Na maré baixa,um arremedo de praia formava-se junto à muralha. As águas
acastanhadas,pela vizinhança de um cano de esgoto,iam e vinham em ritmada
ondulação. Ali devia haver comida para lautas refeições,o que atraía
gaivotas,pombos e pardais. Eram as gaivotas,naturalmente,que
pontificavam.
Chegava para todos,pelo que ali reinava a paz. As gaivotas
ocupavam,claro,a linha da frente. Seguiam-se os pombos e lá para trás os
pardais. Era,de facto,o mais ajustado,dadas as circunstâncias do lugar. O seu a
seu dono.
As gaivotas procediam como se não gostassem de molhar os pezinhos.
Recuavam,quando a onda vinha. Pareciam crianças ou adultos que receavam pô-los
de molho. O certo é que sempre o faziam. De quando em quando,levantavam voo,para
regressar de novo à nesga da areia,ocupando o seu lugar na dianteira. Dava para
divertir.
domingo, 30 de junho de 2013
À VONTADE
Um senhor muito sério,por razões da sua vida,tinha de ir passar uns largos meses
em grande metrópole,de que nem um canto sequer conhecia. Ora,constava-lhe,que
lá,nessa metrópole,a pouca vergonha era muita,e isso trazia-o assaz preocupado.
Um amigo tranquilizou-o. Fica descansado,que eu sei de um pequeno hotel,mesmo à
tua medida,onde te irás sentir como em tua casa.
Instalou-se. O amigo parecia ter acertado. Ele estava a gostar das pessoas,do tratamento,de tudo. Era mesmo aquilo que ele sonhara.
Uma noite,estava ele em conversa amena com a gerente,quando vê entrar,muito sorrateiramente,um vizinho de quarto,acompanhado de uma dama.
Ia-lhe caindo a alma aos pés. A gerente reparou. Sabe,ele já cá está há muito,é como se fosse da família. E você,se também precisar de fazer o mesmo,como gostamos muito de si,esteja à vontade.
Instalou-se. O amigo parecia ter acertado. Ele estava a gostar das pessoas,do tratamento,de tudo. Era mesmo aquilo que ele sonhara.
Uma noite,estava ele em conversa amena com a gerente,quando vê entrar,muito sorrateiramente,um vizinho de quarto,acompanhado de uma dama.
Ia-lhe caindo a alma aos pés. A gerente reparou. Sabe,ele já cá está há muito,é como se fosse da família. E você,se também precisar de fazer o mesmo,como gostamos muito de si,esteja à vontade.
sábado, 29 de junho de 2013
PROMESSA DE PRAIA
No verão,o calor era de abrasar. Tinha sido
sempre assim naquela terra. Os que nela teimavam em permanecer,ter-se-iam
conformado. Quando mal,nunca pior. Havia,de facto,casos piores,ora se
havia.
Mas não seria de admirar que a alguns,se não a todos,tivesse brotado o desejo de verem ali,ou lá perto, uma praia,para se poderem refrescar. Bom jeito lhes faria,quando largassem o trabalho,ou quando não tivessem algo para fazer,o que deveria suceder muitas vezes.
Seria isto apenas um simples e inofensivo desejo,nada mais. Mas um desejo de todo justificado,sem qualquer dúvida. Teriam pensado,uma vez por outra,que talvez ele se pudesse satisfazer. Quem sabe? Acontece tanta coisa aparentemente impossivel.
E um dia,o que é que havia de suceder? Apareceu por lá um senhor de falinhas mansas,todo convincente,de muitas artes e manhas,a prometer-lhes uma. Era garantido. Poderiam ir já vendo-se banhar em frescas águas. Ele era um homem de muitos recursos,já postos à prova,com êxito,noutros cenários.
Para tal,bastava que nele confiassem e lhe dessem os votos. Assim fizeram,mas praia é que nunca lá viram.
Ter-se-ia isto passado? Parece que sim. É que ainda há pouco,por um mero acaso,alguém,de muita idade,lembrava uma quadra,ouvida bastas vezes quando por lá andara,que se fazia eco de tal promessa.
Mas não seria de admirar que a alguns,se não a todos,tivesse brotado o desejo de verem ali,ou lá perto, uma praia,para se poderem refrescar. Bom jeito lhes faria,quando largassem o trabalho,ou quando não tivessem algo para fazer,o que deveria suceder muitas vezes.
Seria isto apenas um simples e inofensivo desejo,nada mais. Mas um desejo de todo justificado,sem qualquer dúvida. Teriam pensado,uma vez por outra,que talvez ele se pudesse satisfazer. Quem sabe? Acontece tanta coisa aparentemente impossivel.
E um dia,o que é que havia de suceder? Apareceu por lá um senhor de falinhas mansas,todo convincente,de muitas artes e manhas,a prometer-lhes uma. Era garantido. Poderiam ir já vendo-se banhar em frescas águas. Ele era um homem de muitos recursos,já postos à prova,com êxito,noutros cenários.
Para tal,bastava que nele confiassem e lhe dessem os votos. Assim fizeram,mas praia é que nunca lá viram.
Ter-se-ia isto passado? Parece que sim. É que ainda há pouco,por um mero acaso,alguém,de muita idade,lembrava uma quadra,ouvida bastas vezes quando por lá andara,que se fazia eco de tal promessa.
DESESPERO RESIGNADO
Não se lhe viram lágrimas,mas de todo ele vinha funda tristeza. Metia dó. Fora ali,naquele buraco ,que ele residira quase um ano. Nem parecia o mesmo agora. Toda a tralha que ele acumulara levara sumiço. Lá acharam que estaria a manchar em demasia via tão nobre. Tinha de encontrar outro buraco,e arranjar nova mobília. Mas a mágoa seria muita,ali bem mostrada, pela cabeça pendida e os passos arrastados. Uma estátua de desespero resignado. Metia dó.
LEI DE AÇÃO DAS MASSAS
Mais uma rutilante jóia a adornar quem já muitas exibia. Mais um presente para quem já muitos recebera. Será isto natural fruto da lei de ação das massas.
sexta-feira, 28 de junho de 2013
FRUTO DE ALMA
Que obra aquela que ali fora levantada. De rocha dura,o esforço de muitos braços
fizera aquela monumental escadaria. Foram braços de homens que a
História,individualmente,não regista,mas que não esquece. Parte desse esforço,talvez a sua maior parte,terá sido fruto de alma,que o corpo,só,não daria conta de tal recado.
MAGRO CHÃO
Aquilo era uma carga de trabalhos. Terra havia,mas a rocha granítica aflorava a
cada passo. Os cuidados que eram obrigados a ter para não molestar as aivecas.
Volta não volta,lá se ia uma relha. Eram curvas e contracurvas,pois raramente se
via pela frente tracto sem tropeços. Mas a vontade e a necessidade de arrancar
daquele magro chão alguma coisa que se visse eram de respeito. Fora o que lhes
coubera em rifa e ainda tinham de se dar por muito afortunados,já que a tantos nem
um quintalito lhes saíra.
É claro que isto não dava para manter a família como alguns queriam. E assim,lá iam esgravatar por outras bandas,fazendo uso de dons que Deus lhes dera. Uns,mais audazes,até se atreviam a ir para longe por temporadas.
Mas quando chegava a ocasião da ceifa ,lá se arranjavam para estarem presentes. E aquela rocha que tantas aflições lhes trouxera,quando das sementeiras,servia-lhes,agora,de eira. Lages não faltavam,com as dimensões e a forma requeridas. Para o grão não se quebrar com o bater dos malhos,tinham de os revestir com uma película elástica. E não havia melhor protecção do que a fabricada com bosta de vaca. Era prática que se perdia no tempo,talvez do tempo dos árabes ou de um mais detrás,e que nunca tinham abandonado. Não consta que alguma vez o pão fosse rejeitado por isso. Saber-lhes-ia sempre a coisa caída do céu.
É claro que isto não dava para manter a família como alguns queriam. E assim,lá iam esgravatar por outras bandas,fazendo uso de dons que Deus lhes dera. Uns,mais audazes,até se atreviam a ir para longe por temporadas.
Mas quando chegava a ocasião da ceifa ,lá se arranjavam para estarem presentes. E aquela rocha que tantas aflições lhes trouxera,quando das sementeiras,servia-lhes,agora,de eira. Lages não faltavam,com as dimensões e a forma requeridas. Para o grão não se quebrar com o bater dos malhos,tinham de os revestir com uma película elástica. E não havia melhor protecção do que a fabricada com bosta de vaca. Era prática que se perdia no tempo,talvez do tempo dos árabes ou de um mais detrás,e que nunca tinham abandonado. Não consta que alguma vez o pão fosse rejeitado por isso. Saber-lhes-ia sempre a coisa caída do céu.
quinta-feira, 27 de junho de 2013
INTEGRATED ANALYSIS OF CLIMATE CHANGE,LAND-USE,ENERGY AND WATER STRATEGIES
Etiquetas:
Água,
Clima,
Energia,
Nature Climate Change,
Terra
quarta-feira, 26 de junho de 2013
terça-feira, 25 de junho de 2013
segunda-feira, 24 de junho de 2013
domingo, 23 de junho de 2013
sábado, 22 de junho de 2013
sexta-feira, 21 de junho de 2013
quinta-feira, 20 de junho de 2013
ALENTEJANO
Deu agora meio-dia ; o sol é quente
Beijando a urze triste dos outeiros.
Nas ravinas do monte andam ceifeiros
Na faina, alegres, desde o sol nascente.
Cantam as raparigas,brandamente,
Brilham os olhos negros, feiticeiros ;
E há perfis delicados e trigueiros
Entre as altas espigas de oiro ardente,
A terra prende aos dedos sensuais
A cabeleira loira dos trigais
Sob a bênção dulcíssima dos Céus.
Há gritos arrastados de cantigas ...
E eu sou uma daquelas raparigas
E tu passas e dizes : "Salve-os Deus !"
FLORBELA ESPANCA
Beijando a urze triste dos outeiros.
Nas ravinas do monte andam ceifeiros
Na faina, alegres, desde o sol nascente.
Cantam as raparigas,brandamente,
Brilham os olhos negros, feiticeiros ;
E há perfis delicados e trigueiros
Entre as altas espigas de oiro ardente,
A terra prende aos dedos sensuais
A cabeleira loira dos trigais
Sob a bênção dulcíssima dos Céus.
Há gritos arrastados de cantigas ...
E eu sou uma daquelas raparigas
E tu passas e dizes : "Salve-os Deus !"
FLORBELA ESPANCA
quarta-feira, 19 de junho de 2013
TODOS OS MESMOS
Os toiros,cheios de saudades da sua amada lezíria,mal viam a porta
aberta,desatavam numa corrida desenfreada,com pressa de lá chegarem. Mas
qualquê? Por onde quer que tentassem,havia sempre um obstáculo a barrar-lhes o
caminho. Sentiam-se aprisionados e era verdade. Ficavam,por isso,muito irados e
ansiavam por um ajuste de contas. Os primeiros a desafiá-los eram,com
frequência,uns atrevidos,tresandando a vinho,que se postavam mesmo à saída do
corredor que os levava ao vasto recinto amuralhado. Nesta fase,aconteciam,quase
sempre, desgraças,e,por vezes,mortes. A culpa não era dos pobres toiros,está bem
de ver. Quem os mandava pôr na sua frente,quando eles ainda estavam com todas as
suas forças? Depois,vinham uns sujeitos,cada qual com a sua manha,que teimavam em
não os deixarem em paz. Estavam sempre à espera de que alguém,de melhor
coração,lhes apontasse um buraco por onde se escapulissem. Mas aquilo eram todos
os mesmos,o que queriam era fazer pouco deles. Finalmente,quando já estavam por
tudo,de derreados,caía-lhes em cima uma montanha de gente. O peso era tanto,que
nem mexer se podiam. Só após essa grossa partida,é que se davam por satisfeitos
e permitiam que eles fossem para casa.
terça-feira, 18 de junho de 2013
CHÃO SAGRADO
São apenas uns palmos de terra. Vêm todos eles de um tetravô. Que a sua alma
descanse em paz,pois têm-me dado um grande jeito. Nem todos os pedaços que
amanho têm esta origem. Aquele além ia-me custando os olhos da cara. Não
descansei enquanto não pus nele a minha marca. As horas que eu e a minha mulher
gastámos a fazer contas e a refazê-las,sonhando ao mesmo tempo. Mais um ano e
será nosso. E assim conteceu. Mas não foi só aquele. Lembrei-me de o citar
porque é o melhor. Não é por ter sido eu a comprá-lo,mas está ali um belo
tracto. É pena serem todos pequenos,mas juntos ,dava para ter uma boa
quinta.
Têm-me dito que devia trocar alguns,de maneira a formarem-se parcelas de tamanho mais azado para os granjeios. Sempre que me falam nisso,fico fora de mim. Eu,abandonar o chão sagrado dos meus antepassados,e mais o que acrescentei com,pode dizer-se,sangue,suor e lágrimas? Nunca,enquanto viver. E os meus filhos,estou seguro disso,lêem pela mesma cartilha. Além do mais,onde é que se iriam encontrar terras como aquelas que nós temos? Não há melhor aqui nas redondezas. Só as carradas de estrume que eu lá tenho espalhado,para não falar dos químicos,que me têm custado bom dinheiro. Desentranham-se em milho e batata que é um gosto. E a qualidade do vinho? Se produzisse mais,faziam bicha aí à porta.
Têm-me dito que devia trocar alguns,de maneira a formarem-se parcelas de tamanho mais azado para os granjeios. Sempre que me falam nisso,fico fora de mim. Eu,abandonar o chão sagrado dos meus antepassados,e mais o que acrescentei com,pode dizer-se,sangue,suor e lágrimas? Nunca,enquanto viver. E os meus filhos,estou seguro disso,lêem pela mesma cartilha. Além do mais,onde é que se iriam encontrar terras como aquelas que nós temos? Não há melhor aqui nas redondezas. Só as carradas de estrume que eu lá tenho espalhado,para não falar dos químicos,que me têm custado bom dinheiro. Desentranham-se em milho e batata que é um gosto. E a qualidade do vinho? Se produzisse mais,faziam bicha aí à porta.
segunda-feira, 17 de junho de 2013
VEM DAÍ TAMBÉM
Nem de propósito. Pusera-se um belo dia de primavera antecipada. Fora também o
dia de pagamento da pensão de velhice. Duas forças que se conjugaram e que
puseram os idosos em grande alvoroço. Estavam os corpos e as almas aquecidas.O
jardim,especialmente nos locais onde havia mesas,rebentava pelas costuras. Há
muito tempo que se não via tanto velho ali. O inverno tinha sido rigoroso,pelo
que a casa fora o seu refúgio,mesmo em dias de bolsos mais aconchegados. Davam
largas à sua alegria,gozando duplamente aquela ocasião.Encostados a um muro,dois
velhos conversavam. Um deles tinha um jornal. Ora vê aí como está o dia de
amanhã. E da sua voz desprendia-se um sonho,um desejo. Há que tempos não largava
a toca. Tinha de aproveitar o bom tempo e sem demora ,que o dinheirinho voava.
Amanhã ainda o veria. E amanhã continuava o sol a brilhar,conforme o jornal
dizia. Vem daí também.
domingo, 16 de junho de 2013
TORMES,THE HIGHPOINT OF 'QUEIROSIAN' GEOGRAPHY
A. CAMPOS MATOS
To travel to the various locations contained in the ‘Queirosian’ atlas is to enrich the literary transfiguration via which they are presented in Eça’s work with added feeling and knowledge. We thereby obtain a better understanding of the way in which he saw those places and of the osmosis – so significant and so perfect – that he engendered between them and his characters.
It is thus possible to say that his use of the description of locations and spaces that existed in the real world is one of the most important aspects of his literary ‘process’.
The feeling of verisimilitude that Eça manages to transmit is not produced solely by the naturalness and the colloquialism of his dialogues, but also by his unequalled art of situating his characters in their own surroundings and of being able to portray or recreate that environment as though it were a living reality, as well as by his capacity to provide us with an unmatchable representation of its visual appearance. In short, this is what is truly meant by ‘creating the illusion of reality’.
The farm and the house at Tormes – the place in which Eça found inspiration for the novel A Cidade e as Serras (The City and the Mountains) – formed part of the inheritance Emília de Castro, the writer’s wife, received upon her mother’s death in 1890. She, however, never visited them herself. In 1892 her sister Benedita went with Eça to look at the properties that the two women had inherited. Brother and sister-in-law rode on horseback up the hillside from the railway station that is now called Tormes-Aregos. At that time the rooms of the house must have appeared much as they were in the description that Zé Fernandes gives of them in A Cidade e as Serras: "They were enormous, with the sonorous quality of a capitular house, their thick walls darkened by time, neglect and repeated frosts; they were desolately bare – only the corners still contained the odd heap of wicker baskets, or a hoe, lying amidst some sticks. Patches of sky gleamed through gashes in the oak panelling of the distant roofs. The glass-less windows retained those massive shutters – the ones with fastenings for the bars – that scatter darkness when they are closed. Beneath our feet, here and there, a rotten board creaked and gave way".
Restored by his descendants, transformed into a Foundation, the centre of a variety of ‘Queirosian’ activities, Tormes is the most important of the ‘highpoints’ of that magical world created by Eça’s exceptional literary art.
To travel to the various locations contained in the ‘Queirosian’ atlas is to enrich the literary transfiguration via which they are presented in Eça’s work with added feeling and knowledge. We thereby obtain a better understanding of the way in which he saw those places and of the osmosis – so significant and so perfect – that he engendered between them and his characters.
It is thus possible to say that his use of the description of locations and spaces that existed in the real world is one of the most important aspects of his literary ‘process’.
The feeling of verisimilitude that Eça manages to transmit is not produced solely by the naturalness and the colloquialism of his dialogues, but also by his unequalled art of situating his characters in their own surroundings and of being able to portray or recreate that environment as though it were a living reality, as well as by his capacity to provide us with an unmatchable representation of its visual appearance. In short, this is what is truly meant by ‘creating the illusion of reality’.
The farm and the house at Tormes – the place in which Eça found inspiration for the novel A Cidade e as Serras (The City and the Mountains) – formed part of the inheritance Emília de Castro, the writer’s wife, received upon her mother’s death in 1890. She, however, never visited them herself. In 1892 her sister Benedita went with Eça to look at the properties that the two women had inherited. Brother and sister-in-law rode on horseback up the hillside from the railway station that is now called Tormes-Aregos. At that time the rooms of the house must have appeared much as they were in the description that Zé Fernandes gives of them in A Cidade e as Serras: "They were enormous, with the sonorous quality of a capitular house, their thick walls darkened by time, neglect and repeated frosts; they were desolately bare – only the corners still contained the odd heap of wicker baskets, or a hoe, lying amidst some sticks. Patches of sky gleamed through gashes in the oak panelling of the distant roofs. The glass-less windows retained those massive shutters – the ones with fastenings for the bars – that scatter darkness when they are closed. Beneath our feet, here and there, a rotten board creaked and gave way".
Restored by his descendants, transformed into a Foundation, the centre of a variety of ‘Queirosian’ activities, Tormes is the most important of the ‘highpoints’ of that magical world created by Eça’s exceptional literary art.
sábado, 15 de junho de 2013
ARCTIC PERMAFROST'S METHANE RELEASE CAN HELP SCIENTISTS PREDICT AREA'S CLIMATE CHANGE CONTRIBUTION
sexta-feira, 14 de junho de 2013
FIO DE ÁGUA
As cigarras emudeceram e os pássaros
esconderam-se nos ramos das azinheiras. É que se aproximava o medonho estrondo
de um comboio de viaturas. Nunca se vira por ali uma coisa assim. O que estaria
para acontecer? Bem depressa veio o esclarecimento quando os carros pararam.
Deles saiu um mar de gente que se apressou a bisbilhotar o vasto milharal que se
estendia ao longo do rio. Pobre rio,que naquela altura era uma pobre sombra do
que fora. Um fio de água,se podia dizer,que mal dava para a meia dúzia de
famílias de rãs que por ali faziam pela vida,quanto mais para matar a sede
daquela ilha verde. Pois fora esta pobreza que trouxera ali toda aquela gente.
Estavam muito preocupados,e com razão. É que aquele milharal estava a ser um
comedor de dinheiro. Não bastara a renda da terra,as sementes,as alfaias,os
químicos,os amanhos,as jornas,para há uns tempos ter havido necessidade de
recrutar pessoal para escavar o leito do rio,na esperança de algum milagre. E o
milagre dera-se,como se estava a ver. É que as maçarocas já despertavam os
apetites de bandos de pássaros. Alguma coisa de jeito eles sabiam que nelas
encontrariam. Aquele pessoal tinha sido o milagreiro. Escavando dia e noite o
velho leito do rio,desencantou veios de caudal capaz de dar vida àquele
milharal. Mereciam eles um prémio que se visse. Os pássaros também tinham
obrigação de contribuir.
quinta-feira, 13 de junho de 2013
SERIA BONITO
Parecia um pobre de pedir. Não era,mas andaria lá por perto. A fonte que o
sustentara durante alguns anos secara de vez. Não se sabia do que vivia naquela
altura,mas viveria mal. A roupa que usava era disto eloquente prova. Deixara,
também, de pagar a renda da barraca. E uma manhã,fora apanhado a
solicitar,humildemente,a compreensão da dona do palácio,que estava muito
decidida a despejá-lo. Não teria coração esta mulher. Na sua frente,estava quase
um inválido. De facto,ele mal se podia deslocar,pois as suas duas pernas tinham
saído desiguais. Veja se consegue arranjar depressa o dinheiro,pois há gente na
lista de espera. Ao lado,repousava a sua carrinha,novinha em follha,pejada de
hortaliça e de fruta. Era a sua banca. Próximo,encontrava-se o mercado,mas ela
preferia actuar sem concorrência. Escolhera aquele canto,escondido da
autoridade,e ali multiplicava o capital das rendas. Os anos passaram,permitindo
que o mundo desse muitas voltas. E voltas deram também as vidas destes dois.
Viram-no ontem. Não parecia o mesmo. O fato que trazia era azul,sem uma mancha.
Ela lá tem continuado no seu canto. A carrinha é a mesma,mas com muitas marcas
de ferrugem. É isto fruto da demolição das barracas. Teria pensado em trocar a
madeira por cimento,mas não se sentiria capaz. Ainda se irá ver o carenciado de
muito tempo a salvar da falência a encrencada vendedeira de hoje? Seria bonito.
quarta-feira, 12 de junho de 2013
QUASE DE GRAÇA
À vista de todos,banqueteou-se. Era hora da ceia e ele devia estar com pressa.
Nem se lembrou de oferecer,mas estava desculpado. Ele mesmo se encarregou de
todas as operações. Já vinha preparado. De um saco,já muito gasto,retirou tudo
quanto era indispensável,menos o vinho,mas esse,a seu tempo,apareceria,pois ali
havia muito. E o que era tudo? Uma cebola grande,daquelas próprias para um
regimento,azeite,vinagre,sal e pão. Com um canivete,cortou a cebola em rodelas
muito finas,que foram caindo num prato de esmalte,já também muito usado.
Regou-as prodigamente com azeite e vinagre,que,mesmo assim,foram incapazes de
dissolver as carradas de sal,ao seu gosto. O molho devia estar uma delícia,pois
grande parte dele marchou logo,ensopando pedaços de pão. Finalmente,a montanha
de rodelas lá seguiu o seu destino,mas com vagares. Foi um prazer vê-lo comer.
Prazer maior deve ele ter tido. E assim,ficou sobejamente demonstrado como tão
simples é,e quase de graça,o ter uma fina ceia.
RAZÕES PARA VIVER
Imaginem um cubículo,um buraco de chão
térreo,onde mal cabia a cama. Compunham-na um colchão de palha,umas
tábuas e dois caixotes de sabão. Para completar a mobília, havia mais dois
caixotes irmãos,um, a servir de mesa-de-cabeceira e o outro,de sofá. A maioria
dos presos,naquela época,não estaria pior,descontando,claro,a liberdade. Pois
era ali onde ele dormia e,sobretudo,onde queimava as pestanas. Era também a
sua biblioteca. Imaginem uma pilha de revistas de cinema a tocar o tecto,ou,mais
exactamente,o telhado. Terminado o serviço,embrenhava-se nelas. Na vila,não
havia luz elétrica. Mas se houvesse,não é de crer que a patroa lhe pusesse lá
uma lâmpada. E também estava fora de questão um candieiro a petróleo. Assim,ele
tinha de recorrer a velas,pagas do seu bolso,que a patroa não sustentava vícios.
O que ele sabia das estrelas,das suas vidas,das suas paixões. Era neste mundo de
fantasia que ele se sentia bem. Bem precisava dele. Porque,tirando este,o que é
que o esperava? Na pensão,era ele pau para toda a obra. Lá estava às horas das
refeições,chamando para a mesa. Sim,que ali havia ordem. Depois,tinha de servir.
Mas antes disso,já se levantara cedo para ir à água e para fazer limpezas. Estas
prolongavam-se pelo resto do dia e estendiam-se pela noite. Se não fossem aquelas
revistas,não se sabe o que seria dele. Eram elas que lhe alimentavam os
sonhos,que ele achava lindos. Eram elas que lhe davam razões para viver.
terça-feira, 11 de junho de 2013
UM USURÁRIO
Tanta coisa que parece condenada a não desaparecer. Aflitos e usurários são
disto uma triste amostra. Pois é precisamente um usurário que aqui vai ter
notícia. E isto, de uma maneira inesperada.
É que recebera uma educação que tinha como ponto de honra a sua viva reprovação. Não fora curso de um ano só,mas de muitos. Que diria o seu mestre se fosse possível ter disto conhecimento? Poupara-o o ter partido cedo desta vida. Que desilusão teria colhido.
O comboio estava para chegar,mas ainda houve tempo para uns momentos de conversa,ali, na plataforma apinhada. Olha quem é. Há anos que se não viam. O seu aspecto parecia indicar que a vida lhe correra de feição. Seria,certamente,fruto da educação recebida,do mestre que tivera.
Estou reformado,mas não inactivo. Empresto dinheiro a juro. É o que está a dar. E disse isto,naturalmente,sem a voz lhe tremer. E tivera ele como mestre alguém que procedera com ele inteiramente ao contrário. Nada exigira em troca do muito que lhe dera.
Não era para acreditar. Mas ele o confessara sem rebuço. É assim a vida. Há que estar preparado para tudo,mesmo para o absurdo.
É que recebera uma educação que tinha como ponto de honra a sua viva reprovação. Não fora curso de um ano só,mas de muitos. Que diria o seu mestre se fosse possível ter disto conhecimento? Poupara-o o ter partido cedo desta vida. Que desilusão teria colhido.
O comboio estava para chegar,mas ainda houve tempo para uns momentos de conversa,ali, na plataforma apinhada. Olha quem é. Há anos que se não viam. O seu aspecto parecia indicar que a vida lhe correra de feição. Seria,certamente,fruto da educação recebida,do mestre que tivera.
Estou reformado,mas não inactivo. Empresto dinheiro a juro. É o que está a dar. E disse isto,naturalmente,sem a voz lhe tremer. E tivera ele como mestre alguém que procedera com ele inteiramente ao contrário. Nada exigira em troca do muito que lhe dera.
Não era para acreditar. Mas ele o confessara sem rebuço. É assim a vida. Há que estar preparado para tudo,mesmo para o absurdo.
MOEDAS E OLHARES
Eram dois velhos que viviam de esmolas bem diversas. Um, recolhia moedas, o
outro, aceitava olhares. Tinham montado banca na mesma rua,uma rua
movimentada,por ser vizinha de um mercado.
O das moedas era alto,esgalgado,de cara magra,ossuda,macilenta. Coxeava. Vinha de longe,em autocarro. Logo de manhã cedo,lá se instalava no seu posto,o poial de uma janela ,de que não pagava renda. Tinha a sua clientela fiel,com quem chegava a conversar demoradamente. Era visto,de quando em vez,a conferir a caixa. Fecharia a loja,quando já lhe chegava para o que ele queria.
O dos olhares,que se apoiava numa bengala, que parecia o tronco de uma árvore,era,ao contrário,baixo,encorpado,de carita redonda,rosada. Dava gosto olhar para ele. Lembrava um bebé rechonchudo. Este dispensava conversa. Para conversar,tinha a família,quando regressassem do trabalho. O seu poiso era também um poial,o poial de uma janela da sua cave. Não se sentiria bem,sozinho lá no buraco.
Estes dois velhos nunca foram vistos juntos. Não se deveriam entender. Tinham necessidades bem diferentes,um,de moedas,o outro,de olhares.
O das moedas era alto,esgalgado,de cara magra,ossuda,macilenta. Coxeava. Vinha de longe,em autocarro. Logo de manhã cedo,lá se instalava no seu posto,o poial de uma janela ,de que não pagava renda. Tinha a sua clientela fiel,com quem chegava a conversar demoradamente. Era visto,de quando em vez,a conferir a caixa. Fecharia a loja,quando já lhe chegava para o que ele queria.
O dos olhares,que se apoiava numa bengala, que parecia o tronco de uma árvore,era,ao contrário,baixo,encorpado,de carita redonda,rosada. Dava gosto olhar para ele. Lembrava um bebé rechonchudo. Este dispensava conversa. Para conversar,tinha a família,quando regressassem do trabalho. O seu poiso era também um poial,o poial de uma janela da sua cave. Não se sentiria bem,sozinho lá no buraco.
Estes dois velhos nunca foram vistos juntos. Não se deveriam entender. Tinham necessidades bem diferentes,um,de moedas,o outro,de olhares.
URBAN ENVIRONMENTAL POLLUTION 2013 ASIAN EDITION
segunda-feira, 10 de junho de 2013
EÇA AND PARIS
ANTÓNIO COIMBRA MARTINS
In Eça’s own opinion, both the French capital and the French writers are present from the beginning to the end of his work. In an article entitled O Francesismo (‘Francism’) he explains in a manner that is as gracious as it is unbelievable, how, from childhood to adolescence and thence to maturity, the writer he was to become had been progressively and inescapably ‘Frenchied’. The article, which was to become famous, was found among his papers. It is thought to have been written just before he went to live in Paris. However, the truth is that although a great deal of care was taken in its construction and despite the fact that it is very ‘written’ and extremely interesting, the novelist made sure that is was not published in his lifetime.
In general terms, many fundamental French values are apparent in both the complete texts and the fragments that Eça wrote after he had been appointed to Paris: the demand for full freedom of expression; a perception that there was an urgent need to fight poverty, ignorance and exploitation; the opposition to violent ways of maintaining law and order; a feeling or presentiment of the injustice of the colonial relationship; and an awareness of the important role that colonial interests and colonial expansion played in the relationships between the European powers.
At the same time, Eça cannot be accused of having ignored Paris or French politics, although he sometimes made some surprising choices when it came to deciding which aspects of these issues to address and comment on: the Buloz affair, the grand prix, ‘statue-mania’, spiritism... without mentioning his description (or imagined vision) of the idleness of the upper bourgeoisie and of the vacuity of aristocrats – French or otherwise – like the one who appears in A Cidade e as Serras (The City and the Mountains). In the latter novel, the neo-Parisian Eça undertook to describe a world that undoubtedly deserved to be the object of his refined satire (something it received – and in a disturbing form to boot – in Zola’s Paris), but with which he was not familiar. Eça instead knew and frequented – and allowed himself to be frequented by – the wealthy Portuguese and Brazilians who lived in Paris. It seems justified to feel disappointed at the fact that the great European novelist, Eça de Queirós, did not observe the more modern currents of thought of his day and their representatives, which/who certainly deserved chronicling. (The exception was Verlaine, who died in 1896). The physical Paris that appears in Eça’s works is the same as that which he had imagined before he went there – the same city that was evoked by the bourgeoisie whom he was ridiculing at that time, for example at the end of Padre Amaro (Father Amaro’s Crime), or later on, in Tragédia da rua das Flores (The Flores Street Tragedy).
In Eça’s own opinion, both the French capital and the French writers are present from the beginning to the end of his work. In an article entitled O Francesismo (‘Francism’) he explains in a manner that is as gracious as it is unbelievable, how, from childhood to adolescence and thence to maturity, the writer he was to become had been progressively and inescapably ‘Frenchied’. The article, which was to become famous, was found among his papers. It is thought to have been written just before he went to live in Paris. However, the truth is that although a great deal of care was taken in its construction and despite the fact that it is very ‘written’ and extremely interesting, the novelist made sure that is was not published in his lifetime.
In general terms, many fundamental French values are apparent in both the complete texts and the fragments that Eça wrote after he had been appointed to Paris: the demand for full freedom of expression; a perception that there was an urgent need to fight poverty, ignorance and exploitation; the opposition to violent ways of maintaining law and order; a feeling or presentiment of the injustice of the colonial relationship; and an awareness of the important role that colonial interests and colonial expansion played in the relationships between the European powers.
At the same time, Eça cannot be accused of having ignored Paris or French politics, although he sometimes made some surprising choices when it came to deciding which aspects of these issues to address and comment on: the Buloz affair, the grand prix, ‘statue-mania’, spiritism... without mentioning his description (or imagined vision) of the idleness of the upper bourgeoisie and of the vacuity of aristocrats – French or otherwise – like the one who appears in A Cidade e as Serras (The City and the Mountains). In the latter novel, the neo-Parisian Eça undertook to describe a world that undoubtedly deserved to be the object of his refined satire (something it received – and in a disturbing form to boot – in Zola’s Paris), but with which he was not familiar. Eça instead knew and frequented – and allowed himself to be frequented by – the wealthy Portuguese and Brazilians who lived in Paris. It seems justified to feel disappointed at the fact that the great European novelist, Eça de Queirós, did not observe the more modern currents of thought of his day and their representatives, which/who certainly deserved chronicling. (The exception was Verlaine, who died in 1896). The physical Paris that appears in Eça’s works is the same as that which he had imagined before he went there – the same city that was evoked by the bourgeoisie whom he was ridiculing at that time, for example at the end of Padre Amaro (Father Amaro’s Crime), or later on, in Tragédia da rua das Flores (The Flores Street Tragedy).
domingo, 9 de junho de 2013
ÍCARO
Minhas asas humanas de poeta!
Derreteu-as o sol da lucidez.
Cego, abria-as ao vento
Da inspiração
E voava.
Mas pouco a pouco,
Como quem desperta,
Dei conta da cegueira.
E fui perdendo altura.
Agora,canto apenas
Ao rés-do-chão da vida,
A olhar o descampado
Do céu azul
Aberto à graça doutras emoções.
E o canto é triste assim desiludido.
Falta-lhe a perspectiva e o sentido
Que tinha quando eu tinha as ilusões.
MIGUEL TORGA
DIÁRIO XV
Derreteu-as o sol da lucidez.
Cego, abria-as ao vento
Da inspiração
E voava.
Mas pouco a pouco,
Como quem desperta,
Dei conta da cegueira.
E fui perdendo altura.
Agora,canto apenas
Ao rés-do-chão da vida,
A olhar o descampado
Do céu azul
Aberto à graça doutras emoções.
E o canto é triste assim desiludido.
Falta-lhe a perspectiva e o sentido
Que tinha quando eu tinha as ilusões.
MIGUEL TORGA
DIÁRIO XV
COIMBRA,23 DE ABRIL DE 1988
Telefonema penoso. A voz de lá a falar de sucesso e a minha de cá a responder-lhe com o cepticismo de quem já viu muitos arraiais e não corre a foguetes. Só acredita no triunfo quem se esquece da condição. E a nossa é a de mortais,a curto ou a longo prazo.
MIGUEL TORGA
DIÁRIO XV
MIGUEL TORGA
DIÁRIO XV
INCONSTÂNCIA
Procurei o amor,que me mentiu.
Pedi à Vida mais do que ela dava ;
Eterna sonhadora edificava
Meu castelo de luz que me caiu !
Tanto clarão nas trevas refulgiu.
E tanto beijo a boca me queimava !
E era o sol que os longes deslumbrava
Igual a tanto sol que me fugiu !
Passei a vida a amar e a esquecer...
Atrás do sol dum dia outro a aquecer
As brumas dos atalhos por onde ando...
E este amor que assim me vai fugindo
É igual a outro amor que vai surgindo
Que há.de partir também...nem eu sei quando...
FLORBELA ESPANCA
Pedi à Vida mais do que ela dava ;
Eterna sonhadora edificava
Meu castelo de luz que me caiu !
Tanto clarão nas trevas refulgiu.
E tanto beijo a boca me queimava !
E era o sol que os longes deslumbrava
Igual a tanto sol que me fugiu !
Passei a vida a amar e a esquecer...
Atrás do sol dum dia outro a aquecer
As brumas dos atalhos por onde ando...
E este amor que assim me vai fugindo
É igual a outro amor que vai surgindo
Que há.de partir também...nem eu sei quando...
FLORBELA ESPANCA
LINDO MENINO
Não se sabe o que é que o pobre do carneiro
pensava das tropelias que lhe andavam a fazer. O que é certo é que durante
meses,volta não volta,lá tinha de ir viajar ,mas regressava sempre,passado pouco
tempo,a sua casa. Não eram longas as ausências,valia-lhe isso.
A coisa começou assim. Estava ele um dia,muito sossegado,aliás,como até ali,a deleitar-se com a tenra erva lá do prado,em companhia da família,quando lhe apareceu um sujeito que nunca tinha visto a olhar muito para ele. Já dera conta de ele andar ali às voltas,mas não lhe ligara muito. Mas desta vez,teve de o encarar,pois ele tocara-lhe.
O moço,pois aquele sujeito era muito mais novo do que os outros que ele via todos os dias,vestia uma bata branca. E sem mais nem menos,deu ordem para que o levassem para um carro. E ali vai ele, bem amarrado,para um local desconhecido. Lá chegado,conduziram-no a uma espécie de hospital,onde lhe fizeram não sabe ele o quê. Não teve dores,apenas uma ligeira impressão. Pareceu-lhe ter ficado com um buraco nas costelas.
Mas o que é que ele havia de fazer,se ninguém lhe acudiu,nem os tais que ele julgava serem seus protectores? Não sabe explicar o que sentia quando o levavam para aquele casarão. Porém,nunca lhe passou pela cabeça fugir. É que o diabo do moço,tal como outros que ele foi trazendo,um de cada vez,para o ajudar,tratavam-no com carinho,fazendo-lhe muitas festas e chamando-lhe lindo menino.
Teve de se conformar,que remédio. Mas tudo isso era para seu bem,só que se esqueceram de lhe dizer.
A coisa começou assim. Estava ele um dia,muito sossegado,aliás,como até ali,a deleitar-se com a tenra erva lá do prado,em companhia da família,quando lhe apareceu um sujeito que nunca tinha visto a olhar muito para ele. Já dera conta de ele andar ali às voltas,mas não lhe ligara muito. Mas desta vez,teve de o encarar,pois ele tocara-lhe.
O moço,pois aquele sujeito era muito mais novo do que os outros que ele via todos os dias,vestia uma bata branca. E sem mais nem menos,deu ordem para que o levassem para um carro. E ali vai ele, bem amarrado,para um local desconhecido. Lá chegado,conduziram-no a uma espécie de hospital,onde lhe fizeram não sabe ele o quê. Não teve dores,apenas uma ligeira impressão. Pareceu-lhe ter ficado com um buraco nas costelas.
Mas o que é que ele havia de fazer,se ninguém lhe acudiu,nem os tais que ele julgava serem seus protectores? Não sabe explicar o que sentia quando o levavam para aquele casarão. Porém,nunca lhe passou pela cabeça fugir. É que o diabo do moço,tal como outros que ele foi trazendo,um de cada vez,para o ajudar,tratavam-no com carinho,fazendo-lhe muitas festas e chamando-lhe lindo menino.
Teve de se conformar,que remédio. Mas tudo isso era para seu bem,só que se esqueceram de lhe dizer.
NÃO DAVAM DESCANSO
O inimigo espreitava,preparado para enfrentar mais arremetidas do adversário.
Julgando que ele vinha com novas armas,aguçara o engenho ,no intuito de melhor
se defender e atacar. A tarefa estava facilitada por se metamorfosear
continuamente,baralhando,assim,a estratégia do opositor.
De início,surgiu em catadupas de mosquitos,sempre renovadas,que não escolhiam hora para investir. A ferocidade era idêntica tanto de noite como de dia,quer ao sol ou à sombra. Não davam descanso. Os braços andavam numa roda viva ,em tentativas de afugentá-los. Riam-se de tal aparato e atiravam-se em voo picado,cada vez mais encarniçadamente.
Depois,multiplicou-se em máquinas de fazer sono. O gado abundava,favorecendo a disseminação. Para precaver,pois não é aceitável ficar a dormir por muito tempo ou para sempre,houve que suportar tratamento doloroso,que pôs um a mancar durante dias.
Mas não se ficou por aqui. Aproveitando a formação de muitas lagoas,na sequência de inundações,converteu-se numa amiba causadora de grave doença renal. Quem viesse,pois,a contactar aquelas águas,estava sujeito ,um dia, a expelir líquido avermelhado. Para se defenderem,muniram-se de botas de borracha de cano alto,que nem sempre estiveram à altura,devido a desníveis inesperados
De início,surgiu em catadupas de mosquitos,sempre renovadas,que não escolhiam hora para investir. A ferocidade era idêntica tanto de noite como de dia,quer ao sol ou à sombra. Não davam descanso. Os braços andavam numa roda viva ,em tentativas de afugentá-los. Riam-se de tal aparato e atiravam-se em voo picado,cada vez mais encarniçadamente.
Depois,multiplicou-se em máquinas de fazer sono. O gado abundava,favorecendo a disseminação. Para precaver,pois não é aceitável ficar a dormir por muito tempo ou para sempre,houve que suportar tratamento doloroso,que pôs um a mancar durante dias.
Mas não se ficou por aqui. Aproveitando a formação de muitas lagoas,na sequência de inundações,converteu-se numa amiba causadora de grave doença renal. Quem viesse,pois,a contactar aquelas águas,estava sujeito ,um dia, a expelir líquido avermelhado. Para se defenderem,muniram-se de botas de borracha de cano alto,que nem sempre estiveram à altura,devido a desníveis inesperados
MUDAR DE RAMO
Emprestava dinheiro. Soube-se isso,não por portas travessas,mas da própria.
Seria para ela um negócio como outro qualquer. E entrou em pormenores. Era tudo
muito simples,sem papelada. Confiava,mas ai daquele ou daquela que lhe pregasse
o calote. Nunca mais. Mas a maor parte cumpria. Pudera. Convinha-lhes ter sempre
ali aquela tábua de aparente salvação. Humildes,honestos,incapazes de a
prejudicarem,agradecidos,em jeito de manterem a porta aberta. Era uma mulher
baixa,atarracada,de trunfa oxigenada. Os dedos,os pulsos,o pescoço, brilhavam.
Não admirava,assim,que despertasse tentações. Ainda há dias a tinham derrubado e
espezinhado. Aliviaram-na de alguns adornos e estivera por um fio. Nem a casa
escapava. Estava lá apenas o marido,quase um inválido. E sabiam quem ajudara à
festa? Uma que se dizia sua amiga. Uma falsa. Fora uma razia,mas restara ainda
muito,graças a Deus. Isto estava impossível. A droga,o desemprego,a insegurança
cresciam,a olhos vistos. A vontade dela era abrir banca noutra terra menos
perigosa. Sim,porque mudar de ramo não estava nos seus projectos. As palavras
saíam-lhe com dificuldade,o arfar tornara-se mais ruidoso,mas lá dentro morava
uma força que a empurraria para novos empreendimentos de igual cariz.
sábado, 8 de junho de 2013
A UMA RAPARIGA
Somos assim aos dezassete.
Sabemos lá que a Vida é ruim!
A tudo amamos,tudo cremos.
Aos dezassete eu fui assim.
Depois,Acilda,os livros dizem,
dizem os velhos,dizem todos:
"A Vida é triste. A Vida leva,
a um e um,todos os sonhos."
Deixá-los lá falar os velhos,
deixá-los lá... A vida é ruim?
Aos vinte e seis eu amo,eu creio,
Aos vinte e seis eu sou assim.
Sebastião da Gama
PELO SONHO É QUE VAMOS
Sabemos lá que a Vida é ruim!
A tudo amamos,tudo cremos.
Aos dezassete eu fui assim.
Depois,Acilda,os livros dizem,
dizem os velhos,dizem todos:
"A Vida é triste. A Vida leva,
a um e um,todos os sonhos."
Deixá-los lá falar os velhos,
deixá-los lá... A vida é ruim?
Aos vinte e seis eu amo,eu creio,
Aos vinte e seis eu sou assim.
Sebastião da Gama
PELO SONHO É QUE VAMOS
ENQUANTO PUDESSE VOAR
O local presta-se ao descanso de todos os merecimentos. Dali,a vista pode
espraiar-se pelas colinas em volta e pelos campos ao longe,em ondulações
sucessivas. O ar é leve e perfumado. O silêncio perdura.Talvez por tudo isto,
aquela senhora o escolhera. Estava sentada,só, e tinha nas mãos um livro. Foi o
que ela fez durante os dias em que ali permaneceu. Passava as folhas muito
lentamente. Estaria lendo um outro ,que a este se sobrepunha,o livro das suas
recordações. Os seus olhos deixavam,de quando em vez,as linhas na sua
frente,para se fixarem,aparentemente,num ou noutro ponto da paisagem rica,que
diante dela se abria. Estaria lembrando,estaria sonhando. Raramente se servia da
bebida, em cima da mesa da esplanada. Necessitaria de outras,bebidas muito dela.
A senhora bastar-se-ia a si mesma. Em locais como aquele, encontraria bálsamo
para algumas tristezas. Partiu,provavelmente,consolada. Voltaria ali,uma e mais
vezes,enquanto pudesse voar,pois,dificilmente, encontraria melhor poiso.
CURIOSIDADE DE UM ATREVIDO
Ali parecia haver paz. Pombos faziam pela vida e o silêncio era a voz da
esperança. Lá no alto presidia o santo. Dava para armar ali tenda. A tanto não se
tinha chegado,mas bancas não faltavam. Mercadejavam-se ofertas para o
dispensador de dádivas. Uma delas obrigara a trocos que só a caixa forte,a dois
passos,dispunha. Aconchegada num assento,uma velhota rezava. Palavras não se lhe
ouviam,mas os lábios dispensavam-nas. Assim estaria tempos sem fim,se não fosse
a curiosidade de um atrevido. Há gente para tudo,até para perturbar conversas
com o além.Vem aqui muitas vezes? A branca cabeça disse que sim. Mas estava dado o
alarme. Os pombos não voaram,que a inquirição fora de mansinho,mas a velhota
logo se levantou.Também já se estava fazendo tarde. O sol escondera-se e as
sopas encontravam-se lá à espera. O santo também a aconselhara a debandar,pois
do atrevido tudo se podia esperar
VEJAM LÁ UMA COISA DESTAS
A velhota,mal amanhada,sentara-se num banco do jardim. Parecia esperar alguém.
Estava desassossegada e ávida de comunicar. Não sou daqui. O meu filho
trouxe-me,pois tivemos de tratar dumas coisas. O nosso maior sustento vem duma
vaca que dá muito bom leite. Também a gente não lhe falta com a erva e com a
ração,que nos custa bom dinheiro. Há dias, passou por lá um senhor vestido de
bata branca que tirou sangue da vaca para análise. Agora, querem matar a vaca.
Dizem que está doente. Deram um nome ao mal,um nome muito esquisito. O que vai
ser de nós? Temos por lá uma porção de milho a crescer,umas couves na horta e
pouco mais. Como é que vamos viver sem a vaca? Dizem que nos vão dar algum
dinheiro pelo abate. Mas quanto e quando? E como é que até lá havemos de viver?
O filho apareceu e levou a mãe. Mas ali ficou a grande mágoa da velhota, que não
sabia como iria ser a sua vida, depois da morte da sua vaca. Uma vaca que dava
um leite tão bom. Vejam lá uma coisa destas.
BOTÃO DE ROSA
Era um homem de contrastes. Admiravam-se
alguns de como era possível a convivência de tanta diversidade. Mas o certo é
que todos aqueles altos e todos aqueles baixos parecia darem-se como Deus com os
anjos. Não havia ali a menor altercação.
Não importa aqui tocar nos altos,que os tinha muitos e excelentes. Interessa é dar conta de alguns baixos,devendo-se desde já esclarecer que assim são classificados por uma mera comodidade de expressão.
As mãos eram ásperas,calosas,de quem não enjeitava trabalhos rudes,neles se incluindo arroteamento de matos,limpeza de fossas,conserto de viaturas,governo de hortejos.
Para tais funções,os pés deviam andar convenientemente protegidos. E aqui residia uma sua grande preocupação. Não era qualquer rasto que o satisfazia. Horas ele gastava em terras do interior profundo em busca de especialissima roda de tractor.
Depois,havia lá maior prazer do que banquetear-se com pratadas de nêsperas,de ameixas e de figos de árvores por ele mesmo plantadas? Havia,sim. E esse residia em temporadas à beira-mar,olhando o sul. Para isso,adquirira uma nesga de terra,onde levantara,por suas próprias mãos,uma casa de praia.
Alegrando tudo isto,se tal fosse necessário,exibia sempre,nos altos,como nos baixos,um viçoso botão de rosa.
Não importa aqui tocar nos altos,que os tinha muitos e excelentes. Interessa é dar conta de alguns baixos,devendo-se desde já esclarecer que assim são classificados por uma mera comodidade de expressão.
As mãos eram ásperas,calosas,de quem não enjeitava trabalhos rudes,neles se incluindo arroteamento de matos,limpeza de fossas,conserto de viaturas,governo de hortejos.
Para tais funções,os pés deviam andar convenientemente protegidos. E aqui residia uma sua grande preocupação. Não era qualquer rasto que o satisfazia. Horas ele gastava em terras do interior profundo em busca de especialissima roda de tractor.
Depois,havia lá maior prazer do que banquetear-se com pratadas de nêsperas,de ameixas e de figos de árvores por ele mesmo plantadas? Havia,sim. E esse residia em temporadas à beira-mar,olhando o sul. Para isso,adquirira uma nesga de terra,onde levantara,por suas próprias mãos,uma casa de praia.
Alegrando tudo isto,se tal fosse necessário,exibia sempre,nos altos,como nos baixos,um viçoso botão de rosa.
sexta-feira, 7 de junho de 2013
SETE HORAS DA TARDE
Calhara a vez àquela quinta de altos muros,em Évora. Era num Agosto de verão tórrido,pelas sete horas da tarde. Deixou-se cair a aldraba do portão. A cudiram,primeiro,os cães,que,a uma voz,se calaran. A esta hora? Tinha de ser. Podia-se fazer o trabalho,que as "feras" não atacariam. Tratava-se de cartografar os solos daquela quinta.
quinta-feira, 6 de junho de 2013
O MELHOR DA NOITE
Era dia de cinema,uma grande festa. A casa enchia. Tinha sido um alvoroço antes.
Os vestidos,os chapéus,os sapatos,os perfumes,as conversas,os lugares. O balcão
era o máximo,mas na primeira plateia não se estava nada mal. Dava para suportar.
O pior era a segunda e pior ainda a geral. Aqui ficavam os magalas e os párias.
Cheirava mal,sobretudo a suor. E o chão cobria-se de cascas de pevides e de
tremoços. Para alguns,a fita era o menos. O que lhes importava era aparecerem,era
mostrarem-se,sendo o intervalo o melhor da noite. As luzes todas acesas,não
aquela escuridão medonha que igualava tudo. Uns poucos gostavam de se exibir e
vinham para a frente. Eles,naqueles fugidios momentos, os actores. E à saída,as
despedidas,os cumprimentos. E já uma tristeza,que a noite alta mais
acentuava,por se voltar,novamente,à sensaboria de sempre. Por um escasso
tempo,ali deixada,ali esquecida.
quarta-feira, 5 de junho de 2013
PARA SEMPRE
A senhora estava encantada. Seria tão bom ficar ali mais algum tempo. Seria tão
bom ficar ali para sempre. Fora aquilo mesmo que ela sonhara.
Ia-se atrasando,demorando,ficando para trás. Sentou-se. Os outros que esperassem. Olhou em volta ,demoradamente,mais uma vez,e cerrou os olhos,como a querer guardar toda aquela riqueza,que estava prestes a perder.
Chegavam-lhe ondas de perfumes de muitas flores,da grande mata envolvente. O ar estava sereno. Apenas ouvia o falar de um ou outro passarinho.
Ali muito perto,teria cama,mesa e roupa lavada. Era o lugar ideal. Assim ela pudesse. Os outros que regressassem,que ela ficaria ali para sempre.
Ia-se atrasando,demorando,ficando para trás. Sentou-se. Os outros que esperassem. Olhou em volta ,demoradamente,mais uma vez,e cerrou os olhos,como a querer guardar toda aquela riqueza,que estava prestes a perder.
Chegavam-lhe ondas de perfumes de muitas flores,da grande mata envolvente. O ar estava sereno. Apenas ouvia o falar de um ou outro passarinho.
Ali muito perto,teria cama,mesa e roupa lavada. Era o lugar ideal. Assim ela pudesse. Os outros que regressassem,que ela ficaria ali para sempre.
AO MESMO CLUBE
A mocinha negra dava clara indicação de que muito em breve germinaria. E aproveitou,interpretando correcta,ligeira e prazenteiramente a condição daquela fila. Também tinha direito,pois então,ela que não estaria habituada a tal cortesia.
O que ela foi fazer. Uma velha,daquelas tronchudas e mal encaradas,logo reagiu. Qualquer dia também arranjo uma almofada.
Mas não se ficou por aqui. A menina da caixa,por sinal,negra também,que viera com justificações,levou igualmente a sua conta. Vê-se mesmo que pertencem ao mesmo clube.
O que ela foi fazer. Uma velha,daquelas tronchudas e mal encaradas,logo reagiu. Qualquer dia também arranjo uma almofada.
Mas não se ficou por aqui. A menina da caixa,por sinal,negra também,que viera com justificações,levou igualmente a sua conta. Vê-se mesmo que pertencem ao mesmo clube.
EUROPEAN ASSOCIATION FOR POTATO RESEARCH AND EUCARPIA POTATO CONGRESS
terça-feira, 4 de junho de 2013
E O GATINHO?
Dali,via-se a foz do grande rio. Estava uma manhã carrancuda e chovia. Pequenas embarcações de pesca,quase escondidas,pontuavam as negras águas. Muito custa a vida para alguns. Olhe que não é bem assim. Eles sabem do seu ofício,esclareceu um homem de meia idade , com ares de manga de alpaca. Aquilo é uma brincadeira para eles,pois não conheceram outra vida. Trazem resguardos adequados. O horizonte carregava-se mais e mais. Metia medo. Um navio, a abarrotar de contentores ,vinha a entrar,avançando muito lentamente. A negrura mal o deixava ver. Ali perto,uma senhora apiedara-se de um gatinho,que andaria perdido e esfomeado. Fazia-lhe muitas festinhas e mais nada. Os barquitos lá continuavam. O navio lá avançava. Entretanto,chegou o comboio e lá foi cada um para a sua vida. E o gatinho ?
UM GELADO
Já devia ter ultrapassado o cabo dos noventa,ou talvez não,que isto de idades tem muito que se lhe diga. Caminhava quase em ângulo recto,apoiado numa bengala e numa canadiana. Conseguira descer a escadaria de dois lanços,atravessara a rua e embrenhara-se no jardim. Avançava muito tentamente e,enquanto o fazia,soltava gemidos.
Eram ais,numa toada que lembrava,das fitas,a dos remadores das galés. Ele também seria uma,já muito gasta,a desconjuntar-se,mas que ainda se mantinha navegando. Só que nela havia apenas um único tripulante. A cabeça seria a proa. O fluido envolvente deixar-se-ia abrir,sem resistência,com pena dele. E a embarcação lá ia,muito arrastadamente,mas ia.
Parou junto ao quiosque. Encostou os apoios e ergueu com esforço a cabeça. Pediu um gelado,pagou,recebeu o troco e retomou a navegação,mas por apenas mais uns metros. Sentou-se num banco,pousando a iguaria ao lado. Tossiu,assoou-se,instalou um cigarro na boca e acendeu-o. Tudo isto sem pressas,como que antegozando o festim.
Finalmente,chegou o grande momento. Chupava,dava uma fumaça,tossia e olhava. Para onde? Ficaria isso com ele.
Eram ais,numa toada que lembrava,das fitas,a dos remadores das galés. Ele também seria uma,já muito gasta,a desconjuntar-se,mas que ainda se mantinha navegando. Só que nela havia apenas um único tripulante. A cabeça seria a proa. O fluido envolvente deixar-se-ia abrir,sem resistência,com pena dele. E a embarcação lá ia,muito arrastadamente,mas ia.
Parou junto ao quiosque. Encostou os apoios e ergueu com esforço a cabeça. Pediu um gelado,pagou,recebeu o troco e retomou a navegação,mas por apenas mais uns metros. Sentou-se num banco,pousando a iguaria ao lado. Tossiu,assoou-se,instalou um cigarro na boca e acendeu-o. Tudo isto sem pressas,como que antegozando o festim.
Finalmente,chegou o grande momento. Chupava,dava uma fumaça,tossia e olhava. Para onde? Ficaria isso com ele.
COISAS PARA VENDER
Por favor,onde é a praça? Era uma moça,aí de uns quinze anos,alta,magrinha,com carita de fome. Disseram-me que havia perto da praça uma casa que vende coisas em segunda mão. Sabe onde é? Olhe,é ali, logo a seguir ao prédio verde. Está a ver? Sim,obrigado. E lá foi,levando na mão um saquito de plástico com coisas para vender.
O SEGREDO
Era uma velhinha toda vestida de negro,cor que não largara desde a morte do marido. Servira devotamente naquela igreja anos a fio. Os anos não perdoam e tiveram de arranjar quem a substituísse. As voltas que naquela tarde ela deu em torno do túmulo do padroeiro. Tinha feito isso vezes sem conta. Mas parecia ser aquela a primeira vez. Aquilo devia ser a continuação de uma conversa que interrompera no dia anterior. Fora ela que cuidara da higiene do santo durante anos,mas de uma maneira de que só ela tinha o segredo. Talvez ouvisse queixas. A sua sucessora não trataria bem dele. Mas ela estava ainda ali para durar. Podia o santo estar descansado,que ela colmataria as faltas. Não fora em vão que cuidara dele aquele tempo todo. Em troca,o santo dera-lhe sempre excelente saúde,de tal modo que nunca precisara de médico. A filha bem insistia com ela,mas recebia sempre a mesma resposta. Estou todos os dias com o meu médico,não preciso de outro. Naquela tarde,dera a visita por terminada. Fez as despedidas como devia ser e lá abalou,sobraçando um enorme chapéu de sol,próprio para aqueles dias de verão tórrido.
UM EMPRÉSTIMO
Era um velho baixinho,parco de carnes,de barba por fazer. Estava com setenta e quatro anos,mas parecia ter cem. Queria um empréstimo,pouca coisa,o suficiente para uma carcaça. Então,não tem reforma? Tinha,só que a receberia no dia doze,e estava-se ainda a três. Era uma reforma muito magra,como ele. Dava para muito pouco e bem depressa se ia toda. Segurava um cigarro por acender. Olhe que isso faz-lhe mal à saúde,e,depois,é muito caro. Sabia,mas era só um de vez em quando, para matar saudades. E aquele encontrara-o,por acaso,no chão. Mas olhe que é um empréstimo,repetia. Quando puder,pago-lhe. A gente há-de se encontrar por aí,pois a sua cara não me é estranha. Mas se quiser,procuro-o em casa. É só para um remedeio.
DE UMA QUALQUER
O que ele estava contando dava vontade de rir,ou melhor,de sorrir,um riso leve,um riso amarelo,que aquilo não tinha mesmo graça nenhuma. Em boa verdade,aquilo deveria dar era vontade de chorar,mesmo que lágrimas se não derramassem.
Ele ali a dizer que era pobre,que dali a pouco iria comer uma sopinha,uma sopinha de caridade,e acrescentar que fazia versos,versos de fado,que ele cantaria,algures por aí.
Não acredita? Pois é verdade,e mostrou uns papelinhos,onde se podiam ler os que acabara de fazer,ali naquele banco,à espera de chegar o tempo para a sopinha.
Não gosta de poesia? É conforme. Pronto,já sei que não gosta. Pois eu gosto,de uma qualquer.
Ele ali a dizer que era pobre,que dali a pouco iria comer uma sopinha,uma sopinha de caridade,e acrescentar que fazia versos,versos de fado,que ele cantaria,algures por aí.
Não acredita? Pois é verdade,e mostrou uns papelinhos,onde se podiam ler os que acabara de fazer,ali naquele banco,à espera de chegar o tempo para a sopinha.
Não gosta de poesia? É conforme. Pronto,já sei que não gosta. Pois eu gosto,de uma qualquer.
segunda-feira, 3 de junho de 2013
EÇA IN HAVANA
Eusébio Leal Spengler
The traces of the time that Eça de Queirós spent in Havana are still alive in the memory of the places in which he lived. Archival documents and periodicals from the era offer some of the author’s impressions of the Cuba of his day, especially the silent hurt that pervaded his feelings about a decaying world that had been founded on slavery. The contradictions and events of Cuban society left him anything but indifferent.
Eça lived in that state of upheaval which the environment engenders in every foreigner who has just arrived in the tropics – a factor that also explains his travels through Canada and the United States. In the midst of periods of intense work, he witnessed a new drama: the import of Chinese coolies, who had been arriving on the island since 1847 and were variegating the country with their culture and their mastery of agricultural techniques. This issue was of particular interest to him, and in this sense we can include him among the precursors of the fight for human and minority rights. His daily protests and the courage of his actions in favour of the oppressed and the exploited led him to call for an end to the foul trade.
Deep-rooted Habanera tradition states that de Queirós’ favourite place was ‘La Columnata Egipciana’ Café, which occupies the ground floor of a small manorial-style house of noble Mudéjar origins that had once been the home of the Torres de Ayala family.
In deciding to reopen ‘La Columnata’, the Old Havana restoration project sought to make the famous Portuguese novelist its own and to ensure that the site will perpetuate the truly noble purpose of paying homage to him, as well as to remind visitors that the marks he left on the land of Cuba are still there to be seen.
domingo, 2 de junho de 2013
sábado, 1 de junho de 2013
MAL DA VOLTA
Mesmo pujante,aquilo era pasto que já não servia. As vacas que ali tentassem fazer pela vida perdê-la-iam antes do tempo próprio. A erva estava doente. Mas de quê? Só muito tarde se veio a saber. Mas não ficaram à espera,pois havia que sustentar a família. Se ali não podiam permanecer,talvez noutro local,mesmo ao lado,as vacas medrassem como convinha. E foi o que observaram. Mais ainda verificaram que,decorrido certo tempo,o local maldito deixava de o ser. Era como se tivesse de ir dar uma volta ,para distrair ou para descansar,e como mal da volta ficou a ser conhecido. Não interessa aqui dar notícia do porquê de mal tão estranho. Basta dizer que lá,passado esse certo tempo,a terra se recompusera,fornecendo ao pasto o alimento necessário para confortar as vaquinhas. Faz isto lembrar movimentações bem conhecidas. E é vê-los,sós ou acompanhados,tocando,ora ali,ora acolá. E um dia,dada uma volta,regressam ao local de partida. Os sítios onde fazem pela vida parece,a dada altura,virem a padecer de um mal,um tanto ou quanto indefinido. Precisam também de que algum tempo se esvaia,para que os sítios,ou eles,se restabeleçam. Para isso,vão dar uma volta
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