segunda-feira, 31 de julho de 2017

DESCANSO AO MEIO DIA

JEAN-FRANÇOIS MILLET

DROUGHT SLASHES U.S. SPRING WHEAT YIELD PROSPECTS

DROUGHT

VATICAN TURNS OFF HISTORIC FOUNTAINS AMID ROME DROUGHT

VATICAN

BRITAIN FACES DROUGHT EMERGENCY

DROUGH EMERGENCY

UNITED STATES DROUGHT

DROUGHT

ROMANS THREATENED WITH WATER RATIONING

WATER RATIONING

A PROPÓSITO DE BIOCOMBUSTÍVEIS

Como se sabe,da combustão de bioetanol e de biodiesel liberta-se anidrido carbónico,
à semelhança do que sucede com os combustíveis fósseis. Acontece,porém,que os produtos de onde eles derivam,milho,soja,ou outro qualquer da mesma natureza,e materiais ricos em celulose,dariam lugar também a anidrido carbónico,mais tarde,ou mais cedo,caso fossem utilizados na alimentação humana ou animal,via respiração ou decomposição microbiana,aeróbia,ou anaeróbia,de resíduos.
Num caso,como noutro,trata-se,afinal,de repor anidrido carbónico que fora consumido na fotossíntese. Ao contrário,no caso dos combustíveis fósseis,há só libertação. Assim,do ponto de vista da concentração do anidrido carbónico da atmosfera,há vantagem em usar-se biocombustíveis,e tanto mais,quanto menos combustíveis fósseis se gastarem no processamento e transporte,e quanto menos novas terras forem usadas na sua obtenção.
É claro que o desvio de bens alimentares,como o milho e a soja,para produção de biocombustíveis,não é pacífica. Acentuando-se a sua procura,os preços estão sujeitos a subirem. Seria melhor,pois,o uso de materiais celulósicos,ou de outra biomassa não alimentar,como algas.

domingo, 30 de julho de 2017

POTÁSSIO

POTÁSSIO

KILLER OZONE RISES TO BECOME TOP AIR POLLUTANT IN NORTH CHINA

KILLER OZONE

UM SACO COM NOTÍCIAS

Aquilo até parecia uma competição. Era ver aquele que mais voltas conseguia dar,talvez na intenção de tal feito ficar assinalado para a posteridade. Haveria um outro propósito,o de revigorar o físico,já um tanto gasto na luta da vida,de modo a poder chegar aos cem,ou mais.
Mas havia um que dava mais ns vistas,de boné de pala vermelha,à Benfica. Não olhava para os lados,não reparava no que se passava à sua volta,só atento na meta. Sempre ligeiramente inclinado para a frente,a cortar melhor o ar,de passada decidida,teimosa,não largava de uma das mãos um saco com notícias. Umas vezes,calhava a direita,outras,a esquerda,vá-se lá saber porquê.
Haveria quem pensasse ser aquela uma muito má companhia. Mas isso seria lá com ele. É que parte do bem que o exercício lhe traria teria sido em vão,lá por coisas. Seria como ter dado um passo em frente e dois para trás. Houve,até,vontade de intervir. Mas não teria valido a pena,pois, com a idade que ele aparentava,ele é que sabia. Seria o abelhudo corrido.

CINZAS DE MUITAS ERAS

Como se sabe,quem diz petróleo,ou gás natural,ou carvão mineral,diz carbono aprisionado há milhões de anos,ou seja,carbono que, durante esse muito longo tempo,deixou de figurar no seu ciclo ativo,dormindo como que o sono dos justos. Permitiu isso,como é sabido também,uma boa parte do oxigénio que anda por aí.
Continuados sedimentos oceânicos,restos de vidas de todos os tamanhos,com acentuação dos microscópicos,estiveram na origem desses materiais fósseis. Tendo consciência disso,muito incomodados deverão estar os parentes atuais dessas vidas de épocas longínquas,quando algum derrame de petróleo se estiver a dar mesmo ali à sua vista. É que eles estarão a ver as cinzas dos seus muitos antepassados de muitas eras.

NÓDOAS

Os cãezinhos lá do sítio já dispõem de um espaço seu para fazerem as suas necessidades. Para as líquidas,lá está um chão de areia,que facilita a lixiviação para o respectivo esgoto. Quanto às sólidas,deviam lá estar,segundo as instruções,saquinhos e contentor,mas não estavam,pelo que no pano já se viam nódoas. Para completar o ramalhete, a porta estava aberta,quando devia estar fechada,segundo as instruções.Quer dizer,mais um logradoiro com cara de condenado ao insucesso.

DISCRETOS

Ali iam eles,um tanto enfiados,rua abaixo,ela,com sinais evidentes de ter conhecido homem, certamente,o que caminhava a seu lado. Traziam séquito. Talvez a família mais chegada,talvez alguns amigos. De tão silenciosos,parecia aquilo um funeral. O galo não cantara ainda. Teriam querido ser discretos,passarem despercebidos. O conservador seria boa pessoa,pelo que não se importaria,volta não volta,de se levantar de madrugada. Como mudam os tempos.

DO MESMO MAL

Estavam os dois velhos e reformados. Quando novos,tinham trilhado,pode dizer-se,os mesmos caminhos,mas quando se cruzavam,era sempre de fugida e com cara de poucos amigos. Não era coisa de admirar,pois se sabe muito bem que isto de oficiais do mesmo ofício tem muito que se lhe diga. Entretanto,o tempo voara, e passaram a ser vizinhos,ficando quase a poderem ver-se das varandas. Parecia estar criada uma situação favorável a cruzamentos frequentes,com demoras,mostrando caras prazenteiras. Mas tal não tem acontecido,vá-se lá saber porquê. Talvez por um abundar em teres e o outro pouco ou nada possuir,embora sem disposição para assaltos. Talvez por um ter arranjado patrão de cinco estrelas e o do outro andar sempre encalacrado. Talvez por um se bastar com o deleite de posse exclusiva e o outro se entreter com bens de todos. Talvez por terem da solidariedade entendimentos diferentes. Talvez por um ser baixo e o outro alto. Talvez por ambos padecerem do mesmo mal.

TRANCA

Aquele serviço novo,de calcorriar montes e vales,não começara nada mal. Não lhe coubera um quarto de primeira,lá na pensão,mas sempre era melhor do que uma barraca. Janela não havia,mas tinha porta,a que faltava a chave. Em sua substituição,servia uma cadeira de tranca.

ENCRENCAS

Aonde tinham trazido o moço,a ver celas. Num dia daqueles,de não se ficar em casa,num rico dia de praia. E ele com tantas ali ao pé. Era mesmo coisa de velhos,que já não sabiam para onde ir. Queriam que ele pusesse os olhos aqui e ali,para ter uma ideia do que aquela gente tinha passado. Ele fez-lhes a vontade,olhou,olhou,mas não viu nada que o espantasse,antes pelo contrário. Afinal,não estavam muito mal instalados. Não eram quartos de um hotel de cinco estrelas,mas também não podiam exigir tanto. Depois,porque é que se tinham ido meter em encrencas? Aquilo já estava a chatear. Vamo-nos mas é embora,que não quero a tarde toda estragada. Tenho lá a garota à espera. Para quê vir a sítios como aquele? Que ganhava ele com isso? Estás a ouvir?,parecia ouvir-se por ali. Quem nos mandou metermo-nos em sarilhos? Sim,quem nos mandou? Não teria sido melhor andar com garotas que estivessem lá à nossa espera? Fomos mesmo muito parvos.

ESTÁS UM VELHO

Ele era assim. Quando falava com alguém mais baixo,encolhia-se,de modo a ficarem olhos nos olhos. Ele nunca dizia estás um velho,mas antes pareces um moço. Ele era assim,ao contrário de tantos.

VITÓRIA NEGATIVA

Era aquilo uma tática,e bem afinada,pois de antigo uso. E tudo isto, por muito raramente ter a iniciativa de conversa com um qualquer. Assim,mal o outro abria a boca,adiantava-se logo,cortando-lhe a palavra. Como é que o outro haveria de ficar? Sem vontade de continuar,
certamente,de resto,o que ele pretendia. Ficava,assim,muito satisfeito. Era como uma espécie de vitória ao contrário,uma vitória negativa.

sábado, 29 de julho de 2017

GOSTO DE MIM,GOSTO DE MIM

Não se estava à espera,mas fora o que se ouvira. Gosto de mim,gosto de mim. Teria as suas razões,fortes seriam elas,para assim se gostar. Pensaria muito no que,ultimamente,vinha fazendo e acharia que o seu comportamento merecia nota alta. E assim,frequentemente,não se continha. Tinha de o proclamar,onde quer que estivese. Gosto de mim,gosto de mim.
Não era um velho ainda,mas para lá caminhava a passos de gigante,ele e outros,ele e todos,afinal. Já não estava com a companheira há muito tempo,da qual se tinha separado um tanto azedamente. Coisas da vida,estão sempre a acontecer. Mas ela adoecera,de doença muito ruim,e era ele que lhe estava valendo. Vinha vê-la quase todos os dias para lhe prestar assistência. De algum modo,estava pagando o mal com o bem,pagamento muito raro,ontem e hoje.
Talvez muitos não teriam assim procedido,tal seria o seu entendimento. Ela que se arranjasse. Estaria aqui,neste entender,o seu gosto de mim incontido. Que outra explicação encontrar?

DOENÇAS

Era um homem alto,encorpado,de cabeleira escassa,de fala desatada,do muito convívio. Devido a alguma surdez,que a muita idade faz das suas,a sua voz trovejava,talvez por se gostar,também, de ouvir. Era um tu pá,a cada frase. Estivera em todos os recantos de uma vasta região,por onde andara nove longos e suados anos.
As doenças que por lá havia,a malária,a tuberculose,a bilharziose. Ultimamente,aparecera por lá também a sida. Mas todas elas nada eram,quando confrontadas com uma outra,que as punha todas na sombra.
E aqui fez uma pausa,a estimular a curiosidade,este insanável apetite de saber novidades. Que doença seria aquela,que aquele senhor de revoltas cãs,tão cheio de saber,talvez só ele conhecesse?
Finda a pausa,parecia estar ele disposto a esclarecer a suspensa plateia. Essa doença maior,a única,pode dizer-se,de que essa região padece, é. Não teve tempo de acabar,pois o médico não podia esperar e chegara a sua vez. E não mais foi visto por ali. Que doença seria aquela,talvez só daquele senhor conhecida?

A DEVER NADA

Não havia nada a fazer. Acabava de ouvir uma novidade,coisa de muito interesse,e apressava-se a transmiti-la,confiante em que iriam gostar. Pois, de duas,uma. Ou interrompiam,ainda não ia a meio,anunciando uma das muito deles,ou então,deixando-o chegar ao fim,brindavam-no com uma lá das muito deles. Uma espécie de troca por troca,para não ficarem a dever nada,o que seria,não uma morte,mas quase. Eram assim.

UM CASO DA NATUREZA

Como bem se sabe,a fotossíntese é um processo biológico de importância vital,por ser através dele que se dá a conversão de anidrido carbónico da atmosfera em compostos orgânicos essenciais à vida. É mais um caso da Natureza em que ocorre transferência de eletrões.
Aqui,é o anidrido carbónico,mais propriamente,o seu carbono,o agente oxidante,ou seja,o captador de eletrões. O agente redutor,isto é,o fornecedor de eletrões,é o oxigénio da água,gerando-se oxigénio molecular.
Tudo isto se passa,como é também sobejamente sabido, por ação da energia fornecida pela luz que é absorvida por pigmentos vários,principalmente,clorofilas e carotenóides,de organismos,como plantas superiores e algas.

OS SIDERÓFOROS

Como se sabe,o ferro tem um papel fundamental em  plantas e microorganismos com capacidade fotossintética,ainda que não faça parte da estrutura da clorofila. Ora o ferro está muito pouco disponível em meios alcalinos,como nalguns solos e na água dos oceanos. Acontece que há organismos,como fungos,que segregam substâncias,os sideróforos,que conseguem solubilizar o ferro,permitindo,assim,que a fotossíntese ocorra.

COM VAGARES

Nos fins de semana,havia festa rija na horta da"quinta" avenida lá do bairro. Juntavam-se os amigos e aquilo era um fartar de carapaus assados por longas horas. Os ares enchiam-se de odores indiscretos e os vizinhos ficavam com muita pena de não os convidarem. Os carapaus não podiam ser uns quaisquer. Tinham de ser uns muito especiais. Mas para isso, havia dois especialistas. Um deles,entrava de serviço bem cedo. Ia ao mercado,ali a dois passos,e percorria com vagares todas as bancas . Era paciente e levava a função muito a peito. Parava,examinava,cheirava,recuava,encostando-se à parede,como a antegozar o festim próximo. Finalmente,decidia-se. Iam ser aqueles. Chegara a altura de chamar o outro,o cozinheiro,o mais entendido na matéria. Vinha o cozinheiro. Fazia o exame que lhe competia,com outros olhos. Mas aquilo não era mais do que uma confirmação. Encha lá o prato. Ainda rejeitavam alguns,o que era tolerado,pois para fregueses como aqueles tinha de se ter muita compreensão.

CEPA TORTA

Há causas de que apetece ser seu porta-estandarte. Uma delas,é o ambiente,sobretudo, do ambiente integral.Quem é que não gosta de respirar uns ares lavados,isentos de miasmas,carregadinhos de oxigénio,sem esses malignos gases tóxicos,filhos do diabo? Ninguém,com certeza.Quem é que não gosta de ver as ruas limpas,ruas e outros espaços públicos,sem papéis,sem resíduos caninos,sem restos de pastilhas elásticas,sem beatas,sem cuspidelas? Ninguém,com certeza,pois quer vê-las,como,certamente,tem lá o chão da sua casa.Quem é que não gosta de ver as pessoas a viver em casas decentes,não muito longe do seu local de trabalho? Ninguém,com certeza.Quem é que não gosta de ver as pessoas todas com um emprego que lhe dê para ter uma família a viver decentemente, sem pensar que no dia seguinte a coisa fica feia? Ninguém,certamente.Quem é que não gosta...Portanto,quem pegue nessa bandeira,que simboliza essa nobre,essa vital causa,deve ser recebido com Hosanas,triunfalmente,e ser recebido,também,com muitos,muitos,obrigados. Bem haja,pois.Esse porta-bandeira é,de certo,uma alma de eleição,uma alma abenegada,uma alma franca,sem reservas,sempre pronta a acudir onde uma miséria desponte. Alma,portanto,identificada com o homem,qualquer que ele seja,em todas as suas dimensões,o homem integral. Alma aberta,para compreeender os seus anseios,os seus sonhos,as suas dificuldades,as suas carências. Tudo isso,sem evasivas,sem subterfúgios,sem desculpas,tendo em mira,só,o ser humano.Portanto,nada de equívocos,sombras,mal entendidos. Não se ficar só pelos queridos passarinhos. Não se ficar só pelas respeitáveis marcas arqueológicas. Não se ficar só pela altura das barragens. Não se ficar só pela garantia absoluta da bondade de qualquer inovação.É que,com todas essas preocupações e mais algumas, que a seguir nascem,não se sairia da cepa torta,se calhar não se teria visto a roda a rodar. Depois,as necessidades vertiginosamente se multiplicam ,nesta novíssima era das novas tecnologias,para o bem e para o mal. Depois, cada vez é maior o número de bocas abertas,a quererem papar,para contentamento dos estômagos.

VIROU LOGO

Aparelhos,não era com ele,mas um carro dar-lhe-ia muito jeito. Assim,contrariando-se,lá se dispôs,um dia, a tirar carta de condução,o que ia sendo um desastre. Ora,agora,vire à direita. Isso era para ser um pouco mais adiante. E quase caíram num valado,porque ele virou logo.

Uma lembrança de quem andava, com excepcional desenvoltura,por outras estradas.

VOLTA NÃO VOLTA

O senhor Manuel pintor,volta não volta,vem fazer uma visita ao seu centro de antigas e arrojadas operações. Faz isto manhã muito cedo,como se estivesse ainda a operar. O que levará o senhor Manuel pintor a este volta não volta? Será isto restos de um antigo hábito,ou pensará ele voltar a operar?

ROUPA DE FORA

A velhinha árvore acordou do seu aparente sono de meses. Para já,tem sido só um espreguiçar,o que se compreeende muito bem,dada a sua idade vetusta. Quer dizer,começou a vestir a sua nova camisa, uma nova peça de roupa de fora,que a de dentro,a camisola interior, está sempre a mudar.

O CARTEIRO

Era um lugar cheio de evocações. O chão tremia com a passagem do comboio internacional. A dois passos, fluía o rio-fronteira,onde velas brancas cruzavam. À noite,chegavam sons de festas intermináveis. De tarde,vinha o carteiro,que lembrava o de Pablo Neruda.

quinta-feira, 27 de julho de 2017

ANTONIO DA CORREGGIO

CORREGGIO

ANTONY VAN DYCK

VAN DYCK

SÓ UM MILAGRE

O olhar dele,um homem alto,meio alourado, aí de uns quarenta anos,era triste, parecendo andar ali a cumprir forte pena. Arranjara trabalho,é certo,coisa muito rara de onde viera,mas estaria raladinho de saudades lá do seu torrão. Já iam para seis anos quando de lá saíra.
Então,aquilo por lá não muda para melhor? Não podia,que só com agricultura,que é o que havia por lá,não se sai da cepa torta. Fora sempre assim,não havia nada a fazer. Só um milagre.
Para sorte dele e de muitos outros,onde agora se encontrava a fazer pela vida, a coisa era bem diferente,parecendo que continuaria a sê-lo,o que ele pediria aos seus santos que assim fosse por muito tempo. Também pediria que a disposição dos naturais se mantivesse,enjeitando trabalhos que os de fora não se importavam de fazer. E disse isto de uma maneira híbrida,misto de satisfação e de censura.

EMPREITADA

Eram quatro barras metálicas,pesadas,deixadas num descampado,junto a uma rotunda de contínua circulação. Talvez estivesse ali uma fortuna,quem sabe?
E assim,um velhote,alto,muito magro,apoiado numa bengala,tratou de as levar ,uma a uma,para um sítio onde,facilmente,as pudessem vir buscar.
O barulho que daqui resultou,pelo arrastar,com uma corda,da preciosidade, sobre o asfalto,e os perigos a que o velhote se expôs,só ouvido e visto. Valeu-lhe a compreeensão de todos.
Da tal estafadeira,e sabe-se lá mais de quê,o velhote,no final da empreitada,não parava de gesticular e de consigo mesmo falar.

NÃO SE PODE TER TUDO

Está a ver isto? Não é um rico invento? Sim,já o conhecia,mais um,a somar-se a muitos outros. Pena é que não apareça o da fraternidade. Sabe,não se pode ter tudo.

FOZ D'ÉGUA

ARGANIL

DE DRAMA

Alguém,muito,muito rico,acabava de vencer umas eleições. E dele veio,por via indirecta, este aviso, nas suas primeiras palavras:os tempos próximos vão ser maus. Isto de um "seguro" mandar recados destes a inseguros é cómico,para não dizer trágico. É,pelo menos,de drama.

STARRY NIGHT OVER THE RHÔNE

VAN GOGH

quarta-feira, 26 de julho de 2017

JEAN-FRANÇOIS MILLET

JULES BRETON

ROMA

VISTA AÉREA

NOVA IORQUE

VISTA AÉREA

LONDRES

VISTA AÉREA

JANGADA

RIO LONGA

PORTO

VISTA AÉREA

LISBOA

VISTA AÉREA

SANTARÉM

VISTA AÉREA

MIRACLE GARDEN

MIRACLE GARDEN

WORLD BEGGARS

BEGGARS

WORLD BEGGARS

BEGGARS

WORLD BEGGARS

BEGGARS

SHIP-BREAKERS

SHIP-BREAKERS

ANIDRIDO CARBÓNICO APRISIONADO

A árvore,a floresta,valem,sobretudo,pelo anidrido carbónico que vai sendo aprisionado,graças à fotossíntese,nas suas folhas,nos seus ramos,nos seus troncos,
nas suas raízes,convertido nos compostos mais diversos. Enquanto o carbono assim permanecer,é carbono que fica fora dos seu ciclo ativo,quer dizer,é carbono que não restitui anidrido carbónico,pela respiração,à atmosfera,e é oxigénio que não é consumido. Assim,a árvore,a floresta,emitam,à sua medida,no que podem,as matérias fósseis,petróleo,gás natural e carvão mineral,enquanto não exploradas,ao manterem carbono fora do seu ciclo ativo,não perturbando,também, a reserva de oxigénio do ar.

O MENINO

Numa tarde,já quase noite,o menino disse à mãe. Oh mãe,hoje é dia 5 de Outubro,não é? É sim,filho. É o dia em que se festeja o nascimento da República. Faz joje anos. Então, porque é que um polícia levou para a esquadra um senhor que deu um viva à República? A mãe disse-lhe qualquer coisa,mas ele não entendeu.
Numa manhã,já perto do almoço,o menino pediu à mãe que lhe explicasse uma coisa. Oh mãe,o pai já me explicou,mas eu não percebi. Quem é o Soldado Desconhecido,o que está lá no jardim? A mãe respondeu,mas ele ficou na mesma.
Uns anos mais tarde,o menino entrou em casa a chorar. Oh mãe,o professor chamou-me marrão,à frente de muita gente,lá na cantina. Deixa lá filho. Deve ser por o filho dele ter pior notas.
O menino andava com azar. Então não é que passados uns dias,voltou a entrar em casa,num choro ainda maior? O que foi,filho? Oh mãe, o senhor José disse que eu era muito feio. Se eu não tinha pena de ser tão feio? Deixa lá,filho,o filho do senhor José deve ter notas  piores do que as tuas.

terça-feira, 25 de julho de 2017

SOBRE AS CINZAS

As cinzas,para além do seu valor nutritivo,ainda que muito variado,têm caráter alcalino,por via de carbonatos e óxidos,pelo que a sua aplicação reduz também a acidez dos solos. Essa alcalinidade pode ainda ser aproveitada para se fazer sabão,fervendo uma gordura com lexívia de cinzas potássicas,como as de madeira,à
semelhança,aliás,do que foi obtido,casualmente,em muito recuados tempos.

IA-SE A REDE ROMPENDO

Ai os velhinhos,ai os doentinhos. Cairam,hoje,dois na rede. Ia-se a rede rompendo. Era peixe graúdo.

Ele ia a andar muito devagarinho,como que temeroso. Estaria para fazer alguma viagem. Levava uma mala, pequenina,tal qual ele,levava gabardina,levava dois chapéus,um,na cabeça,e o outro,para a chuva,que andava a rondar,levava-se a ele.

Então,já lhe vai custando? É desta humidade,que não nos larga a porta. A mim também me vai acontecendo o mesmo e devo ser mais novo. Ora se era. Ele já contava noventa e sete. Devia estar com pressa para apanhar o transporte,talvez o comboio.

O outro,fazia bicha,por causa da senha para o passe. Mais dois dias,e lá acabava o mês. Este,só contava cinquenta e sete. Muito magrinho,muito amarelinho. Apoiava-se em duas canadianas. Fora a malvada de uma doença,uma doença ruim,muito rara. Quer passar à frente? Não era preciso,podia esperar. Sabe,passo a maior parte do tempo sentado. Está reformado? Sim,é o que me vale.

Ainda há quem vaticine,ainda há quem queira que o Estado-Providência se suma. Para quê? Para se voltar ao passado,ao passado da mão estendida,das bichas à porta deste ou daquele? Só de quem se sente seguro para sempre,o que não abona muito a seu favor. Sabe-se lá o que acontece amanhã,ou melhor,no próximo segundo?

EXEMPLOS DE COLABORAÇÃO

Os líquenes e as micorrizas. Os líquenes,associações de fungos e de algas,verdes ou azuis. Os fungos,que não dispõem de clorofila,contribuem com água e nutrientes ditos minerais,as algas,com a parte orgânica. As micorrizas,associações de raízes e de fungos. Pelas raízes,os fungos recebem sintetizados,como hidratos de carbono. Pelas hifas dos fungos,chegam às raizes o que se encontra dissolvido na água,reforçando-as.

A PROPÓSITO DO DIÓXIDO DE CARBONO

A combustão de matérias fósseis liberta,como se sabe,CO2 que estava impedido de figurar no ciclo ativo do carbono. Trata-se,assim,de uma reposição. Os biocombustíveis geram também CO2,como é igualmente sabido. Mas a sua alternativa,ou seja a sua utilização como alimentos,faz o mesmo,via respiração aeróbia ou anaeróbia. Os biocombustíveis não são porém, inocentes,tendo os seus custos,não sendo menores os sociais,pelas implicações no agravamento dos preços de bens alimentares.

QUE TEME MAIS?

Rajendra Pachauri,Prémio Nobel da Paz de 2007,com Al Gore, Presidente,desde 2002,do Painel
Intergovernamental sobre Alterações Climáticas da ONU,e Dirigente do Instituto de Recursos Naturais e Energia da Índia,concedeu uma entrevista ao El País (12 de Janeiro de 2009).
Eis três das respostas a três das várias perguntas que lhe fizeram.
1 - Que significa para si desenvolvimento sustentável?
Primeiro,garantir que os recursos naturais que herdámos não sejam danificados,nem reduzidos,de maneira que a próxima geração os receba em melhor situação do que a nossa. Isto inclui ar limpo,água limpa,terra e florestas sãs e biodiversidade. A outra dimensão do desenvolvimento sustentável é dar oportunidades às pessoas. Não se pode manter um sistema que só pensa nos ricos....
2 - Que teme mais?
Se não fizermos mais para suster as alterações climáticas,os mais pobres,que são os mais prejudicados,não perdoarão aos países ricos. Haverá convulsões e guerras,porque se agravará a luta pelos recursos naturais,incluindo os do Ártico.
3 - Que diria aos que negam as alterações climáticas?
Trabalhamos com transparência e escolhemos os melhores cientistas do mundo. As nossas informações são aceites por todos os governos....

TREVI FOUNTAIN

TREVI FOUNTAIN

RICE FIELDS

BANGLADESH

CREMATION GHAT

VARANASI

BANGLADESH

BUS

VARANASI GHAT

HOMELESS

HOMELESS

JAPANESE GARDEN

JAPANESE GARDEN

VARANASI GHAT

 VARANASI GHAT

HOMELESS

HOMELESS

VARANASI GHAT

VARANASI

EM PAZ COM TUDO E COM TODOS

"Ninguém morre de véspera". Pois não. Começamos a morrer muito antes da véspera. Vai-se morrendo aos poucochinhos,enquanto se vai vivendo. Morre-se em si,nas esperanças que se vão,nas desilusões que se colhem,nas negações que se proferem,nas mentiras que se soltam,na verdade que tarda em se alcançar. Morre-se para os outros que nos ignoram,que nos desprezam,que nos esquecem,que nos maltratam,que nos enganam,que nos atraiçoam. Morre-se na tristeza que nos assola,nas lágrimas que se vertem,nos soluços que nos embargam,nos gritos que não lançamos. Morre-se mesmo quando sonhamos.
"Ninguém morre sozinho" É como um chamar de atenção imperioso,com ressonâncias planetárias,talvez cósmicas,universais. É na morte que nos igualamos. É ela um outro ponto de encontro,o último, irremediável. É ali que,finalmente,nos reconhecemos,quando,após tanto tempo,recuzámos até ver-nos,quanto mais abraçar-nos.
O homem,o "cadáver adiado que procria". Assim foi concebido,sem para ali ter-se metido prego ou estopa. Outras coisas pode fazer,tantas que ele ainda não sabe quais ou até onde pode ir. Talvez uma lhe seja imposta,que é o de morrer em paz com tudo e com todos.

segunda-feira, 24 de julho de 2017

BANGLADESH SHIPBREAKING

SHIPBREAKING

TRAFFIC JAM

TRAFFIC JAM

TRAFFIC JAM

TRAFFIC JAM

VERTICAL FOREST

VERTICAL FOREST

GREEN ROOF

GREEN ROOF

MOSCOW

 MOSCOW

DUBLIN

DUBLIN

DUBLIN

DUBLIN

ROMA

ROMA

NEW YORK

 NEW YORK

LISBOA

LISBOA

LONDON

LONDON

O SILÊNCIO

Lastimava-se a morte de alguém que dera boa conta do recado. Lastimava-se o silêncio que se fizera à sua volta nos últimos anos da sua longa vida. Era isso,de facto,o que mais se sublinhava. Era o costume,para não variar e não estranhar. Se ele,o silêncio,se faz,quantas vezes,em plena vida activa,quanto mais no declinar dela

PARECIAM ESTRELAS

Pares de olhos era o qua se via por onde o foco passava. Pareciam estrelas,ali muito mais perto. Estariam como que imobilizados os pobres bichinhos. Não eram olhos que interessassem,senão estariam bem arranjados,nem alma se lhes aproveitaria. Escaparam naquela vez. Eram outros os olhos procurados. Levou seu tempo. Encontrados eles,adeus erva tenra do vale,que não mais te vejo.

TROCA POR TROCA

Não havia nada a fazer. Acabava de ouvir uma novidade,coisa de muito interesse,e apressava-se a transmiti-la,confiante em que iriam gostar. Pois das duas,uma. Ou interrompiam,ainda não ia a meio,anunciando uma das muito deles,ou então,deixando chegar ao fim,brindavam-no com uma das muito deles. Uma espécie de troca por troca,para não ficarem a dever nada,o que seria,não uma morte,mas quase. Eram assim.

PEDRAS

O professor não era de lá. Mas sendo pessoa muito interessada,conhecia todas as pedras com história lá da terra,e queria que os moços também as conhecessem. Gastava horas a olhar para elas. Não consta que tivesse convencido algum deles. Queriam eles lá saber das pedras. Era mesmo coisa de quem não tinha mais nada para fazer. Pedras. Não passavam disso mesmo,pedras

A JEITO

Não faziam "nada",não sabiam "nada",e isso trazia-os não se sabia como,mas satisfeitos consigo é que seria para admirar. Como quer que fosse,o que davam a entender é que estavam possuídos de um desejo incontido de ferir,de ferir a torto e a direito.
E assim,mal davam com um a jeito,e mesmo que bem a jeito não estivesse,malhavam nele,sem dó,nem piedade,deixando-o meio morto.
Era o seu triunfo,um triunfo passageiro,volátil,caindo bem depressa no tal estado mórbido de querer desancar sem destino. Só esperavam que uma nova vítima não demorasse muito a pôr-se a jeito,ainda que muito a jeito não estivesse.

O VIZINHO DO LADO

Um dia,Alexandre o Grande perguntou a Diógenes:o que posso fazer por ti, eu,o Grande Alexandre,o dono do mundo ? Tira-te da minha frente,que estás a tirar-me o Sol. Talvez Diógenes tivesse dito que ele estava muito enganado,mas a história é omissa em muita coisa,e até se engana,ou exagera,ou esquece,e sabe-se lá mais o quê. Que ele não valia nada,ou melhor,valia tanto como um qualquer. É que o Sol quando nasce é para todos,só que lhe cortam as voltas.
Mas voltando ao Grande. As coisas que este homenzinho de DEUS fez e os quilómetros que ele andou,a maioria,certamente,no seu cavalo, ou lá o que pôde arranjar. Isto,de sair de casa,um dia,e só passados anos,talvez já cansado,resolver voltar ao chão dos avós,não é,vistas bem as coisas,para um qualquer. Consta que foi um rio,lá para a Índia,que o fez pensar duas vezes. Era,de facto,tem de se concordar, Grande,pelo menos,na ambição,de querer este mundo e o outro. Coitado,morreu antes do tempo.
O que levará os Alexandres a correrem tanto? Quererem ser deuses,ainda que de pés de barro? Uns deuses mortais. Em dada altura,deu-lhes para se mumificarem,na suposição de que,um dia,ressuscitariam,perpetuando-se. Outros não têm ido tão longe,mas agarram-se ao assento,com intenção de dele sairem só quando tiver de ser. E tudo isto porquê? Talvez por ter muito medo do vizinho do lado.

domingo, 23 de julho de 2017

CAMISA LAVADA

Foram uns tempos aqueles para esquecer. É que andavam por lá tão descontentes consigo que não podiam suportar os outros,quaisquer que eles fossem. E assim,vá de não lhes poder ver nem uma camisa lavada. Mas ainda bem que esses tempos tinham acabado,pois aquilo era um viver sem jeito.

TRESPASSADO

Até ali nunca dera conta do que acabara de descobrir. Os olhos também podem falar. Não de um modo audível,é certo,mas entendível. Um falar,às vezes,de conveniência,como naquela altura. Diziam,mas não se comprometiam. Que bom,ou mau,poder falar assim. Ninguém os leva presos.
Pois ali estava,sem qualquer dúvida,um desses olhares. O que estava claramente dizendo? Que sorte tens tu homem. Aí comodamente instalado nesse belo carro,que não é teu,mas para mim é como se fosse ,que eu não posso ver uma camisa lavada a um pobre.
Assim eu tivesse tido essa sorte. Não calhou,mas eu é que a merecia,pois sou muito superior a ti,um Zé Ninguém. A inveja que eu tenho de ti.
E aqui,a intensidade daquele olhar quase varava. Sentira-se trespassado e tivera medo. De que seriam capazes aqueles olhos? De fulminar? Sabe-se lá.

UMA PENA

O estendal começara mal ele ainda abrira a boca,quer dizer,entrara logo a matar,não tivesse o outro muito tempo para o ouvir. Fora lá uma pessoa muito importante e viera de lá já há umas dezenas de anos. Vendera todos os bens por bom dinheiro,pelo que estava bem. Cá,fora também uma pessoa muito importante. Mas uma pena consumia-o. É que não era doutor. Mas essa pena iria voar,pois,finalmente,entrara na universidade.

AS ESTRADAS

As estradas estão ali,prontas a serem palmilhadas. Uns,querem,e podem. Outros,não podem,ou não querem,sabe-se lá porquê. Os que não podem,e queriam,têm razão para se queixarem. Os que não querem,podendo,só se podem queixar de não quererem

A FOME

Da mera observação das coisas do presente e do passado,e também de um outro antes não observado,dos acontecimentos,das crises,dos desencontros,dos encontrões mais ou menos calamitosos,de tudo,enfim,que sucedeu e vai sucedendo,fica-se com a impressão,com a certeza,talvez,de que este mundo é um muito desiquilibrado.
É claro que ,num mundo assim,não é de admirar que o que vigore,que a regra, é o salve-se quem puder. Num mundo assim,as disposições mais típicas,porque as mais vencedoras, são o egoísmo,o estar-se nas tintas para o outro,mesmo muito chegado,o cada um governar-se. É o panorama dos dias que correm,foi o panorama dos dias que já lá vão.
Daí,o pé de meia,o poupar,muitas vezes no essencial,o acumular quanto se possa,pois não se sabe que cara apresentará o amanhã. Não se deve estranhar, pois ,o multiplicar de milionários,de bilonários,e assim por diante,que só os trouxas é que se deixam ficar para trás. Ficam estes muito tristes,mas não se têm de queixar,pois podiam ter feito,ou pelo menos tentado,gestos para lá chegar.
Daí,também,as fortalezas do presente e do passado,simbolizado este pelos castelos. Quanto mais muralhados,quanto mais apetrechados disto e daquilo,mais resistiriam ao inimigo que viesse dali próximo,ou lá de longe,que os inimigos nunca se sabia quais e quantos eram. O que se sabia é que inimigos tê-los-iam à porta,em qualquer altura.
No caso da riqueza,inimigos não lhe falta,também,sendo o mais sério a fome.

UM CASO DE CARÊNCIA NUTRITIVA EM VIDEIRAS

Muitos anos atrás,numa região de vinha que tinha por centro o Cartaxo e se estendia do Vale de Santarém à Cruz do Campo,alguém que se detivesse a observar as videiras na época de vegetação, em certas manchas dessa zona,verificaria,com estranheza,o colorido anormal que as parras apresentavam. A contrastar com o verde costumado,surgia ali um aspeto inteiramente novo. A cor verde mantinha-se junto às nervuras,mas os espaços entre elas tingiam-se de amarelo,a formar como que verdadeiros meandros. Essas manchas localizavam-se nas bermas de algumas estradas,tendo profundidades variáveis,indo nuns locais mais para o interior,noutros limitando-se às primeiras filas. Eram,no entanto,quase sempre contínuas. Tanto as castas brancas como as tintas mostravam os mesmos sintomas,embora as brancas os apresentassem com mais nitidez,a ponto de num povoamento,mesmo à distância,se distinguirem com facilidade umas das outras. O amarelo nas castas brancas era mais claro,de aspeto leitoso,sobressaindo melhor no fundo verde do resto da folha. A alteração do pigmento começava pelas folhas mais idosas,subindo,a pouco e pouco,para as da extremidade,que,em certas condições,eram atingidas quase em simultêneo com as mais novas. Era a margem que,primeiro,se pintava de amarelo,caminhando a clorose progressivamente para o interior,apenas respeitando a vizinhança das nervuras. Além da videiras,outras plantas,herbáceas e lenhosas,exibiam sintomas mais ou menos semelhantes. Era o caso das silvas e dos marmeleiros dos valados,dos pessegueiros,dos damasqueiros,das pereiras,das macieiras,das ameixeiras,das laranjeiras. Em tempos,tinha-se concluído não se estar em presença de uma doença de origem parasitária. A explicação do mal poderia ser encontrada,assim, na nutrição. E foi nesse sentido que se avançou,acabando por se dar com o causador,o manganésio,que não estava a ser absorvido na quantidade necessária. O solo,aparentemente,tinha,porém,manganésio para dar e vender,assim se pode dizer. Só que estava muito pouco disponível. Coisas que acontecem quando sucedem outras coisas. E o que tinha acontecido? Anos atrás, as estradas eram de macadame calcário. A passagem de carros e carretas levantava nuvens de poeira calcária,que o vento dominante se encarregava de ir depositando,sobretudo, numa das bermas. E calcário a mais faz das suas e,neste caso particular,levou o manganésio a um estado muito menos solúvel.

NÃO ESTAVA TUDO PERDIDO

Apoiava-se numa bengala e um velhinho compadeceu-se. Sente-se aqui. Dessa vez,não se sentou. Não demorou a ouvir um outro convite,vindo de alguém de muito menos idade,a que não resistiu,aproveitando para lembrar o primeiro. Fê-lo como que a dizer que não estava tudo perdido.

CAIS DO SODRÉ,LISBOA

Sodré é o nome de uma família. "Os Sodré são uma família de origem inglesa,vinda para Portugal no tempo das campanhas fernandinas do conde de Cambridge,em meados do século XIV."

Em
VASCO DA GAMA
O HOMEM,A VIAGEM,A ÉPOCA
por Luís Adão Fonseca
Edição do Comissariado da Exposição Mundial de Lisboa de 1998 e
da Comissão da Região do Alentejo
Lisboa/97

sábado, 22 de julho de 2017

UM VER SE TE AVIAS

O BIG BANG deve andar muito preocupado,e é caso para isso,há que concordar. É que não faltam motivos para ralar um qualquer,quanto mais ELE. Coitado,parece ter andado a trabalhar para o boneco. Qualquer dia não há oxigénio que chegue,com tanta combustão havida e a haver. Combustão,acima de todas elas,de materiais,que mantidos lá onde se encontravam,e encontram,garantiam uma muito boa parte dele. O desenterrar de jazidas fósseis não pára,estejam lá elas onde estiverem,mesmo em regiões polares. É um ver se te avias,parecendo todos quererem aviar-se. Para piorar as coisas,estão as florestas a encolher,essas imitadoras,ainda que tímidas,dos materiais fósseis. Para o comum dos mortais,que também ande ralado,não há nada a fazer,a não ser esperar que um dos arautos dELE,do BIG BANG,O persuada a intervir.

NÃO PASSARA DE UM SONHO

Num país longínquo,onde reinava a pobreza,havia um pai que nela mergulhara também. Jurara ele,um dia,desta pobreza libertar-se. Por si ,seria incapaz. Mas Deus dera-lhe um filho que saíra prendado. E nele depositou todas as suas esperanças. Seria este filho a chave que lhe abriria a porta da abundância.
O que este pai sonhou. Não seria um sonho impossível de realizar. É que as prendas deste filho pareciam não ter fim. Tudo indicava que com um pouco mais de tempo a riqueza chegaria.
Andava este pai num grande alvoroço. Não havia fardo ,por pesado que fosse,que o não achasse leve. É que estaria prestes o eldorado.
Pois é. Ele não contava que o diabo estivesse atrás da sua porta. E este,impaciente,entrou em cena. Só que foi com o filho que se meteu.
O filho procurou manter o pai na ignorância desta tropelia do diabo. Compreende-se muito bem este passo. Mas foi em vão. E não se sabe como este pobre pai veio,um dia,dar com o filho estendido numa cama,padecendo de doença ruim,ao cuidado de gente estranha.
Não se sabe,também,como este pobre pai não se ficou logo ali. Tudo não passara,afinal,de um sonho. É que a doença era daquelas que não matam,mas debilitam,cortam as asas. Com o filho assim,teria de permanecer na pobreza.

À CONTA

Era de ter muita pena do merceeiro,que ele merecia,coitado dele. Mas aquilo começara mal,e do mal não passava. E assim,para lhe dar alguma alegria,passava-le por lá para lhe comprar um quilo de arroz. Não se podia exagerar, que ele tinha as coisas como que à conta. Quer dizer,as prateleiras estavam quase vazias. Tinham lá as suas razões,os fornecedores,e,sobretudo,o mercieiro. É que ele não queria cair noutra. Se aquilo,mais uma vez,desse para o torto,não ficaria,como já acontecera,sem camisa.

quinta-feira, 20 de julho de 2017

O ATOR

Afinal,por alguma coisa sempre desconfiara. E ali estava ele como fora sempre,só que,naquela altura,com muitos anos em cima,já deixara de se poder resguardar,esconder. O sério que ele não era,e por que se fizera passar.
E ali estava ele,em corpo inteiro,a narrar, com aberto prazer, aquela história,em que teria sido um outro o ator principal. Que pormenores aqueles,pormenores bem desenhados,pormenores de sarjeta. Parecia ter sido ele quem os vivera,uma coisa sórdida.
Estar-se-ia a esconder ainda? Não tivera coragem de se mostrar tal qual era. A coragem dera só para contar a história. Mas o prazer com que a contara quereria dizer que,se não fora ele o ator,gostaria de ter sido.

CACOS

Teria sonhado fazer muitas e grandes coisas,coisas originais ,coisas de espantar. E isso, desde muito novo,pois já nessa altura o dera claramente a entender. Vontade e mais qualidades não lhe faltavam,é certo,mas estavam ausentes umas essenciais. Mas ele teimou. Lia muito e com as ideias de outros lá foi singrando. Pode dizer-se que foi quase tudo. A obra que ele sonhara tardava,porém,em mostrar-se. E tal entristecia-o muito,tanto mais que dava conta de outras a erguerem-se,alguma mesmo ali ao pé da sua porta.Então,foi medrando nele um forte desejo de destruição,de cariz demoníaco,que acabou por explodir. Zurzia a torto e a direito,sem olhar a quem,não poupando os mortos. Ficava tudo em cacos ou em pó. Temia-se enfrentá-lo. E a razão era simples. É que o riso de escárnio,que ele desde muito novo exibia,refinara com a idade. Era um riso estranho,um riso único. De assustar. E todos ficavam tolhidos,siderados,de medo.

SAGRADOS INTERESSES

Há gente assim,gente que só fazem aquilo que querem fazer,mas fazerem o que outros querem que eles façam,nem pensar nisso. Só por cima dos seus cadáveres,quer dizer,só à força.
Não queriam mais nada? E os nossos sagrados interesses? E mesmo que o não sejam,são os nossos,que muito podemos,ninguém tem nada com isso,pois então.
Mas olhem que os outros também têm os seus interesses,e dizem alguns que sagrados são também. E a nós que nos importa isso? É dos nossos,e só dos nossos, que temos de cuidar. Os outros que façam o mesmo,desde que não ponham em causa os nossos,senão,temos todo o direito de os acautelar.
Direito,não,mas força,sim,ouvir-se-á de vários cantos,como terá acontecido,repetidamente,sem emenda,desde os primórdios. Terão razão essas vozes,mas de nada lhes servirá,antes pelo contrário. É como uma sina,não ha nada a fazer.

UMA COISA DAQUELAS

Uma coisa muito estranha aquela que em certa terra se passava. Então, não é que todo o empregado que,um dia,virava a patrão,não mais via um empregado a direito? E,de igual maneira,um patrão que,num outro dia,virava a empregado,não mais via um patrão a direito. Tendo acontecido as duas coisas na mesma pessoa,que a vida tinha dessas coisas,era caso para perguntar como era possível uma coisa daquelas?

UM GIGANTE

Compreendia-se muito bem o seu proceder de grande senhor. É que ele não só o era de facto,mas também,sobretudo, de direito,e quem o negasse não estaria bom da cabeça,devendo procurar o médico quanto antes. Não tinha sido ele o preferido de tantos anos,de tanta gente?
Quereria isso dizer,depois de tanta clara,irrefutável,confirmação,de tanta entrega,de tanta confiança,de tanta identificação,que ele sentir-se-ia como sendo toda essa imensa gente. Um gigante ele era,pois,um gigante sem tirar,nem pôr,e como gigante que era,assim actuava. Quem é que lhe iria faltar ao respeito,quem,se ele era toda essa mole de gente,um gigante?

POIS ENTÃO

Estão cá atrás,pois atrasaram-se. Coisas que acontecem,vá-se lá saber porquê. Na frente,têm uma multidão cerrada. E agora,se é lá,na primeira linha,onde eles queriam estar,eles,e todos,a bem dizer?
Mas,vendo bem,que,às vezes,está-se distraído,descortinam-se umas acanhadas clareiras,com as quais,tendo um bocadinho de jeito,se pode construir uma vereda,ainda que estreita,como é de imaginar.
Para isso,basta encolherem-se,espalmarem-se,planificarem-se,o que não custa nada. Depois,um empurrãozinho,aqui,um peço muitas desculpas,ali,um faça favor,deixe-me passar,que estão à minha espera. Quase finalmente,olhe que estão a chamá-lo lá atrás,ou então,não fica a perder,pois sou mais baixo. Finalmente,enfim,lá passam eles a figurar na linha da frente,onde têm todo o direito de figurar,pois então,eles,e todos,a bem dizer.

quarta-feira, 19 de julho de 2017

MALHAR SEM DESTINO

Ora a pobre da senhora,para o que lhe havia de dar. É que não podia com os que mandavam,pois faziam-lhe eles uma muito desagradável impressão. E assim,vá de os desancar, a torto e a direito.
É claro que havia muito sítio onde bater,no corpo,mas ,também ,nas ideias dele,que sempre teria algumas,de resto,o que mais desagrado lhe provocava. Nas ideias, não lhe dava jeito,não se sabendo porquê,por ela nunca o revelar,mas no corpo,sim,não mesmo nele,mas num figurado,assim como numa espécie de um boneco que o representava,uma caricatura dele. E aquilo era um malhar sem destino.
Depois deste desancar,ela,certamente,deveria ficar muito satisfeita,assim como ter o dia ganho,embora isso não se visse por ela saber muito bem disfarçar. Seria lá uma satisfação interior,lá muito dela. Mas seria uma satisfação volátil,porque quase nem se dava por ela. E a explicação era simples. É que ela,ainda não tinha terminado um bater,já estava a pensar no próximo,que não deveria tardar.

ALGUMA COISA ELE FIZERA

Lembrou-se ele, um dia,de fazer um certo escrito ,destinado a uma reunião fora de portas. O escrito lá foi feito e enviado. Passado tempo,recebeu resposta a dizer que o podia ir apresentar. Era altura,então,de arranjar dinheiro para as viagens,quantia,aliás,modesta,e de se munir da autorização de quem de direito,uma vez que as coisas tem de ser feitas como deve ser. No sítio A,de quem ele mais dependia,os cofres estavam vazios. Foi bater,então,à porta do sítio B,onde ele fazia uns biscates. B não se fez rogado. Dois ou três dias depois,tinha o cheque na mão. Parecia o caso resolvido. Forte engano. Acabou por não ir,simplesmente porque A não deixou. Em B,ficaram muito admirados quando ele lá foi devolver o cheque. Nunca tal coisa tinha acontecido. E ficaram a desconfiar muito dele. Os tempos estavam também muito toldados.Ainda lhe lembraram que metesse férias,mas ele era muito cumpridor.

UM REFÚGIO

Aquele palácio,ali como que escondido em desolada serra,dava que pensar. De linhas modernas,não condizia nada bem com aquele enquadramento agreste. De quem seria?,apetecia inquirir. Não demorou muito a resposta. Tinha gente,um guarda apenas,na altura. E,claro,um cão de má catadura. Dera logo sinal de si,e que sinal,de não parar ali muito tempo.
O guarda não se fez rogado. Para ali sozinho,coitado,a maior parte do tempo,suspirava por conversa. E ficou-se rapidamente a saber de quem aquilo era. Raramente ali permanecia,por via dos seus muitos afazeres.
Não seria este palácio mais do que um réfúgio,por ocasiões de maior aperto,para recuperar das duras lides. O guarda não o disse assim,claro,mas não se estaria longe da sua serventia. Estaria,também,muito longe de ser o seu dono o primeiro. Parece ser receita muito comum.

O PEDIDO

Era ele um velhinho muito pobre. Não se sabia onde morava. Numa manhã de bater o queixo,um menino de bom coração,com muita pena do velhinho,fez-lhe algumas perguntas. Onde moras? É conforme. Ao ar livre,no chão ou num banco, debaixo de uma ponte,num buraco,sítios assim. Não tens frio,não tens dores,não tens fome? Já não sinto nada. Não tens tido doenças? Sim,muitas,mas o tempo tudo cura.Tu não choras? Já chorei tudo. Não andas triste? Já gastei toda a tristeza. Não acreditas em Deus? Sim. Então,porque não Lhe pedes para te ajudar? Não estou para isso. Ele,coitado,deve ter muito em que pensar. Não Lhe quero dar mais trabalhos. Mas se um dia te desse para Lhe pedir uma coisa,o que seria? Olha,pedia-Lhe a Morte. Mal ele disse isto,desmaiou. O menino muito aflito,foi logo chamar a mãe,que estava ali perto. Uma ambulância levou-o ao hospital. Nunca mais viram por ali o velhinho. Deus deve-lhe ter satisfeito o pedido.

MÃOS NOS BOLSOS

Então,é assim que se apresenta,com as mãos nos bolsos? Não mais esqueceu tal reparo. É que a ouvi-lo havia testemunhas,que teriam concluído que o moço não se andava a portar bem. Para castigo,iria passar uns dias a encher sacos com uma certa pedra,lá longe,onde havia muita.
Mas porque traria o moço as mãos nos bolsos? Talvez a preparar-se para o frio que o esperava.

MUITO POÉTICO

Um pastorinho,ou uma pastorinha,tanto faz,uma criança de meia dúzia de anos. Que lindo,não é? De arripiar. Ao frio,à chuva,aos ventos,aos perigos,sujeita aos lobos maus. Muito poético.

terça-feira, 18 de julho de 2017

HÁBITOS

Tinha sido uma coisa sem jeito nenhum,uma coisa sem explicação. Antes de se fazerem à estrada,quer dizer,de irem por esse mundo vário,tinham ouvido muitas recomendações. Olhem que não façam isso,e mais aquilo,que é o que quase toda a gente tem feito.
Pois ,mal lá chegaram, fizeram tudo ao contrário,quer dizer,fizeram como,pode dizer-se,vinha sendo feito,desde sempre,sem tirar,nem pôr. Uma coisa,
claramente,sem jeito nenhum.
Mas então,que recomendações tinham sido essas,para se ficar a conhecê-las,o que podia servir para alguma coisa? Era uma série delas,mas bastava dizer uma,para se ver logo a qualidade delas. Quando lá chegarem,ocupem os últimos lugares.
Nessa não caíram eles,vá-se lá saber porquê. Hábitos,foi o que foi,que são uma segunda natureza,pelo menos,é o que se diz. Foram logo a correr para os lugares da frente,onde se instalaram muito açafatados,por sinal,uns ricos cadeirões. Nos lá de trás,nem pensar,que eram uns pobres banquinhos,alguns,até,quase a
partirem-se.

ERA OUTRA COISA

Um aconchego aquelas ruas,mesmo as mais humildes,cheirando a pão,cheirando a paz. Não admirava que a elas quisessem vir,de quando em quando,remediados e ricos,e mesmo pobres,que menos pobres ali se sentiriam.
Longe ficava o bulício,a azáfama,o anonimato,a indiferença. Ali,não,ali era outra coisa. Não se saberia bem o que era,mas era diferente,eram as lembranças de um tempo outro,de um tempo talvez não intensamente vivido,mas um tempo que deixara saudades,ainda que esfumadas,não bem expressas.

DOENÇA NOVA

Não era para acreditar. Em vez de estarem muito caladinhos,por ser aquilo um assunto lá da família,que não deveria estar para ali a ser lembrado,um assunto que não tinha corrido nada bem,até com coisas muito desagradáveis,em vez de estarem muito caladinhos,dizia-se,não senhor,vinham para ali falar nele,como se aquilo não lhes dissesse respeito.
Era mesmo uma coisa sem jeito algum,uma coisa para gente de pouco juízo,o que não era o caso,muito longe disso. Era mesmo coisa sem explicação. Teriam sido apanhados por alguma doença nova,sem tratamento ainda,doença que os levava,sem quererem,a falar de coisas de que,vistas elas bem,seriam os últimos a falar delas,por serem assuntos lá da família? Deveria ser isso,coitados deles,o que lhes havia de acontecer?

CHEIA DE MEDO

Aquilo teve a sua graça. Lá estavam as pacaças quase no caminho. As avezinhas,suas vigilantes,bem o indicavam. Veio o barulho do costume,para as espantar,para sairem dali,pois perturbavam a tarefa. Não é agradável andar a trabalhar,com inimigos por perto. Elas deram conta e há pernas para que vos quero. E foram os ruídos do costume,ruídos confusos,desencontrados,vindos lá de dentro da floresta do capim alto,que ali o vale quase ressumava.
E,sem esperar,o que se vê? Uma pacaça tresmalhada,em fuga,na picada aberta. Estaria cheia de medo,a pobre da pacaça. De patas bem fletidas,quase rastejando,em jeito de não dar nas vistas. Ela lá saberia. Os homens,às vezes,traziam armas,e ela iria desta para melhor.
Naquele caso,não havia uma sequer,e ela lá foi em paz à sua vida. As outras não tinham perdido a cabeça,não saindo do seu esconderijo,que era imenso.

UMA TRISTEZA

Aquilo parecia não ter explicação,tão abusivo era. O certo é que lhe dava para disfrutar um outro,um simples,diante de gente. Porque o faria? Era mesmo um caso de muito pensar.
É que ele tinha saído bem dotado,pelo que estava muito mais livre de ser ele,um dia,a vítima. E então,sendo assim,porque se comprazia,aproveitando a mínima oportunidade, para fazer passar um muito mau bocado um que não tinha sido tão bem contemplado?
O pobre,coitado,não lhe fazia sombra,nem mesmo se ele,ao contrário,o ajudasse. Então,porquê? Depois,as caras dos dois,no final de cada cena,conftangiam. Uma tristeza.

AINDA PIOR

Quando a coisa estava mal,perdiam todos. Podiam perder muito os que muito tinham,ficando ainda com muito. Mas os que tinham pouco podiam ficar com quase nada.
Era de esperar,assim,que uma grande tristeza os tomasse a todos. E era natural prever que em todos nascesse um forte desejo de curar essa tristeza.
E quem é que estaria melhor preparado para encontrar remédio para esse mal?
Certamente, os que ainda tinham ficado com muito,que os outros,coitados,não saberiam de que terra eram,quanto mais tomar conta de tal recado.
E assim,estava-se mesmo a ver que medidas iriam usar. É que estando a coisa mal,o que restava quase não iria chegar para os que estavam habituados a muito,arriscando-se,assim,os outros a ficar ainda pior,mesmo com nada.

DE TRISTEZA

Fora um caso de muito pensar aquele de um homem, ainda novo, morrer, subitamente,dois ou três dias depois de ter sido distinguido pelo seu trabalho. Andaria já doente e as emoções teriam sido determinantes?
Alguém sugeriu que talvez tivesse morrido de tristeza. Não suportara tanta inveja,que,sem o querer,despertara.

CORES

Nem parecia a mesma de há pouco. A tristeza daqueles cansados olhos,a tristeza. Muito só,muito branca,muito lá com ela,ali estava,ligeiramente curvada,ali estava à espera,numa espera talvez de um fim próximo.
E bastou uma ligeira atenção,uma coisa de nada,para muita coisa nela mudar. Não,não é preciso,posso esperar,ela que tanto já tinha esperado. Até vieram cores àquela cara pergaminhada.

BURACOS À VISTA

Afinal,ele acabara por receber o subsídio,que estivera em dúvida. A sua cara bem o indicava,uma cara muito diferente da que antes tinha mostrado,cheia de apreensões. E com razão,pois ficariam alguns buracos à vista. Tem destas coisas o dinheiro,esse mágico. Sem ele,é uma tristeza.

APENAS SOFRER

Se a vida é luta,luta de contrários,se a vida é dura,violenta,se a vida é isso que se tem desenrolado ao longo de milénios,se a vida é dor,se a vida são lágrimas,então,qual seria a alternativa?
A não existência,apetece dizer,quando não se pode mais com tanto desentendimento,sempre renovado,com tanta oposição,com tanta arrastada tristeza,com tanta gente com fome de pão e de tanta coisa mais,com tanta gente desamparada,à deriva,com tanta gente entregue a si mesma,com tanta vida condenada a sofrer,apenas sofrer.
Para quê o ter nascido,pois? Para quê? Se "nada" muda,se está sempre "tudo na mesma",se soluções não aparecem,soluções abrangentes,a caminho do definitivo,mas apenas tímidas experiências,aqui,ali,para mostrar trabalho,para se ganhar protagonismo,porque parece bem,porque é bonito...

segunda-feira, 17 de julho de 2017

VINHA SÓ

No segundo encontro,o moço superdotado não esteve tão falador. Vinha da escola,e ,como da primeira vez, vinha só. Alguma coisa lhe correra mal,que a cara respirava tristeza.
Mas ainda deu um ar do seu muito saber. Sim,não é isso novidade para mim. Apenas uns quatro ou cinco por cento do universo é conhecido,e, mesmo assim,
mal. A maior parte,ou é matéria escura,ou energia escura.

PAZ DOS ANJOS

Aquilo,naqueles muito recuados tempos,estivera mal,mesmo muito mal. Nunca estivera,até, assim tão mal,pelos registos havidos,não se sabendo de quem a culpa era.
Os empregados diziam que a culpa era dos patrões,que queriam tudo para eles. Os patrões,por seu lado,diziam que a culpa era dos empregados,por não se esforçarem como deviam,pelo que,assim,o negócio não dava,sendo que o melhor era fecharem as portas,e que cada qual se arranjasse lá como pudesse.
Queria isto dizer que patrões e empregados não se entendiam,chegando,até,a zangarem-se muito,o que era muito triste.
Felizmente que tão desagradável situação mudou muito,a partir de certa altura,nunca se sabendo porquê,passando a haver uma paz tão perfeita como a dos anjos,ainda que patrões e empregados o não fossem. Coisas que acontecem,felizmente.

LINDA MENINA

A maternidade fizera-lhe mal,mesmo muito mal. Não mais fora aquilo que era. Passou a ser uma boneca tosca. Andar,andava,só como uma boneca a que tivessem dado corda.
A menina veio e fez-se uma linda menina. A mãe parecia não dar conta da beleza que gerara,e esta,a seu lado,caminhava triste,talvez por ter uma mãe assim. E era com tristeza,mas também com admiração,que se olhava para a linda menina,que fazia lembrar a mãe,dos tempos de menina.
Era a mãe uma rosa murcha,era a menina uma rosa encantadora.

ALGUMAS MIGALHAS

Aquilo não era mais do que o resultado da lei da ação das massas,a da matéria atrai matéria numa relação direta das massas,quer dizer,mais massas,maior atração.
Coitados,quando neles se viam os bolsos vazios,quase ninguém se lhes chegava,como que repelidos. Ao contrário,quando os bolsos rebentavam pelas costuras,não havia cão nem gato que os deixasse sossegados,na esperança de algumas migalhas.

THE GLEANERS

JEAN-FRANÇOIS MILLET

MUSEU DO LOUVRE

OLHARQUITECTURA

PEIXES VIVOS

Eram o João e o José. O João comandava as vendas e o José encarregava-se das contas. Um,sabia de números e de letras,o outro,de trapos e demais família. Mas não havia duas pessoas mais iguais e mais diferentes.Eram iguais em quê? No tamanho,para o baixo,na cabeça pendida,no cabelo negro e basto,nos olhos fugidios,no ar astuto e untuoso,no jeito de lidar com o patrão,que se sentiria deles dependente. E diferentes em quê? Na gordura,o João a tirar para o chupado,e o José para o luzidio,na linguagem,no João ,desbragada,no José,polida e buscada.Nunca se sabia como era o seu acordar. O que viria dali,daquelas duas cabecinhas,de um e do outro? Boa coisa não seria,adocicada,macia,no José,amarga,áspera,no João. Cada um brincava à sua maneira,mas gostavam ambos dos seus jogos de palavras. Tudo neles tinha um duplo sentido,ou mais. Nunca se vira gente tão desconcertante,tão escorrregadia. Pareciam peixes vivos

AO MESMO CLUBE

A coisa conta-se depressa. A mocinha negra dava clara indicação de que muito em breve germinaria. E aproveitou,interpretando correta,ligeira e prazenteiramente, a condição daquela fila. Também tinha direito,pois então,ela que não estaria habituada a tal cortesia. O que ela foi fazer. Uma velha,daquelas tronchudas e mal encaradas,logo reagiu. Qualquer dia também arranjo uma almofada. Mas não se ficou por aqui. A menina da caixa,por sinal,negra também,que viera com justificações,levou, igualmente, a sua conta. Vê-se mesmo que pertencem ao mesmo clube

domingo, 16 de julho de 2017

DUPLAMENTE FRIAS

O minúsculo botequim terá meia dúzia de mesas,não mais. Mas ali se tem conservado,ainda que a rua seja do tipo lá vai um. Certa clientela apreciará esta quietude,pois não quererá dar nas vistas. O ar do sítio também será melhor do que o lá de casa,por ser vizinho de um jardinzinho,com loendros de flores encarnadas,róseas e brancas. Um encanto para os olhos,e,quando calha,também para a alma,que,certamente,agradecerá.
O não querer dar nas vistas,foi o que há dias,já noite,se dera a entender. Estavam uma,e um, em cada mesa. Foram elas que mais revelaram. Eram duas senhoras de muitos anos e a sua cara mostrava alguma tristeza. Tinham pedido,apenas,um cafezinho,e ali iriam permanecer enquanto pudessem,entretendo-se com pequenos nadas.
Não teriam suportado a solidão lá das suas casas duplamente frias. De alguma maneira,encontrariam ali o calor humano que lá lhes faltava,ainda que o convívio não fosse por aí além. Mas seria uma tristeza menos triste,porque compartilhada,
e chegariam,talvez,a pensar ser aquela a sua família,e que um dia teriam ali socorro para alguma aflição.

UM SORRISO

Ele andava muito triste por não ter dinheiro para dar,uma coisa que se visse. Supunha ele que dar seria dinheiro,ou o seu equivalente,não importa o quê.
Mas um dia,pôs-se a pensar. Que rico dia esse,que foi o começo de um tempo novo. Que rico,afinal,ele era,e nunca tinha dado por isso.
Pois não serão de valor alto,um sorriso,uma palavra amiga,uma atenção,gestos que vão escasseando,sobretudo,quando são os seus contrários os que inundando vão tudo quanto sítio é?

UMA CALAMIDADE

Em tempos de muito lá de trás,tempos perdidos,havia um servo cujo senhor o tratava assim assim. Este senhor andava em demanda antiga com um outro senhor,por acaso seu vizinho,que lhe queria palmar os bens.
Se isso,um dia,viesse a acontecer,quer dizer,os bens mudarem de dono,era coisa considerada mais que certa que o pobre do servo iria passar uns muito maus bocados,de tal maneira,que nem saberia de que terra era.
Postas as coisas nestes termos,que inteiramente,sem qualquer dúvida,eram o retrato fiel do triste futuro que o servo esperaria,este,e,claro, toda a sua numerosa família,não se cansavam de pedir,todos os dias, a todos os seus santos,e mais alguns,que tudo fizessem para que uma calamidade dessas nunca se viesse a abater sobre eles.

OS DESACATOS QUE POR LÁ IAM

Ela andava muito ralada,muito triste,muito beiço caído.Grave coisa tinha acontecido,certamente. É que a guerra,lá muito longe,não havia meio de parar. Já havia mortos,muitos,não se sabia era quantos. Um que fosse. Malditas guerras,que não levavam sumiço.
Ela almoçava à pressa,e jantava ainda mais à pressa,para ir ouvir as ùltimas. E a guerra nunca mais acabava e ela cada vez mais ralada,mais triste,mais beiço caído.
Pois é,andava muito em baixo a senhora. Era isso para muito admirar. É que,portas adentro,ela não ia à bola com o marido,com a filha,sempre numa zaragata pegada. Ela tinha a guerra lá na sua casa,sem mortos ainda,mas guerra acesa. E lá fora,mesmo do outro lado,os desacatos que por lá iam,também ainda sem mortos,mas guerra instalada. E um pouco mais adiante,lá ao virar da esquina,o pandemónio que por lá ia,um pandemónio ainda pior,mas também com zero mortos.
Ela andava muito pesarosa. Comia à pressa para não perder o noticiário. Não dormia,também,como devia ser.
Não vinham novas,marcadas com a esperança de uma paz breve,ainda que passageira,pois,já é sabido que mais dia menos dia,como estão as coisas,tal como estiveram tantas vezes no passado longo,passado com barbas longas,a guerra regressa,ainda com mais vontade de ficar.
Quase não importa o sítio dela. É guerra. Lá longe,na rua do bairro,mesmo ali a dois passos,lá no prédio,no segundo frente,lá em casa,por dá cá aquela palha,mas às vezes por cada uma de se lhe tirar o chapéu.
Ela andava muito ralada,quase não comia,ansiosa,a correr para o noticiário. E lá em casa,minha nossa senhora,só visto.

UNS BURAQUINHOS

Era aquele um espaço a jardim destinado. O jardim lá está para quem o quiser visitar. Mas de visitas de gente muita está bem livre ele,que para o visitar muitos degraus se tem de trepar.
Na falta de gente,não falta quem o percorra,detendo-se,até,assim estejam para isso. E são as formiguinhas de todos os tamanhos,e são os passarinhos de canto diverso,e são as borboletas de matizes várias.
E é o ar que por ali circula,e é o Sol,ou a chuva, que lhe dão vida. O jardim a todos agradece,e alegra-se,para compensar as vezes em que se põe muito triste, por uns buraquinhos que lá puseram para deles água sair, se esquecerem da sua função,não por culpa deles,claro está,mas por se entupirem.

TÃO SIMPLES COMO ISSO

Sonhara ele,há tempos,com planetas,todos do mesmo sistema. Não se lembrava da estrela,mas isso era o menos. É que tinha sido um sonho que muitíssimo o impressionara,de tal maneira,que não resistiu a contá-lo.
Em todos eles havia gente,que lá se ia entretendo,umas vezes melhor,outras pior,mas vivendo e morrendo quando a vez chegava. Certo dia,deu em aparecer num deles uma doença nova,que acabou por se instalar noutros. Era uma doença terrível,sem cura. Foi o extermínio total nesses planetas.
Num dos poucos planetas ainda não atingidos por esse mal do diabo,ciente do que estava acontecendo nos vizinhos,não havia sábio que não se tivesse posto ao trabalho para engendrar um modo de escapar daquele triste fim. E daquelas muitas e excelentes cabeças uma unânime solução brotou. Tinham de se livrar o mais depressa que pudessem de todos os outros planetas,de todos,dos ainda vivos e dos mortos.
Então,trabalhando dia e noite,sem tréguas,os melhores sábios inventaram um raio de altíssimo poder destruidor,mesmo a distâncias infinitas. E,sem perda de tempo,pois já tinham perdido muito,como a experimentá-lo,apontaram-no aos planetas já sem vida. Aquilo foi um ar que lhes deu,como já esperavam. Deixaram de lá estar ou em qualquer outro lugar. Sem hesitações,dirigiram-no aos restantes,onde ainda se mexia.
Enfim,sós. Lavrou por lá uma tranquilidade nunca experimentada,mas,infelizmente,de curta duração. É que o melhor sábio,de todos os outros melhores,descobriu,talvez por acaso,que a doença fatal tinha como única causa a multiplicidade dos quereres. Tão simples como isso.
E agora? Apenas havia uma saída. Que todos fossem um só.

MUITO TRISTE

Há Zés que não podem com outros Zés,não os toleram,querem-nos ver lá longe,bem longe,que eles impestam os ares,e isso é muito mau. Isto,não por serem Zés,seus companheiros de viagem,neste barco comum,mas por serem o que são,sobretudo,por estarem lá onde estão.
Chegam ao ponto, esses Zés intolerantes,de exultarem com os azares dos Zés de que não estão gostando,mesmo quando esses azares também lhes tocam,porque gerais,universais. É como se exultassem com os seus próprios azares,o que é muito triste.
Não há,assim,nada a fazer. Virando o disco,a música será a mesma. Não se passa disto,o que é,convenhamos,muito,muito,triste.

OS CARRINHOS E O SOL

Ai está,o SOL a dizer contem comigo,parece que se tinham esquecido de mim. Andavam para aí apoquentados,a meterem-se,mesmo, em aventuras perigosas,como é essa de desviar comidinha,que faz tanta falta em tanta boca,para arranjar combustível e EU,lá em cima,ou em baixo,tanto faz,que Eu sou sempre o mesmo SOL,muito ralado,a pensar que ME tinham posto de parte. Ora isso não se faz. E foi preciso que alguém se lembrasse duma coisa tão simples que até uma criança,se estivesse para isso,o fazia.
Pois claro que Eu posso fornecer a eletricidade que vocês quiserem. Estavam para ali os desertos sem fazer nada de jeito e agora parece que também se lembraram deles. O que vai ser de painéis por aquelas extensões. Para começar já se inscreveu o Negev. Ah estes geniais israelitas. É de se lhes tirar o chapéu. Os carrinhos,que já estavam a ver a vida a andar para trás,vão passar a adorar o SOL.

UMA VIDA HUMANA

Desperdiçada em frivolidades,em ociosidade,é coisa muito,muito,triste. As capacidades que em cada um moram,capacidades de mais valias,para usar uma expressão domingueira,à espera de serem aproveitadas.
E é ainda mais triste quando se teve a sorte,ou o que se quiser chamar,de arranjar uma enxada,que muito poucos conseguem,a enxada da instrução.
Naturalmente, a vida não é só trabalhar,como diria o senhor Francisco,pintor de tectos e de paredes. Mas o não trabalhar não deve assumir a prioridade. Fica mal,não é bonito.
Tantas maneiras há de trabalhar,mesmo até não parecendo. Pensar nos outros,nas suas dificuldades,um modo simples de o fazer,sem gastos aparentes.
Mas é muito triste gastar uma vida em questiúnculas,em malquerenças,em desencontros,em apagões,para não empregar termos mais violentos,que não é bom lembrar. Metem medo.
Uma sementinha gasta-se,mas deixa uma ervinha,um arbusto,uma árvore ,que pode ser uma árvore gigante . Uma vida humana devia emitá-la. Seria bom que o fizesse.

CHINELAS

Era uma figura triste. Magro,pálido,sempre vestido de negro. Humilde,desfazia-se em mesuras . De que teria ele escapado ou que dificuldades quereria ele vencer?
Tão diferente outro era. Respirava confiança e parecia capaz de grandes feitos. Houve quem apostasse nele. Pois foi uma pura perda. Pena é,não se sabe quantas vezes,que se queira subir acima das chinelas,quando a coisa,está na cara,não dá para mais.

A TRISTE SINA

O negócio não era por aí além,mas dava para ter barriga,daquelas bem projetadas. Nos intervalos dele,havia por lá perto balcões onde tratava bem dela.
Depois,ajudantes era o que não faltavam,ajudantes que barriga não tinham. E porque não faltavam,estava sempre a trocá-los,pois não estaria para aturar repetidas reivindicações.
Era a vida,que a uns dava para ter barriga,e a outros encolhê-la,era a vida,a triste sina.

MALDADES

Sem bactérias fixadoras de azoto atmosférico e sem leguminosas com quem essas bactérias fazem simbiose,a vida seria mais complicada. Dessa fixação,acaba,como se sabe,por resultar nitratos.
Em condições de anaerobiose,muito generalizadas,de nitratos,como é sabido,gera-se óxido nitroso. Porque este óxido pode fazer maldades, parece haver quem tenha pensado em reduzir a presença de leguminosas. Ficando por aqui,sabendo-se que essas maldades outros as fazem,já é ter pouca consideração por tão prestimosas plantas.

A OUTRA BANDA

Lá se fora mais um. Já se não sabia o quantos tinham sido,tantos se tinham já sucedido. Só se sabia que fora mais um. Algumas razões se podiam avançar para isso,mas a mais determinante deveria ser a idade com que entravam de serviço,uma idade com poucas ou nenhumas surpresas. É que se encontravam mais para a banda de lá,a outra banda.
Ela estaria como eles,tendo em conta a idade,mas a banda de lá é que não queria nada com ela. Parecia essa banda ter receio de a lá ver. Estava ali,de facto,pode dizer-se,
para lavar e durar,sã que nem uma pera sem bicho.
Coitada da senhora,apsar de tudo,que se via obrigada,volta não volta,a conhecer ,muito de perto, nova cara. Mas o que é que ela havia de fazer mais se os ladrões não havia meio de se sumirem de vez,antes pelo contrário,visto haver por ali,mesmo à sua vista, cada vez mais?
Não tardará,pois,que ela se ponha,mais uma vez,à janela. Quem quer casar com a carochinha.... Mas sabendo da sua triste história,que muito triste ela é,sem dúvida,com que cara entrará o novo preferido de faxina? Querem ver que não vou passar desta noite,que esta noite é que vou saltar para a banda de lá?

AMADEO DE SOUZA-CARDOSO

CAFÉS DE PARIS

VALE DO DOURO

DOURO VALLEY

PANTEÃO DA PÁTRIA

OLHARQUITECTURA

CONDÃO

Naquela casa muito rica,a festa começara cedo. Risos de crianças e forte cheiro a bolos saíam dela. Viera da cidade gente para a pôr a brilhar ,a várias côres,quando o grande dia chegasse. A alegria seria nessa altura ainda maior.Era a única casa, naquela terra modesta,que assim se estava preparando. E um moço,que,casualmente,acompanhara essa gente da cidade,nunca tinha pensado que pudesse haver Natais tão diferentes.E fora preciso lá ir para fazer essa descoberta. Tinha sido um despertar súbito para a crua realidade,o que o entristecera muito. Julgara sempre que tal festa fosse igual para todos e não era.Havia de acordar,um dia,em qualquer lugar. Mas porque calhara àquela terrra tal feito? Não mais se esquecera disso. E sempre que por lá passava,ou lá por perto,era com um grande respeito. Aquela modesta terra devia ter condão

HORROR

Como mudam os tempos,mesmo que não mudem as vontades. Estas permanecem,só que os tempos lhes temperam ou estimulam as expressões. O rapaz estava muito apaixonado. O seu olhar,o seu ar,as suas palavras traíam-no. Tudo se conjugava para a tradução em gestos do que lhe ia na alma. Bastava a ocasião e ela chegara. Os pares volteavam ao compasso de uma valsa. As mãos estavam presas e o braço dele amparava-a mansamente,delicadamente. Não sabia explicar o que se passara. Numa aproximação inesperada ou provocada,não se lembrava,os seus lábios roçaram ligeiramente as faces aveludadas e perfumadas. Horror. O que eu fui fazer,quase chorava o pobre moço no ombro do amigo. Que vai ela pensar? Sim,que vai ela supor? Que eu sou um animal,um devasso,um lúbrico. Não me perdoará,acredita. O amigo lá o consolou o melhor que pôde,mas ele estava inconsolável. Como mudam os tempos.

sábado, 15 de julho de 2017

NEM ATA,NEM DESATA

A sala estava composta,ocasião,portanto,para uma colheita que valeria a pena. E lá de um canto, veio uma provocação. Afinal,ao tempo que se anda nisso,nem ata,nem desata.
Ele,coitado, também tentara,mas, por mais que tentasse,não conseguira desatar. E ficara triste. E estava ali,naquela altura, muito satisfeito a ver que o outro também não fora muito por ali além,como ele teria gostado de ir.
E aproveitara a ocasião para se comprazer com os esforços do "ìnimigo",que ele acharia terem sido em vão. Vêm,vêm?,ele também não está conseguindo. Tivesse eu os meios que ele teve e o que se havia de ver. Dá Deus nozes a quem não tem dentes,é o que é, a triste verdade. Isso ele não disse,que não se ouviu. Só se ouviu o nem ata,nem desata.

LÁ NOS CONFINS

Já lá iam muitos anos,mas fora uma coisa que nunca ele esquecera. O que se teria passado para tal acontecer?
Vinha ele lá do seu trabalho e eram horas de almoçar. Estava ali uma porta aberta com ares de dar de comer a quem tinha fome e ele entrou.
A sala estava vazia. Era uma sala com algumas mesas,muito bem postas. Lá pediu o que lhe apeteceu e esperou. Entretanto,chegou mais gente,uma senhora,aí de uns quarenta anos,com um filho aí de dez.
Lá veio o que tinha pedido e lá comeu. E aquela mãe,e aquele filho,ali mesmo ao lado,a fazer o mesmo. Parecia nada mais ter acontecido,o que,de facto,aconteceu.
O certo é que aquele almoço,naquela terra meio perdida lá nos confins,nunca mais fora esquecido. O que teria acontecido,se nada aconteceu?

UM MAU BOCADO

Aquele era um caso muito grave,mas parecia não haver nada a fazer,senão deixar andar,esperando que se não agravasse mais. É que acontecia o que era o costume,e que era o de andarem,ali,altos interesses. E quando tal sucedia estava a coisa resolvida por sua natureza,ou,melhor,estava a coisa sem ter ponta por onde se lhe pegar.
Era,afinal,o que,em tempos ainda mais recuados,se chamava uma questão de família,negócios de família,interesses de família. E enquanto familia houvesse,
era ela que mandava. Poderia invocar-se outras realidades,como uma família mais alargada,onde aquela se incluía,invocar valores,um termo que alguns
prezavam mais do que tudo,enfim,que era um caso humanitário,mas de nada
valia,porque havia os tais interesses,e quando os interesses de alguns estão
passando um mau bocado,está o caso arrumado,não há nada a fazer.

ESPERANÇA

Era o vira o disco e toca o mesmo. Era a lei do mais forte. Era o salve-se quem puder. Era o que viesse depois que fechasse a porta. Era o quero lá saber. Era o primeiro estava ele. Era o vissem como eles se amavam. Era o depois de mim o dilúvio. Era o Todo-Poderoso Dinheiro. Era o não há nada de novo. Era a história ser uma velhota que se repete sem cessar. Era a verdade há só uma,a dele. Era o não há nada a fazer,a não ser esperar. Esperar o quê? Tudo ou Nada. Apsar de tudo,ainda havia lugar para a ESPERANÇA.

NÃO ERA NADA

Depois,havia uns pândegos,muito patriotas,daqueles que a pátria tratou muito bem,por serem,certamente,muito bons,irrepreensíveis,uns espelhos, onde todos se deviam mirar,que acabavam por se fazerem donos dela,com todas as benesses,e mais uns trocos.

Era assim tal como na pátria sagrada lá do soldadinho,daquele que tinha de abandonar os velhinhos pais para a ir servir lá longe,da pátria que ele tinha de amar acima de tudo,que era assim que lhe tinham ensinado,embora ele nunca a tivesse visto,mas,enfim,devia existir,caso contrário,não lhe haviam dito que existia,e que era a coisa mais importante para ele,porque, sem pátria,ele não era nada.
Tudo desculpavam aos patriotas lá das pátrias,desde que fosse para maior glória delas,mesmo as piores maroteiras,tendo-as feito certos de que era para seu bem,para o bem de todos lá delas. Mas não desculpavam as maroteiras que os patriotas doutras pátrias fizessem às deles.

O RESTO É CONVERSA

A aula prática daquele dia dizia respeito à análise da composição de alguns adubos azotados. Estavam no laboratório aí uma dúzia de alunos.
Um deles,mostrara,desde o início,que se encontrava ali só porque não lhe apetecera ficar lá fora. Sempre se estava ali,também,mais quentinho. A sua cara era de riso,de gozo,de provocação.
Não está a gostar do assunto? Olhe que lhe pode vir a ser útil na sua vida profissional. A mim? Está muito enganado. E não só a mim.
A mim,o que me interessa,e a mais gente,é saber se os agricultores podem ou não podem comprar os adubos. O resto á coversa.

LANTERNAS VERMELHAS

E,a dada altura,os sem amparo lá se lançam na vida,desprotegidos,assim como ao Deus dará,ao contrário dos outros,os que têm rectaguarda,seja ela qual for,familiares,padrinhos,amigos. Destes,não vale a pena falar,mas dos outros sim,por terem muito para contar,histórias,às vezes,do arco da velha.
Sabe-se lá o que os espera. Só sabem é que se têm de aguentar sozinhos,só sabem é que têm de contornar escolhos,saltar barreiras,vencer desfiladeiros. Ora,sozinhos,sentem eles que não podem ir longe,que o mais provável é não passarem da cepa torta,da soleira,do primeiro degrau.
Então,vá de arranjar muletas,Deus,manhas suas. É que devem ter ouvido aos já lançados na vida que têm de correr e não se fiarem só na virgem. Pode ser que assim,com Deus,e correndo,que não fiquem irremediavelmente para trás,feitos lanternas vermelhas.

OLÁ,ESTÁ BONZINHO ?

Era a primeira vez que estavam a conversar. A certa altura,o que aparentava ser mais novo puxou dos galões. Fique sabendo que a mim se deve o comboio ter passado a parar aqui. Escrevi uma carta à direcção a justificá-lo. Fazia todo o sentido,pois vive aqui muita gente.É quase uma cidade. Pois queira aceitar os meus agradecimentos,visto dar-me muito jeito.
Logo a seguir veio um desabafo. Sabe,trabalhei muito e estou para aqui um tanto acabado. Foram as ralações da chefia. Ainda não fiz os setenta. Pois eu já estou à beira dos oitenta. E aqui pareceu ter ficado um tanto desgostoso,talvez por não contar com tamanha diferença.
Deve ter,porém, pensado que o outro estaria mais perto do fim. E para a próxima vez o lembraria. E quando ela chegou,num ocasional cruzamento,mimoseou-o com um expressivo olá,está bonzinho?

LEMBRASTE - PÁ ?

Olá,tu estás aqui? Que grande surpresa. Dentro em breve,iria começar uma reunião muito séria,presidida por uma pessoa importante,que veio a ser ainda mais importante. E ele estava ali em conversa muito animada com essa pessoa importante e muito séria,rindo-se ambos,ele quase lhe batendo nas costas,assim a modos que a dizer-lhe lembras-te pá? Ele era um antigo camarada de escola e das brincadeiras.
É bem certo que santos da casa não fazem milagres e que não há pessoas importantes para o seu criado de quarto.

O HOMEM E A ESCALA

O homem,ou o homemzinho,se se atender ao tamanho e à complexidade do Universo,trabalha,ou diverte-se,à escala. É,afinal,um escravo dela. À escala da família mais chegada,da família mais alargada,do clã,da tribo,da vizinhança,da rua,do bairro,da freguesia,do concelho,da província,do país,da nação,e pouco mais,por se estar a entrar num terreno difuso,cheio de sequelas de um longo e traumatizante passado, avesso a escalas.
E não se tem saído disto,com pequenas,e frágeis,e fugidias variações. Tem sido mesmo uma pobre monotonia de uma só música,a do desacerto,a do desconcerto. Tem sido,mesmo,escala contra escala. Ora isto não tem levado a lado nenhum,antes pelo contrário. Há ,até, o risco,de,um dia,não haver lado,não porque seja só um,isso é que era bom,mas porque está lá o vazio,o silêncio,o nada.
O que é que isto está a pedir,então? Está-se mesmo a ver,até uma criança que só pensa em brincar veria,se puxasse um poucochinho pela cabeçita. Mas o crescidinho,o homemzito,à escala do Universo,entenda-se,só pensa em continuar nas brincadeiras,sem pensar que se pode aleijar também,não só os outros com quem anda a reinar.
Custaria muito parar para pensar? Nem pensar nisso,dirão alguns. Isso é o que eles queriam,para nos apanharem distraídos de outras coisas,tais como as brincadeiras do costume,que já se transformou,o costume,nalgum gene. Ele bate,bate,até que fura,neste caso,instala-se,muito bem instaladinho,ao lado dos outros,de origem ou lá o que é,e,depois,manda. E,depois,é um sarilho. Mas já se estava a variar.
Mas pensar de outro modo,porque os muitos modos outros já experimentados,já tão velhos como o homem,não têm dado mesmo nada,ou melhor,têm dado isto que se está a ver. Uma tristeza. Tantas filosofias,tantos calhamaços,tantas teorias,tantos tratados. Têm dado Jardins Suspensos, Recantos de Mil e Uma Noites,Impérios,Pirâmides,Guerras por Tudo e por Nada,às vezes,por uma birra,por um acordar mal disposto,por ter dormido demasiado só para um dos lados,direito ou esquerdo.
É uma historiazinha já muito sabida,até já aborrece. Isto só com o tal Homem Novo. Mas onde é que se já ouviu isto? Isto está mesmo a pedir uma transferência,pese embora alguns puristas da nossa praça. A propósito,há para aí umas cabecinhas que conseguem fazer saquinhos de plástico que apodrecem,ao contrário dos outros,que deram um grande jeito,mas que duram uma eternidade a dar pó. E o que acontece é que já há solos com um primeiro horizonte de plástico,é que já há inundações por entupimento dos drenos,já há lagos e porções muito apreciáveis dos oceanos de onde os pobres peixes foram expulsos. Mas o que é isto? Então não se estava a escrevinhar sobre...? Sobre quê?

TUDO VELHO

O diabo daqueles dois. Ele havia cada um,ou,melhor,cada dois. Nada lhes doía,pelo menos não estavam para dizê-lo,para não estragar o ambiente,as famílias não os ralavam,se lhes apetecesse podiam ir dar uma volta,mesmo grande,pois tinham lá debaixo do colchão uns trocos que davam para isso,enfim,eram uns felizardos.
Não admirava,pois,que pusessem umas caras sorridentes,e que passassem o tempo que ainda lhes restasse a contar as suas "grandes vitórias",que das pequenas não valia a pena,e das derrotas,nem pensar,sobretudo aquelas em que tinham ficado muito em baixo. De resto,não faziam mais do que imitar outros,se calhar todos,uns mais tarde,outros mais cedo,o costume,desde que o mundo era mundo,pois que não havia nada de novo,ou, melhor,era tudo velho.

VASCO DA GAMA PERANTE O SAMORIM DE CALECUTE

VELOSO SALGADO

ÚLTIMA CEIA

LEONARDO DA VINCI

PAVILHÃO DA BIENAL DE SÃO PAULO, PARQUE DE IBIRAPUERA

OLHARQUITECTURA

POSTIÇO

Olhava para aquelas veigas,para aqueles campos de milho,para aqueles prados pontuados de vacas e de carneiros,para aquelas ramadas,para aquelas casas,para aquelas gentes. Apaziguavam,mas não extasiavam. E era assim,em êxtase,que deviam ser contemplados,como os tinham contemplado pintores,romancistas e poetas.
Os quadros lá estavam,mas um não sei quê de postiço os envolvia. Os rios corriam mansamente,os campos rescendiam,os pássaros orquestravam. Mas as gentes,oh as gentes,tinham-se urbanizado. De muito pouco valiam romarias,ranchos folclóricos,evocações.
Grande parte do passado fora-se irremediavelmente. A Miquelina divergia um quase nada do Conselheiro. As margens do Lima faziam lembrar as do Tejo. A estrada da Apúlia parecia a do Guincho.
Para o reaver,esse passado perdido,só recorrendo ao registo certo. Ou então,mais pobremente,simular,à maneira de Lisboa em Camisa.

PELA PINTA

Estava uma soalheira manhã londrina,como há muito não acontecia,e aquele sossegado jardim,com muitos bancos,convidava a nele repousar.
Um homem circulava, pausadamente,como que a gozar dos rendimentos e daquela doce paz. Quando passava por um banco com gente,parava,fazendo uma vénia prolongada,respeitosa. Quase que levava a cabeça aos joelhos. Era um homem baixo,atarracado,de ar modesto,de tez morena.
Já se podia ter sentado,mas não se atrevera. Não encontrara o banco que mais lhe convinha. Mas,finalmente,lá o descobriu. Sentou-se numa ponta. Na outra,estava alguém que ele julgou,pela pinta,ser seu vizinho,quer dizer,vindo de uma terra ao pé da sua. Não se enganara.
E ali se puseram ,amistosamente, à conversa. Era de Gibraltar e tinha vindo a Londres tratar-se,beneficiando da generosidade do Serviço Nacional de Saúde. Sabe,é que eu tenho passaporte inglês. A insinuar que não era para ali um qualquer,como aquele com que estava conversando.
Tinha escolhido,efetivamente,o banco certo. Nos outros,descansavam ingleses autênticos.

sexta-feira, 14 de julho de 2017

ERAM ASSIM

Eram malabaristas da palavra,tendo armazéns delas. Procuravam enredar,confundir,deitando poeira para os olhos,quer dizer,debitando caudais delas. Mestres no sofisma,deleitavam-se com as suas conclusões enganosas. Assim é que se sentiam bem.
Embalados pelas suas aparentes vitórias,que só o eram para alguns,pavoneavam-se como triunfadores,chegando a convencer-se de que tinham saído vencedores.
A paciência que era preciso ter com eles,sabendo-se que não os demoviam,pois eram assim,
tinham nascido assim,gostavam de ser assim,morreriam assim,pelo que não havia nada a fazer,a não ser perdoar-lhes,e ter pena deles,que eles não sabiam o mal que a eles próprios infligiam.

CADEIA DE VIDA

É um encanto aquela nascente,sempre a jorrar,dia e noite,noite e dia. Brota a água com ímpeto,como que falando,dizendo que está ali,para lavar,e durar. Está lá num alto,mas ali à volta,há altos mais altos.
Sai a água de uma fresta de rocha dura. Fará isso,não desde o princípio do mundo,que o mundo deu muitas voltas,mas desde há muito,muito tempo. Fazendo-lhe sombra,erguem-se,pujantes,
meia dúzia de palmeiras muito juntas,ali postas para grandes ócios,que aquele canto é quase paradisíaco. Muita história este canto terá para contar.
Dantes,aproveitando aquele manancial,criou-se por ali muita hortaliça,depois veio o abandono. Mas não há mal que sempre dure,e hoje,lá encanta um ou outro que a visita,ainda que veja aquele caudal enfiar-se pelas funduras,talvez a alimentar outras nascentes. Será ela o elo de uma cadeia,de uma cadeia de vida.

A AMEAÇA

Tantos e tantas que o velho médico vira nascer ali por aquelas redondezas. Todos ali o conheciam e respeitavam. E era-lhe consolador sabê-lo,o que, a cada passo,sucedia.
Naquela altura,já estava a descansar,pois os muitos anos assim o exigiram. Enviuvara e os filhos estavam lá para longe. Um casal tomava conta dele e da casa,que era um casarão. Quando entravam de férias,instalava-se numa pensão,onde o tratavam como se fosse da família.
Era uma pensão por onde passava gente dos mais diversos cantos. E isso entretinha-o,pois sempre havia alguém disposto a conversar. De resto,tinha muita coisa para contar e sabia fazê-lo. As pernas já lhe pregavam partidas,mas a cabeça não.
Um neto andava desgostando-o muito,o que o levava,por vezes,a desabafar. Vejam lá do que ele se havia de lembrar. Eu tenho tentado demovê-lo,mas é teimoso. Mas eu deserdo-o,era a ameaça que o moço também ouvia sempre que o ia visitar.

UM VISTAÇO

A ignorância era muita. Nem uma letra,nem um número. Ele,então,aproveitou. Aprendera a ler,a escrever e a contar,não por aí além,é certo,mas o suficiente para lhe facilitar o negócio. É que,como muito bem se sabe,na terra de cegos quem tem um olho é rei. Ele não produzia,que isso dava cabo das costas,mas sabia bem vender,a sua especialidade por excelência. Para produzir,havia muitos que o fizessem,pois não sabiam de outra coisa. Mas,coitados,produziam pequenas quantidades,visto os quintais não darem para mais,embora isso já fosse para eles uma sorte. Só em grande,porém,é que valia. E aqui,entrava ele. Reunia todas essas ninharias e fazia um vistaço de abastado proprietário. Não havia quem mostrasse tanto em muitos quilómetros em redor. Na altura do acerto,a manha era sempre a mesma. Esqueceste-te,homem. Não vês o que aqui está escrito? Entregaste apenas um. Tinha ele recebido dois.

MUITO JEITO

Olhe,se você conseguir,não digo anular a pena,mas reduzir o castigo,pode contar comigo enquanto eu andar cá no negócio. O castigo dependia do grau da maroteira,que nova análise podia mitigar. Estaria dependente da argumentação da defesa. O castigo foi reduzido,mas aquilo era serviço para um estômago forte,o que não era o caso,pelo que a coisa ficou por ali,com muita pena,que sempre rendia uns cobres que faziam muito jeito.

COVA FUNDA

O contraste não podia ser maior. Em cova funda,cava que cava,os trabalhadores lá iam,
penosamente,fazendo o seu trabalho,e ele,o encarregado,ou lá o que era,todo janota,bem penteado,de traje desportivo,não havia meio de largar o telemóvel.
Suavizava a chocante situação,suavizaria o esforço que ali perto estava a ser gasto, a música que vinha de uma creche próxima,onde algumas crianças dançavam e batiam palmas ao ritmo dela.

SEU INGRATO

Olhe que você saiu-me um grande ingrato,não esperava isso de si. Sabe bem o que acontece por aí. Pois não passou ainda um ano,e já quere abandonar o lugar que poderia ter ido para outro,que o que não falta para aí é gente que o quisesse,quase me beijando as mãos?
Quer então que eu perca um lugar de quadro ? Onde estou,como sabe melhor do que ninguém,posso amanhã não estar,por ter encontrado a porta fechada.
Aqui,a continuar,só como tarefeiro,ao mês,com assinatura reconhecida no notário. Então,com as minhas muitas desculpas,passe por cá muito bem. Seu ingrato,e talvez mais coisas que não se ouviram.

EM TRONCO NU

É uma encosta que esteve para ali abandonada tempos sem fim. Mas chegou a sua vez. Alindaram-na,protegeram-na,não fosse ela desabar,mas ainda guarda uns restos do matagal de outrora.
Numa manhã de muito sol,alguém resolveu por lá andar,subindo-a e descendo-a,como que a divertir-se. Talvez se sentisse ali mais livre,talvez aquela encosta lhe lembrasse o sítio de onde viera,não há muito. Estava em tronco nu,mas a vontade dele seria despir-se completamente. Ainda fez menção disso,mas um quase nada de entendimento levou-o a suster o gesto.
Era um jovem para quem a vida fora madrasta. Teria tentado endireitá-la,mudando de poiso,mas em vão. E,naquela altura,ali se encontrava ele,avisando que já não podia mais. Tinham de tomar conta dele,como haviam feito com aquela encosta. Não era menos do que ela.

EU NUNCA TIRO SENHA

A senhora está primeiro,chegou antes. A senhora não tirou senha? Eu nunca tiro senha.
Sabem,nascera lá no "monte",vivera lá no"monte",longe da vila,longe da escola. Depois,os trabalhos,a ida à fonte,coisas assim,para ajudar os pais. Depois,casara e viera para a cidade. Depois,os filhos,os trabalhos,a vida. Eu nunca tiro senha.

A SALVO

O caminho estava encharcado,mas o jipe não fez caso. Haviam de ver do que ele era capaz. Ainda avançou uns metros,ainda quis recuar,á procura de base firme,para ganhar balanço,mas o desastre consumara-se. O jipe "assentara". Dali,só com uma força maior.
Lá ao lognge,via-se um "monte". Mas a reforma agrária passara por ali. Ninguém se importaria com o jipe. Ele que se desenrascasse.
Mas muito se enganaram. Foram atendidos como de embaixadores carregados de presentes se tratasse. Um trator,que mais parecia uma locomotiva,foi posto logo à disposição,sem regateios,nem exigências. Um ligeiro puxão pôs o jipe a salvo. Se fosse preciso mais alguma coisa,era só baterem.
Não se bateria,para não se ver novamente um jovem que metia dó. Um jovem atrasadinho,enclausurado.

ICEBERG TWICE SIZE OF LUXEMBOURG BREAKS OFF ANTARCTIC ICE SHELF

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