"...
-Pois eu tenho estudado muito o nosso amigo Gonçalo Mendes. E sabem
vocês,sabe o Snr. Padre Soeiro quem elle me lembra?
-Quem?
-Talvez se
riam. Mas eu sustento a semelhança. Aquelle todo do Gonçalo,a franqueza,a
bondade,a imensa bondade,que notou o Snr. Padre Soeiro... Os fogachos e
enthusiasmos,que acabam em fumo,e juntamente muita persistência,muito aferro
quando se fila à sua ideia... A generosidade,o desleixo,a constante trapalhada
nos negocios,e sentimentos de muita honra,uns escrupulos,quase pueris,não é
verdade?... A viveza,a facilidade
em comprehender,em apanhar... A esperança constante n'algum milagre
d'Ourique,que sanará todas as difficuldades... A vaidade,o gosto de se
arrebicar,de luzir,e uma simplicidade tão grande,que dá na rua o braço a um
mendigo... Um fundo de melancolia,apsar de tão palrador,tão sociável. A
desconfiança terrível de si mesmo,que o acobarda,o encolhe,até que um dia se
decide,e apparece um heroe,que tudo arrasa...Até aquella antiguidade de
raça,aqui pegada à sua velha Torre,ha mil annos... Assim todo completo,com o bem,com o mal,sabem vocês quem elle me
lembra?
-Quem?...
-Potugal.
...".
Um excerto de
A Illustre Casa de Ramires
EÇA DE QUEIROZ
Décima Primeira Edição
1941
LIVRARIA LELLO & IRMÃO
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