Imaginem um cubículo,um buraco de chão
térreo,onde mal cabia a cama. Compunham-na um colchão de palha,umas
tábuas e dois caixotes de sabão. Para completar a mobília, havia mais dois
caixotes irmãos,um, a servir de mesa-de-cabeceira e o outro,de sofá. A maioria
dos presos,naquela época,não estaria pior,descontando,claro,a liberdade. Pois
era ali onde ele dormia e,sobretudo,onde queimava as pestanas. Era também a
sua biblioteca. Imaginem uma pilha de revistas de cinema a tocar o tecto,ou,mais
exactamente,o telhado. Terminado o serviço,embrenhava-se nelas. Na vila,não
havia luz elétrica. Mas se houvesse,não é de crer que a patroa lhe pusesse lá
uma lâmpada. E também estava fora de questão um candieiro a petróleo. Assim,ele
tinha de recorrer a velas,pagas do seu bolso,que a patroa não sustentava vícios.
O que ele sabia das estrelas,das suas vidas,das suas paixões. Era neste mundo de
fantasia que ele se sentia bem. Bem precisava dele. Porque,tirando este,o que é
que o esperava? Na pensão,era ele pau para toda a obra. Lá estava às horas das
refeições,chamando para a mesa. Sim,que ali havia ordem. Depois,tinha de servir.
Mas antes disso,já se levantara cedo para ir à água e para fazer limpezas. Estas
prolongavam-se pelo resto do dia e estendiam-se pela noite. Se não fossem aquelas
revistas,não se sabe o que seria dele. Eram elas que lhe alimentavam os
sonhos,que ele achava lindos. Eram elas que lhe davam razões para viver.
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