terça-feira, 31 de março de 2015

CHINA LAUNCHES MAJOR PUSH TO BOOST ALTERNATIVE ENERGY VEHICLES

Alternative energy vehicles

ZURICH TOPS EUROPEAN CITIES FIGHTING AIR POLLUTION

Air pollution

GOLDWIND'S GLOBAL CAPACITY HITS 24GW AS TURBINE REVENUE SOARS TO $2.5bn

Golwind

BIG SHELVES OF ANTARCTIC ICE MELTING FASTER THAN SCIENTISTS THOUGHT

Antarctic ice

FEIJÕES

Fora aquele um tempo para esquecer,um tempo em que se queria ganhar todos os jogos,nem que fossem a feijões.

RICA VARANDA

Naquela manhã,ele não suportou mais aquele estar sentado à mesa do café onde tem passado grande parte das horas que lhe restam. A mulher ainda lá ficou. Esta vive ainda mais daquilo. Pode dizer-se,até,que ela vive para aquilo. Pode ela lá dispensar aquela rica varanda. De lá,vê meio mundo,o mundo que lhe interessa.
Sentam-se,quase sempre,na mesma mesa,o melhor ponto de observação. Ele lê o jornal e torna a lê-lo,mas só as gordas,que a vista tem de ser poupada. De resto,ele acha que as gordas têm o essencial. Para que havia de ler tudo? Ela não se cansa do panorama.
Estão ambos velhos,e ele claramente mais gasto. Talvez naquela noite tivesse dormido mal,talvez as gordas o tivessem fortemente abalado. Como quer que fosse,saiu de lá a correr,como a pedir socorro.
De lá saído,recomeçou um seu outro passatempo e que é o de calcorrear algumas ruas dos seu bairro,sempre as mesmas,que ele conhece de cor e salteado. Conversa com este e com aquele,que ele é sociável e amigo de toda a gente.
A mulher ficou lá à espera dele. Quando a fome apertasse,ele havia de aparecer. No dia seguinte,voltariam ao seu café e seria o que Deus quisesse.

UN RICO TETO

Os baldios iam acabando lá no bairro onde ele nascera e do qual não queria sair. Um dia,chegou a vez ao que mais resistira e onde ele arranjara morada. Neste transe,voltou-se para os desvãos de prédios,mas esses tinham também os dias contados. Os que restavam não passavam de uns buraquinhos.
O que fazer? Emigrar,nem pensar nisso. Seria a sua morte. Havia de encontrar coisa capaz. E assim aconteceu. Pode dizer-se que era uma caverna,mas não uma qualquer. Um verdadeiro achado. Um rico teto.
Abria-se no termo de uma rua que não tivera seguimento,por lhe ter surgido pela frente uma respeitável barreira. Um beco,afinal,um beco largo,com passeios largos. Mas também um beco especial,pois a fechá-lo atravessava-se um prédio assente em pilares.
O amplo vão que assim se formara,um futuro túnel,enchera-se de carros,que respeitavam as bermas. E era numa delas que ele se instalara com armas e bagagens,cama incluída.
Não vivia só. Por ali também se acolhiam gatos. E era com eles,com os seus vizinhos,que ele conversava.

segunda-feira, 30 de março de 2015

MEGASCALE DESALINATION

Desalination

ENGORDAR

Não acreditavam no buraco da agulha,e,assim,não paravam de engordar.

CONQUISTADOR DE BAIRRO

O homem tinha ar de ave noctívaga. De dia,moirejava,de facto-macaco,na oficina. A mulher vigiava-o da janela,desconfiada,talvez,da sua fidelidade. Uma ranchada de filhos acompanhava-a. Tão numerosa prole dava-lhe uma certa autoridade,pelo que a sua voz ouvia-se bem,como se a rua fosse dela. Com tantos trabalhos,não cuidava muito de si,chegando a andar de roupão fora de casa,um tanto estremunhada. Os rebentos imitavam a mãe. Desgrenhados e lambuzados,vagueavam e bricavam no passeio,não se atrevendo a invadir os domínios do pai,ali a dois passos. Deviam ter-lhe muito respeito ou temor. A cara dele era,de facto,um tanto dura. Em vez de sorrisos,receberiam mimos de uma natureza bem diversa. O que era preciso é que não lhes faltasse o pão de cada dia. Mas era de desconfiar.
Em dias de folga,nem parecia o mesmo,vestido e calçado à moda,lembrando um conquistador de bairro. Num fim de tarde,ia todo de negro,acentuando os traços de falcão. Estava ainda novo e a mulher perdera a graça,engordando muito. A família teria ficado frente à televisão. No regresso,haveria mais uma cena,mas a vizinhança já não estranharia.

NA PRAÇA PÚBLICA

Em dias de procissão,elas também lá figuravam. Não se misturavam com a multidão,pois tinham um lugar reservado. Era a boca do túnel que dava acesso ao seu bairro,ao seu "ghetto". Ali ficavam em magote,que o espaço era acanhado. Não estavam lá como simples curiosas,antes intervinham activamente. Pode dizer-se,até,sem grandes exageros,que eram elas as mais participativas. Não quereriam significar outra coisa,certamente,o seu pranto,as suas súplicas,os seus veementes rogos de perdão,em tom alto,enchendo os ares,sobretudo,à passagem dos andores. O cortejo arrastava-se,mas o seu estar não mostrava quebras,antes pelo contrário. Era impressionante,era comovente,era trágico. Só elas,afinal,tinham coragem de expor, tão abertamente, o seu arrependimento,de cara bem descoberta,ali,à vista de todos,na praça pública.

domingo, 29 de março de 2015

CHINA'S NEVER-ENDING 'WAR ON POLLUTION'

Pollution

HOW GEOTHERMAL COULD CLEANLY POWER THE PLANET : INDONESIA'S TALE

Geothermal

INNOVATIONS AND IDEAS FUELLING OUR CONNECTED WORLD

Innovations

O PROBLEMA

O berço dá,a tumba o leva. Quer dizer,o problema,aqui,é o berço,pois a tumba tudo resolve.

COMBOIO À PORTA

Era uma terra nem pequena,nem grande,uma terra asim assim,que ficava lá para o cabo do mundo,mas com comboio à porta. Nessa terra,havia três pessoas importantes,o comerciante João,o médico e o engenheiro.
O senhor João ia,uma vez por outra, à capital,para se actualizar. Aquilo era um contar de novidades de estarrecer,no café central,à noite,depois dos trabalhos. Certa vez,o senhor João contou também uma aventura. Oh senhor João,se a sua mulher calha a saber,coitada dela? Não tem dúvida. Ela sabe muito bem que é só dela que eu gosto,ela está sempre em primeiro lugar.
O médico não tinha mãos a medir,mas não na sua profissão. Como a gente lá da terra raramente estava doente e ele não era de se encostar às paredes,arranjara outros interesses. Ele era agente disto e daquilo, era agricultor,ele era,acima de tudo,mecânico de viaturas. A terra era ponto obrigatório de passagem de tractores e de camionetas,que,frequentemente,tinham as suas mazelas,a necessitar de tratamento. E o médico intervinha,a dar uma ajudinha. Chegava a estender-se no chão,a examinar eixos e cambotas,ficando numa lástima.
O engenheiro era o responsável de uma grande obra. Por tal motivo e por estar muito interessado em encarecer o seu complexo trabalho,era ele que pontificava. A grande obra iria custar metade do que estava previsto. É que ele sabia poupar. Hoje meti nos cofres da empresa um dinheirão,era a sua expressão favorita. Quem eram os ouvintes para daquilo duvidar? Mas parecia haver ali economias a mais,alguém teria feito mal as contas.

OS ESCOLHIDOS

Estavam encantados os moços. O caso não era para menos.É que tinham caído nas boas graças de um mãos largas. Simpatizara muito com eles e aquilo eram prendas todos os dias. Convidava-os a passar lá por casa,escancarando-lhes a selecta garrafeira,e,não contente com isso,ainda lhes punha lá na pensão o melhor vinho da sua lavra.
Não morava o benemérito onde eles tinham assentado arraiais,mas a sua terra era mesmo ali ao lado. Nunca estranharam os moços tanta amabilidade,tanta gentileza. Seria de seu jeito mostrar-se agradável com gente de longe. Assim tivesse sucedido nas outras terras onde já tinham estado.
Só depois de lá terem saído é que deram com o motivo de tanta generosidade. É que ele,naquela altura,era muito mal visto lá na sua terra por via de grossa maroteira. Deixara de ter amigos. E ele precisava de mostrar que os podia ter. Foram os moços os escolhidos. Tinham vindo mesmo a calhar.

sábado, 28 de março de 2015

A FAMOSA - PORTUGUESE FORTRESS

A FAMOSA

UM PASSO

Eram dos tais que só davam um passo de que resultasse  ganho.

CANTO DESOLADO

Aquilo não era um deserto ,mas para lá caminhava. Não se via um riacho e muito menos um rio. As colinas sucediam-se,revestidas de vegetação rasteira e seca. Rocha granítica aflorava por toda a parte. Os carneiros que ali e acolá pastavam mostravam-se tristes por tão grande desolação. Assim andariam animais e gentes naqueles recuados tempos de aventuras sem conta. A fome seria sua companheira fiel ,irmanando-os. Lá ao longe,via-se um povoação,parda como tudo o resto. Apenas uma ou outra torre a denunciava. Lá dentro,em larga praça,dominava a estátua,em bronze,de um cavaleiro na sua montada. Fora assim,do alto do seu poder,que ele conquistara terras longínquas. Onde teria ele ido buscar tamanha energia? Ali perdido,naquele canto desolado do mundo,como lhe teria brotado aquela vontade forte que tanto obstáculo tivera de vencer? A magreza dos proventos seus ter-lhe ia dado a resistência das pedras que atapetavam o chão que magramente o sustentara. Teria sido ele quase uma pedra,volumosa como algumas à vista,que,rolando,esmagara,na sua passagem,tudo quanto lhe aparecera pela frente.

TINHAM ARTES

Mais uma vez ali estava ele a mostrar-se tal qual era, sem disfarces. Mas é assim que deve ser. Para quê disfarces? Não vale a pena usá-los ,pois são tantos os indícios do que é,que o não é soa logo a falso.
Por onde tinha andado que há tempos que não se viam ? Então o que é que ele tinha para dizer sobre o que ía por aí? Andara lá por fora há já umas largas semanas, e as coisas passaram-lhe ao largo. Não estivera cá. E aqui,neste cá,na maneira como fora dito,no desprezo que este cá lhe merecia,começara o destapar-se. O cá era sítio de um mundo terceiro ou quarto,de que ele não fazia parte.
Acabara mesmo de regressar de uma grande volta com um amigo fixe. E já ouvira para aí umas coisas,sim. Mesmo há pouco,no rádio do carro. Eram coisas sem importância para ele. Estava muito para lá delas.
Andara pelo Mediterrâneo,pelo Mar do Norte. Aquilo é que é um iate. Mas também custara ao amigo um bom dinheiro. Milhares,muitos milhares,ali revelados. Uma quantia sem importância. O amigo não cuidava dessas coisas,e ele também. Isso era só para os pelintras,para os que não tinham amigos assim,que sabiam livrar-se dessas coisas. Tinham artes.

sexta-feira, 27 de março de 2015

TURISTAS DE PÉ DESCALÇO

A baía é um encanto. A tarde estava amena. Nas águas, balouçavam, mansamente, pequenas embarcações,e na praia minúscula descansavam gaivotas. De vez em quando,lá vinha da faina mais uma traineira.
Como isso não bastasse ,dois jovens escultores tinham vindo acrescentar mais um elemento à paisagem. Uma elegante sereia estendia-se, preguiçosamente, no areal. Ao lado, apelava-se, em letras garrafais, à generosidade das gentes que passavam. Uma toalha servia de bandeja para as ofertas. As moedas que errassem o alvo não se perderiam.
Os louros rapazes mereciam que os compensassem. Seriam turistas de pé descalço, paciência. Nem todos podiam ser tão abonados como os que enchiam o hotel que ali perto se erguia. Alguns deles nem quiseram olhar para os moços, nem para a sua obra, quanto mais atirar-lhes uns cobres. Estariam a comprometê-los, enodoando-lhes a bandeira.

BEHAVIOURAL CHANGES IN SRI LANKA CREOLE PORTUGUESE

Sri Lanka

DE PÉ

Numa freguesia em que dominava o deitar a baixo,era de esperar ver muito pouca coisa de pé.

VIRADO DO AVESSO

Olha quem é. Você por aqui? Estava-se muito longe de o encontrar ali,naquela vila modesta,muito afastada da sua terra,onde servia às mesas,em café de bairro.
Alto,magrizela,olheirento,lembrando sucessivas noites perdidas na rambóia,linguagem a resvalar para o obsceno,não inspirava grandes simpatias. Toleravam-no. Não seria inteiramente responsável pela vida que levava,pois não tivera,em mais novo,as ajudas necessárias.
A estranheza do encontro tinha outras causas. É que aquela cara já não era a mesma. Perdera o ar de ave noctívaga. Continuava magro,mas as cores eram muito diferentes,de vida regrada.
Então,o que é que faz andar por aqui de bicicleta? Ando por aí,de terra em terra,pregando. Sabe,estudei e escolheram-me para esta missão.
O olhar era franco,olhos nos olhos,sem desvios. Como se transformara. Não era para acreditar. Parecia ter sido virado do avesso. Era,naquela altura,um outro.

O INFERNO

Viera lá da sua terra distante,onde,se pode dizer,corria leite e mel,para se meter numa barraca,nem melhor, nem pior do que as muitas que havia por ali. Só de uma alma como a dele,que não cuidava dessas coisas de boa cama e de boa comida. Por ali andou uns largos anos,ajudando no que podia. Muito resistiu aquele corpo,que raramente se queixaria para não apoquentar a alma. Mas um dia,tiveram de intervir, se não ainda se finava lá o santo. O pobre corpo quase estava reduzido a pele e osso. Entre outras coisas,dava aulas às crianças lá do bairro. E uma delas descreveu-lhe,certa vez,o inferno. Devia ser assim como quando lá na barraca o pai se zangava com a mãe. Ia tudo raso. Ele,coitadito,ficava muito aflito,a um canto,tremendo de medo,esperando que o vendaval passasse.

quinta-feira, 26 de março de 2015

HERBERTO HELDER - PORTUGUESE POET

Herberto Helder

AU BORD DES FLEUVES QUI VONT - ANTÓNIO LOBO ANTUNES

António Lobo Antunes

ATROPELOS

Todos queriam ser os primeiros,pelo que não tinham conta os atropelos.

EU PAGO TUDO

Era capaz de ser paixão,mas também podia ser capricho,ou ser nada. Era homem,de facto,para quase tudo. O que quer que fosse,estava associado ,porém,a uma grande distracção. E isso podia acarretar desastres. E foi o que aconteceu,pelo menos,duas vezes.
A paixão,capricho,ou lá o que era,dizia respeito a touradas. Era,ou supunha-se que era,um aficcionado. Ia numa delas sicrano e beltrano,um par de fama. Não podia faltar,só que era já muito tarde. Oh Manel,quero já aqui o carro. Olha que tenho de chegar a tempo. E o condutor tinha de ir a mata-cavalos,com ele sempre a pressionar.
De uma das vezes,foi um pobre que foi desta para melhor. Talvez até lhe tivesse agradecido. Ia a atravessar a estrada. Ora o que me havia de suceder? Isto só a mim. Mas eu não posso ficar aqui.
Oh senhor guarda,eu pago tudo,mas, pela sua rica saúde,deixe-me ir. Não se sabe se foi,mas é muito provável que tivesse ido,pois no carro apenas se notava uma amolgadela sem importância.
Da outra vez,tratou-se de um rebanho de carneiros,uma muralha de respeito. O carro também ficou com muito para contar. E ele ficou muito triste por não poder estar presente.

O PLANO

Os pais viviam lá para o norte,onde cultivavam umas courelas. Quando chovia,a água arrastava as partículas mais finas,a fracção nobre do solo,levando-a para o rio que corria próximo. A região que acabava por beneficiar com esses carrejos era a vasta leziria de um senhor rio,que ano após ano,por via de sucessivas inundações,se cobria de férteis nateiros. Por este andar,ficariam reduzidos a areia quase estéril. Seria a sua ruína.
Em vista de tal perspectiva,traçaram um plano que lhes pareceu trazer-lhes a salvação. Com algumas economias e a ajuda de familares, mandaram o filho estudar para doutor. O rapaz era inteligente e tirou o curso no devido tempo. Fizeram,então,uma reunião, para assentar ideias. Olha filho,o que prevíamos aconteceu. O melhor da nossa terra foi parar lá abaixo. A riqueza daqueles sítios é,em parte,fruto da nossa pobreza. Ninguém se importa com esta injustiça,de bradar aos céus,pelo que temos de ser nós a repará-la. Estou velho e nada posso fazer,mas tu és novo,tens qualidades,e arranjaste uma arma que te pode permitir recuperar o que é nosso,muito nosso,e até,talvez,acrescentá-lo. O filho entendeu,e prometeu fazer tudo para não os desiludir.
Com a benção dos pais,rumou ao sul. Instalou-se,e olhou em volta. Não descobriu o que era seu,mas não havia dúvida de que aquelas férteis planuras não tinham comparação com as encostas no osso lá dos seus sítios. E pareceu-lhe sentir um forte apelo vindo daquela riqueza. Não se fez rogado,que as circunstâncias pediam acção sem demoras. E assim,em pouco tempo,estava casado com a filha única de um abastado lavrador,cumprindo-se o plano habilmente urdido pelos atilados pais.

quarta-feira, 25 de março de 2015

A CLEAN,GREEN SCIENCE MACHINE

Carbon footprints

TUESDAY TALK : PEDRO CABRITA REIS

Pedro Cabrita Reis

SAINT CHRISTOPHER - A NOVELLA

Eça de Queirós

A ESTAÇÃO DO ENTRONCAMENTO

Era no verão,por altura dos Santos Populares. Seria bom que o povo tomasse contacto com a arte. E vai daí,fizeram uma exposição ao ar livre,num recinto convidativo,com árvores,com canteiros,num jardim. A um canto,arte abstracta,noutro canto,afastado,arte figurativa.E aconteceu,com frequência,o que era de esperar. Olhem para aquilo. Isto também eu pintava. Borradas,é o que tal coisa é. O meu filho,que anda na escola primária,podia ter aqui os seus desenhos. São muito melhores do que todos estes. Não têm jeito para fazer quadros que a gente entenda,depois,é o que se vê. Tanto tempo,tanta tinta,para sairem coisas destas. Olha a estação do Entroncamento. Era uma tela de grandes dimensões. Até parece que estamos lá. O homem sabe disto. E empurravam-se,todos queriam ficar bem ao pé,para não perderem nada. Sim senhor,isto é que arte. Pensam que a gente não consegue distinguir,mas estão muito enganados. Vejam lá como está tudo no seu lugar. O homem sabe do ofício. As plataformas,os comboios,os passageiros,os vendedores de pevides e de tremoços. E as cores?,cores de um rico dia de sol. Este comprava eu,se tivesse dinheiro. Ficava bem lá na sala. Agora, os outros,lá de trás,nem dados. Que diriam os parentes e os amigos se os vissem lá na sala? Que estávamos malucos de todo.

UMA DELÍCIA

A mesa estava posta, uma mesa única, de pensão, e os convivas foram chegando. Um deles, trazia um grande queijo fresco, envolvido em papel de jornal. Pousou-o, destapado. Naquele fundo branco, eram bem visíveis marcas negras de letras. Mas ele não as veria ou não lhes atribuiria grande importância. Aquilo ficaria por ali, se ele não tivesse a amabilidade de oferecer. Acharia indelicado não o fazer, tanto mais que estava em presença de gente mais instruída do que ele. Estaria, pois, cheio de boas intenções. Por delicadeza, também, aquele a quem ele se dirigiu, talvez por se encontrar logo à sua direita, não lhe quis dizer porque não aceitava uma porção daquele queijo, que devia estar uma delícia, como o seu próprio dono, aliás, asseverou. Não havia melhor na terra, podem crer. O senhor insistiu e recebeu nova negativa. À terceira, explodiu. Pois é, é por ser oferecido por alguém de poucos estudos. E levantando-se, saiu desabridamente da sala, para não mais aparecer.

JOGAR À BISCA

Era um inconformado. Herdara umas courelas,mas não soubera ou não pudera viver delas. E hoje,uma,amanhã outra,lá se foram algumas jóias da família. O que lhe valeu foi ser solteiro e ter um irmão, mais atilado,que o passou a sustentar.Vivia numa casita que pouco mais tinha do que um quarto,mas para ele chegava. Logo ao pé da porta, havia uma nora que começava a trabalhar bem cedo,o que lhe dava algum conforto. Sempre gostara da natureza e aquela água a cair dos alcatruzes era para ele como música celestial. Dava-lhe esse passatempo,complementado com a inspecção da horta,até ao almoço.De tarde,ia até à sede da filarmónica. Aqui se entretinha horas a fio,conversando e jogando às cartas ou ao dominó. Era do contra,e de vez em quando ia para trás das grades. Tratava-se de temporadas curtas,pois aquilo,no que lhe dizia respeito,não passava de paleio. De resto,ele era incapaz de fazer mal a uma mosca. Acontecia,porém,que lhe dava para dizer não,quando alguns queriam que ele dissesse sim.Como se depreende,dele não viria grande mal ao mundo. Assim o entendia quem tratava destes assuntos. Mas uma vez por outra,já se sabe,deixava de poder ouvir a nora e jogar à bisca. Felizmente que a família esperava sempre por ele. Mas há um momento em que não há ninguém que nos valha,mesmo que tenhamos dito sempre que sim.

terça-feira, 24 de março de 2015

EDUARDO LOURENÇO - PORTUGUESE ESSAYIST

Eduardo Lourenço

EDUARDO LOURENÇO - CAHOS AND SPLENDOR & OTHER ESSAYS

Eduardo Lourenço - Portuguese essayist

CARRAÇAS E COELHOS

Era de fugir,não pelos coelhos, coitados,mas por via das carraças. Mas era aquilo um crivo nunca visto. Até parecia um milagre as azinheiras manterem-se,ali,de pé. É que as tocas eram tantas que quase se não tinha sítio onde pôr o pé. Também havia o risco de um ou os dois se enfiarem pelos buracões.
É claro que o trabalho estava muito facilitado. Quase bastava olhar para a terra que viera lá de baixo. Não se podia era estar muito tempo parado,que as carraças punham-se logo a trepar,não escolhendo superfície. Andariam de barriga cheia,pois limitaram-se a passear por caminhos estranhos. Mas não era nada agradável vê-las ali amarinharem pelas calças ou sabe-se lá mais por onde.
Quem também não gostava nada destes conjuntos eram hortejos,não,pelas carraças,mas,agora,pelos coelhos. E está-se mesmo a ver porquê,mesmo com muros a separar. É que eles eram exímios em passar por baixo. E então,adeus,minhas hortaliças.

PARTIDAS

A terra estava lá para o fim do mundo,onde as novidades custavam a chegar. Como as modernices obrigam quase sempre a maiores gastos,muitos não se importavam de as dispensar. Quando mal,nunca pior,era o seu entendimento.Mas o pior encontra-se,às vezes,num lacrau que anda lá na sua vida. De noite,ele vê melhor,sobretudo se for pisado. E foi o que sucedeu a uma senhora que se agachara para fazer o que tinha de ser feito. O dito bichinho não esteve com meias medidas,pagando-se com a moeda que usa em casos destes. Quase se ia a senhora deste vale de lágrimas. Valeu-lhe a medicina caseira,que tem muito préstimo quando não há outra. Não é em vão que se anda por cá há milénios.Logo que se pôs boa,resolveu casar a filha. Para isso,consultou,como convinha,a mais creditada mulher de virtude das redondezas. Fizeram-se as benzeduras para o efeito e marcou-se a boda de acordo com as indicações. Era casal para durar. Os festejos deviam condizer com as promessas. Foram três dias de arromba,em que se consumiram,para além de tudo o mais,alguidares e alguidares de tremoços.Aconteceu,entretanto,uma visita inesperada para alguns. Ainda mal rompera o dia,o quarto do tálamo foi invadido,sem cerimónias, por um magote de jovens em grande algazarra. Não são partidas que se preguem,mas tradições têm que se respeitar.Mas há uma visita mais ou menos esperada que todos,sem excepção,um dia recebem. Foi o caso de uma velhota que se lembrou,pouco tempo volvido,de ir desta para melhor. Surgiu logo um coro de carpideiras,que faria um belo serviço a espantar pardais esfomeados. Não fariam outro serviço por aqueles sítios. Não se podia morrer ali em sossego,que elas não deixavam.

O PIOR É O RESTO

Saíam de casa a pé,às vezes de longe e de madrugada,para irem trabalhar. Quão diferente hoje é. Vão-nas buscar a casa e trazem-nas de volta. É como ter um transporte porta a porta. Pois elas,depois de terem calcorreado uma boa distância,tinham começado a monda do trigo,que bem precisado estava. O tempo não era dos melhores,mas esperavam que se aguentasse sem chuva. Mas não aconteceu assim. Se fosse uma daquelas miudinhas,de molha-tolos,vá que não vá. Continuariam lá,a cumprir as horas do ajustado. Para isso, tinham trazido aquela espessura de xales. Mas deu para cair em abundância. Chovia que Deus a mandava. Chegar-lhes-ia até aos ossos,mesmo que trouxessem uma montanha deles. Tinham já larga experiência disso,escusavam de tentar mais uma vez. Não tiveram outro remédio se não recolherem-se numa cabana. Uns jovens ,que por ali andavam,umas vezes de jipe e outras a pé,não viram também outra saída,refugiando-se onde elas já se encontravam. Está-se bem aqui,disse um deles. Está,está,o pior é o resto. Explique-se lá minha ?senhora. É que,com o dia assim,logo a esta hora,temos de voltar para casa com os bolsos vazios. E a vocês, vai acontecer o mesmo? Quem tinha de responder não atinou logo na resposta. Foram uns segundos de hesitação,de angústia mesmo. Mas não devia dizer a verdade. Tinha de mentir. Quem ousaria o contrário?

segunda-feira, 23 de março de 2015

COSTA RICA HAS ONLY USED RENEWABLE ENERGY THIS YEAR

Renewable energy

TOP 10 EMERGING TECHNOLOGIES OF 2015

Technologies

ÁLVARO SIZA AND SOUTO DE MOURA'S "STONE RAFT"

Stone Raft

SEBASTIÃO SALGADO : GENESIS

Sebastião Salgado

UMA SERENIDADE

A terra está num ponto dominante,"um alto morro isolado no meio de planícies e de vales". A vista é soberba. "A toda a volta até às faldas das serranias próximas desdobra-se a planície,aqui e além cortada de ondulações ligeiras". Por ali também há ecos de um passado rico.
Não admira pois que a terra seja muito procurada,podendo, até, lá permanecer. Era o que estava acontecendo a um turista,vindo de muito longe. Todo o seu aspecto indicava que estava deliciado. De resto,o dia também colaborava,um lindo dia de sol,não muito quente.
Parecia estar ele em sua casa. De alpergatas,de calções,de chapéu às três pancadas,preparava-se para ir bisbilhotar um marco desse passado rico. Mas alguém o interpelou. Sim,vinha ficar ali uns dias. Estava encantado. Pudera,o bulício que ia por lá,pela sua cidade distante. E ali era um sossego,uma paz,uma serenidade,quase o paraíso. E tão satisfeito estava,que não resistiu a anunciar que haveria de voltar,talvez mais do que uma vez.

UM TUDO NADA

Era um sossego,uma paz,uma serenidade,naquela tarde,naquele lugar. Houvera outros tempos assim,em mais lugares,e em mais tempos também. Tão diferente fora a tarde anterior ali. É que por lá tinha passado uma multidão ruidosa,que um espectáculo de ensurdecer esperava. Não tivesse passado por lá essa multidão,esta tarde,naquele lugar,teria sido uma serenidade,uma paz,um sossego. Um tudo nada tudo isto perturbara,um tudo nada fugidio,tão ao contrário da permanência,ou duma aparência dela,de quase tudo por onde essa multidão ruidosa passara. Tal como em muitos outros tempos,noutros lugares,tal como à beira mar. As ondas vêm e vão,indiferentes,quer estejam lá a vê-las multidões,ou ninguém.

DE NINGUÉM

Não importa o sítio. Não era no cume de uma montanha imponente,não era no fundo de um vale edílico,não era no centro de uma planície imensa,não era em qualquer outro lugar assim. Era algures,por aí,num canto humilde.
Pois foi precisamente aí,nesse sítio simples,que,certo dia,um dia vulgar,surgiu uma imagem do Criador. Não se sabia de onde tinha vindo,quem a tinha feito,porque fora ali posta. O certo é que ela ali estava,como que interpelando,como querendo dizer qualquer coisa de muito importante. Talvez ali tivesse estado sempre,só que não se dera por ela.
O que mais fazia pensar quando para ela se olhava com olhos de ver, era a cabeça,mas o resto não lhe ficava atrás. O tronco era robusto,viril,tal um de lutador,daqueles das antigas arenas,os braços e as pernas eram musculosos,a indicar que o tronco tinha neles e nelas suportes da mesma força.
Mas era a cabeça,sem dúvida,que mais impressionava,sobretudo,a cara,de uma cor indefinida,de nenhuma cor,uma cara de ninguém. Era,pode dizer-se,uma cabeça-síntese,parecida com todas as cabeças,uma a uma,sem uma escapar.    

ERA POBRE

Recordava-se bem,embora já se tivessem passado muitos,muitos anos,daquele menino da escola primária,filho de um pastor. Gostava mais dele do que de qualquer outro e gostava de o acompanhar até ao limite da vila,no regresso das aulas. Via-o ir pela estrada fora até se sumir lá longe.Havia de ir um dia com ele para ver a sua casa. Onde ficaria ela e como seria? As ovelhas ficariam perto e ele ouviria o seu balir,o som dos chocalhos e vê-las-ia partir,com o pai a conduzi-las? Perguntas que teria feito,mas com respostas que não o deixaram satisfeito. Depois de alguma insistência,que a ideia não seria do seu agrado,lá foram os dois numa tarde. Ficava num pequeno morro,quase sobranceira à estrada. Não era bem uma casa,tinha assim o aspecto de um moinho. Velas não se viam,nem armação. Era acanhada. Quase só existia uma divisão. E ali perto,construíra-se o cercado,onde as ovelhas recolhiam. Não tinham vindo ainda e não pôde assistir à sua chegada,pois se estava fazendo noite. Mas satisfizera o seu desejo ou capricho. Vira a casa de um pastor e vira que era pobre.

domingo, 22 de março de 2015

PAULA REGO / HONORÉ DAUMIER : SCANDAL,GOSSIP AND OTHER STORIES

Paula Rego

CASA DAS HISTÓRIAS - PAULA REGO

Paula Rego

O DESTERRADO - SOARES DOS REIS

The Exile

LINDO MENINO

Não se sabe o que é que o pobre do carneiro pensava das tropelias que lhe andavam a fazer. O que é certo é que durante meses,volta não volta,lá tinha de ir viajar ,mas regressava sempre,passado pouco tempo,a sua casa. Não eram longas as ausências,valia-lhe isso.
A coisa começou assim. Estava ele um dia,muito sossegado,aliás,como até ali,a deleitar-se com a tenra erva lá do prado,em companhia da família,quando lhe apareceu um sujeito que nunca tinha visto a olhar muito para ele. Já dera conta de ele andar ali às voltas,mas não lhe ligara muito. Mas desta vez,teve de o encarar,pois ele tocara-lhe.
O moço,pois aquele sujeito era muito mais novo do que os outros que ele via todos os dias,vestia uma bata branca. E sem mais nem menos,deu ordem para que o levassem para um carro. E ali vai ele, bem amarrado,para um local desconhecido. Lá chegado,conduziram-no a uma espécie de hospital,onde lhe fizeram não sabe ele o quê. Não teve dores,apenas uma ligeira impressão. Pareceu-lhe ter ficado com um buraco nas costelas.
Mas o que é que ele havia de fazer,se ninguém lhe acudiu,nem os tais que ele julgava serem seus protectores? Não sabe explicar o que sentia quando o levavam para aquele casarão. Porém,nunca lhe passou pela cabeça fugir. É que o diabo do moço,tal como outros que ele foi trazendo,um de cada vez,para o ajudar,tratavam-no com carinho,fazendo-lhe muitas festas e chamando-lhe lindo menino.
Teve de se conformar,que remédio. Mas tudo isso era para seu bem,só que se esqueceram de lhe dizer.   

sábado, 21 de março de 2015

WORLD WATER DAY 2015 : WATER FOR SUSTAINABLE DEVELOPMENT

Water

A VIAGEM DE ANTERO DE QUENTAL À AMÉRICA DO NORTE

Antero de Quental

ANTERO DE QUENTAL - PORTUGUESE POET

Antero de Quental

ROMAGEM AO ESPÍRITO DE ANTERO

Antero de Quental

GENTE FIXE

É pintor de interiores o senhor Francisco. Anda nisto há um ror de anos,tantos que até já lhe perdeu o conto. Deita mãos aos pincéis logo de manhazinha,só os largando pela noite dentro. Aos domingos,faz uma pausa,mas mais porque é um pau mandado e o sócio tem outras exigências. O corpo é franzino,mas rijo. Diz que esteve apenas uma vez doente,com uma forte gripe. Mas só faltou um dia à chamada. Podia lá estar sem as suas tintas. Tinto é também o seu líquido preferido. Às vezes, exagera,sobretudo em dias de folga. Tem um grupo de gente fixe com quem se diverte à grande. Volta não volta,dão grandes passeatas. Até já foram à Galiza. É que a vida não é só trabalhar. Com este modo de vida,o que mais se poderia esperar do senhor Francisco? A bebida será para ele um refúgio e até um resguardo para as correntes de ar que tem de apanhar,com as janelas sempre todas abertas. Não sabe fazer mais nada. Nem a bola o atrai,pois não sabe ler lá muito bem. Pouco informado,como é que acompanharia as conversas? Os companheiros do grupinho fixe serão também dos seus,pelo que ficará tudo em família.

IMPONDERÁVEIS

Gaivotas em terra nem sempre será sinal de borrasca. O dia estava,de facto,primaveril,com promessas de assim se repetir. Já as tinham visto aventurarem-se muito por terra adentro,em ocasiões de tempestade próxima,mas agora encontravam-se ali,no vasto largo,em grande número,enchendo os ares com o seu falar estridente. O que as levara a deixarem a beira-rio? Estava bem à vista do que se tratava. Naquele sítio,abundam pombos e pardais,à cata de alguma coisa que se coma. Para além de migalhas várias,que o contínuo passar de gente sempre produz,há as esporádicas contribuições que uns tantos se comprazem em distribuir. E naquela tarde,até grandes pedaços de pão faziam parte das iguarias. Ao seu cheiro,e fartas,talvez,da dieta de peixe,tinham vindo fazer concorrência aos seus parentes afastados. O espectáculo divertia a plateia,mas tinha o seu quê de preverso. Então,não é que, abusando da sua maior estatura,se apropriavam dos melhores bocados? Levantavam imediatamente voo,insensíveis aos protestos da gentalha,indo saboreá-los lá para longe. Estava certo isto? Não estava. Pois era o que se via e se teria visto noutras alturas. Dos sacos,saíram por algum tempo continuados fornecimentos,sempre com o mesmo destino. Insaciáveis e contumazes. Má pedagogia esta. Era o espectáculo que interessava,decerto,mas dele desprendia-se uma lição que alguns aprenderiam,apsar de não figurar no programa. Imponderáveis.

O SEU BAÚ

Teria,quando muito,vinte anos. Pode dizer-se que estava no seu apogeu. Assim o entenderia ela. A dona do mundo,a sua rainha.Para melhor ver o mundo,o seu reino,ou antes,para que melhor o mundo a visse,a sua rainha,estava de pé,com óculos escuros,feita estátua,do mármore mais fino,de mármore de Carrara.Dos ombros largos,pendia avantajada mala,o seu baú de preciosidades. Dele tirou um maço de cigarros,ainda intacto. Abriu-o e lançou parte da tampa par o chão. Um servo que a apanhasse.Pegou num cigarro e acendeu-o,recorrendo ao seu baú. Os gestos eram lentos,a modos que estudados. Uma rainha tem de saber comportar-se. Toda ela se expunha.Chegara a altura da sessão musical. Os auscultadores já estavam montados. Foi só premir os botões certos. E ali ficou,meneando a cabeça,mexendo os lábios. Parecia ter esquecido o mundo. Uma ingrata.Tantas canseiras dos paizinhos e talvez,também,dos avôzinhos. Tantos carinhos deles,tantos sonhos deles. Para isto. É a vida.

sexta-feira, 20 de março de 2015

BIOGRAPHY OF KING OF PORTUGAL PEDRO V

Pedro V

LETTER FROM KING PEDRO V OF PORTUGAL TO PRESIDENT JAMES BUCHANAN

Pedro V

LETTER FROM KING PEDRO V OF PORTUGAL TO PRESIDENT FRANKLIN PIERCE

Pedro V

CARTAS DE DOM PEDRO QUINTO AO PRÍNCIPE ALBERTO

 Pedro V

PEDRO V - O ESPERANÇOSO,30º REI DE PORTUGAL

Pedro V

EGOÍSMOS

Ah, estes julgamentos apressados,levianos. Quantas vezes, muito diferente a realidade é. Um nunca acabar de enganos. Ele não era muito velho,mas mostrava um ar acabado. Viam-no sair de casa,às vezes,um tanto cedo. Sempre sozinho,do olhos no chão. Iria dar a sua volta higiénica,distrair-se. Em tempos,acontecera ter com ele uma conversa curta,que sugeria ter-lhe sucedido coisa desagradável lá no seu escritório. Sempre triste,andaria curtindo mágoas. E um dia,calhou, mais uma vez,um encontro. Então,vai dar o seu passeio? Antes fosse. Alguma coisa de grave? Comigo,não. É que eu visito, todas as manhãs, uma velhinha que não pode sair de casa. Não é bem uma visita. Presto-lhe assistência. Coitada dela,para ali sozinha,sem ter quem a ajude. Olhe,é o meu entretém. Vou até lá e sempre lhe torno a vida um pouco mais leve. E esta? Quem diria? E a julgar-se que ele ia ver as vistas,estar com um ou outro amigo, num café,ler o jornal,muito provavelmente,desportivo. E afinal,o senhor ia prestar assistência a uma velhinha que não lhe era nada,apenas um antigo conhecimento. Quem é que iria supor,neste tempo de egoísmos?

VEM DAÍ TAMBÉM

Nem de propósito. Pusera-se um belo dia de primavera antecipada. Fora também o dia de pagamento da pensão de velhice. Duas forças que se conjugaram e que puseram os idosos em grande alvoroço. Estavam os corpos e as almas aquecidas.O jardim,especialmente nos locais onde havia mesas,rebentava pelas costuras. Há muito tempo que se não via tanto velho ali. O inverno tinha sido rigoroso,pelo que a casa fora o seu refúgio,mesmo em dias de bolsos mais aconchegados. Davam largas à sua alegria,gozando duplamente aquela ocasião.Encostados a um muro,dois velhos conversavam. Um deles tinha um jornal. Ora vê aí como está o dia de amanhã. E da sua voz desprendia-se um sonho,um desejo. Há que tempos não largava a toca. Tinha de aproveitar o bom tempo e sem demora ,que o dinheirinho voava. Amanhã ainda o veria. E amanhã continuava o sol a brilhar,conforme o jornal dizia. Vem daí também.

O HOMEM DA ATALAIA

Guardara-se aquele local para o fim . É que constava que aquilo era domínio de animais mal feridos. E agora ali estavam,que o trabalho tinha de se completar.
A vegetação era alta e densa,um enfeltrado de capim e de espinhosas. Por isso,um escadote fazia parte do instrumental. A picada estava a ser aberta,com a orientação do homem da atalaia. A certa altura,entram em cena as avezinhas anunciadoras da presença de pacaça. Pipilam muito,lá no alto,por cima do hospedeiro. Como de outras vezes,procura-se,fazendo mais barulho,espantar o bichinho.
E o que é que o vigilante vê ou julga ver,que tudo se passava lá no interior do mar verde? O bichinho parecia não se ter acobardado e decidira dar luta,vindo ter com o inimigo. Não pensou duas vezes o homem da atalaia. Saltou dela e desatou a correr pela picada fora,uma picada muito estreita,trazendo atrás de si toda a companhia.
Sabia lá ele onde punha as mãos? Os espinhos estavam lá, à espera ,e uma mão foi picada. Ainda almoçou,mas jantar é que não. Febre alta,o corpo todo dorido,incapaz de se alimentar. Valeu-lhe alguém,que,por quase uma semana, lhe levava a comida à boca,e um enfermeiro que percebia de infecções. Ainda convalescente,com um braço ao peito,teve de regressar,de jipe,primeiro,por estradas inundadas,depois,de comboio miniatura e de comboio a sério,e,finalmente,de avião. Parecia ter vindo de uma guerra.

quinta-feira, 19 de março de 2015

CHAMPS ELYZÉES,CLEMENCEAU - MANUEL CARGALEIRO

Manuel Cargaleiro

MANUEL VALADARES - PORTUGUESE PHYSICIST

Manuel Valadares

WENCESLAU DE MORAES - PORTUGUESE WRITER

Wenceslau de Moraes

ALENTEJO,HISTORICAL PROVINCE - PORTUGAL

Alentejo

RIDÍCULO

Fizera-se velho bem cedo. Podia dizer-se,até,que nunca fora adolescente,tendo passado directamente de criança a adulto. E ali estavam aqueles procedimentos que não tinham outra explicação se não a falta de uma estação importante,decisiva,no seu normal desenvolvimento.Usara chapéu durante muitos anos. Achava ele que assim é que estava bem,pois dava-lhe um ar mais de acordo com o que lhe ia na cabeça. Chegou a levá-lo para a praia,pondo-o mesmo no toldo ou na barraca. Ridículo,não era?Mas não estava só. Fora o caso de alguém que assim se compunha,numa altura em que ele já se aliviara um tanto. Refinara este. Mas não se tratava só de chapéu. Também vinha para a beira-mar de fato completo,de cor escura,e sobraçando pasta. Enquanto a mulher e a filha faziam a sua vida,de companhia com outros,ele embrenhava-se em leituras sérias,naquele preparo de fazer lembrar um cangalheiro.A mulher também tinha a sua originalidade. Uns dias antes do regresso,percorria as aldeias próximas,donde trazia meia dúzia de galináceos,a preços muito regateados. Dizia ela que era para dar para a viagem. Vinham no porta-bagagens,em cima umas das outras. Algumas chegariam meio mortas,reduzindo,felizmente,o alarido que o conjunto,mesmo assim,devia fazer,quando entrasse no prédio de luxo onde viviam. Eram dos tais que também poupavam no farelo.

DE FACA NA LIGA

O salão de chá estava cheio. Um vendedor de flores serpenteava entre as mesas,fazendo pela vida. Era um homem de meia idade,de cara macilenta.Um atrevido,do alto do seu bolso e da sua gordura,resolveu dar um ar da sua muita graça. Vem cá e oferece uma flor a esta senhora. Isto em voz alta,a desafiar meio mundo.O pobre necessitado não teria gostado dos modos daquele freguês,mas o que havia ele de fazer se precisava de aliviar a mercadoria? E satisfez o insolente. Toma lá e vais com muita sorte. Mas assim perco dinheiro. Some-te,se não ainda ficas sem o ramo.Aquilo era revoltante. Estava pedindo polícia,que se não via. Era urgente uma intervenção,mas qual? Veio de uma maneira espontânea,impulsiva.Olhe,faça favor,chegue aqui. O infeliz acorreu,na esperança de uma compensação. Quanto quer pelo ramo? Tome lá e vá em paz.O arrogante não reagiu. Foi uma sorte,pois aquilo podia ter dado para o torto. É que o sujeito era de faca na liga.

POBRE JIBÓIA

O jipe não havia meio de vir,pelo que o melhor era fazerem-se ao caminho,um caminho à beira-rio. Manda quem pode,mas às vezes não devia mandar,como foi neste caso. Ignorâncias. Entretanto,caíra a noite. Dava aviso,mas esperava pouco. Já se sabia,mas era o mesmo que nada.
À frente,ia o trepeiro,homem muito experimentado. Com ele no comando,ia-se tranquilo. Não se contara,porém,com uma jibóia,que se lembrara,naquela altura,de ir à sua vida. E deu-se o que é frequente acontecer,um encontro que ninguém desejava.
A pobre da jibóia deve ter ficado muito assustada e tratou de se escapulir,refugiando-se no remanso de onde viera,o capim fresquinho do talude do rio. O guia ainda levantou a catana no propósito de a enfrentar. Fora ele o único a montar defesa,pois com os outros não se podia contar.
Ora a nossa vida,lamentava-se o que podia. Assim não vamos lá. Com quantas gibóias iremos cruzar? Está além uma fogueira e o mais acertado é ficarmos lá à espera,aconselhou o guia. O jipe acabou por aparecer,depois de se ter refeito de uma mazela.

quarta-feira, 18 de março de 2015

JOSÉ MARIA DE EÇA DE QUEIRÓS - PORTUGUESE NOVELIST

Eça de Queirós

HISTORY OF THE DODO BIRD

Dodo

MAP PROVES PORTUGUESE DISCOVERED AUSTRALIA

Australia

PORTUGUESE EXPLORATION ALONG THE NORTHEAST COAST OF NORTH AMERICA

Portuguese exploration

BACALHAU DO VALE

Então,o que foi hoje a dieta? Olhe,hoje calhou ser sopas de pão com bacalhau do vale. O senhor Joaquim está a mangar comigo? Eu? Nunca me atreveria. Pois foi isso mesmo que ouviu,nem mais,nem menos. O pão,sabe muito bem o que é,visto também o comer. Só não conhece é este bacalhau,pois não é destas bandas. Sabe,o verdadeiro está muito caro para a nossa bolsa. Assim,inventámos este,que é uma ervinha que há aqui nas redondezas em abundância. E lá nos vamos iludindo.

DE UMA QUALQUER

O que ele estava contando dava vontade de rir,ou melhor,de sorrir,um riso leve,um riso amarelo,que aquilo não tinha mesmo graça nenhuma. Em boa verdade,aquilo deveria dar era vontade de chorar,mesmo que lágrimas se não derramassem.
Ele ali a dizer que era pobre,que dali a pouco iria comer uma sopinha,uma sopinha de caridade,e acrescentar que fazia versos,versos de fado,que ele cantaria,algures por aí.
Não acredita? Pois é verdade,e mostrou uns papelinhos,onde se podiam ler os que acabara de fazer,ali naquele banco,à espera de chegar o tempo para a sopinha.
Não gosta de poesia? É conforme. Pronto,já sei que não gosta. Pois eu gosto,de uma qualquer.

MALTA RIJA

Logo o professor fora adoecer no ínício do ano. Marcar passo é que não,disseram os pais,mas para os miúdos seria isso uma grande festa. Que bom,poder mandriar um ano inteiro,que era a perspectiva.
Assim não aconteceu,pois em terra próxima davam um jeito. De camioneta,punham-se lá num instante. Era só levantarem-se um pouco mais cedo. Mas a coisa não ia ser pera doce. É que a região estava sujeita a cheias,e,naquele ano,elas repetiram-se para além do que era costume.
Com a estrada de molho,tinham de ir de barco,não daqueles a motor,mas dos que se movem a remos e vara. E assim,aquele pouco mais cedo alterou-se de tal modo,que,para chegarem a horas,tinham de se levantar antes das galinhas.
Mas o pior estava para vir e era simples adivinhá-lo. Próximo da partida,surgia uma corrente de respeito,fruto de uma vala funda,que servia de dreno à lezíria. Era um outro rio. Pobres dos remadores,que tinham de fazer uso de todos os músculos,senão lá ia o barco de escantilhão,
desgovernado. Depois,seguia-se uma floresta de estacas,as estacas de amoiroar,onde se encostavam as videiras,umas,a espreitar,e outras,submersas,de que era aconselhado fugir. Uma carga de trabalhos,para quem tinha de conduzir,e uma carga de sobressaltos,para os miúdos.
Para variar,por vezes,chovia,o que dava mais molho,não poupando ninguém. O que valia era aquela miudagem ser malta rija,incapaz de desistir. Teria essa aventura servido para a enrijar ainda mais.

PAU DE VIRAR TRIPAS

Era uma toada inconfundível,comovente. Até as andorinhas acordariam nos beirais dos telhados. Devia estar próximo o grupo que a produzia. Os caminhos mal se viam. Só uma ou outra réstia de candieiro a petróleo servia de amparo,que o tempo era de muito atraso. Mas eles já os conheciam de cor,desde meninos. Nem tinham conhecido outros. E eis que os da frente assomaram ao fundo da rua estreita. Vinham em grupo compacto,de passo lento e cadenciado. Destacava-se bem o Francisco,pela altura. Era um pau de virar tripas. Crescera estiolado,talvez por ter sido fraca a ração. Ainda naquela manhã se lastimara. Só dava para o pão e mesmo assim não se podia um homem alargar. O que lhe valera ultimamente fora aquele trabalho inesperado,como que caído do céu. Era pena que o não tivesse para sempre,que bom jeito lhe faria. Tinha de ter paciência,como fizera até ali. Lá foram rua abaixo,para entrar em qualquer locanda,onde pudessem afogar as mágoas. O taberneiro não se esqueceria de apontar.

terça-feira, 17 de março de 2015

TRISTÃO DA CUNHA - PORTUGUESE EXPLORER

Tristão da Cunha

THE ETHNOGRAPHY AND CHRISTIAN DIALOGUE OF DAMIÃO DE GÓIS IN THE CRÓNICA DO FELICÍSSIMO REI DOM MANUEL

Damião de Góis

MOMA NAMES ARCHITECT PEDRO GADANHO ITS NEWEST CURATOR - NYC

Pedro Gadanho

AO MESMO CLUBE

A coisa conta-se depressa. A mocinha negra dava clara indicação de que muito em breve germinaria. E aproveitou,interpretando correcta,ligeira e prazenteiramente, a condição daquela fila. Também tinha direito,pois então,ela que não estaria habituada a tal cortesia. O que ela foi fazer. Uma velha,daquelas tronchudas e mal encaradas,logo reagiu. Qualquer dia também arranjo uma almofada. Mas não se ficou por aqui. A menina da caixa,por sinal,negra também,que viera com justificações,levou, igualmente, a sua conta. Vê-se mesmo que pertencem ao mesmo clube.

CHEGAR AO FIM

O botão desabrochara,cheio de ilusões,e dele surgiu uma flor linda,viçosa. E veio logo um gavião cobiçoso e dela se enamorou. E ali,num instante,tudo se consumou.E da flor,que ainda agora começara a sê-lo,semente brotou. E meses volvidos,uma criança nasceu.Que lindo menino aquela flor,ainda viçosa,ao colo trazia. Que bem os dois ficavam.Mas bem depressa,a flor que viera viçosa,linda,murchou,pois quase tudo lhe faltou.Pobre flor que tão rápido murchaste. Que pressa foi essa de chegar ao fim?

E O GATINHO ?

Dali,via-se a foz do grande rio. Estava uma manhã carrancuda e chovia. Pequenas embarcações de pesca,quase escondidas,pontuavam as negras águas. Muito custa a vida para alguns. Olhe que não é bem assim. Eles sabem do seu ofício,esclareceu um homem de meia idade , com ares de manga de alpaca. Aquilo é uma brincadeira para eles,pois não conheceram outra vida. Trazem resguardos adequados. O horizonte carregava-se mais e mais. Metia medo. Um navio, a abarrotar de contentores ,vinha a entrar,avançando muito lentamente. A negrura mal o deixava ver. Ali perto,uma senhora apiedara-se de um gatinho,que andaria perdido e esfomeado. Fazia-lhe muitas festinhas e mais nada. Os barquitos lá continuavam. O navio lá avançava. Entretanto,chegou o comboio e lá foi cada um para a sua vida. E o gatinho ?

À QUEIMA-ROUPA

O moço acabara o curso e contava que um emprego lhe caísse,muito depressa,do céu. O céu não demorou. Está interessado em substituir-me? Acabei de ser convidado para ir trabalhar na minha terra,coisa que há muito desejava. Estou aqui tão contente. Via-se à légua. Pois é para já. E lá foi o moço para o seu primeiro emprego. Também se sentia muito contente. Para começar,não estava mesmo nada mal. Até quarto tinha de graça,mesmo ali ao lado do serviço. Havia,apenas,um senão. Ficava como assalariado,quer dizer,a corda na garganta podia ver-se. O outro lá lhe ia passando a pasta,uma pasta de que ele estava a gostar muito. Uma tarde,num encontro,aconteceu coisa muito grave. Então não é que o lugar lá na tal terra tinha outro dono,um que acabara de ser apresentado? Ia partir já no dia seguinte. É assim a vida,cheia de surpresas. E esta podia ter sido fatal,porque à queima-roupa. E lá ficaram os dois quase a desempenhar a mesma tarefa. A situação não estava a agradar ao moço. Não é que o quisessem mandar embora,longe disso. Parecia-lhe só que dois eram demais. Entretanto,num concurso para outro lugar,este de quadro,ficara com ele à sua espera. Ainda tentou assegurar o primeiro,apsar da tal aparente duplicação. Mas foram inabaláveis. Ou assalariado,ou vá lá para onde quiser. Mas isto,com cara de poucos amigos. E assim se desfez o duo.

segunda-feira, 16 de março de 2015

THE FIRST VOYAGE OF VASCO DA GAMA ,FROM THE "LENDAS DA INDIA" OF GASPAR CORREA

Vasco da Gama

JOSÉ CORRÊA DA SERRA TO THOMAS JEFFERSON,6 MARCH 1812

José Correia da Serra

THE TRADING WORLD OF THE INDIAN OCEAN

Trading world

DO CÉU

Não estava sonhando, aquilo era mesmo um osso,que alguém acabara de lançar de uma janela. Há que tempos não dava com uma iguaria assim. Vinha mesmo a calhar. Era um cãozinho que estava passando um mau bocado,pois fora abandonado. Ele que se arranjasse e era o que ele andava fazendo.Observara em volta,receoso,temendo a concorrência. A coisa estava feia,era o salve-se quem puder. Ainda há dias não levara a melhor, por falta de forças. Até lhe custava lembrá-lo,pois saíra também muito doído,do corpo e de não sabia mais o quê.Estava mesmo a precisar de uma boa refeição e desta vez ela vinha-lhe do céu. Não se via competidor. Ainda assim,só tranquilizou quando se meteu no buraco da sua predilecção,um buraco limpo,fresquinho. Era ali que ele costumava pernoitar.Mas para aqui se ver,os saltos que teve de dar e os cuidados que teve de pôr para não largar o achado. Ficou exausto. Aproveitou para examinar melhor o pitéu. Era,na verdade, um belo osso,estava ele confirmando. A carne que ainda trazia. Um verdadeiro milagre. Que o milagre se repetisse,muitas e muitas vezes,ia implorando,enquanto os bons pedaços se sumiam lá bem para o seu estômago,que já estava a entrar em fase de autofagia.

MEU SENHOR

A candura da velhota. Não estava à espera de uma resposta daquelas e atarantou-se. Precisou de saber as horas e abordou o primeiro que lhe apareceu. Foi azar dela. O homem tinha estampada na cara e nos modos a sua qualidade. Mas ela já não distinguia ou então fora sempre assim,confiada,o que devia ter-lhe dado muitos dissabores. Não era,de facto,o homem flor que se cheirasse.Para que quer o raio da velha saber uma coisa destas? Já devia ter marchado para não andar para aqui a importunar cada um. E ela,coitada,que pouco tino já teria,àquelas palavras ficou pior. Deu-lhe para falar sozinha,repetindo o que acabava de ouvir.Já nem sabia que caminho tomar. Valeu-lhe alguém que estava perto e que testemunhara o ocorrido. Queria saber as horas? Pois queria,meu senhor. E o tom indicava a sua humildade e dependência. Lá se recompôs com a atenção prestada,desfazendo-se em muitos agradecimentos.

FESTA ESTRAGADA

Era tarde de grande festa. Pelo palco, tinham passado muitas crianças. Mas foram umas meninas,muito pequeninas,de fatinhos de cor branca,uns anjinhos,as que mais encantaram. Estaria ali a inocência,a candura,a pureza,a paz. Muito diferente era o mundo em que mal tinham entrado. Se soubessem,não teriam deslisado,assim,leves,como passarinhos prestes a irem por esses ares além. Os seus corpitos estariam tolhidos,temerosos,pesados. Mas nem de propósito. A finalizar,vieram crianças a lembrar esse mundo. Até uma espada desfilou,bem à frente,comandando. Pior do que um banho de água gelada foi aquilo. Lá se fora o sonho que as suas companheiras aladas tinham induzido. Estava a festa estragada.

domingo, 15 de março de 2015

THE PORTUGUESE IN THE UNITED STATES

The portuguese

DOURO - PATRIMÓNIO MUNDIAL DA UNESCO

Douro

PORTUGUESE SEA

Fernando Pessoa

FERNANDO PESSOA - POETRY FOUNDATION

Fernando Pesso

NATAL - SOUTH AFRICA

Natal

CATHERINE OF BRAGANÇA

Catarina de Bragança

NUNCA MAIS

Pobre pardalito. Nascera ali,naquela horta,naquele paraíso. Comida com fartura e nunca era importunado. Aparecia por lá gente,gente de trabalho,mas sempre gente de paz. Pois naquela manhã,uma manhã fresquinha, cheia de sol,teve a companhia de um rapazinho. Lembrava-se de o ter visto já por ali,pelo que não ficou preocupado. Muito se enganou,coitado dele. Naquela manhã,o moço trazia uma arma,que lhe tinham emprestado. Estava ele,o pardalito,a banquetear-se,como era costume. Escolhera para o pequeno-almoço uma tenrinha folha de couve,coisa que ali abundava,pois água era quanta se queria,de uma grande nora que todos os dias trabalhava. Viu o moço aproximar-se,mas sem nunca pensar que lhe fosse fazer algum mal. Pois foi o fim dos seus dias. Uma valente carga de chumbo miudinho desabou sobre ele. Nem alma se lhe aproveitou. O moço ficou tão triste,quando deu com o pardalito esfrangalhado,que até chorou. Pobre do pardalito. E fez ali logo uma jura. Nunca mais. Durante muito tempo,aquele pardalito não o largou. Até em sonhos lhe aparecia. Nunca mais,nunca mais.

O SEGREDO

Era uma velhinha toda vestida de negro,cor que não largara desde a morte do marido. Servira devotamente naquela igreja anos a fio. Os anos não perdoam e tiveram de arranjar quem a substituísse. As voltas que naquela tarde ela deu em torno do túmulo do padroeiro. Tinha feito isso vezes sem conta. Mas parecia ser aquela a primeira vez. Aquilo devia ser a continuação de uma conversa que interrompera no dia anterior. Fora ela que cuidara da higiene do santo durante anos,mas de uma maneira de que só ela tinha o segredo. Talvez ouvisse queixas. A sua sucessora não trataria bem dele. Mas ela estava ainda ali para durar. Podia o santo estar descansado,que ela colmataria as faltas. Não fora em vão que cuidara dele aquele tempo todo. Em troca,o santo dera-lhe sempre excelente saúde,de tal modo que nunca precisara de médico. A filha bem insistia com ela,mas recebia sempre a mesma resposta. Estou todos os dias com o meu médico,não preciso de outro.Naquela tarde,dera a visita por terminada. Fez as despedidas como devia ser e lá abalou,sobraçando um enorme chapéu de sol,próprio para aqueles dias de verão tórrido.

NA PRIMEIRA LINHA

Estava um pai de família, aflito,por não saber dar conta do recado. Tinha a casa cheia de batata,de milho ,de fruta,de vinho,do que quer que fosse para a boca,mas não havia meio de lhe aparecer alguém disposto a levar-lhe uma boa parte,de modo que valesse a pena. Esperava um ror de tempo,mas,por fim,não aguentava mais. Havia sempre alguém que estava à coca, na primeira linha. Pegava no telefone e avisava o homem das patacas. Olhe que há aqui vinha para vindimar. A cantilena era sempre a mesma. Apareça-lhe lá com um maço de notas, bem à vista, e ofereça-lhe dez. Aquilo valia vinte ou mais. Já sabe que depois não me esqueço de si. O que era que um pai de família,aflito,havia de fazer? Vender logo,claro. Andara meses a esforçar-se,sempre com o credo na boca,por causa das intempéries e das doenças,atolara-se em dívidas e depois era obrigado a entregar o produto do seu suor por uma mão quase cheia de nada. E ainda acabava por ficar em favor com o vizinho,por lhe ter arranjado comprador como não havia em mais parte alguma.

sábado, 14 de março de 2015

DROUGHT

Drought

SCIENTISTS REPROGRAM PLANTS FOR DROUGHT TOLERANCE

Drought tolerance

INTERNATIONAL CONFERENCE ON DROUGHT

Drought

CANTARAM DE ALEGRIA

Por largos anos,um enigmático mal assolou os vinhedos de uma vasta região. Não havia meio de se dar com a cura. Não era insecto e também não era um qualquer microorganismo,dos habituais em casos destes,fungo,bactéria,virus. Então,o que seria?
Um dia,alguém pensou que talvez se tratasse de fome. Mas a gente não lhes tem faltado com a comida. Pode ser que seja necessária uma outra. E vá de experimentar,não de qualquer maneira,
mas com uma certa orientação,que um facto recente fundamentava.
Ali,aplicou A,além,aplicou B,acolá,aplicou C,e assim por diante,alás,o velho método de tentativas. E esperou pelos efeitos.
Onde aplicara A,B,e assim por diante,ficou tudo na mesma,como dantes. Mas onde aplicara C,as videiras cantaram de alegria. Era,afinal,fome de C.
Tantos anos para se chegar à cura. Não resta dúvida de que aquele alguém era bem merecedor de,pelo menos,uma estátua,que não teve.

CALORÍFEROS

Ela é muito magra,transparente. Ele é a sua imagem. Estão,assim,bem um para o outro. É um casal,pode dizer-se,em começo de vida. Casa têm,uma casa muito velha,de que não pagam renda. Não é um palácio,mas estão muito melhor ali do que debaixo da ponte. E cão também,dois até,um, para ele, e o outro, para ela. Levam-nos à trela,duas grossas cordas. Os cães são grandes,um, branco sujo,o dele,e o outro, negro,o dela. Não andam gordos,mas mostram melhores caras do que os donos. Tirarão da boca,para os ter apresentáveis. Ou será para outra coisa? É que a casa não tem aquecimento de espécie alguma,antes pelo contrário. Em dias como os que estão correndo,deve gelar. E,assim,dormirão com eles. Serão os seus caloríferos.

DE FÉRIAS

Oh tiazinha,vai-se bem por aqui para a aldeia? A mulher,muito magra e mal amanhada,empurrava um carrinho cheio de erva para as vacas. Parou e a cara dela alegrou-se. Vai sim,meu senhor,é ali adiante. E aquele meu senhor não queiram saber como foi pronunciado. Aquilo eram gerações e gerações na mó de baixo. Até parece ter ficado muito agradecida de a terem feito parar e de lhe terem falado. Os olhos estavam um tanto avermelhados,talvez de alguma mazela já antiga,que os afazeres não dão tempo para alguns se cuidarem. Ou seria de ter chorado?,que este mundo é um vale de lágrimas. Mais à frente,apareceu,de facto,a aldeia,com o seu larguinho,a sua igreja de granito carcomido e o seu coreto para as festas. Algumas crianças brincavam,descuidadas,longe ainda do tal vale de carpideiras. Uma delas entretinha-se sozinha. Então,minha linda,estás zangada? Parecia muda. Depois de alguma insistência, lá se percebeu. Era portuguesa de França. O pai era"maçon"e estava de férias. Os outros,meninas e meninos,não a entendiam. Uma tristeza, tomara já lá.

sexta-feira, 13 de março de 2015

AMADEO DE SOUZA CARDOSO - PORTUGUESE PAINTER

Amadeo de Souza  Cardoso

SORTELHA - PORTUGAL

Aldeia histórica

BRAZIL'S RAVAGED FORESTS ARE TAKING THEIR REVENGE

Ravaged forests

THE WORST DROUGHTS IN 1,000 YEARS MAY BE ON THE HORIZON FOR THE AMERICAN WEST

The worst droughts

WHY FRESH WATER SHORTAGES WILL CAUSE THE NEXT GLOBAL CRISIS

Fresh water shortages

NEW EXPLANATION FOR SIBERIA'S MYSTERY CRATERS

Mystery craters

SAQUITO RECHEADO

Um pardal desloca-se dando uns saltinhos muito rápidos,parecendo dispor de potentes molas nos seus pezitos. E nos seus voos,ao mínimo sobressalto,não se vê usar as asas. Fa-lo-á ainda como de saltitos,agora maiores,se tratasse. Pois aquela velhota muito se lhe assemelha no seu modo de girar. É claro que não o faz pulando. Dá uns passinhos muito rápidos,muito rasteirinhos. Julgar-se-ia impossível que um corpo tão mirradinho conseguisse assim progredir. Mas avança,que é bem visível. Ainda há pouco estava lá longe e já agora se encontra muito próximo,como se tivesse corrido ou voado. Parece ser uma pobre de pedir,ainda que nunca fosse vista de mão estendida. Mas que ela vai sempre de saquito recheado,não restam dúvidas. Se é de ofertas de comida,têm-lhe dado elas energias bastantes para o seu peregrinar de anos,mantendo inalterável a maneira de caminhar. Voará,quando não estão a vê-la? Talvez um dia o faça,quem sabe? Pelo menos,alguns pardais já a consideram da família. Foi o que há dias deram a entender. Estavam dois ou três saltitando no murete de um laguinho,há procura de alguma coisa de comer,quando surge a velhota,no seu regresso a casa. Nem se mexeram,ao contrário do que acontece à aproximação de um qualquer,criança mesmo. Continuaram,calmamente,na sua tarefa,talvez desejando-lhe um bom dia e uma boa refeição.

À VONTADE

Um senhor muito sério,por razões da sua vida,tinha de ir passar uns largos meses em grande metrópole,de que nem um canto sequer conhecia. Ora,constava-lhe,que lá,nessa metrópole,a pouca vergonha era muita,e isso trazia-o assaz preocupado. Um amigo tranquilizou-o. Fica descansado,que eu sei de um pequeno hotel,mesmo à tua medida,onde te irás sentir como em tua casa.
Instalou-se. O amigo parecia ter acertado. Ele estava a gostar das pessoas,do tratamento,de tudo. Era mesmo aquilo que ele sonhara.
Uma noite,estava ele em conversa amena com a gerente,quando vê entrar,muito sorrateiramente,um vizinho de quarto,acompanhado de uma dama.
Ia-lhe caindo a alma aos pés. A gerente reparou. Sabe,ele já cá está há muito,é como se fosse da família. E você,se também precisar de fazer o mesmo,como gostamos muito de si,esteja à vontade.

A CARTOLA

A feira estava a terminar. Naquele ano,o negócio fora muito fraco. Tinham escapado,apenas,as barracas de comes e bebes. As ruas das roupas,dos sapatos,das quinquilharias metiam dó. Só lá de onde em onde, é que aparecia alguém a querer saber o preço,ficando-se,quase sempre,por ali. Os carrocéis,os cavalinhos,os automóveis estavam às moscas. Os miúdos insistiam,berravam,mas os paizinhos não se comoviam.
O circo ia pela mesma. Bem se esforçavam os arautos das maravilhas,mas os mirones não estavam para ali virados. Não queriam ouvir falar de trapézios,nem de arames,nem de malabarismos,quanto mais ver. Lembravam-lhes a ginástica que todos os dias tinham de fazer para equilibrarem as finanças. Os animais não os atraíam. Constava,até,que passavam fome. E as grades não pareciam,também, de confiança, por estarem muito atacadas de ferrugem.
Num último esforço,anunciaram uma novidade,uma novidade de estarrecer. Venham ver o homem da cartola,o homem das grandes surpresas. Carros percorriam a cidade,esquadrinhando todos os bairros,mesmo os de lata. Venham ver,venham ver,que é quase de graça.
O circo encheu-se. Houve outras intervenções,mas coisa rápida,a despachar. O suspirado momento chegou e fez-se um grande silêncio. O homem vinha de preto. A cartola era minúscula,pouco mais do que um dedal. Mostrou-a em todas as direcções,acariciado-a repetidas vezes. Depois,ao toque de uma comprida e fina vara,que roçava o tecto da tenda,sairam dela,em rápida cadência,objectos incríveis,que se iam amontoando.
O espaço mostrava-se acanhado para tanta bugiganga. Por acção da poderosa vara apareceu um maior. Mais objectos esquisitos foram saindo,sem descanso. O circo foi crescendo,crescendo,irresistivelmente.Atravessou fronteiras,atravessou mares. Ocupou o mundo todo. O maior espectáculo do mundo.

quinta-feira, 12 de março de 2015

MARIA HELENA VIEIRA DA SILVA - PORTUGUESE PAINTER

Maria Helena Vieira da Silva

IFAD PRESS RELEASES : 2015

International Fund for Agricultural Development

IN KENIA'S MOUNTAIN FORESTS,A NEW PATH TO CONSERVATION

Conservation

PERENNIAL RICE : IN SEARCH OF A GREENER,HARDIER STAPLE CROP

Perennial rice

FARO EMBOTADO

Continuava com azar o senhor Joaquim. Lá se fora outra vez o rancho melhorado. A lebre estivera mesmo ali,de olhos bem abertos,como que feita estátua,à mão de a apanharem. Parecia hipnotizada. Ele viera,muito de mansinho,com a enxada em riste,pronta a cumprir a sua obrigação,e lá saltara a lebre,para ele nunca mais a ver. Ainda no dia atrás tivera a mesma sorte. Mas desta vez não fora só ele. Aqui,estivera muito bem acompanhado. Uma corda de caçadores vinha passando a pente fino o amplo vale. Lentamente avançava,homens e cães,uns e outros muito experimentados. Passaram e deram os bons dias. Boa caçada. Desapareceram,lá longe. Saiu dali,pouco depois,o senhor Joaquim. E mal ele dera dois passos,saltou-lhe à frente,uma senhora lebre,que num ápice se sumiu.Tantos homens,tantos cães. Faro embotado.

FOME DE DIAS

Nunca se vira por ali um nuvem assim,muito veloz,densa,para o escuro,barulhenta. Como que se fizera de noite. De repente,talvez a uma ordem,vem por aí abaixo,em medonho alarido,rumo ao azinhal,sobre o qual se desfez em milhares de pombos,semelhando um acto de magia. O ruído dos bicos,a atirarem-se às bolotas,merecia ter sido registado. Parecia um concerto de uma orquestra de castanholas. Deviam ter vindo de muito longe e trariam fome de dias. Não havia meio de o repasto terminar,pelo que aquilo deve ter sido uma razia de respeito. Os porcos dali teriam ficado a meia ração por larga temporada.

VOO PICADO

O inimigo espreitava,preparado para enfrentar mais arremetidas do adversário. Julgando que ele vinha com novas armas,aguçara o engenho ,no intuito de melhor se defender e atacar. A tarefa estava facilitada por se metamorfosear continuamente,baralhando,assim,a estratégia do opositor.
De início,surgiu em catadupas de mosquitos,sempre renovadas,que não escolhiam hora para investir. A ferocidade era idêntica tanto de noite como de dia,quer ao sol ou à sombra. Não davam descanso. Os braços andavam numa roda viva ,em tentativas de afugentá-los. Riam-se de tal aparato e atiravam-se em voo picado,cada vez mais encarniçadamente.
Depois,multiplicou-se em máquinas de fazer sono. O gado abundava,favorecendo a disseminação. Para precaver,pois não é aceitável ficar a dormir por muito tempo ou para sempre,houve que suportar tratamento doloroso,que pôs um a mancar durante dias.
Mas não se ficou por aqui. Aproveitando a formação de muitas lagoas,na sequência de inundações,converteu-se numa amiba causadora de grave doença renal. Quem viesse,pois,a contactar aquelas águas,estava sujeito ,um dia, a expelir líquido avermelhado. Para se defenderem,muniram-se de botas de borracha de cano alto,que nem sempre estiveram à altura,devido a desníveis inesperados.
 

quarta-feira, 11 de março de 2015

ESPIGUEIROS DO SOAJO - PORTUGAL

Espigueiros

PIÓDÃO - PORTUGAL

Aldeia histórica

UK ENVIRONMENTAL CHANGE NETWORK

Environmental change

EUROPEAN WIND MARKET CAN COMPETE WITH COAL AND GAS

Offshore wind

MODI BETS ON GM CROPS FOR INDIA'S SECOND GREEN REVOLUTION

Green revolution

FEIRA

A turista olhava em volta,como que a pedir ajuda. Então,não queriam lá ver? Já uma pessoa não podia andar, descontraidamente, pela feira, a deliciar-se com um tão belo cacho de uvas? Não podia,não,que alguém o podia cobiçar. E foi o que lhe aconteceu. Uma garotita,aí de uns dez anos,não havia meio de a deixar de perseguir. Tanto insistiu,que acabou por lhe dar o que restava. Mas o ar consternado que a senhora pôs foi tal,que era para ter pena dela. O que teria ela pensado? Uma feira cheia de coisas tão boas,com tanta gente a ver e a comprar. Pois é. Mas é que também andavam por lá mendigos vários. Alguns circulavam,como aquela garotita,mas a maioria fazia pela vida nos cruzamentos,expondo as suas desgraças. Uns não tinham braços,outros pernas, e ainda outros mostravam chagas. Faziam parte,afinal,da feira. Era uma exposição diferente,mas cada um expõe o que tem ou não tem. E oportunidades daquelas não se podiam desperdiçar. À semelhança dos feirantes com banca,que saltam de um local para outro,de acordo com um calendário bem definido,os carenciados disto e daquilo aproveitam e acompanham-nos nas andanças.O ambiente estimula as transacções,ainda que deixe alguns um tanto frustrados,por terem comprado gato por lebre,ou por serem tentados a largar,como aquela turista,o que tão prazenteiramente estavam saboreando.

FESTIVAIS

Os festivais iam recomeçar. O local é,sem dúvida,atraente,pois um rio,com azenhas e praias,corre perto. Em vasto terreiro,levantara-se um enorme palco. A coisa prometia,como já acontecera. Uma velhota ia a passar. Então,o que nos diz dos ajuntamentos que aqui se têm dado? Não me fale nisso,desabafou ela,toda escandalizada. É uma pouca vergonha. Estão a ver ali aqueles milharais? Pois dormiam por lá. Foi uma estragação. Não os queremos cá mais. Uma mulher nova,com o filhito ao colo,era da mesma opinião.Não sei quem é que os autorizou. Coisas de gente que não é de cá e que se põe para aí a mandar que é um desatino. Não consultam o povo e depois têm-no à perna. Mas a terra ficou mais conhecida,muitas pessoas falam agora dela,o que não sucedia antes. Que nos importa a nós isso? Melhor seria que não fosse assim. E conhecida porquê? Por aqueles atrevimentos? Pois dispensamo-los. Isto é terra de gente simples e séria. Perguntem aí se gostariam de vê-los cá de novo. Tenho a certeza de que muito poucos concordariam. Se não podem passar sem eles,que os façam lá nas suas terras. Se para aí vierem outra vez,contrariando a vontade da maioria,é capaz de haver sarrabulho. Tão certo como eu me chamar Joaquina. Eu sei de uns tantos que estão muito dispostos a isso. O povo,quando lhe chega a mostarda ao nariz,pode ir às do cabo. Eu cá avisava-os. O melhor é esquecerem-se de uma vez .

E O SILÊNCIO REGRESSOU

Não iria ser pera doce aquele aquele trabalho de cartografia de solos nas margens do rio Longa. Quando do começo, uma grande parte ainda estava inundada,mas haveria de secar,como sucedera noutros anos. Chegara a ocasião de um local que se tinha deixado para o fim,na esperança de que secasse completamente,o que não aconteceu. Ali,só com botas de borracha. Perto,ficara uma lagoa,de margens ensopadas. A água ,de cor acinzentada,ressumava a cada passo. Não fora possível abrir ali covas,pelo que a natureza do terreno só podia ser determinada por meio de sonda. Foi uma tarefa penosa,pois as mãos ficaram numa lástima. O capim crescera alto,mas pouco denso,permitindo serpentear sem necessidade de grandes esforços. A confiança era tanta,garantida por um prévio sinal da cruz,que nem um momento se pensou na surpresa que se podia ter no próximo afastamento de um tufo de caules. As observações faziam-se sem precalços e o silêncio do lugar não era perturbado por qualquer ruído alarmante. De súbito,ouvem-se repetidos sinais de aflição. Um pobre javali pisara,inadvertidamente,o espaço de um crocodilo e este não se fizera rogado. O desfecho foi rápido. E o silêncio regressou. Não houve uma palmeira,um embondeiro,nem sequer um pé de capim,por mais próximo,que viesse contar o que se tinha passado. Indiferentes,continuaram na sua vida.

terça-feira, 10 de março de 2015

JÚLIO POMAR - PORTUGUESE PAINTER

Júlio Pomar

PAULA REGO - PORTUGUESE ARTIST

Christies's the Art People

POTASH STATISTICS AND INFORMATION

Potash

WHAT LIES BEHIND THE RECENT SURGE OF AMAZON DEFORESTATION

Amazon deforestation

ENVIRONMENTAL ASPECTS ON UNCONVENTIONAL FOSSIL FUELS

Possil fuels

FORTE EXEMPLO

Uma alta chaminé fumegante irrompia do aglomerado de casas. Ali perto,alguém procurava,providencialmente,minorar os estragos causados por tal intruso. Nada mais nada menos do que uma árvore centenária,de tronco e de braços atléticos. Não se notava,mas da enorme massa das suas folhas escapavam-se correntes de antídoto do veneno que o monstro maleficamente expelia. Enquanto ela ali permanecesse, o mau não levaria a melhor. Mas não se ficavam por aqui os méritos daquela nobre figura velhinha. Havia também a sua vasta sombra. Outra tão fresca e tão cerrada não existia por muitos quilómetros em redor. Não seria só por isto,o que já significava muito,que os velhos de um asilo vizinho a elegiam. É que ela era um forte exemplo para eles e uma companhia compreensiva. Resistira contra tudo e contra todos,e ali estava como sempre o fora,com promessas de continuar por muitos anos mais. Seria uma grande desgraça se assim não acontecesse. Quem depois iria substituí-la nos seus múltiplos papéis benfazejos? O tempo que levariam a crescer,tentando,em vão,imitá-la. Atinadamente têm procedido as sucessivas edilidades,poupando-a e conservando-a . Até já a condecoraram.

AQUELE VAZIO

O senhor António não vivia mal. Tinha a sua reforma e ainda uns rendimentos lá na terra. A casa era dele. Na falta de filhos,arranjara um cão. O animalzinho andava passando um mau bocado. Por via disso,o senhor António não largava a porta do veterinário. E era um desabafar quando o encontravam. Aquilo pareciam mesmo agruras de pai ou de avô. Vejam lá,um bichinho tão bonito,tão manso,tão meu amigo,a padecer desta maneira,que o médico bem me diz. Tenho feito tudo,mas,coitado,não deve durar muito. E quase chorava. Lá o procuravam consolar,mas via-se que pouco adiantava. O cãozinho não durou,de facto,muito. O senhor António esteve para morrer também. Não saiu durante uns tempos,tal fora o golpe. Quando se atreveu,nem parecia o mesmo,vergado ao peso da dor e da ausência. Não mais se recomporia,confessava. Quem poderia preencher aquele vazio? Era realmente forte e sério o sentimento que o cãozito lhe inspirava. Só uma coisa lhe despertava algum interesse,a saga da bola. Sobraçando um jornal desportivo,às vezes,dois ou mais,lá ia ele sentar-se sempre no mesmo café,onde passava horas, devorando todas as páginas.

UM DESAFORO

A senhora estava muito transtornada.Vejam lá o grande descaramento. O que se irá ver mais? Sim,que depois desta,virão mais exigências. Não se vão ficar por aqui. Querem-no todo para eles. São insaciáveis. Uma coisa destas. Tenho de desembolsar,assim sem mais nem menos,de uma assentada,umas largas dezenas de contos. Não havia meio de se habituar aos euros. Não estava à espera. Aonde é que os vou arranjar,assim tão de repente? É como um assalto. Estou a ver que tenho de fechar a porta. Também já vou estando velha. Já não tenho a paciência de outros tempos,de quando era nova. Um dia destes,batem com a nariz na porta. São,afinal,como os outros,de triste memória. E eu que depositava neles tantas esperanças. Enganaram-me,muito bem enganada. Isto é tudo a mesma gente. Já devia ter aprendido,com a idade que tenho. Não há em quem nos fiarmos. Como eu,estão muitos outros. Não sabem o que hão-de fazer à vida. Também não contavam. Mas não têm outra saída,que é ficar sem o seu rico dinheirinho. E ele que custa tanto a ganhar. Aquilo metia um grande dó,pobre da senhora,pelo que seria bom que alguém a animasse. Não se preocupe assim tanto,pois,quando for do acerto,irá ser reembolsada. A senhora não paga contribuição? Então não havia de pagar? Pago sim senhor,sou muito cumpridora. Pago o IVA. Nunca faltei. Não lhes bastava isto? Ainda querem mais? É mesmo um desaforo.

segunda-feira, 9 de março de 2015

SERRA DE SINTRA - PORTUGAL

Serra de Sintra

SCIENTISTS LOOK AT ROLE OF WETLANDS IN BATTLE AGAINST CLIMATE CHANGE

Wetlands

AIR QUALITY NEWS

Air quality

ENQUANTO PUDESSE VOAR

O local presta-se ao descanso de todos os merecimentos. Dali,a vista pode espraiar-se pelas colinas em volta e pelos campos ao longe,em ondulações sucessivas. O ar é leve e perfumado. O silêncio perdura.Talvez por tudo isto, aquela senhora o escolhera. Estava sentada,só, e tinha nas mãos um livro. Foi o que ela fez durante os dias em que ali permaneceu. Passava as folhas muito lentamente. Estaria lendo um outro ,que a este se sobrepunha,o livro das suas recordações. Os seus olhos deixavam,de quando em vez,as linhas na sua frente,para se fixarem,aparentemente,num ou noutro ponto da paisagem rica,que diante dela se abria. Estaria lembrando,estaria sonhando. Raramente se servia da bebida, em cima da mesa da esplanada. Necessitaria de outras,bebidas muito dela. A senhora bastar-se-ia a si mesma. Em locais como aquele, encontraria bálsamo para algumas tristezas. Partiu,provavelmente,consolada. Voltaria ali,uma e mais vezes,enquanto pudesse voar,pois,dificilmente, encontraria melhor poiso.

DAR EM VENENO O REMÉDIO

Não era uma montanha,mas,por aquele andar,qualquer dia formava-se ali uma. E seria,então,obrigatório assinalá-la no mapa. Aquilo não podia continuar assim. Tinha de se descobrir um destino para todo aquele desperdício. E um dia,há sempre um dia,pareceu ter surgido um destino,um destino glorioso. Aquele montão vinha mesmo a calhar para resolver um problema de nível nacional. Viva o luxo,nada de coisas de trazer por casa. Fizeram-se umas contas, e tudo indicava que,com uma cajadada,matavam-se dois belos coelhos. A coisa parecia simples. E por ser assim, chamaram um jovem para tomar conta do recado. Com quem se foram meter,estavam bem aviados. O jovem era muito dado a complicações. Ele não tinha culpa,nascera daquela maneira. Em tudo via dificuldades. Ele lá tinha as suas razões,que bem lhe tinham custado a arranjar. É que não se podia aplicar aquele produto de qualquer maneira. Tinha de ser com muito cuidado,pois havia o risco de o remédio dar em veneno,o que não devia acontecer. Seria uma vergonha,seria um desacreditar pessoas e mais não se sabe o quê. Não era só fazer contas. Era preciso,sobretudo,fazer análises,e muito bem feitinhas. Lá acharam que o rapaz tinha razão. Mas naquela altura tinham mais que fazer. Depois o chamariam. Até hoje.

MUDAR DE RAMO

Emprestava dinheiro. Soube-se isso,não por portas travessas,mas da própria. Seria para ela um negócio como outro qualquer. E entrou em pormenores. Era tudo muito simples,sem papelada. Confiava,mas ai daquele ou daquela que lhe pregasse o calote. Nunca mais. Mas a maor parte cumpria. Pudera. Convinha-lhes ter sempre ali aquela tábua de aparente salvação. Humildes,honestos,incapazes de a prejudicarem,agradecidos,em jeito de manterem a porta aberta. Era uma mulher baixa,atarracada,de trunfa oxigenada. Os dedos,os pulsos,o pescoço, brilhavam. Não admirava,assim,que despertasse tentações. Ainda há dias a tinham derrubado e espezinhado. Aliviaram-na de alguns adornos e estivera por um fio. Nem a casa escapava. Estava lá apenas o marido,quase um inválido. E sabiam quem ajudara à festa? Uma que se dizia sua amiga. Uma falsa. Fora uma razia,mas restara ainda muito,graças a Deus. Isto estava impossível. A droga,o desemprego,a insegurança cresciam,a olhos vistos. A vontade dela era abrir banca noutra terra menos perigosa. Sim,porque mudar de ramo não estava nos seus projectos. As palavras saíam-lhe com dificuldade,o arfar tornara-se mais ruidoso,mas lá dentro morava uma força que a empurraria para novos empreendimentos de igual cariz.

domingo, 8 de março de 2015

MALDITO APARELHO

Só fora de casa é que ele encontrava sossego. Mal entrava,sabia logo pela mulher que este e aquele não tinham feito outra coisa senão telefonar. Eram os credores que não o largavam. Ainda não se tinha sentado para descansar das andanças e lá tocava o maldito do aparelho. O que lhe valia era já ter um grande calo para os ouvir. Falavam,desabafavam,desancavam. Ficavam mais aliviados. Aquilo havia de lhes passar. Tivessem paciência, que ele nunca ficara a dever nada a ninguém. Davam-lhe mais um tempo. Mas em casa é que ele não podia ficar,pois outros eram capazes de fazer o mesmo. Vem daí mulher,vamos ao cinema. Ela arranjava-se à pressa e lá iam eles a um que levasse duas fitas. Mesmo que não prestassem, pouco lhe interessava. Ela protestava,mas não havia nada a fazer. Só de duplos é que ele gostava. Ainda via alguma coisa,mas adormecia rapidamente. De resto,era este o seu objectivo. Ali ninguém o importunaria e quanto mais tempo lá permanecesse melhor. A sua grande pena era de não ficar toda a noite naquele refúgio.

MAIS FRACAS PERNAS

Lá de onde ele viera nunca vira uma tal bicha. É que se tratava,sobretudo,de velhos. Depois,o tempo ameaçava chuva. Que estão eles aqui a fazer com um tempo assim?
Aquela é uma casa de gente rica e hoje,sábado,é dia de esmola. Consta que é a porta que rende mais. A criada traz sempre uma saca de moedas. Sabendo disso,formam-se bichas como a que está vendo. Chegam a dar a volta ao quarteirão.
Já reparou nos cajados? É o arrimo de quase todos. Não podendo trabalhar,só lhes resta andar de mão estendida,mesmo que lhes custe abandonar a casinha.
Se estiver para isso,vá por essas ruas,que há-de encontrar mais. Alguns vão de uma bicha para outra. Os que ainda se podem mexer com algum desembaraço ficam a ganhar. É,afinal,a luta pela vida. Claudicam primeiro os que tiverem mais fracas armas. Neste caso,mais fracas pernas.

VIRAGEM HISTÓRICA

Não passavam aquelas rixas de umas brincadeiras. Pulavam,gritavam,gesticulavam,arreganhavam os dentes,arranhanhavam-se e pouco mais. Acabavam os contendores de ocasião por voltarem aos seus cantos,aos seus territórios,esfalfados,de cabeça baixa.
Andavam por lá, mais uns tempos,a remoer. Para a próxima vez,a vitória estaria certa. A próxima vez chegava e a sensaboria repetia-se. Era uma grande e dupla tristeza,sem remédio à vista.
Certo dia,um dia,aparentemente,como muitos outros do seu longo passado,aconteceu viragem histórica. Coisa do acaso,ou não,sabe-se lá. Andava ele,talvez um chefe,talvez um simples peão,por aqui,por ali,a fazer pela vida,no rasto de algum bichinho que lhe matasse a fome,quando dá com um monte de ossos de um pobre animal,que morrera de velho.
Não seria aquilo novidade,mas ,desta vez,deu-lhe para tocar ali,tocar acolá,assim como a divertir-se. E de repente,pegou num fémur,ou numa tíbia,tanto faz,um osso comprido,enfim. Com ele na mão,talvez a direita,levantou o peludo braço,bem acima da sua cabeça desgrenhada. Assim esteve uns segundos,suspenso. Depois,como movido por uma ideia nova,descarregou-o,com força,no monte dos ossos.
Estilhaços voaram à sua volta,como numa explosão. E uma nova ideia brotou. Parecia estar encontrado o remédio para aquela tristeza em que se andara envolvido tempos largos.
No próximo recontro,o remédio foi usado. Que rico remédio. O inimigo,coitado dele,quase não deu luta. Fugiu,espavorido,mas disposto a desforra. Teria aprendido a lição.
Para a vez seguinte se veria. Viria também brandindo ossos,ossos compridos,que era coisa que não faltaria por lá. Só que não lhes teria ocorrido usá-los. Não eram para ali uns atrasados empedernidos.

CENAS

Ela assomou à janela e deu com os olhos nele. Para que estavas mirando aquela velha? Eu bem vi,não te faças estranho. Todas te servem,não resta dúvida,pois vais atrás de uma qualquer.
Ele ria-se. A cara mostrava um ar de sábado,e era mesmo sábado. O dia preferido para as caçadas. Não mudas,que eu já perdi a esperança. O que ela havia de fazer? Andava outra vez de barriga a avolumar. Não te chego? Precisas de outras? O que eu tenho aturado só eu sei. E tudo isto, em voz alta,com a rua cheia,que era dia de compras para a semana.
Aproximava-se a hora de encerrar a loja. Ele já estava bem escanhoado,quase pronto para largar. Só teria pena de o não fazer à sexta-feira,como acontecia com tantos. O diabo daquele ofício obrigava-o a mais uma manhã de grades. Sentir-se-ia roubado,mas tinha de ser.
Não se sabia porquê,mas o patrão confiava nele e tinha de estar até ao fecho das portas. Sacrificava-se,mas ganhava mais uns patacos,que bem lhe serviam para sustentar a família,talvez mal,e para os devaneios. E isto é que interessava.
A filharada era uma seca e a mulher,coitada,perdera a graça. Ela,quando o visse sair,faria ,com certeza, outra cena,provavelmente,mais rica de gestos e de palavras. Mas de nada lhe valeria,que o seu homem era assim. E muita sorte tinha ela de o ver de volta. Estava preso ao emprego. Onde iria arranjar outro como aquele? Quase patrão e ali mesmo ao pé de casa. A vizinhança teria entretém por muitos anos.

CHÃO SAGRADO

São apenas uns palmos de terra. Vêm todos eles de um tetravô. Que a sua alma descanse em paz,pois têm-me dado um grande jeito. Nem todos os pedaços que amanho têm esta origem. Aquele além ia-me custando os olhos da cara. Não descansei enquanto não pus nele a minha marca. As horas que eu e a minha mulher gastámos a fazer contas e a refazê-las,sonhando ao mesmo tempo. Mais um ano e será nosso. E assim conteceu. Mas não foi só aquele. Lembrei-me de o citar porque é o melhor. Não é por ter sido eu a comprá-lo,mas está ali um belo tracto. É pena serem todos pequenos,mas juntos ,dava para ter uma boa quinta.
Têm-me dito que devia trocar alguns,de maneira a formarem-se parcelas de tamanho mais azado para os granjeios. Sempre que me falam nisso,fico fora de mim. Eu,abandonar o chão sagrado dos meus antepassados,e mais o que acrescentei com,pode dizer-se,sangue,suor e lágrimas? Nunca,enquanto viver. E os meus filhos,estou seguro disso,lêem pela mesma cartilha. Além do mais,onde é que se iriam encontrar terras como aquelas que nós temos? Não há melhor aqui nas redondezas. Só as carradas de estrume que eu lá tenho espalhado,para não falar dos químicos,que me têm custado bom dinheiro.Desentranham-se em milho e batata que é um gosto. E a qualidade do vinho? Se produzisse mais,faziam bicha aí à porta.

MÁGOAS

Na mesa,não cabia mais uma garrafa de cerveja. De vez em quando,levantava-se para esvaziar. A deslocação fazia-se com dificuldade,pois uma perna arrastava e a outra era um bocado trôpega. Valia-lhe apoiar-se numa bengala. Mostrava algum desassossego,olhando em redor,de cabeça baixa,como a pedir socorro. O empregado que o atendia observava-o desconfiado,parecendo prever algum dissabor. Chamou-o mais uma vez. Queria pagar,mas não trago dinheiro e esqueci-me também do livro de cheques. O gerente deve compreender.Veio o gerente. A conversa não foi agradável,como era de esperar. Não sabia como aquilo lhe tinha acontecido. A sua vida não lhe tinha corrido bem ultimamente. Ao gerente que lhe importava isso? Embora alterado,parecia ter alguma pena do homem,quase um inválido. Era num sábado de manhã. Na terça-feira venho pagar a despesa. Esteja certo disso. Se quiser tem aqui o meu bilhete de identidade. Ergueu-se a custo e caminhou para a porta muito lentamente,arrastando ainda mais a perna. Talvez quisesse correr,mas estava-lhe interdito. Foi triste vê-lo,já quase a despedir-se,em tal transe. Que mágoas teria ele querido afogar? Deve ter vindo para longe,onde ninguém o conhecesse. Como um animal acabado,fugindo do rebanho.

GLOBAL GREENHOUSE GAS EMISSIONS DATA

Greenhouse gas

FEEDING THE WORLD 2015

Feeding the world

sábado, 7 de março de 2015

LAVADOS ARES

Terá sortilégio aquela terra. É uma sedutora. Donde lhe virá tal magia,tal encanto? Talvez do celeiro que em tempos foi,talvez das planuras amplas,que de searas se cobriam,promessas de muito pão. Simulavam um oceano,de superfície nem sempre chã. Apetece ir por lá,quando por cá se entedia. E navegar naquelas águas,aportando aqui e ali,enchendo-se, mais demoradamente,daqueles lavados ares. Abrir as janelas e deixá-los entrar à vontade. Em redor,o verde ou o amarelo,o branco ou o azul,apaziguadores. E à noite,repousar em camas com florinhas,das muitas que por lá há,ouvindo o cantar das cigarras ou o silêncio da chuva a cair. E ali ficar.

AS FÉRIAS

O homem,coitado,volta não volta,lastimava-se. Que o que ganhava era uma miséria,não dava nem para mandar cantar um cego,quanto mais para sustentar a família como devia ser. E não é só de agora. Não calcula o que tenho passado,a magicar na maneira de sair da cepa torta.Se não fossem para aí umas ajudas,não sei o que teria sido da mulher e dos filhos. Era capaz de já aqui não estar,por ter emigrado,como os lá de cima. Esses é que tiveram juízo. A bem ou de qualquer maneira,lá se foram escapando,para ali,para acolá,e agora é vê-los ,quando se chegam as férias. Está a ver?,as férias. Onde é que eles as tinham cá? Não sabiam o que isso era. Não trabalhar e ganhar. Era bom,era.E era um desfiar interminável. Tinha corda para um dia inteiro. Pudera,não pensava noutra coisa,sempre a matutar na forma de sair daquela encrenca.Numa manhã,um, com quem desabafara muitas vezes,deu-lhe para o experimentar. Oiça lá,se você tivesse as terras aqui deste patrão ,o que é que fazia? A resposta foi imediata. Olhe,tinha tantas amigas como ele.

BAGAÇOS E PASSAS

Os cimos onde ele se demorou ,só vistos. Foi mesmo façanha de estarrecer. Muito podem,pois,enganar os começos.Numa manhã de bater o queixo,quando ele andava muito cá por baixo,comendo pão que o diabo amassou,desabafara,a modos que desconfiando das suas capacidades. Não sei como me tenho aguentado.Metia um grande dó olhar para ele,um corpo amarfanhado,quase transparente. Meio curvado,cara lívida,olhos encovados,era uma personifcação da derrota.Estou aqui,já ia alta a manhã,apenas com um bagaço e uma passa. Coisas só para dar um calorzinho aos ossos. Muitos outros dias não teriam arrancado melhor.A escalada foi meteórica. A apoiá-lo,não lhe faltaram dons,deve afirmar-se,em abono da verdade,dons excelentíssemos. Mas sem aqueles muitos bagaços e muitas passas não teria,com toda a certeza,chegado tão alto e lá permanecido.

BENDITA BROA


Andou lá por muito longe a comer pão que o diabo amassou,mas em boa hora. E não parecia à partida. Nem roupa,nem calçado capazes para levar ele tinha,tal era a carestia. Para tirar uma fotografia,que servisse de lembrança,teve de pedir emprestado,por uns momentos,o indispensável,senão o que haviam de pensar? Mas este é um maltrapilho. Não era,mas andava por perto.
Pois a vida lá correu-lhe de feição. Era um moço rijo. Papara muita broa e muito caldo verde. Alguém disse que é a melhor sopa do mundo,desde que nada lhe falte,claro. Não enjeitou qualquer trabalho,mas onde mais permaneceu foi em florestas,abatendo árvores. Poucos se atreviam a desempenhar tal tarefa em locais de clima agreste,como foi o seu caso. Acabava uma empreitada,pegava logo noutra. Era um frenesim,a aproveitar a maré. Isto,durante uns bons pares de anos.
Voltou rico,numa altura em que o dinheiro escasseava. E agora,o que vou fazer com ele? Analfabeto partira,analfabeto regressara. Não foi preciso repetir. Dois ou três o ouviram,gente letrada e honrada,ficando todos a beneficiar. Bendita broa e bendito caldo verde.

O CORAÇÃO TEM RAZÕES...

Pode dizer-se que era o médico dos pobres. Vivia um tanto marginalizado e teria as suas dificuldades. Um seu procedimento contribuíra,em grande parte,para isso. Coisas da vida. Aconteceu que uma senhora casada decidiu passar a ser sua companheira. Naquele tempo,isso caiu muito mal. Não lhe perdoavam e apontavam-no a dedo. Uma pessoa como ele tinha de se dar ao respeito. O certo é que eles não ligaram.
Ela deixou-se ficar e ele aceitou-a como sua mulher. A senhora dedicara-se inteiramente à sua nova casa e ajudava-o na sua vida. Atendia os clientes e aprendeu,até,uns rudimentos de enfermagem. Ela é quem dava as injecções. Era,assim,uma espécie de empresa familiar.
Tinha automóvel,mas raramente o utilizava. Preferia fazer as visitas a pé,enfrentando o "inimigo". Cobrava honorários modestos,esquecendo-se,às vezes,de os lembrar. Procurava,também,não sobrecarregar os doentes com gastos de farmácia,recorrrendo a receituário caseiro. Era capaz de considerar que para males já bastavam os do corpo.
A figura era franzina,acentuando-lhe o ar humilde. Do conjunto,era a voz que se impunha,uma voz arrastada,serena,cheia. Fora a voz que rendera a senhora? Quem sabe? Conta-se que certa marqueza casou com o sacristão da sua capela rica pela elegância posta no acolitar. É que o coração tem razões que a razão desconhece.

MAGRO CHÃO

Aquilo era uma carga de trabalhos. Terra havia,mas a rocha granítica aflorava a cada passo. Os cuidados que eram obrigados a ter para não molestar as aivecas. Volta não volta,lá se ia uma relha. Eram curvas e contracurvas,pois raramente se via pela frente tracto sem tropeços. Mas a vontade e a necessidade de arrancar daquele magro chão alguma coisa que se visse eram de respeito. Fora o que lhes coubera em rifa e ainda tinham de se dar por muito afortunados,já que tantos nem um quintalito lhes saíra.
É claro que isto não dava para manter a família como alguns queriam. E assim,lá iam esgravatar por outras bandas,fazendo uso de dons que Deus lhes dera. Uns,mais audazes,até se atreviam a ir para longe por temporadas.
Mas quando chegava a ocasião da ceifa ,lá se arranjavam para estarem presentes. E aquela rocha que tantas aflições lhes trouxera,quando das sementeiras,servia-lhes,agora,de eira. Lages não faltavam,com as dimensões e a forma requeridas. Para o grão não se quebrar com o bater dos malhos,tinham de os revestir com uma película elástica. E não havia melhor protecção do que a fabricada com bosta de vaca. Era prática que se perdia no tempo,talvez do tempo dos árabes ou de um mais detrás,e que nunca tinham abandonado. Não consta que alguma vez o pão fosse rejeitado por isso. Saber-lhes-ia sempre a coisa caída do céu.

OUSADIA

Ouvia-se-lhe a voz,mas não se conseguia vê-lo. Ainda se tentou encontrá-lo ,para uma justificação,mas escondia-se. Coisas de rapazes. Do ladrão,ladrão,é que ele não desistia. Tudo isto,porque se lhe invadira os domínios e houvera a ousadia de pôr num saco meia dúzia de quilos da sua terra,muito negra e muito encharcada. O milho,já alto,era capaz de se afogar. Aconteceu isto nas imediações de Póvoa do Lanhoso,há uns largos anos. Sabia-se que fora por ali que eclodira uma "confusa rebelião popular usualmente conhecida de revolução de Maria da Fonte". Dera-se ela em tempos muito recuados,mas aquele moço podia ser descendente de um revolucionário. Era capaz de ir tocar a rebate. O mais acertado era sair dali,para pôr a recato o precioso saco e sabe-se lá mais o quê. Noutros locais,já os tinham olhado com olhos desconfiados. Que andarão estes por aqui a fazer? Boa coisa não será. Se o moço tivesse visto o jipe,um tanto afastado,o que é que ele iria pensar? Querem ver que me vão levar a terra toda. Então é que iria mesmo pedir socorro.

DRYLANDS MONITORING WEEK ESTABLISHES NETWORK FOR SUSTAINABLE MANAGEMENT OF DRYLANDS

Drylands

BAMBOO - AN ANSWER TO DEFORESTATION OR NOT IN AFRICA

Deforestation

sexta-feira, 6 de março de 2015

UN KICKS OFF INTERNATIONAL WOMEN'S DAY CELEBRATION WITH APPEAL FOR GENDER EQUALITY

Gender equality

INVESTING IN DISASTER RESILLIENCE VITAL FOR SUSTAINABLE DEVELOPMENT

Sustainable development

COR DE ROSA

Numa feira como aquela é que ele nunca tinha estado. Além do que é costume ver em qualquer feira,diversões,brinquedos,bugigangas,roupas,comes e bebes,expunham-se lá hortaliças a concurso,ideias religiosas e políticas,e vendia-se futuro.Das exposições,a que mais gente chamou foi,sem dúvida,a das hortaliças. Não foi isto uma grande novidade,pois já tinha reparado na profusão de estufas e de estufins que havia ali naquela terra. Aproveitavam a feira para que vissem quem conseguia as de maior tamanho.As das ideias estiveram quase sempre às moscas. Para as religiosas,ainda alguns se chegaram, enquanto lhes deram música,mas mal esta se calou,ficaram apenas umas velhinhas. Quanto às políticas,aquilo não passou de meras sessões de apupos e de assobios de meia dúzia de provocadores,ali mesmo nas barbas da polícia.Uma grande surpresa estava reservada para o futuro. Eram de respeito as bichas que por lá se formaram,junto a "roulottes"de luxo. Ali,o futuro devia ser cor de rosa.