Não haveria muitos burros como aquele. Pelo
menos,lá na aldeia era ele quem levava a melhor. É que podia ser tomado como um
macho,tal a sua estatura. No trabalho,não lhe ficaria atrás. Depois,era muito
paciente,nada teimoso,sempre pronto para o que fosse preciso. A acrescentar a
tudo isto,que já era muito,não se mostrava exigente,nem na comida,nem na cama.
Qualquer coisa lhe servia. Não tinham conta os serviços que ele prestava. Pode
dizer-se que era pau para toda a obra. E era também muito amigo de crianças.
Nunca se indispôs com alguma,mesmo que,às vezes,abusassem,ao contrário do que
acontecia com certos rapazolas. Ai daquele que o injuriasse,pois sabia dar a
resposta adequada. Logo de manhazinha,abastecia a casa com água da melhor fonte.
Depois,tinha pela frente a ordem do dia,quase tudo a ver com a actividade
principal do amo,uma lavoura mixta de sequeiro e de regadio. Ele arava,ele
gradava, ele fazia girar a nora,ele carregava com os produtos da horta e das
courelas dos cereais e do arvoredo. Escusado será dizer que,nos intervalos,ainda
lhe cabia o transporte de passageiros. Mas era de noite,pela fresquinha,após a
ceifa,quando do carrear as colheitas para a eira,que ele tinha ensejo de pôr à
prova os seus apurados dotes de orientação e de equilíbrio. Não precisava de
guia,era ele que comandava,pelas estreitas veredas a subir e a descer. Os
companheiros seguiam-no,confiados. Nunca perdia o trilho,nem nunca
tropeçava.Todos invejavam a sorte do dono,que,por mais de uma vez,teve de dizer
não a propostas tentadoras. Morreu de velho,deixando muitas saudades. Por muito
tempo foi lembrado,sempre com referências elogiosas. Aquilo é que era um burro.
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