sexta-feira, 29 de novembro de 2013
quinta-feira, 28 de novembro de 2013
quarta-feira, 27 de novembro de 2013
segunda-feira, 25 de novembro de 2013
A ESTAÇÃO DO ENTRONCAMENTO
Era no verão, por altura dos Santos Populares. Seria bom que o povo tomasse 
contacto com a arte. E vai daí, fizeram uma exposição ao ar livre, num recinto 
convidativo, com árvores, com canteiros, num jardim. A um canto, arte 
abstracta, noutro canto, afastado, arte figurativa. E aconteceu, com frequência, o que 
era de esperar. Olhem para aquilo. Isto também eu pintava. Borradas, é o que tal 
coisa é. O meu filho, que anda na escola primária, podia ter aqui os seus 
desenhos. São muito melhores do que todos estes. Não têm jeito para fazer 
quadros que a gente entenda, depois, é o que se vê. Tanto tempo, tanta tinta, para 
sairem coisas destas. Olha a estação do Entroncamento. Era uma tela de grandes 
dimensões. Até parece que estamos lá. O homem sabe disto. E empurravam-se, todos 
queriam ficar bem ao pé, para não perderem nada. Sim senhor, isto é que arte. 
Pensam que a gente não consegue distinguir, mas estão muito enganados. Vejam lá 
como está tudo no seu lugar. O homem sabe do ofício. As plataformas, os 
comboios, os passageiros, os vendedores de pevides e de tremoços. E as 
cores?, cores de um rico dia de sol. Este comprava eu,se tivesse dinheiro. Ficava 
bem lá na sala. Agora, os outros, lá de trás, nem dados. Que diriam os parentes e 
os amigos se os vissem lá na sala? Que estávamos malucos de todo.
COMO AS ANEDOTAS
Com a vertigem, o frenesim, a desatenção que vão por aí, há quem pense, talvez 
mal,  que  os escritos têm de ser como as anedotas. Têm de ser curtos. Já viram o 
que seria se elas fossem longas? Quase ninguém  lhes acharia graça, de 
nervosismo, de cansaço, por tanta espera. Oh homem, ou mulher, despacha-te, que tenho 
mais que fazer.
domingo, 24 de novembro de 2013
UMA AJUDINHA
Era uma terra nem pequena, nem grande, uma terra asim assim, que  ficava lá para o 
cabo do mundo, mas com comboio à porta. Nessa terra, havia três pessoas 
importantes, o comerciante João, o médico e o engenheiro. O senhor João ia, uma vez 
por outra, à capital, para se actualizar. Aquilo era um contar de novidades de 
estarrecer, no café central, à noite, depois dos trabalhos. Certa vez, o senhor João 
contou também uma aventura. Oh senhor João, se a sua mulher calha a saber, coitada 
dela? Não tem dúvida. Ela sabe muito bem que é só dela que eu gosto, ela está 
sempre em primeiro lugar. O médico não tinha mãos a medir, mas não na sua 
profissão. Como a gente lá da terra raramente estava doente e ele não era de se 
encostar às paredes, arranjara outros interesses. Ele era agente disto e 
daquilo, ele era agricultor, ele era, acima de tudo, mecânico de viaturas. A terra 
era ponto obrigatório de passagem de tractores e de 
camionetas, que, frequentemente, tinham as suas mazelas, a necessitar de tratamento. 
E o médico intervinha, a dar uma ajudinha. Chegava a estender-se no chão, a 
examinar eixos e cambotas, ficando numa lástima. O engenheiro era o responsável de 
uma grande obra. Por tal motivo e por estar muito interessado em encarecer o seu 
complexo trabalho, era ele que pontificava. A grande obra iria custar metade do 
que estava previsto. É que ele sabia poupar. Hoje meti nos cofres da empresa um 
dinheirão, era a sua expressão favorita. Quem eram os ouvintes para daquilo 
duvidar? Mas parecia haver ali economias a mais, alguém teria feito mal as 
contas. 
MUITAS MANIAS
No reino da bicharada, apareceu por lá, um dia, um cágado cego e mudo. Durante 
muito tempo, tiveram pena dele, desfazendo-se em repetidos cuidados e atenções. 
Mas, a certa altura, já muito próximo da partida para o outro mundo, tudo mudou, o que 
não era de esperar. É que, repentinamente, deu-lhe para exibir muitas manias. Se 
fosse apenas uma, vá que não vá, ainda se tolerava. Quem as não tem? Mas assim 
tantas, era de perder a paciência e disposição para o aturar. Mas havia uma que 
dava vontade de rir e era o que muitos faziam, por não resistirem à cena. 
Então, não é que se julgava o maior saltador do reino? E isso,porque, certa vez, depois de muito tentar, conseguira saltar um milímetro. Sou o maior, sou o 
maior, não se cansava ele de atroar os ares. Passou a ser, pois, motivo de grande 
chacota. Ele não dava conta, coitado. E assim permaneceu, até que se foi desta 
para melhor. 
sábado, 23 de novembro de 2013
GENTE FIXE
É pintor de interiores o senhor Francisco. Anda nisto há um ror de anos, tantos 
que até já lhe perdeu o conto. Deita mãos aos pincéis logo de manhazinha, só os 
largando pela noite dentro. Aos domingos, faz uma pausa, mas mais porque é um pau 
mandado e o sócio tem outras exigências. O corpo é franzino, mas rijo. Diz que 
esteve apenas uma vez doente, com uma forte gripe. Mas só faltou um dia à 
chamada. Podia lá estar sem as suas tintas. Tinto é também o seu líquido 
preferido. Às vezes, exagera, sobretudo em dias de folga. Tem um grupo de gente 
fixe com quem se diverte à grande. Volta não volta, dão grandes passeatas. Até já 
foram à Galiza. É que a vida não é só trabalhar. Com este modo de vida, o que 
mais se poderia esperar do senhor Francisco? A bebida será para ele um refúgio e 
até um resguardo para as correntes de ar que tem de apanhar, com as janelas 
sempre todas abertas. Não sabe fazer mais nada. Nem a bola o atrai, pois não sabe 
ler lá muito bem. Pouco informado, como é que acompanharia as conversas? Os 
companheiros do grupinho fixe serão também dos seus, pelo que ficará tudo em 
família.
A BONDADE
Chovia uma chuva miudinha e o chaparro vinha mesmo a calhar. E assim, três almas 
que andavam por ali vieram pedir-lhe protecção. Está-se aqui bem. Eu que o 
diga, que me tem servido muita vez. E a conversa veio. Então, pastor, qual é o seu 
ganho? Cinco escudos e de comer, não contando com o polvilhal. Vê aquele monte, lá 
ao longe, aquele com uma grande barra azul? Ali a soldada é maior. Aquilo é que é 
um patrão bom. Dá seis escudos, de comer e mais o resto, como eu disse. A bondade 
traduzida em dez tostões. Outros tempos. 
DE CIGARRO NA MÃO DIREITA
O que se estava vendo era isto,  mas já se vira isto muitas mais vezes. A idade 
rondará os setenta. O corpo é esguio, alto. As costas são direitas, que nem 
tábuas. A cabeça é pequena, como a de um passarinho. O cabelo é 
grisalho, levemente ondulado. O andar é lesto, ainda que tropeçado, talvez por 
assim ter saído. E ali ia ela, como sempre, de cigarro na mão direita. Dava um 
passo, aparentemente inseguro, e levava o cigarro à boca. Dava um passo, recolhia a 
mão com o cigarro. Dava um passo, expelia o fumo. Dava um passo, levava o cigarro 
à boca. Isto, como uma máquina. As costas,sempre direitas,olhando em 
frente,imperturbável. 
PARECIA VOAR
Toda a gente sabe, ou devia saber, que se não deve mandriar, que se deve fazer pela 
vida, que a vida está lá à espera, muito nervosa, para ser vivida. E era o que 
aquela senhora estaria fazendo. Já não era nova, longe disso. Teria aí uns 
cinquenta ou sessenta anos, que isto de idades tem muito que se lhe diga. Toda 
ela se vestia de negro, de negro mais negro, da cabeça aos pés. Não se sabe o que 
ela teria vendido. Apenas se ouviu o que ela disse a alguém que lhe teria ficado 
com uma parte da sua mercadoria, o resto da qual, que ainda era muito, estava 
envolvido num pano, também negro,  de negro mais negro, a servir de saco. Eu nunca 
mais esquecerei a senhora dona Maria e a dona Maria também não se irá esquecer 
de mim nunca mais. Pouco mais tempo ela ali se demorou, pois tinha lá, à sua 
espera, outras donas, Marias ou não. A pressa que ela levava, rua fora, ligeiramente 
a subir, merecia ter ficado registada. Parecia voar. 
sexta-feira, 22 de novembro de 2013
BAGAÇOS E PASSAS
Os cimos onde ele se demorou, só vistos. Foi mesmo façanha de estarrecer. Muito 
podem, pois, enganar os começos. Numa manhã de bater o queixo, quando ele andava 
muito cá por baixo, comendo pão que o diabo amassou, desabafara, a modos que 
desconfiando das suas capacidades. Não sei como me tenho aguentado. Metia um 
grande dó olhar para ele, um corpo amarfanhado, quase transparente. Meio 
curvado, cara lívida, olhos encovados, era uma personificação da derrota. Estou 
aqui, já ia alta a manhã, apenas com um bagaço e uma passa. Coisas só para dar um 
calorzinho aos ossos. Muitos outros dias não teriam arrancado melhor. A escalada 
foi meteórica. A apoiá-lo, não lhe faltaram dons, deve afirmar-se, em abono da 
verdade, dons excelentíssemos. Mas sem aqueles muitos bagaços e muitas passas não 
teria, com toda a certeza, chegado tão alto e lá permanecido.. 
QUEM VÊ CARAS...
Era um homem de meia idade. A sua cara não inspirava simpatia. Teria contribuído 
para isso uma ou outra palavra grosseira que se lhe ouvira. Naquela 
altura, esperava um transporte. Tinha junto de si uma cadeira de rodas, onde se 
sentava uma mulher sem uma das pernas. Quando o eléctrico chegou os seus 
potentes braços facilmente deram conta do recado, içando cadeira e ocupante. Feito 
isto, sem ligar aos protestos de alguém que se estava sentindo muito incomodado 
com tal vizinhança, tratou de sentar a companheira num dos bancos. 
Imperturbável, veio desmanchar, com presteza, a cadeira, ficando na plataforma até 
vagar o lugar ao lado da mulher. E então, aconteceu o inesperado. Aquela cara, que 
parecia trancada, abriu-se em largos , meigos sorrisos. Aqueles olhos, que 
pareciam turvos, ficaram límpidos, brilhantes. A ternura dele comovia. É bem certo 
que quem vê caras não vê corações.
quinta-feira, 21 de novembro de 2013
CUIDADOS DA MAMÂ
Já não se estava em guerra, o que tinha sido um alívio, daqueles dos muito 
grandes. Ela findara, é certo, mas sentiam-se ainda sequelas suas. Entrara-se no 
seu rescaldo, que atingiu ainda muitos. Aquela mesa era uma prova evidente de que 
a carestia não se fora de todo, pelo menos nalguns cantos. Rondava por ali, com 
pezinhos de lã, com ares de se querer perpetuar. E ora veja-se se não era 
verdade. Pontificavam no cardápio três requintadas iguarias, quer dizer, alface, 
feijão dito colonial e manteiga de banha de porco. Ganharia um prémio o fotógrafo 
que tivesse registado,  para a posteridade, a cara do anfitrião, deleitado com a 
excelência dos acepipes. Todo ele eram sorrisos de triunfo, quando, ele próprio, se 
encarregava do serviço, enchendo os pratos. Parecia estar a fornecer 
ambrósia. Para muitos, noutras mesas, seria, mesmo, ambrósia. Mas para aqueles 
moços, acabados de sair dos cuidados da mamã, aquilo não era mais do que ração de 
encarcerados. Estranharam muito, de inicio, é um facto, mas bem depressa se tiveram 
de resignar. Contribuíram para isso, um cágado que lhes ensinou a terem 
paciência, e um papagaio que não se cansava de lhes desejar bom apetite. 
A PRIMEIRA CASA
Um verdadeiro palácio, a bem dizer, sobranceiro 
a rua nobre. Nada lhe faltava, nem mesmo o princezinho. A entrada era um 
luxo, como não podia deixar de ser. Portão largo, pátio 
amplo, 
empedrado, cavalariça, recanto ajardinado, de vistosos jarros, escadaria de dois lanços, varandim. Depois, era um nunca mais acabar de quartos, alguns para visitas, como lhe competia, cozinha de convento, onde pontificava a Joana, salão nobre, para os repastos ,e, sobretudo, um grande quintal, para os folguedos. Neste, presidia uma alta nespereira. Tinha cisterna, outra fonte de inquietações para a senhora, que o princezinho podia lá cair. A um lado, rasgava-se varanda a condizer, debruçada sobre outro palácio, onde reinava uma princesinha , sempre triste, porque a mãe não se dava ao respeito.
Depois, ainda, seguiu-se o desterro, e lá se foi o palácio. Não ficaram na rua, que uma segunda casa, para lá do grande rio, estava livre para os receber.
empedrado, cavalariça, recanto ajardinado, de vistosos jarros, escadaria de dois lanços, varandim. Depois, era um nunca mais acabar de quartos, alguns para visitas, como lhe competia, cozinha de convento, onde pontificava a Joana, salão nobre, para os repastos ,e, sobretudo, um grande quintal, para os folguedos. Neste, presidia uma alta nespereira. Tinha cisterna, outra fonte de inquietações para a senhora, que o princezinho podia lá cair. A um lado, rasgava-se varanda a condizer, debruçada sobre outro palácio, onde reinava uma princesinha , sempre triste, porque a mãe não se dava ao respeito.
Depois, ainda, seguiu-se o desterro, e lá se foi o palácio. Não ficaram na rua, que uma segunda casa, para lá do grande rio, estava livre para os receber.
quarta-feira, 20 de novembro de 2013
UNS COBRES
Muito mudada está ela,ali sentada.  Ela, que não descansava um dia sequer,que o seu negócio não deixava. Vendia flores, á porta de padaria de bairro. Para as ter, tinha de se levantar bem cedo, que a fonte delas estava longe.
Mas os anos não perdoam, como é costume dizer. E ali se encontra ela sentada, como já se referiu. Não tem ela´flores para vender, nem outra mercadoria que as substitua. Espera que os donos dos carros estacionados num recinto que ela guarda por duas ou três horas, estejam dispostos a aliviar-se de alguns cobres.
Mas os anos não perdoam, como é costume dizer. E ali se encontra ela sentada, como já se referiu. Não tem ela´flores para vender, nem outra mercadoria que as substitua. Espera que os donos dos carros estacionados num recinto que ela guarda por duas ou três horas, estejam dispostos a aliviar-se de alguns cobres.
DOIS CAUDAIS
Aquelas casas não deviam estar ali. Mesmo às suas portas passavam dois caudais - um, de carros, e o outro, de águas. Naquele dia, o rio quase transbordava, mas em toda a roda do ano o seu  nível seria sempre alto.
Crianças brincavam, aparentemente descuidadas, nos arremedos de passeios. O cenário arrepiaria qualquer um que não fosse dali. Tudo aquilo tinha, porém, o ar de ter sido assim já há um ror de anos.
Quem se teria lembrado de construir tais moradias e como se permitira uma coisa destas? É mesmo vontade de arranjar sarilhos. Quantos desastres teriam ocorrido e quantas vezes aquelas casas teriam ficado de molho?
Só a muita necessidade levara aquela gente a sujeitar-se a tais condições. Estaria perto o local do seu ganha-pão e os rendimentos não seriam por aí além. Em quantos não nascera o desejo de se mudarem? Mas como?
Crianças brincavam, aparentemente descuidadas, nos arremedos de passeios. O cenário arrepiaria qualquer um que não fosse dali. Tudo aquilo tinha, porém, o ar de ter sido assim já há um ror de anos.
Quem se teria lembrado de construir tais moradias e como se permitira uma coisa destas? É mesmo vontade de arranjar sarilhos. Quantos desastres teriam ocorrido e quantas vezes aquelas casas teriam ficado de molho?
Só a muita necessidade levara aquela gente a sujeitar-se a tais condições. Estaria perto o local do seu ganha-pão e os rendimentos não seriam por aí além. Em quantos não nascera o desejo de se mudarem? Mas como?
DIA DO BOMBEIRO
Já ontem.pela tarde,fora dado aviso. Instalação sonora ao longo da avenida lançava aos quatro ventos música apropriada. De vez em quando, intercalavam-se vozes que indicavam ser de ensaio. Iria haver festa rija. E hoje, ainda a manhã mal despertara, repetiram a dose.
Aí pelas onze, ouviram-se sons de muitas cornetas, de toada já conhecida. Eram os bombeiros. Era o seu dia. Marchavam garbosos, em grande número. Só que desta vez, São Pedro pregou-lhes grossa partida. Chovia que Deus a mandava. Mas eles teimaram, como em tantas ocasiões. Completaram o circuito programado, ainda que todos ficassem num charco. Elas então metiam dó.
Em local adequado levantara-se vistoso palanque. Foi aí que se alojaram as forças vivas, devidamente resguardadas, não fosse o céu fazer das suas, como se referiu. Convinha que não debandassem, se não estragar-se-ia a cerimónia, que incluía aparatosas continências à direita. Lá se ouviram as vozes de comando e os gestos correspondentes.
Apesar de tudo, deviam ter ficado todos satisfeitos. No final, para compensar, esperá-los-ia fraterno convívio em redor de mesa farta. Mereciam, sobretudo os soldados da paz.
Aí pelas onze, ouviram-se sons de muitas cornetas, de toada já conhecida. Eram os bombeiros. Era o seu dia. Marchavam garbosos, em grande número. Só que desta vez, São Pedro pregou-lhes grossa partida. Chovia que Deus a mandava. Mas eles teimaram, como em tantas ocasiões. Completaram o circuito programado, ainda que todos ficassem num charco. Elas então metiam dó.
Em local adequado levantara-se vistoso palanque. Foi aí que se alojaram as forças vivas, devidamente resguardadas, não fosse o céu fazer das suas, como se referiu. Convinha que não debandassem, se não estragar-se-ia a cerimónia, que incluía aparatosas continências à direita. Lá se ouviram as vozes de comando e os gestos correspondentes.
Apesar de tudo, deviam ter ficado todos satisfeitos. No final, para compensar, esperá-los-ia fraterno convívio em redor de mesa farta. Mereciam, sobretudo os soldados da paz.
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