturbada. O tentador voltou e levou a Maria.
QUASE VOANDO
Logo eu saí assim. Assim se lastimaria,mais uma vez,aquele homem. O seu muito
abanar da cabeça parecia indicá-lo. Era uma figura magra,enfezada. O chapelinho
às três pancadas também não ajudava. Lá ia ele,como era costume,no seu andar
lesto,miudinho,quase a partir-se,quando avistou ao longe uma camisola
branca,muito justa,de moça encorpada. Estacou de imediato,ficando à espera que
ela avançasse. Como que abriu alas,quando ela passou,muito rente a si,que o
passeio era estreito. E rodou,quando foi caso disso,um tanto a tremer,a modos
que perturbado,prolongando a mirada. A sua vontade seria segui-la. A tanto não
chegou. E lá prosseguiu,a cabeça a abanar muito,de passo mais ligeiro,quase a
correr,quase voando. Estaria sonhando. Era outono,também,tempo de fantasia.
AQUELE VAZIO
O senhor António não vivia mal. Tinha a sua reforma e ainda uns rendimentos lá
na terra. A casa era dele. Na falta de filhos,arranjara um cão. O animalzinho
andava passando um mau bocado. Por via disso,o senhor António não largava a
porta do veterinário. E era um desabafar quando o encontravam. Aquilo pareciam
mesmo agruras de pai ou de avô. Vejam lá,um bichinho tão bonito,tão manso,tão
meu amigo,a padecer desta maneira,que o médico bem me diz. Tenho feito
tudo,mas,coitado,não deve durar muito. E quase chorava. Lá o procuravam
consolar,mas via-se que pouco adiantava. O cãozinho não durou,de facto,muito. O
senhor António esteve para morrer também. Não saiu durante uns tempos,tal fora o
golpe. Quando se atreveu,nem parecia o mesmo,vergado ao peso da dor e da
ausência. Não mais se recomporia,confessava. Quem poderia preencher aquele
vazio? Era realmente forte e sério o sentimento que o cãozito lhe inspirava. Só
uma coisa lhe despertava algum interesse,a saga da bola. Sobraçando um jornal
desportivo,às vezes,dois ou mais,lá ia ele sentar-se sempre no mesmo café,onde
passava horas, devorando todas as páginas.
quarta-feira, 17 de julho de 2013
SABEDORIA
Pousios,terra a descansar. Lavras,terra
preparada para as sementeiras,em espigoado,fofa. Andavam por ali já há um
bocado. Ia alta a manhã. Observações,registos,suor do senhor Joaquim.
Este,também observando,registando,à sua maneira. De repente,estaca e pergunta. O
que é que está aqui? O outro,apsar de abrir mais os olhos,só vê o que tinha
visto. Terra,apenas terra. Pois temos andado por cima de uma ninhada de coelhos.
Baixou-se,e com as mãos muito leves,ele,que as tinha pesadas,foi tirando,com
muita cautela,pequenas porções de terra. E a poucos centímetros,começou a
aparecer uma penugem arrancada da mãe,e no meio dela uns serezinhos róseos,muito
quietinhos,como que a dormir. Foi um deslumbramento para o outro,uma grande
novidade. Que sabedoria, a do senhor Joaquim. Este voltou a pôr tudo no seu
lugar,tal como estava antes,não fosse a mãe desconfiar e ter o trabalho de
transferir a prole para sítio mais seguro.
COR DE ROSA
Numa feira como aquela é que ele nunca tinha estado. Além do que é costume ver
em qualquer feira,diversões,brinquedos,bugigangas,roupas,comes e
bebes,expunham-se lá hortaliças a concurso,ideias religiosas e políticas,e
vendia-se futuro. Das exposições,a que mais gente chamou foi,sem dúvida,a das
hortaliças. Não foi isto uma grande novidade,pois já tinha reparado na profusão
de estufas e de estufins que havia ali naquela terra. Aproveitavam a feira para
que vissem quem conseguia as de maior tamanho.As das ideias estiveram quase
sempre às moscas. Para as religiosas,ainda alguns se chegaram, enquanto lhes
deram música,mas mal esta se calou,ficaram apenas umas velhinhas. Quanto às
políticas,aquilo não passou de meras sessões de apupos e de assobios de meia
dúzia de provocadores,ali mesmo nas barbas da polícia .Uma grande surpresa estava
reservada para o futuro. Eram de respeito as bichas que por lá se formaram,junto
a "roulottes"de luxo. Ali,o futuro devia ser cor de rosa.
A PREÇO DE SALDO
Já ia alta a manhã,mas ainda estava frio. A feira dava os últimos ares da sua
muita graça. O piso dos arruamentos,de contornos irregulares,ao Deus dará,estava
numa lástima,por causa da chuva de véspera. Aqui e ali viam-se restos de
fogueiras. De madrugada,que ali levantavam-se cedo,devia ter estado de bater o
queixo.
Junto a toldos,assavam-se e serviam-se frangos. Mesas não havia. Também se dispensavam,que aquela gente não era de cerimónias. As mãos e as bocas não se puderam lavar,que água corrente só lá na vila.
Ainda houve tempo de mercar dois chapéus de chuva a preço de saldo. Quem se livrara deles precisava de se despachar,pois tinha de ir armar banca noutra terra. Andava a semana num virote,com apenas um dia de descanso,para se ir fornecer.
Enquanto se era novo é que se tinha de dar. As suas cores despertavam inveja,mas a barriga não,de muito saliente,talvez da cerveja. Duas filhitas,louras como trigo maduro,nã o largavam,a pedir umas moedas para guloseimas.
A vila,lá muito em cima,alargara-se,com sinais de que morava ali outra gente. Talvez nem lá residissem. As novas casas estavam ali para os receber pelas férias ou pelo Natal,ou então para quando voltassem de vez,que alguns quereriam lá acabar,onde havia feiras como deviam ser.
Junto a toldos,assavam-se e serviam-se frangos. Mesas não havia. Também se dispensavam,que aquela gente não era de cerimónias. As mãos e as bocas não se puderam lavar,que água corrente só lá na vila.
Ainda houve tempo de mercar dois chapéus de chuva a preço de saldo. Quem se livrara deles precisava de se despachar,pois tinha de ir armar banca noutra terra. Andava a semana num virote,com apenas um dia de descanso,para se ir fornecer.
Enquanto se era novo é que se tinha de dar. As suas cores despertavam inveja,mas a barriga não,de muito saliente,talvez da cerveja. Duas filhitas,louras como trigo maduro,nã o largavam,a pedir umas moedas para guloseimas.
A vila,lá muito em cima,alargara-se,com sinais de que morava ali outra gente. Talvez nem lá residissem. As novas casas estavam ali para os receber pelas férias ou pelo Natal,ou então para quando voltassem de vez,que alguns quereriam lá acabar,onde havia feiras como deviam ser.
GATO POR LEBRE
A turista olhava em volta,como que a pedir ajuda. Então,não queriam lá ver? Já
uma pessoa não podia andar, descontraidamente, pela feira, a deliciar-se com um
tão belo cacho de uvas? Não podia,não,que alguém o podia cobiçar. E foi o que
lhe aconteceu. Uma garotita,aí de uns dez anos,não havia meio de a deixar de
perseguir. Tanto insistiu,que acabou por lhe dar o que restava. Mas o ar
consternado que a senhora pôs foi tal,que era para ter pena dela. O que teria
ela pensado? Uma feira cheia de coisas tão boas,com tanta gente a ver e a
comprar. Pois é. Mas é que também andavam por lá mendigos vários. Alguns
circulavam,como aquela garotita,mas a maioria fazia pela vida nos
cruzamentos,expondo as suas desgraças. Uns não tinham braços,outros pernas, e
ainda outros mostravam chagas. Faziam parte,afinal,da feira. Era uma exposição
diferente,mas cada um expõe o que tem ou não tem. E oportunidades daquelas não
se podiam desperdiçar. À semelhança dos feirantes com banca,que saltam de um
local para outro,de acordo com um calendário bem definido,os carenciados disto e
daquilo aproveitam e acompanham-nos nas andanças.O ambiente estimula as
transacções,ainda que deixe alguns um tanto frustrados,por terem comprado gato
por lebre,ou por serem tentados a largar,como aquela turista,o que tão
prazenteiramente estavam saboreando
terça-feira, 16 de julho de 2013
FONTE DE ÁGUAS MILAGROSAS
Num dos extremos da alameda,outrora muito concorrida,mas naquela altura quase
deserta,lá continuava,incansável,a fonte de águas milagrosas. Um carro de boa
marca parou à sua beira. Dele saiu,em camisa,um homem de meia idade ,muito
direito,quase calvo.
Não resistira. As vezes que ele ali se dessedentara,nos seus tempos de moço carenciado. Não fora,porém,a sede que,daquela vez,ali o levara. Fora só ele a fazê-lo. Para a mulher,aquela não seria mais do que uma outra fonte,e não estaria precisada.
Apenas molhou a boca. Mas isso devia ter um muito especial significado para ele. Já não era o moço desses tempos recuados,que ele não gostaria de lembrar. Tinham sido uns largos anos a labutar lá longe. Dera para regressar de vez.
Falava,gaguejando muito,descontraidamente,e olhava para o outro bem de frente,sem acanhamentos. Não precisava de andar por ali a pé,como antigamente,à procura de sustento. Fizera uma bela moradia,onde nada faltava,tinha os seus rendimentos,e havia de receber,um dia,uma pensão,pelo tempo que lá trabalhara.
Comparava,opinava,criticava,desinibido. Não teria crescido tanto se por ali tivesse ficado.
Não resistira. As vezes que ele ali se dessedentara,nos seus tempos de moço carenciado. Não fora,porém,a sede que,daquela vez,ali o levara. Fora só ele a fazê-lo. Para a mulher,aquela não seria mais do que uma outra fonte,e não estaria precisada.
Apenas molhou a boca. Mas isso devia ter um muito especial significado para ele. Já não era o moço desses tempos recuados,que ele não gostaria de lembrar. Tinham sido uns largos anos a labutar lá longe. Dera para regressar de vez.
Falava,gaguejando muito,descontraidamente,e olhava para o outro bem de frente,sem acanhamentos. Não precisava de andar por ali a pé,como antigamente,à procura de sustento. Fizera uma bela moradia,onde nada faltava,tinha os seus rendimentos,e havia de receber,um dia,uma pensão,pelo tempo que lá trabalhara.
Comparava,opinava,criticava,desinibido. Não teria crescido tanto se por ali tivesse ficado.
BENDITA BROA E BENDITO CALDO VERDE
Andou lá por muito longe a comer pão que o
diabo amassou,mas em boa hora. E não parecia à partida. Nem roupa,nem calçado
capazes para levar ele tinha,tal era a carestia. Para tirar uma fotografia,que
servisse de lembrança,teve de pedir emprestado,por uns momentos,o
indispensável,senão o que haviam de pensar? Mas este é um maltrapilho. Não
era,mas andava por perto.
Pois a vida lá correu-lhe de feição. Era um moço rijo. Papara muita broa e muito caldo verde. Alguém disse que é a melhor sopa do mundo,desde que nada lhe falte,claro. Não enjeitou qualquer trabalho,mas onde mais permaneceu foi em florestas,abatendo árvores. Poucos se atreviam a desempenhar tal tarefa em locais de clima agreste,como foi o seu caso. Acabava uma empreitada,pegava logo noutra. Era um frenesim,a aproveitar a maré. Isto,durante uns bons pares de anos.
Voltou rico,numa altura em que o dinheiro escasseava. E agora,o que vou fazer com ele? Analfabeto partira,analfabeto regressara. Não foi preciso repetir. Dois ou três o ouviram,gente letrada e honrada,ficando todos a beneficiar. Bendita broa e bendito caldo verde.
Pois a vida lá correu-lhe de feição. Era um moço rijo. Papara muita broa e muito caldo verde. Alguém disse que é a melhor sopa do mundo,desde que nada lhe falte,claro. Não enjeitou qualquer trabalho,mas onde mais permaneceu foi em florestas,abatendo árvores. Poucos se atreviam a desempenhar tal tarefa em locais de clima agreste,como foi o seu caso. Acabava uma empreitada,pegava logo noutra. Era um frenesim,a aproveitar a maré. Isto,durante uns bons pares de anos.
Voltou rico,numa altura em que o dinheiro escasseava. E agora,o que vou fazer com ele? Analfabeto partira,analfabeto regressara. Não foi preciso repetir. Dois ou três o ouviram,gente letrada e honrada,ficando todos a beneficiar. Bendita broa e bendito caldo verde.
APELO DO BERÇO
Emigrara um dia,tal como tantos da sua
geração. Talvez lá longe tivesse outro futuro,muito diferente do que lhe estaria
reservado na sua terra. Por lá andou uns largos anos,sempre na esperança de se
cruzar com a árvore das patacas. Mas esta nunca quis nada com ele. A velhice
chegou e nas suas mãos apenas se via uma magra pensão. Fora fraca a
colheita.
Que fazer? Ficar,aguardava-o um acanhado buraco numa favela. Regressar,doía-lhe pelo insucesso. Tinha lá na aldeia onde nascera uma casita que herdara dos pais. Sempre era melhor do que a barraca que lhe caberia. Hesitou por algum tempo,mas acabou por não resistir ao forte apelo do berço.
Com pouco se fizera à aventura,com pouco viera dela. Não era o único que a fortuna esquecera. Pobre consolo. Mas fora assim que lhe acontecera. Tinha de se conformar.
Os seus olhos destilavam tristeza,que mais se acentuava em ocasiões de festa. Sentado a um canto,como que a esconder-se,não acompanhava a alegria dos outros. Alguns olhavam-no com desdém. E quando correspondia a cumprimentos,o sotaque mais acentuava a sua situação de deserdado.
A vida pregara-lhe grossa partida. Não bastara a carestia da arrancada. A esta viera juntar-se a da emigração. Um rosário de mágoas,que o remate avolumara.
Que fazer? Ficar,aguardava-o um acanhado buraco numa favela. Regressar,doía-lhe pelo insucesso. Tinha lá na aldeia onde nascera uma casita que herdara dos pais. Sempre era melhor do que a barraca que lhe caberia. Hesitou por algum tempo,mas acabou por não resistir ao forte apelo do berço.
Com pouco se fizera à aventura,com pouco viera dela. Não era o único que a fortuna esquecera. Pobre consolo. Mas fora assim que lhe acontecera. Tinha de se conformar.
Os seus olhos destilavam tristeza,que mais se acentuava em ocasiões de festa. Sentado a um canto,como que a esconder-se,não acompanhava a alegria dos outros. Alguns olhavam-no com desdém. E quando correspondia a cumprimentos,o sotaque mais acentuava a sua situação de deserdado.
A vida pregara-lhe grossa partida. Não bastara a carestia da arrancada. A esta viera juntar-se a da emigração. Um rosário de mágoas,que o remate avolumara.
FOME OCULTA
Eram duas comadres que já há muito se não viam,coisas que
acontecem a quem tem a sua vida.
Ai comadre,tenho andado muito mal. Não sabia o que tinha. Eu dormia,eu descansava,eu comia,mas não me sentia nada bem. Era um mal estar,que não o queria para a comadre. Um dia,não podendo mais,fui ao médico.
E sabe o que ele me disse? Que o que eu tinha era fome. Fome,eu? Mas,doutor,podemos ter muitas necessidades,mas lá em casa não se passa fome,graças a Deus. Mas o certo é que a senhora tem mesmo fome. Não dá é por ela. É uma fome oculta. Que coisa tão esquisita. Pode explicar-me? Com todo o gosto,aliás,é a minha obrigação.
Sabe,a nossa comida tem de ser muito variada,de modo a garantir a ingestão de coisas essenciais,na quantidade necessária. E na comida da senhora há uma coisa essencial que está entrando em quantidade insuficiente.
E eu,comadre,de boca aberta. Então,doutor,o que é que tenho de fazer? E ele lá me passou uma receita,recomendando-me que eu cumprisse o que lá ia. É o que tenho feito há já uns dias. Pois estou a passar muito melhor,fique a comadre sabendo. O médico disse que a cura completa ia levar o seu tempo. É o que eu espero,pois como andei,aquilo não era viver.
Ai comadre,tenho andado muito mal. Não sabia o que tinha. Eu dormia,eu descansava,eu comia,mas não me sentia nada bem. Era um mal estar,que não o queria para a comadre. Um dia,não podendo mais,fui ao médico.
E sabe o que ele me disse? Que o que eu tinha era fome. Fome,eu? Mas,doutor,podemos ter muitas necessidades,mas lá em casa não se passa fome,graças a Deus. Mas o certo é que a senhora tem mesmo fome. Não dá é por ela. É uma fome oculta. Que coisa tão esquisita. Pode explicar-me? Com todo o gosto,aliás,é a minha obrigação.
Sabe,a nossa comida tem de ser muito variada,de modo a garantir a ingestão de coisas essenciais,na quantidade necessária. E na comida da senhora há uma coisa essencial que está entrando em quantidade insuficiente.
E eu,comadre,de boca aberta. Então,doutor,o que é que tenho de fazer? E ele lá me passou uma receita,recomendando-me que eu cumprisse o que lá ia. É o que tenho feito há já uns dias. Pois estou a passar muito melhor,fique a comadre sabendo. O médico disse que a cura completa ia levar o seu tempo. É o que eu espero,pois como andei,aquilo não era viver.
segunda-feira, 15 de julho de 2013
O SOL
Naquele fim de tarde,parecera-lhe maior o Sol,quase a esconder-se,ou ir para a
caminha,lá longe. Muito lentamente sumira-se,como era seu hábito,deixando um
rasto que perdurou. Lembrara-lhe alguém que o desejava perseguir,com ele sempre
à vista. Se tivesse muito dinheiro,havia de tentar. E também um outro que ia
para um miradouro para dele se despedir. Teria receio de o não ver mais? Talvez
pensasse que o seu regresso dependeria do seu adeus.
Pois naquele fim de tarde,tirando ele,mais ninguém se estava interessando ali pelo Sol. E eram muitas as que lá se encontravam. Tratar-se-ia de uma coisa banal,farta de se repetir. Não valeria a pena um simples olhar. No outro dia,lá o teriam novamente. Até quando? Nem ele saberá,coitado,ali sujeito àquele destino.
Pois naquele fim de tarde,tirando ele,mais ninguém se estava interessando ali pelo Sol. E eram muitas as que lá se encontravam. Tratar-se-ia de uma coisa banal,farta de se repetir. Não valeria a pena um simples olhar. No outro dia,lá o teriam novamente. Até quando? Nem ele saberá,coitado,ali sujeito àquele destino.
domingo, 14 de julho de 2013
CONDÃO
Naquela casa muito rica,a festa começara cedo. Risos de crianças e forte cheiro
a bolos saíam dela. Viera da cidade gente para a pôr a brilhar,a várias
côres,quando o grande dia chegasse. A alegria seria nessa altura ainda maior. Era
a única casa, naquela terra modesta,que assim se estava preparando. E um
moço,que,casualmente,acompanhara essa gente da cidade,nunca tinha pensado que
pudesse haver Natais tão diferentes. E fora preciso lá ir para fazer essa
descoberta. Tinha sido um despertar súbito para a crua realidade,o que o
entristecera muito. Julgara sempre que tal festa fosse igual para todos e não
era. Havia de acordar,um dia,em qualquer lugar. Mas porque calhara àquela terrra
tal feito? Não mais se esquecera disso. E sempre que por lá passava,ou lá por
perto,era com um grande respeito. Aquela modesta terra devia ter condão.
MÚSICA CELESTIAL
Era um inconformado. Herdara umas courelas,mas não soubera ou não pudera viver
delas. E hoje,uma,amanhã outra,lá se foram algumas jóias da família. O que lhe
valeu foi ser solteiro e ter um irmão, mais atilado,que o passou a
sustentar.Vivia numa casita que pouco mais tinha do que um quarto,mas para ele
chegava. Logo ao pé da porta, havia uma nora que começava a trabalhar bem cedo,o
que lhe dava algum conforto. Sempre gostara da natureza e aquela água a cair dos
alcatruzes era para ele como música celestial. Dava-lhe esse
passatempo,complementado com a inspecção da horta,até ao almoço. De tarde,ia até
à sede da filarmónica. Aqui se entretinha horas a fio,conversando e jogando às
cartas ou ao dominó. Era do contra,e de vez em quando ia para trás das grades.
Tratava-se de temporadas curtas,pois aquilo,no que lhe dizia respeito,não
passava de paleio. De resto,ele era incapaz de fazer mal a uma mosca.
Acontecia,porém,que lhe dava para dizer não,quando alguns queriam que ele
dissesse sim. Como se depreende,dele não viria grande mal ao mundo. Assim o
entendia quem tratava destes assuntos. Mas uma vez por outra,já se sabe,deixava
de poder ouvir a nora e jogar à bisca. Felizmente que a família esperava sempre
por ele. Mas há um momento em que não há ninguém que nos valha,mesmo que
tenhamos dito sempre que sim.
TENDAS DE MARAVILHAS
Olhava para o ferrador com admiração. A
coragem que devia ter para estar ali com uma das patas do cavalo sobre a sua
coxa,a desbastar-lhe o casco e a fixar-lhe a ferradura. O animal,quando
entrara,parecia não estar para ali virado,tais os gestos negativos que fizera.
Mas a uma palavra sua,ao contacto da mão correndo-lhe o dorso,todo ele se
aquietara. As vezes que o vira fazer o mesmo. Um tanto afastado,não fossem
acontecer surpresas,observava embevecido a sua arte. A operação tinha uma fase
mais empolgante,os ajustes. As ferraduras,presas por tenazes,iam à forja as
vezes necessárias para as adaptar bem às diferentes patas. No cravar,residia a
fase de maior expectativa,pois estava sempre com receio de que o pobre cavalo
acusasse a dor. Quase ao lado,ficava outra tenda de maravilhas,o torneiro. Os
objectos de madeira que o artista sabia fazer. O que mais o entusiasmava era o
fabrico de peões. Daquilo percebia ele. Os de pinho não prestavam. Bons,só os de
azinho. O oleiro,quase da mesma família,estava longe,mas de vez em quando
visitava-o. Daquelas mãos e daqueles pés nasciam coisas de espantar. O barro
submetia-se gostosamente,pois de pedaços informes iam surgindo,a pouco e
pouco,artigos de muito préstimo,depois do toque da cozedura. Sempre que
calhava,ia assistir ao feitiço operado numa padaria caseira. Estava interessado
apenas no final,sobretudo na saída das merendeiras. Ainda quentes,regava-as com
azeite e polvilhava-as com açúcar amarelo,tavez a sua melhor guloseima na
altura.
sábado, 13 de julho de 2013
IRMÃOS FÓSSEIS
Como se sabe,são muitos os modos de manter,temporariamente,o carbono fora do seu
ciclo activo. É o caso da matéria orgânica dos solos,é o caso das árvores,das
madeiras,das mobílias,da cortiça. Enquanto não houver decomposição
microbiológica,quer por via aeróbia,ou anaeróbia,enquanto combustão não
ocorrer,o carbono permanece como tal,e não como anidrido carbónico,o seu,por
assim dizer,destino final. Assim,de modo tímido,todos esses materiais imitam os
seus irmãos fósseis,quando os deixam lá estar no seu sono de milhões de
anos.
UMA LEMBRANÇA
Quase tudo se vai transformando,não havendo volta a dar-lhe. É o progresso,ou lá
o que lhe queiram chamar. E quem não estiver bem,mude-se. E quem não gostar,tem
de passar a gostar,sob pena de lhe chamarem nomes feios.
O certo,no caso presente,é que um quintal,ali mesmo à vista de linha nobre de comboios,onde havia meia dúzia de figueiras,que davam figos de comer e chorar por mais,se foi para sempre. Enchiam-se cestos,não só dos lampos,os mais cobiçados,mas também dos vindimos. Fartavam-se deles a família do feitor,a vizinhança e ainda dava para os levar a certo mercado,onde eram disputados.
O transporte era quase do tipo porta à porta,por o eléctrico disso se encarregar. Chegavam ainda frescos,pois a colheita era feita de madrugada.
Pois tudo isto é só uma lembrança. O quintal foi promovido. Está lá agora uma floresta de cimento. O mercado deixou de o ser,convertido que foi num espaçoso largo.. O eléctrico deve andar por aí,algures,repartido,ou então,dormirá num museu.
O certo,no caso presente,é que um quintal,ali mesmo à vista de linha nobre de comboios,onde havia meia dúzia de figueiras,que davam figos de comer e chorar por mais,se foi para sempre. Enchiam-se cestos,não só dos lampos,os mais cobiçados,mas também dos vindimos. Fartavam-se deles a família do feitor,a vizinhança e ainda dava para os levar a certo mercado,onde eram disputados.
O transporte era quase do tipo porta à porta,por o eléctrico disso se encarregar. Chegavam ainda frescos,pois a colheita era feita de madrugada.
Pois tudo isto é só uma lembrança. O quintal foi promovido. Está lá agora uma floresta de cimento. O mercado deixou de o ser,convertido que foi num espaçoso largo.. O eléctrico deve andar por aí,algures,repartido,ou então,dormirá num museu.
CHEIA DE MEDO
Aquilo teve a sua graça. Lá estavam as pacaças quase no caminho. As
avezinhas,suas vigilantes,bem o indicavam. Veio o barulho do costume,para as
espantar,para sairem dali,pois perturbavam a tarefa. Não é agradável andar a
trabalhar,com inimigos por perto. Elas deram conta e há pernas para que vos
quero. E foram os ruídos do costume,ruídos confusos,desencontrados,vindos lá de
dentro da floresta do capim alto,que ali o vale quase ressumava.
E,sem esperar,o que se vê? Uma pacaça tresmalhada,em fuga,na picada aberta. Estaria cheia de medo,a pobre da pacaça. De patas bem flectidas,quase rastejando,em jeito de não dar nas vistas. Ela lá saberia. Os homens,às vezes,traziam armas,e ela iria desta para melhor.
Naquele caso,não havia uma sequer,e ela lá foi em paz à sua vida. As outras não tinham perdido a cabeça,não saindo do seu esconderijo,que era imenso.
E,sem esperar,o que se vê? Uma pacaça tresmalhada,em fuga,na picada aberta. Estaria cheia de medo,a pobre da pacaça. De patas bem flectidas,quase rastejando,em jeito de não dar nas vistas. Ela lá saberia. Os homens,às vezes,traziam armas,e ela iria desta para melhor.
Naquele caso,não havia uma sequer,e ela lá foi em paz à sua vida. As outras não tinham perdido a cabeça,não saindo do seu esconderijo,que era imenso.
GONÇALO MENDES
"...
-Pois eu tenho estudado muito o nosso amigo Gonçalo Mendes. E sabem vocês,sabe o Snr. Padre Soeiro quem elle me lembra?
-Quem?
-Talvez se riam. Mas eu sustento a semelhança. Aquelle todo do Gonçalo,a franqueza,a bondade,a imensa bondade,que notou o Snr. Padre Soeiro... Os fogachos e enthusiasmos,que acabam em fumo,e juntamente muita persistência,muito aferro quando se fila à sua ideia... A generosidade,o desleixo,a constante trapalhada nos negocios,e sentimentos de muita honra,uns escrupulos,quase pueris,não é verdade?... A viveza,a facilidade em comprehender,em apanhar... A esperança constante n'algum milagre d'Ourique,que sanará todas as difficuldades... A vaidade,o gosto de se arrebicar,de luzir,e uma simplicidade tão grande,que dá na rua o braço a um mendigo... Um fundo de melancolia,apsar de tão palrador,tão sociável. A desconfiança terrível de si mesmo,que o acobarda,o encolhe,até que um dia se decide,e apparece um heroe,que tudo arrasa...Até aquella antiguidade de raça,aqui pegada à sua velha Torre,ha mil annos... Assim todo completo,com o bem,com o mal,sabem vocês quem elle me lembra?
-Quem?...
-Potugal.
...".
Um excerto de A Illustre Casa de Ramires
EÇA DE QUEIROZ
Décima Primeira Edição
1941
LIVRARIA LELLO & IRMÃO
-Pois eu tenho estudado muito o nosso amigo Gonçalo Mendes. E sabem vocês,sabe o Snr. Padre Soeiro quem elle me lembra?
-Quem?
-Talvez se riam. Mas eu sustento a semelhança. Aquelle todo do Gonçalo,a franqueza,a bondade,a imensa bondade,que notou o Snr. Padre Soeiro... Os fogachos e enthusiasmos,que acabam em fumo,e juntamente muita persistência,muito aferro quando se fila à sua ideia... A generosidade,o desleixo,a constante trapalhada nos negocios,e sentimentos de muita honra,uns escrupulos,quase pueris,não é verdade?... A viveza,a facilidade em comprehender,em apanhar... A esperança constante n'algum milagre d'Ourique,que sanará todas as difficuldades... A vaidade,o gosto de se arrebicar,de luzir,e uma simplicidade tão grande,que dá na rua o braço a um mendigo... Um fundo de melancolia,apsar de tão palrador,tão sociável. A desconfiança terrível de si mesmo,que o acobarda,o encolhe,até que um dia se decide,e apparece um heroe,que tudo arrasa...Até aquella antiguidade de raça,aqui pegada à sua velha Torre,ha mil annos... Assim todo completo,com o bem,com o mal,sabem vocês quem elle me lembra?
-Quem?...
-Potugal.
...".
Um excerto de A Illustre Casa de Ramires
EÇA DE QUEIROZ
Décima Primeira Edição
1941
LIVRARIA LELLO & IRMÃO
sexta-feira, 12 de julho de 2013
quinta-feira, 11 de julho de 2013
quarta-feira, 10 de julho de 2013
terça-feira, 9 de julho de 2013
segunda-feira, 8 de julho de 2013
AR DE MAU
Passa os dias encostado às paredes,conversando com os amigos,ou aos balcões das
tabernas junto ao mercado. A idade também já não dá para muito mais. Pois há uns
dias mudou de vida. Foi arvorado em guarda de um prédio em construção. Assumiu
compenetradamente o seu papel. Ali gastava as horas,de manhã à noite,vigiando. A
sua voz até parece que engrossou. Ficou com ar de patrão. O construtor fazia
mesmo uma fraca figura ao seu lado. O homem é alto,a cara mete respeito,o boné
descai-lhe para os olhos,em jeito de rufia de bairro. Nenhum carro,por pouco
tempo que fosse,podia estacionar perto da obra. Logo ele aparecia,com ar de
mau,a mandar avançar. Para melhor observação,colocava-se no passeio,no outro
lado da rua,acompanhando as diferentes fases, com olhos de que aquilo era seu.
Julga-se até que lá dormiu. Continuou,por ocasião da venda,a permanecer nas
imediações,e mesmo depois de tudo transacionado. Fora ali que pontificara meses
a fio. Não o esqueceria nunca e sentir-se-ia muito agradecido pela confiança
nele depositada. Ronda-o,agora,amorosamente. Dá a impressão de ser um filho seu.
Vira-o nascer,crescer e tornar-se num bonito prédio. Amparara-o. Estará ciente
de que dele se desprende alguma coisa de si. E dali não sai. Encosta-se aos
carros estacionados e assiste ao movimento da loja do rez-do-chão. Fora uma ama
inexcedível. O boné continua descaído,olhando para todos os lados,zelando.
DE ONTEM E DE HOJE
Guadalupe,nome de santuário. Estendais de roupa a secar. Uma estrada de terra batida,serpenteando entre azinheiras. Aqui,e ali,gado fazendo pela vida. Uns pedregulhos.ao alto,em formação circular.Talvez um outro santuário. Os bichos maus,de ontem e de hoje.
domingo, 7 de julho de 2013
UMA MAJESTADE
Tudo ali emudeceu. Foi uma adoração. Imperturbável,certa da sua realeza,olhava em redor,de modo ausente. Era uma suficiência,uma majestade.
Do seu trono,um vulgar assento,a um nível comum,dominava tudo e todos,naturalmente, sem um assomo de altivez. Levantou-se,quando lhe aprouve,saiu serenamente,majestosamente, deixando atrás de si um silêncio respeitador,reverente.
Do seu trono,um vulgar assento,a um nível comum,dominava tudo e todos,naturalmente, sem um assomo de altivez. Levantou-se,quando lhe aprouve,saiu serenamente,majestosamente, deixando atrás de si um silêncio respeitador,reverente.
A SUA CONTRIBUIÇÃO
Era o seu primeiro emprego. Tivera sorte,pois tratava-se de dar colaboração numa empresa que estava a dar muito boa conta de si. Seria isto de prever,pois do seu empresário era de esperar o melhor.
Muita gente estava,assim,disposta a visitá-la e aprender com ela,à semelhança do que estava nela dando os seus primeiros passos. Qual não foi,pois,o espanto,e o temor,deste,quando foi solicitado a dar a sua contribuição.
Ainda resistiu,uma,e mais vezes,dado ser um aprendiz,mas foram insensíveis. Não teve outro remédio senão obedecer.
Muita gente estava,assim,disposta a visitá-la e aprender com ela,à semelhança do que estava nela dando os seus primeiros passos. Qual não foi,pois,o espanto,e o temor,deste,quando foi solicitado a dar a sua contribuição.
Ainda resistiu,uma,e mais vezes,dado ser um aprendiz,mas foram insensíveis. Não teve outro remédio senão obedecer.
DAR EM VENENO O REMÉDIO
Não era uma montanha,mas,por aquele andar,qualquer dia formava-se ali uma. E
seria,então,obrigatório assinalá-la no mapa. Aquilo não podia continuar assim.
Tinha de se descobrir um destino para todo aquele desperdício. E um dia,há
sempre um dia,pareceu ter surgido um destino,um destino glorioso. Aquele montão
vinha mesmo a calhar para resolver um problema de nível nacional. Viva o
luxo,nada de coisas de trazer por casa. Fizeram-se umas contas, e tudo indicava
que,com uma cajadada,matavam-se dois belos coelhos. A coisa parecia simples. E
por ser assim, chamaram um jovem para tomar conta do recado. Com quem se foram
meter,estavam bem aviados. O jovem era muito dado a complicações. Ele não tinha
culpa,nascera daquela maneira. Em tudo via dificuldades. Ele lá tinha as suas
razões,que bem lhe tinham custado a arranjar. É que não se podia aplicar aquele
produto de qualquer maneira. Tinha de ser com muito cuidado,pois havia o risco
de o remédio dar em veneno,o que não devia acontecer. Seria uma vergonha,seria
um desacreditar pessoas e mais não se sabe o quê. Não era só fazer contas. Era
preciso,sobretudo,fazer análises,e muito bem feitinhas. Lá acharam que o rapaz
tinha razão. Mas naquela altura tinham mais que fazer. Depois o chamariam. Até
hoje.
sábado, 6 de julho de 2013
CRÓNICAS RECEITAS
Para o mesmo mal,um mal que se eterniza,as receitas não têm mudado. É isto uma
clara evidência de que não têm sido aviadas ou que são necessárias outras.
Assim,nada feito. Ainda se pensara que água mole em pedra dura acabasse de a
furar. Pura ilusão. O que se tem visto são apenas umas ligeiras mossas,nada
mais.
Não haverá volta a dar-lhe? A disposição é só representar? Está bem à vista que muitos o fazem primorosamente,em qualquer palco,na rua mesmo. Talvez por isso muitos teatros tenham ficado às moscas. Para quê lá ir se se tem espectáculo de borla a cada passo,alheio ou próprio? Uma fartura.
Parece, assim,que as receitas estão desajustadas. Têm de surgir outras,mais de acordo com a actual natureza. Mas pode acontecer que,entretanto,todos se transformem em anjos,para quem as crónicas receitas seriam destinadas.
Não haverá volta a dar-lhe? A disposição é só representar? Está bem à vista que muitos o fazem primorosamente,em qualquer palco,na rua mesmo. Talvez por isso muitos teatros tenham ficado às moscas. Para quê lá ir se se tem espectáculo de borla a cada passo,alheio ou próprio? Uma fartura.
Parece, assim,que as receitas estão desajustadas. Têm de surgir outras,mais de acordo com a actual natureza. Mas pode acontecer que,entretanto,todos se transformem em anjos,para quem as crónicas receitas seriam destinadas.
sexta-feira, 5 de julho de 2013
MAUS TRILHOS
Chovera a cântaros naquele mês de Novembro e a ribeira ia caudalosa. A noite
aproximava-se e era altura de regressar a casa. O jipe já pensara nisso,pois não
se estava sentindo nada bem. É que precisava de cuidados que só lá na vila
encontraria. Ainda se fez ao caminho,mas chegara ao limite das suas fracas
forças. Acudam-me. E agora? Ao longe,via-se um "monte". Talvez lá houvesse
remédio. Vieram logo com um tractor,e lá o trataram como puderam. Ficou a
andar,
mas muito mal e incapaz de ver na escuridão,que,entretanto,se fizera. E agora? Haviam de chegar a casa,que devagar se vai ao longe. O jipe,muito chegado ao guia,por vezes,a tocarem-se,lá avançava,penosamente,mas muito amedrontado,pois o fragor da corrente,mesmo ali ao lado,era medonho. Valeu o caminho ter sido aberto em granito esbranquiçado. O jipe esteve um dia a recompor-se,mas disseram que não iria durar muito. Mas aquela era gente sem coração e não descansaram enquanto o não puseram a calcorrear os maus trilhos do costume.
mas muito mal e incapaz de ver na escuridão,que,entretanto,se fizera. E agora? Haviam de chegar a casa,que devagar se vai ao longe. O jipe,muito chegado ao guia,por vezes,a tocarem-se,lá avançava,penosamente,mas muito amedrontado,pois o fragor da corrente,mesmo ali ao lado,era medonho. Valeu o caminho ter sido aberto em granito esbranquiçado. O jipe esteve um dia a recompor-se,mas disseram que não iria durar muito. Mas aquela era gente sem coração e não descansaram enquanto o não puseram a calcorrear os maus trilhos do costume.
quinta-feira, 4 de julho de 2013
MORREU DE VELHO
Não haveria muitos burros como aquele. Pelo
menos,lá na aldeia era ele quem levava a melhor. É que podia ser tomado como um
macho,tal a sua estatura. No trabalho,não lhe ficaria atrás. Depois,era muito
paciente,nada teimoso,sempre pronto para o que fosse preciso. A acrescentar a
tudo isto,que já era muito,não se mostrava exigente,nem na comida,nem na cama.
Qualquer coisa lhe servia. Não tinham conta os serviços que ele prestava. Pode
dizer-se que era pau para toda a obra. E era também muito amigo de crianças.
Nunca se indispôs com alguma,mesmo que,às vezes,abusassem,ao contrário do que
acontecia com certos rapazolas. Ai daquele que o injuriasse,pois sabia dar a
resposta adequada. Logo de manhazinha,abastecia a casa com água da melhor fonte.
Depois,tinha pela frente a ordem do dia,quase tudo a ver com a actividade
principal do amo,uma lavoura mixta de sequeiro e de regadio. Ele arava,ele
gradava, ele fazia girar a nora,ele carregava com os produtos da horta e das
courelas dos cereais e do arvoredo. Escusado será dizer que,nos intervalos,ainda
lhe cabia o transporte de passageiros. Mas era de noite,pela fresquinha,após a
ceifa,quando do carrear as colheitas para a eira,que ele tinha ensejo de pôr à
prova os seus apurados dotes de orientação e de equilíbrio. Não precisava de
guia,era ele que comandava,pelas estreitas veredas a subir e a descer. Os
companheiros seguiam-no,confiados. Nunca perdia o trilho,nem nunca
tropeçava.Todos invejavam a sorte do dono,que,por mais de uma vez,teve de dizer
não a propostas tentadoras. Morreu de velho,deixando muitas saudades. Por muito
tempo foi lembrado,sempre com referências elogiosas. Aquilo é que era um burro.
quarta-feira, 3 de julho de 2013
SEM CORAÇÃO
Naquela rua de terra urbana ,vivia uma rola,ou duas,ou mais,não se sabia ao
certo. O que se sabia, é que de uma varanda,lá bem no alto,vinha um canto
magoado,repetido,de quem não se sentia lá muito bem. Naquela rua,ouviam-se mais
cantos,de papagaio,de periquitos,de pardais,de pombos e de outros que tais. Mas
era aquele choro de vida presa que mais se ouvia. Apetecia subir aquela varanda
e assaltá-la. Apetecia libertar aquela vida enclausurada. E uma vez liberta,iria
por esses ares fora em demanda de melhor poiso. Talvez uma simples árvore,como
uma daquelas ali tão perto,talvez num jardim ou num parque,que os havia ali
próximo,talvez numa floresta vasta,lá longe,talvez num pinhal rescendente. Mas
já chegaria uma pequena mancha verde que lá do alto se via. Ah gente
empedernida,sem coração. Para terem, ao pé da porta,um leve cheirinho da saudosa
aldeia,pouco lhes importa serem fautores de cativeiro e seus guardiões.
terça-feira, 2 de julho de 2013
PARA ONDE É QUE ELA IRIA ?
Ela não dava conta,mas o cigarro na boca
ainda lhe punha um ar mais acabado. Ali estava,à mesa do café,mexendo-se
nervosamente. Pedira uma bica,mas não viera como ela queria. Foi o seu primeiro
protesto. Mas outros se seguiriam,que ela tinha agora começado. O maço precisava
de se esvaziar. Não acabava um e já acendia outro. A bebida regressou,mas ainda
não foi desta que a satisfizeram. Não havia meio de acertarem. O empregado já a
conhecia. Aquilo era um ritual em que ele colaborava. Mas não só ele. Não
descansaria enquanto não fizesse intervir este e aquele. E foi o costume. O
colega do que a tinha servido,o que se encontrava na copa,o engraxador,a mulher
da limpeza. Não escapou um. Ela tinha de se entreter,que em casa não havia
ninguém. Talvez o gato e menos provavelmente o cão. Sobre a mesa,descansavam
dois copos cheios de água. Aquilo iria durar. E a bica estava fria. Quantas
vezes teria de vir ali para saberem dos seus gostos? A bica não era uma
qualquer,pois a chávena vinha num cestinho,para aconchegar. Era assim que ela
queria. Sim,que ela não era para ali uma qualquer. E não seria. Havia ainda uns
restos do que fora,nas atitudes,na cabeça,no porte. Quando permanecia quieta,os
seus olhos miravam lá muito para longe. Durava isto uns momentos,regressando de
novo aos seus afazeres. As beatas acumulavam-se e os comparsas ajudavam. Era
capaz de se demorar ali a tarde toda. Para onde é que ela iria?
segunda-feira, 1 de julho de 2013
domingo, 30 de junho de 2013
A PAZ REINAVA
Na maré baixa,um arremedo de praia formava-se junto à muralha. As águas
acastanhadas,pela vizinhança de um cano de esgoto,iam e vinham em ritmada
ondulação. Ali devia haver comida para lautas refeições,o que atraía
gaivotas,pombos e pardais. Eram as gaivotas,naturalmente,que
pontificavam.
Chegava para todos,pelo que ali reinava a paz. As gaivotas ocupavam,claro,a linha da frente. Seguiam-se os pombos e lá para trás os pardais. Era,de facto,o mais ajustado,dadas as circunstâncias do lugar. O seu a seu dono.
As gaivotas procediam como se não gostassem de molhar os pezinhos. Recuavam,quando a onda vinha. Pareciam crianças ou adultos que receavam pô-los de molho. O certo é que sempre o faziam. De quando em quando,levantavam voo,para regressar de novo à nesga da areia,ocupando o seu lugar na dianteira. Dava para divertir.
Chegava para todos,pelo que ali reinava a paz. As gaivotas ocupavam,claro,a linha da frente. Seguiam-se os pombos e lá para trás os pardais. Era,de facto,o mais ajustado,dadas as circunstâncias do lugar. O seu a seu dono.
As gaivotas procediam como se não gostassem de molhar os pezinhos. Recuavam,quando a onda vinha. Pareciam crianças ou adultos que receavam pô-los de molho. O certo é que sempre o faziam. De quando em quando,levantavam voo,para regressar de novo à nesga da areia,ocupando o seu lugar na dianteira. Dava para divertir.
À VONTADE
Um senhor muito sério,por razões da sua vida,tinha de ir passar uns largos meses
em grande metrópole,de que nem um canto sequer conhecia. Ora,constava-lhe,que
lá,nessa metrópole,a pouca vergonha era muita,e isso trazia-o assaz preocupado.
Um amigo tranquilizou-o. Fica descansado,que eu sei de um pequeno hotel,mesmo à
tua medida,onde te irás sentir como em tua casa.
Instalou-se. O amigo parecia ter acertado. Ele estava a gostar das pessoas,do tratamento,de tudo. Era mesmo aquilo que ele sonhara.
Uma noite,estava ele em conversa amena com a gerente,quando vê entrar,muito sorrateiramente,um vizinho de quarto,acompanhado de uma dama.
Ia-lhe caindo a alma aos pés. A gerente reparou. Sabe,ele já cá está há muito,é como se fosse da família. E você,se também precisar de fazer o mesmo,como gostamos muito de si,esteja à vontade.
Instalou-se. O amigo parecia ter acertado. Ele estava a gostar das pessoas,do tratamento,de tudo. Era mesmo aquilo que ele sonhara.
Uma noite,estava ele em conversa amena com a gerente,quando vê entrar,muito sorrateiramente,um vizinho de quarto,acompanhado de uma dama.
Ia-lhe caindo a alma aos pés. A gerente reparou. Sabe,ele já cá está há muito,é como se fosse da família. E você,se também precisar de fazer o mesmo,como gostamos muito de si,esteja à vontade.
sábado, 29 de junho de 2013
PROMESSA DE PRAIA
No verão,o calor era de abrasar. Tinha sido
sempre assim naquela terra. Os que nela teimavam em permanecer,ter-se-iam
conformado. Quando mal,nunca pior. Havia,de facto,casos piores,ora se
havia.
Mas não seria de admirar que a alguns,se não a todos,tivesse brotado o desejo de verem ali,ou lá perto, uma praia,para se poderem refrescar. Bom jeito lhes faria,quando largassem o trabalho,ou quando não tivessem algo para fazer,o que deveria suceder muitas vezes.
Seria isto apenas um simples e inofensivo desejo,nada mais. Mas um desejo de todo justificado,sem qualquer dúvida. Teriam pensado,uma vez por outra,que talvez ele se pudesse satisfazer. Quem sabe? Acontece tanta coisa aparentemente impossivel.
E um dia,o que é que havia de suceder? Apareceu por lá um senhor de falinhas mansas,todo convincente,de muitas artes e manhas,a prometer-lhes uma. Era garantido. Poderiam ir já vendo-se banhar em frescas águas. Ele era um homem de muitos recursos,já postos à prova,com êxito,noutros cenários.
Para tal,bastava que nele confiassem e lhe dessem os votos. Assim fizeram,mas praia é que nunca lá viram.
Ter-se-ia isto passado? Parece que sim. É que ainda há pouco,por um mero acaso,alguém,de muita idade,lembrava uma quadra,ouvida bastas vezes quando por lá andara,que se fazia eco de tal promessa.
Mas não seria de admirar que a alguns,se não a todos,tivesse brotado o desejo de verem ali,ou lá perto, uma praia,para se poderem refrescar. Bom jeito lhes faria,quando largassem o trabalho,ou quando não tivessem algo para fazer,o que deveria suceder muitas vezes.
Seria isto apenas um simples e inofensivo desejo,nada mais. Mas um desejo de todo justificado,sem qualquer dúvida. Teriam pensado,uma vez por outra,que talvez ele se pudesse satisfazer. Quem sabe? Acontece tanta coisa aparentemente impossivel.
E um dia,o que é que havia de suceder? Apareceu por lá um senhor de falinhas mansas,todo convincente,de muitas artes e manhas,a prometer-lhes uma. Era garantido. Poderiam ir já vendo-se banhar em frescas águas. Ele era um homem de muitos recursos,já postos à prova,com êxito,noutros cenários.
Para tal,bastava que nele confiassem e lhe dessem os votos. Assim fizeram,mas praia é que nunca lá viram.
Ter-se-ia isto passado? Parece que sim. É que ainda há pouco,por um mero acaso,alguém,de muita idade,lembrava uma quadra,ouvida bastas vezes quando por lá andara,que se fazia eco de tal promessa.
DESESPERO RESIGNADO
Não se lhe viram lágrimas,mas de todo ele vinha funda tristeza. Metia dó. Fora ali,naquele buraco ,que ele residira quase um ano. Nem parecia o mesmo agora. Toda a tralha que ele acumulara levara sumiço. Lá acharam que estaria a manchar em demasia via tão nobre. Tinha de encontrar outro buraco,e arranjar nova mobília. Mas a mágoa seria muita,ali bem mostrada, pela cabeça pendida e os passos arrastados. Uma estátua de desespero resignado. Metia dó.
LEI DE AÇÃO DAS MASSAS
Mais uma rutilante jóia a adornar quem já muitas exibia. Mais um presente para quem já muitos recebera. Será isto natural fruto da lei de ação das massas.
sexta-feira, 28 de junho de 2013
FRUTO DE ALMA
Que obra aquela que ali fora levantada. De rocha dura,o esforço de muitos braços
fizera aquela monumental escadaria. Foram braços de homens que a
História,individualmente,não regista,mas que não esquece. Parte desse esforço,talvez a sua maior parte,terá sido fruto de alma,que o corpo,só,não daria conta de tal recado.
MAGRO CHÃO
Aquilo era uma carga de trabalhos. Terra havia,mas a rocha granítica aflorava a
cada passo. Os cuidados que eram obrigados a ter para não molestar as aivecas.
Volta não volta,lá se ia uma relha. Eram curvas e contracurvas,pois raramente se
via pela frente tracto sem tropeços. Mas a vontade e a necessidade de arrancar
daquele magro chão alguma coisa que se visse eram de respeito. Fora o que lhes
coubera em rifa e ainda tinham de se dar por muito afortunados,já que a tantos nem
um quintalito lhes saíra.
É claro que isto não dava para manter a família como alguns queriam. E assim,lá iam esgravatar por outras bandas,fazendo uso de dons que Deus lhes dera. Uns,mais audazes,até se atreviam a ir para longe por temporadas.
Mas quando chegava a ocasião da ceifa ,lá se arranjavam para estarem presentes. E aquela rocha que tantas aflições lhes trouxera,quando das sementeiras,servia-lhes,agora,de eira. Lages não faltavam,com as dimensões e a forma requeridas. Para o grão não se quebrar com o bater dos malhos,tinham de os revestir com uma película elástica. E não havia melhor protecção do que a fabricada com bosta de vaca. Era prática que se perdia no tempo,talvez do tempo dos árabes ou de um mais detrás,e que nunca tinham abandonado. Não consta que alguma vez o pão fosse rejeitado por isso. Saber-lhes-ia sempre a coisa caída do céu.
É claro que isto não dava para manter a família como alguns queriam. E assim,lá iam esgravatar por outras bandas,fazendo uso de dons que Deus lhes dera. Uns,mais audazes,até se atreviam a ir para longe por temporadas.
Mas quando chegava a ocasião da ceifa ,lá se arranjavam para estarem presentes. E aquela rocha que tantas aflições lhes trouxera,quando das sementeiras,servia-lhes,agora,de eira. Lages não faltavam,com as dimensões e a forma requeridas. Para o grão não se quebrar com o bater dos malhos,tinham de os revestir com uma película elástica. E não havia melhor protecção do que a fabricada com bosta de vaca. Era prática que se perdia no tempo,talvez do tempo dos árabes ou de um mais detrás,e que nunca tinham abandonado. Não consta que alguma vez o pão fosse rejeitado por isso. Saber-lhes-ia sempre a coisa caída do céu.
quinta-feira, 27 de junho de 2013
INTEGRATED ANALYSIS OF CLIMATE CHANGE,LAND-USE,ENERGY AND WATER STRATEGIES
Etiquetas:
Água,
Clima,
Energia,
Nature Climate Change,
Terra
quarta-feira, 26 de junho de 2013
terça-feira, 25 de junho de 2013
segunda-feira, 24 de junho de 2013
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