quinta-feira, 13 de agosto de 2015

MATA-BORRÃO

As refeições do menino mereciam ser registadas. O espetáculo começava antes. Tenho fome,alertava ele. E logo que os odores dos petiscos lhe chegavam,desatava a salivar. Já posso ir lavar as mãos? Corria para o seu lugar,ficando na expetativa.

Comia a grandes garfadas. Dizia ele que no colégio fazia o mesmo. Era sempre o primeiro a acabar. Começava cedo a querer ficar à frente,tal como muitos meninos,certamente. Eu sou o mais forte,eu sou o mais alto,as miúdas não me largam,tenho sete namoradas, um sem número de posições de vanguarda.

De vez em quando,repousava,a mastigar mais demoradamente. Estava arranjando espaço no seu estomagozinho. Aproveitava esses intervalos para beijar a avozinha,numa mão,num braço,reconhecido por tão ricos pitéus. Os olhos também denunciavam o bem-estar que sentia com aquelas pançadas. Marchava,depois,a sopa,que achava sempre muito boa. E a expressão de agrado era prova evidente da excelência da confeção. A cena terminava com a fruta de que mais gostava,uma pera ou uma laranja.

As digestões eram rápidas,apsar do trabalho a mais que daria aos sucos enzimáticos,em vista da escassa fragmentação dos alimentos. Assim,ainda não tinha passado uma hora,avisava que a fome tinha voltado. Às vezes,esquecia-se dela,mas isso porque os bonecos animados lá da televisão falavam mais alto. Que rica vida a deste menino.

Virá a lembrar-se dela quando crescer,quando outros interesses o tomarem,interesses absorventes,que a vida é assim,esquecida de muito passado,que ela é um mata-borrão?

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