sábado, 7 de novembro de 2015

BOLSA RECHEADA

Quem o vê pensará que vai ali alguém,curvado ao peso da vida,a pensar, angustiadamente,no fim do mês. Quem o vê não dirá que são várias e pingues as suas fontes de rendimento. Pese tudo isso,é ele parco no gastar em frentes essenciais,no vestir,no comer,no folgar. O automóvel é quase da sua idade. Casou tarde e não teve filhos. Não se sabe o que faz ao seu muito dinheiro. Muito provavelmente entessoura-o,visto não ser de acreditar que o distribua pelos pobres. É que lhes chama madraços,sem distinções.
Sempre que vem a propósito,segundo consta,e ,às vezes,fora do contexto do que se estava para ali a dizer,critica, asperamente,o mínimo aumento de salários,talvez por ver nele uma séria ameaça à sua bolsa recheada. Achará que já contribui de mais. Façam como eu. As pessoas não precisam de ganhar mais,as pessoas têm é de gastar menos. E estando inspirado,cita tempos longínquos,gloriosos,de que muito gostou,e dos quais guarda sentidas saudades,tempos em que uma sardinha dava,tinha de dar,para dois ou mais. Chega,até,nos tais momentos de inspiração,ao ponto de apontar exemplos de países em que os trabalhadores aceitaram redução de salário. O ideal, para ele ,seria,certamente,os dependentes nada exigirem,vivendo do ar e morando em barracas.
A sua aparência,a lembrar um indigente,é,inegavelmente, parte de uma estratégia lá muito dele. Ninguém,familiar,conhecido,um qualquer,ousará bater a uma porta destas,num caso de aflição,de emergência. Coitado,precisa tanto como nós,ou mais ainda. Passam,assim,de largo,não vá ele,também,atrever-se a pedinchar. Era bem capaz disso,não por precisão,claro,mas para tentar remover qualquer dúvida que se levante a seu respeito,a respeito do seu cofre.
Com tudo isto,está ali para lavar e durar. Saúde não lhe falta,nem nunca lhe faltou,segundo uns,graças a Deus. Dá-se ao luxo de andar vestido de inverno quase como no verão,suscitando as maiores admirações e invejas. Um fenómemo,muito raro,suscitando,talvez,em alguém,o desejo de estudar o seu genoma,por razões óbvias.

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