sexta-feira, 31 de maio de 2013
NINHARIAS
Teria uns quarenta anos. Vinha de óculos escuros e envergava camisa branca desportiva e calças negras,à moda. O cabelo era louro ainda e derramava-se,anelado,pelas costas largas. Àquela hora matinal,descia, assobiando,a longa e movimentada avenida. Na mão esquerda,trazia um saco de plástico vazio. Para que serviria? A resposta não demorou. No primeiro contentor de lixo,parou. Levantou a tampa e fez uma inspecção sem resultado. Mas um pouco mais abaixo,em frente do centro comercial,o passeio estava juncado de beatas. E ali,sim,o saco entrou em acção. Com o assobio mais afinado,retomou o percurso. Seguiram-se novos esquadrinhamentos e abaixamentos. Parecia não ligar aos transeuntes,que olhavam para ele algo admirados. Não podia preocupar-se com ninharias,pois acima de tudo estava o trabalho. O saco enchera-se,pelo que tinha direito a uma pausa. Foi o que fez,sentando-se junto a um quiosque,ponto de grandes encontros. Tirou os óculos,suspendendo-os,como é da praxe,na camisa,e confraternizou.
FRIO HÚMIDO
"Imagine V. uma cidade...penetrada dum frio húmido...",assim se referia Eça de Queirós a Newcastle Upon Tyne,onde permaneceu alguns anos,em carta de 1 de Fevereiro de 1874,para o seu"querido Ramalho",como vem em Vida e Obra de de Eça de Queirós,de Gaspar Simões. Imagina alguém o que ele deve ter suportado,pelo que esse alguém suportou durante seis escassos meses de 1965. Teve pouca sorte,pois não me lembro de um verão assim,dizia-lhe,contristado,como a pedir desculpa,um funcionário do sector de processamento de dados. De facto,mesmo em Julho e Agosto,as temperaturas não ultrapassaram os quinze graus,e a chuva,quase sempre do tipo molha-tolos,raramente deixou de cair. Quando chegou a altura,as pessoas foram para férias. As que não puderam comprar sol,rumando ao sul,tiveram de se contentar com aquilo que tinham,que era,apsar de tudo,muito. Nos campos,as culturas desenvolveram-se. As searas,de grande porte e densidade,alouraram,e as pastagens mantiveram-se verdes e pujantes. A lã era lustrosa e o leite gordo. Não se pode ter tudo.
EÇA'S TRIP TO THE ORIENT
Luis Manuel Araújo
At the invitation of his friend the Count of Resende, who had gone there on the occasion of the inauguration of the Suez Canal, Eça de Queirós spent two short months in the Orient late in 1869. This experience both instilled a taste for travel in Eça and provided him with the opportunity to exercise the art of writing, thereby making a decisive contribution to both his cultural formation and his future choice of a diplomatic career.
In his notes (published posthumously under the title O Egipto. Notas de Viagem (Egypt, Travel Notes)), the future diplomat and traveller offers his readers lively descriptions of the pharaohs’ tombs, in which he talks about both the gigantic monuments themselves and the surrounding countryside. He evokes his perambulations and adventures in the great and noisy city of Cairo, where he visited the decrepit Coptic vestiges and the Islamic monuments located in the soaring Citadel. He describes the tombs of the caliphs, the ancient Amr Mosque, the Ibn Tulun Mosque and the Al-Azhar University Mosque, all of which are venerated monuments of the Muslim world. He also walked through what is still the compact but loud Khan El Khalili shopping area.
Eça never published these notes, but he used both them and the images he retained of this memorable trip to construct the travels of Teodórico Raposo (in A Relíquia (The Relic)) and Fradique Mendes. There is, however, a clear difference between the two characters: Raposo retraces Eça’s oriental journey, step by step, whereas Fradique Mendes travels to places that the writer never visited (Upper Egypt). We also encounter reflections of Eça´s journey in the person of the Egyptian hermit, Saint Onofre, in Lendas de Santos (Legends of Saints), as well as in O Mandarim (The Mandarin) and Os Maias (The Maias). Lastly, references to Egypt are to be found in Cartas de Inglaterra (Letters from England) and Crónicas de Londres (Chronicles of London). We might add that even the stop on the Island of Malta during the trip across the Mediterranean to Alexandria was to furnish him with a few lines for O Mistério da Estrada de Sintra (The Mystery of the Sintra Road).
Employed in a variety of forms that range from satire to lyricism and from biting wit to historical veracity, the subject of exotic voyages was to provide Eça de Queirós with ballast for the recreation of places and moments that are to be found both in distant China (O Mandarim) and geographically closer to home, in the Portuguese Middle Ages (A Ilustre Casa de Ramires (The Illustrious House of Ramires)). A taste for travel in both time and space which was originally aroused by the exciting oriental trip that he was never to forget.
In Camões - Revista de Letras e Culturas Lusófonas
At the invitation of his friend the Count of Resende, who had gone there on the occasion of the inauguration of the Suez Canal, Eça de Queirós spent two short months in the Orient late in 1869. This experience both instilled a taste for travel in Eça and provided him with the opportunity to exercise the art of writing, thereby making a decisive contribution to both his cultural formation and his future choice of a diplomatic career.
In his notes (published posthumously under the title O Egipto. Notas de Viagem (Egypt, Travel Notes)), the future diplomat and traveller offers his readers lively descriptions of the pharaohs’ tombs, in which he talks about both the gigantic monuments themselves and the surrounding countryside. He evokes his perambulations and adventures in the great and noisy city of Cairo, where he visited the decrepit Coptic vestiges and the Islamic monuments located in the soaring Citadel. He describes the tombs of the caliphs, the ancient Amr Mosque, the Ibn Tulun Mosque and the Al-Azhar University Mosque, all of which are venerated monuments of the Muslim world. He also walked through what is still the compact but loud Khan El Khalili shopping area.
Eça never published these notes, but he used both them and the images he retained of this memorable trip to construct the travels of Teodórico Raposo (in A Relíquia (The Relic)) and Fradique Mendes. There is, however, a clear difference between the two characters: Raposo retraces Eça’s oriental journey, step by step, whereas Fradique Mendes travels to places that the writer never visited (Upper Egypt). We also encounter reflections of Eça´s journey in the person of the Egyptian hermit, Saint Onofre, in Lendas de Santos (Legends of Saints), as well as in O Mandarim (The Mandarin) and Os Maias (The Maias). Lastly, references to Egypt are to be found in Cartas de Inglaterra (Letters from England) and Crónicas de Londres (Chronicles of London). We might add that even the stop on the Island of Malta during the trip across the Mediterranean to Alexandria was to furnish him with a few lines for O Mistério da Estrada de Sintra (The Mystery of the Sintra Road).
Employed in a variety of forms that range from satire to lyricism and from biting wit to historical veracity, the subject of exotic voyages was to provide Eça de Queirós with ballast for the recreation of places and moments that are to be found both in distant China (O Mandarim) and geographically closer to home, in the Portuguese Middle Ages (A Ilustre Casa de Ramires (The Illustrious House of Ramires)). A taste for travel in both time and space which was originally aroused by the exciting oriental trip that he was never to forget.
In Camões - Revista de Letras e Culturas Lusófonas
quinta-feira, 30 de maio de 2013
ERA TUDO NATURAL
Chegavam as carroças com as dornas atulhadas de cachos de uvas e encostavam-se às janelas. Era por elas que se fazia a transferência,com forquilhas,para os lagares. Atingido um certo nível,uma meia dúzia de homens,de pernas ao léu,encarregavam-se do esmagamento com os pés. Não consta que tivessem cartões de sanidade,nem que tomassem banho previamente. Ali ficavam até darem a tarefa por concluída. Havia,é claro,os intervalos para as refeições e para as necessidades. Sempre que entravam ou saíam do lagar,mergulhavam,sem grandes demoras,os pés numa celha com água. Não consta,também,que alguém,alguma vez,se tivesse preocupado com o chão que pisavam,nas idas e vindas,eles ou quem os contratava. Tudo aquilo era natural,como naturais eram as uvas e as moscas que por ali andavam na sua vida. Não consta,igualmente,que alguém,alguma vez,se tivesse preocupado com aquela fracção de cloreto de sódio que apareceria no vinho,mas que não viera dos cachos. Tudo aquilo era natural,como naturais eram as leveduras que enxameavam o ar e que os cachos já trariam,e que iriam converter,a sua vocação,o açúcar em etanol e dióxido de carbono. O mosto borbulhava,o mosto exalava. Tudo aquilo era naturalmente natural.
BASTA UMA VEZ
Acreditaria numa outra vida,certamente,o faraó. Um dia,havia de ressuscitar. E logo ali,à sua muito poderosa mão,queria ele ter todas as coisas que lhe embelezaram a sua rica vida.
Para além de jóias,muitas jóias,ou outras coisas de igual valor,de todas as cores e feitios,um barco devia estar pronto para ele,imediatamente,poder passear no seu saudoso Nilo.
E para um barco do faraó,só uma gigantesca pirâmide servia. Não era isso dificuldade que o faraó não resolvesse. Os escravos que necessários fossem,bem depressa ele os arranjaria,dentro ou fora de portas. De resto,para o faraó,não havia porta a que ele não chamasse sua. E se , acaso,encontrasse uma cerrada,o que não era de admitir,um simples safanão dos seus chegaria para a porta ficar escancarada. Algumas,até,se abririam por si,à simples lembrança de que o faraó viria aí.
Como não haveria de querer voltar o faraó? Tinha sido a sua vida,uma vida cheia de prazeres,uma vida de invejar. Só se ele fosse parvo,e parvo é que ele não deveria ser. Fosse ele um dos seus muitos escravos,nessa é que ele não cairia. Livra,pensaria ele. Para sofrer o que eu sofri,basta uma vez.
Para além de jóias,muitas jóias,ou outras coisas de igual valor,de todas as cores e feitios,um barco devia estar pronto para ele,imediatamente,poder passear no seu saudoso Nilo.
E para um barco do faraó,só uma gigantesca pirâmide servia. Não era isso dificuldade que o faraó não resolvesse. Os escravos que necessários fossem,bem depressa ele os arranjaria,dentro ou fora de portas. De resto,para o faraó,não havia porta a que ele não chamasse sua. E se , acaso,encontrasse uma cerrada,o que não era de admitir,um simples safanão dos seus chegaria para a porta ficar escancarada. Algumas,até,se abririam por si,à simples lembrança de que o faraó viria aí.
Como não haveria de querer voltar o faraó? Tinha sido a sua vida,uma vida cheia de prazeres,uma vida de invejar. Só se ele fosse parvo,e parvo é que ele não deveria ser. Fosse ele um dos seus muitos escravos,nessa é que ele não cairia. Livra,pensaria ele. Para sofrer o que eu sofri,basta uma vez.
INCORRIGÍVEIS
Das duas,uma,ou tinham lá em casa um muito melhor,ou,então,ainda,um dia.o haviam de possuir. Incorrigíveis.
A MOCA
Ganadaria necessita de espaço, e aquela herdade fora arrendada para casa dos garraios. Ele tinha de estar,pois, sempre alerta,que o seguro morreu de velho. Para maior descanso,antes de iniciar o trabalho,dirigia-se ao "monte", para saber onde se encontravam os bichinhos. Cortou-lhes as voltas por alguns dias,mas por fim,que a tarefa tinha de ser concluída,teve de ir ao seu encontro. Lá estavam eles,dispersos em pequeno vale. Ali havia boa comida,que a terra era fresca. O maioral,que estava sentado no rebordo de um poço,aproximou-se. Vinha apoiado num cajado,em forma de moca. Então,a montada? Ficara lá no "monte",raramente a utilizava. Vira-os nascer e conheciam-se bem. Então,para que servia a moca? Eles eram novos,eram como crianças. Gostavam de brincar e por vezes excediam-se. Era nessas alturas que a moca intervinha,para os separar,para evitar que se aleijassem,o que seria uma carga de trabalhos e,talvez, grosso prejuízo. E o diabo do homem dizia isto com naturalidade,como se estivesse a falar de cães ou de gatos. Na sua companhia,e com a protecção do jipe,lá se deu conta do serviço,mas sempre muito amedrontado,a pensar que eles podiam perder o respeito à moca.
CARRAÇAS E COELHOS
Era de fugir,não pelos coelhos, coitados,mas por via das carraças. Mas era aquilo um crivo nunca visto. Até parecia um milagre as azinheiras manterem-se,ali,de pé. É que as tocas eram tantas que quase se não tinha sítio onde pôr o pé. Também havia o risco de um ou os dois se enfiarem pelos buracões.
É claro que o trabalho estava muito facilitado. Quase bastava olhar para a terra que viera lá de baixo. Não se podia era estar muito tempo parado,que as carraças punham-se logo a trepar,não escolhendo superfície. Andariam de barriga cheia,pois limitaram-se a passear por caminhos estranhos. Mas não era nada agradável vê-las ali amarinharem pelas calças ou sabe-se lá mais por onde.
Quem também não gostava nada destes conjuntos eram hortejos,não,pelas carraças,mas,agora,pelos coelhos. E está-se mesmo a ver porquê,mesmo com muros a separar. É que eles eram exímios em passar por baixo. E então,adeus,minhas hortaliças.
É claro que o trabalho estava muito facilitado. Quase bastava olhar para a terra que viera lá de baixo. Não se podia era estar muito tempo parado,que as carraças punham-se logo a trepar,não escolhendo superfície. Andariam de barriga cheia,pois limitaram-se a passear por caminhos estranhos. Mas não era nada agradável vê-las ali amarinharem pelas calças ou sabe-se lá mais por onde.
Quem também não gostava nada destes conjuntos eram hortejos,não,pelas carraças,mas,agora,pelos coelhos. E está-se mesmo a ver porquê,mesmo com muros a separar. É que eles eram exímios em passar por baixo. E então,adeus,minhas hortaliças.
OS MAUS DA FITA
Olha o diabo dos corvos. Para o que lhes havia de dar. Viram-no ali sozinho e vá de nele se vingarem,atirando-se,vertiginosamente,em voo picado. É certo que não morria de amores por eles,sabe-se lá porquê,mas tinham errado o alvo. Não fora ele que dependurara os seus muitos irmãos,sem cabeça,ali expostos nos ramos das azinheiras. As cabeças serviam como prova,para um prémio. Diziam que davam conta das crias,de coelhos,de perdizes e demais família. Esta disposição não seria só ali. Era capaz de estar muito generalizada. Uns bons anos passados,tivera ocasião de o testemunhar,em terra longínqua. Mostravam lá,com grande pormenor,os estragos que eles causavam. Eram os maus da fita.
FOME DE DIAS
Nunca se vira por ali uma nuvem assim,muito veloz,densa,para o escuro,barulhenta. Como que se fizera de noite. De repente,talvez a uma ordem,vem por aí abaixo,em medonho alarido,rumo ao azinhal,sobre o qual se desfez em milhares de pombos,semelhando um acto de magia. O ruído dos bicos,a atirarem-se às bolotas,merecia ter sido registado. Parecia um concerto de uma orquestra de castanholas. Deviam ter vindo de muito longe e trariam fome de dias. Não havia meio de o repasto terminar,pelo que aquilo deve ter sido uma razia de respeito. Os porcos dali teriam ficado a meia ração por larga temporada.
quarta-feira, 29 de maio de 2013
DOIS ANOS INESQUECÍVEIS
Foram dois anos de cartografia de solos,a sondar-lhes as entranhas,até ao osso,ou seja,até à rocha,granítica,xistosa,arenítica,calcária,a maior parte das vezes. Não ficou canto por bisbilhotar,numa larga faixa,desde Alcácer do Sal até Elvas,com mais demoras em Évora,Viana do Alentejo,Reguengos de Monsaraz,Vila Viçosa e Monforte.
Foram dois anos a varrer plainos,a subir montes e vales,revestidos de searas, ou à espera delas,a bater à porta de "montes",e não só,a passar arame farpado,que a fotografia aérea,base do trabalho,não registara.
Foram dois anos de jipe,de caixa aberta,que o calor era muito,ou trancada,por causa das intempéries,jipe,que, lá de vez em quando,sem,ou com aviso prévio, se recusava a cumprir a sua obrigação,pelas mais diferentes mazelas.
Foram dois anos de botas,e não só,cobertas de pó,ou de lama,ao sol,à chuva,que o jipe estava longe,valendo,nas emergências,a copa de um chaparro amigo,ou o aconchego de um casebre.
Foram dois anos de ricas e variadas conversas, com donos,ou feitores, dos mais diversos teres,com jornaleiros e pastores.
Foram dois anos de inesperados encontros com perdizes,e perdigotos,rolas,cizões,
abibes,lebres e coelhos,pombos bravos,corvos,abetardas,carraças, touros.
Foram dois anos inesquecíveis.
Foram dois anos a varrer plainos,a subir montes e vales,revestidos de searas, ou à espera delas,a bater à porta de "montes",e não só,a passar arame farpado,que a fotografia aérea,base do trabalho,não registara.
Foram dois anos de jipe,de caixa aberta,que o calor era muito,ou trancada,por causa das intempéries,jipe,que, lá de vez em quando,sem,ou com aviso prévio, se recusava a cumprir a sua obrigação,pelas mais diferentes mazelas.
Foram dois anos de botas,e não só,cobertas de pó,ou de lama,ao sol,à chuva,que o jipe estava longe,valendo,nas emergências,a copa de um chaparro amigo,ou o aconchego de um casebre.
Foram dois anos de ricas e variadas conversas, com donos,ou feitores, dos mais diversos teres,com jornaleiros e pastores.
Foram dois anos de inesperados encontros com perdizes,e perdigotos,rolas,cizões,
abibes,lebres e coelhos,pombos bravos,corvos,abetardas,carraças, touros.
Foram dois anos inesquecíveis.
UM SEU CRIADO
O menino ia deixar os cuidados da mamã. Tinha de se fazer à vida,tinha de ir para a capital,que lá na terra não passaria da cepa torta. Para começar,era preciso arranjar quarto,mas não um qualquer. Tinha de ser um decente. Inexperiente como ele era,convinha que o pai o acompanhasse,não fosse enfiar-se num buraco não recomendável. Havia por lá,segundo lhes constava,ratoeiras a cada esquina,e o menino,sozinho,podia cair numa. E lá foram os dois. O pai já tinha estado naquela grande terra,mas nunca no bairro onde o menino ia trabalhar. Mas perguntando aqui e ali,lá deu com ele. Os prédios que por lá se perfilavam,alguns de três e quatro andares,só visto. A que portas havia de bater o pai? Bateu nalgumas e,sempre que batia,a um "quem é",seguia-se "um seu criado". A tal resposta,não houve porta que não se abrisse francamente. Acabou por se fixar numa. Dispunha de todos os requisitos para o menino não se perder. Era uma porta muito séria. O quarto tinha duas camas,uma para o menino e a outra para um amigo do menino que já não tinha pai que viesse com ele.
PASSAM DE LEVE
Surgem pela noite,imitando os morcegos. Asas não têm,mas passam de leve,como voando. Fazem pela vida,honestamente. Trazem flores,a sua mercadoria,bem acondicionada em invólucros transparentes. Onde as expõem? Procuram mesas onde se coma. Privilegiam casais de todas as idades. Não insistem. Recearão importunar. Entram,vagueiam,voejam,sem uma palavra. Palavras para quê? Alguns não as saberão e outros não lhes sobrará ânimo para as soltar. Uns serão afortunados por tocarem nos sítios certos. Outros cansar-se-ão vãmente. Mas virem de tão longe para este peregrinar é coisa triste.
FARIAM BICHA
Era uma senhora viúva,mas não uma triste viúva. Parecia uma montra de ourivesaria. Pode dizer-se que não se lhe viam os dedos,inchados,os pulsos,grossos,e o pescoço,largo,tal a carga de anéis,de pulseiras e de fios dos calibres mais diversos que a adornavam. Gostava também de falar,ou,melhor,não podia estar calada. Via-se,mais exactamente,ouvia-se. Onde quer que estivesse,armava logo palco. Ela,sozinha,dava conta de todo o espectáculo. Pela amostra,sobejava-lhe energia e conversa para se defender de qualquer um. Dizem que estou ainda nova e que me devia casar novamente. Mas eu estou bem assim. Nada me falta. O meu defunto marido deixou-me bem amparada,pois tinha uma boa reforma. Para quê casar,pois? Mas era só eu querer. Fariam bicha. Eu sei muito bem o que é que mais os atraía. Era o meu rico dinheirinho. Todos os meses,cento e sessenta contos. Nessa não caio eu. Os homens são todos os mesmos e eu já aturei um. Já chega. O tal que a deixara bem escorada. Santo homem. Soubera compensá-la devidamente por tanto o ter aturado. Onde é que ela iria arranjar um outro assim?
EÇA DE QUEIROZ,CONSUL AND WRITER
José Calvet de Magalhães
It is possible to analyse Eça de Queiroz’ consular work in the light of three different elements: firstly, the motives which led him to choose the consular career; secondly, the way in which he fitted into the consular profession; and lastly, the way in which he generally performed his duties.
Many professional diplomats were also writers. At the same time, a number of established writers, including Garrett, Tomás Ribeiro, Manuel Pinheiro Chagas, Guerra Junqueiro and Teixeira Gomes among others, occasionally exercised diplomatic functions. Of the diplomat-writers, there is no doubt that it was Eça de Queirós who distinguished himself most for his notable literary work. His renown as a writer almost completely obscured his function as a Portuguese consul – one that he fulfilled for around twenty-eight years.
Despite his fame as a writer, he did not look down on his work as a consul. In a letter he wrote to Ramalho Ortigão on the 28th of November 1878, he said: "… I produce a work of art, whilst being both consul and writer…". He did conceal his literary activity from his consular colleagues, however. Following Eça’s demise, in Stockholm in 1901 the diplomat and poet António Feijó met a former Swedish consul who had been a colleague of Eça’s in Newcastle and who asked for news of his old friend. His name was the Count of Bankow and he had been very close to his Portuguese counterpart for years, but he was completely unaware that Eça had been a writer – and a famous one at that. He refused to believe it and was only convinced when Feijó showed him a postcard bearing a photograph of the monument to Eça in Largo do Barão de Quintela in Lisbon.
We do not possess any statements by Eça de Queirós or testimonies left by close friends of his as to the reasons why he applied to take up the consular career, but if we analyse the circumstances of his life at the time when he took this decision, it is not difficult to deduce the reasons that impelled him to do so.
The invitation to go on a trip to Egypt in the company of his great and intimate friend, the prominent nobleman Luís de Resende, certainly awoke a desire to undertake new voyages and get to know new places, peoples and customs.
A career as a consul naturally attracted Eça because, besides enabling him to get to know the world, it guaranteed him a stable job of a kind that would leave him enough leisure time to dedicate himself to his literary passion.
In Camões - Revista de Letras e Culturas Lusófonas
It is possible to analyse Eça de Queiroz’ consular work in the light of three different elements: firstly, the motives which led him to choose the consular career; secondly, the way in which he fitted into the consular profession; and lastly, the way in which he generally performed his duties.
Many professional diplomats were also writers. At the same time, a number of established writers, including Garrett, Tomás Ribeiro, Manuel Pinheiro Chagas, Guerra Junqueiro and Teixeira Gomes among others, occasionally exercised diplomatic functions. Of the diplomat-writers, there is no doubt that it was Eça de Queirós who distinguished himself most for his notable literary work. His renown as a writer almost completely obscured his function as a Portuguese consul – one that he fulfilled for around twenty-eight years.
Despite his fame as a writer, he did not look down on his work as a consul. In a letter he wrote to Ramalho Ortigão on the 28th of November 1878, he said: "… I produce a work of art, whilst being both consul and writer…". He did conceal his literary activity from his consular colleagues, however. Following Eça’s demise, in Stockholm in 1901 the diplomat and poet António Feijó met a former Swedish consul who had been a colleague of Eça’s in Newcastle and who asked for news of his old friend. His name was the Count of Bankow and he had been very close to his Portuguese counterpart for years, but he was completely unaware that Eça had been a writer – and a famous one at that. He refused to believe it and was only convinced when Feijó showed him a postcard bearing a photograph of the monument to Eça in Largo do Barão de Quintela in Lisbon.
We do not possess any statements by Eça de Queirós or testimonies left by close friends of his as to the reasons why he applied to take up the consular career, but if we analyse the circumstances of his life at the time when he took this decision, it is not difficult to deduce the reasons that impelled him to do so.
The invitation to go on a trip to Egypt in the company of his great and intimate friend, the prominent nobleman Luís de Resende, certainly awoke a desire to undertake new voyages and get to know new places, peoples and customs.
A career as a consul naturally attracted Eça because, besides enabling him to get to know the world, it guaranteed him a stable job of a kind that would leave him enough leisure time to dedicate himself to his literary passion.
In Camões - Revista de Letras e Culturas Lusófonas
MÁGOAS
Na mesa,não cabia mais uma garrafa de cerveja. De vez em quando,levantava-se para esvaziar. A deslocação fazia-se com dificuldade,pois uma perna arrastava e a outra era um bocado trôpega. Valia-lhe apoiar-se numa bengala. Mostrava algum desassossego,olhando em redor,de cabeça baixa,como a pedir socorro. O empregado que o atendia observava-o desconfiado,parecendo prever algum dissabor. Chamou-o mais uma vez. Queria pagar,mas não trago dinheiro e esqueci-me também do livro de cheques. O gerente deve compreender.Veio o gerente. A conversa não foi agradável,como era de esperar. Não sabia como aquilo lhe tinha acontecido. A sua vida não lhe tinha corrido bem ultimamente. Ao gerente que lhe importava isso? Embora alterado,parecia ter alguma pena do homem,quase um inválido. Era num sábado de manhã. Na terça-feira venho pagar a despesa. Esteja certo disso. Se quiser tem aqui o meu bilhete de identidade. Ergueu-se a custo e caminhou para a porta muito lentamente,arrastando ainda mais a perna. Talvez quisesse correr,mas estava-lhe interdito. Foi triste vê-lo,já quase a despedir-se,em tal transe. Que mágoas teria ele querido afogar? Deve ter vindo para longe,onde ninguém o conhecesse. Como um animal acabado,fugindo do rebanho.
terça-feira, 28 de maio de 2013
O MESMO DISCO
O trabalho arrastava-se,pelo que dava ocasião a alguma conversa. Mas por onde quer que se começasse,era certo e sabido que se acabava por esbarrar nas suas vidas.
Então senhor Joaquim, tem ido muitas vezes à cidade? Mas que pergunta. Que ia eu lá fazer? O que há aqui na terra já me chega. As coisas lá não são mais baratas.
Não é disso que se trata. Se tem lá ido passear,ver as vistas? Que me interessa a mim isso? Não ficaria mais rico,antes pelo contrário. O dinheiro não me sobeja para luxos. As poucas vezes que por lá andei,foi por necessidade. Na primeira,por causa das sortes. Mas essa já lá vai há um ror de tempo,e dela pouco me lembro. Depois,foram algumas doenças. Tive de ir ao hospital visitar familiares e amigos. A que lá me levou mais vezes foi a doença do meu pai,que Deus já lá tem. Uma operação obrigou a um internamemto demorado. Para lá chegar,tinha de atravessar muitas ruas,mas, se quer que lhe diga ,achei-as todas iguais.
Para além disto,vinham as preocupações quanto ao futuro Que seria deles quando já não pudessem trabalhar? Ralava-os a magreza das reformas que iriam receber. Como é que nos iremos arranjar,se agora é o que se sabe? Os achaques rondam-nos,e quando lá chegarmos estarão bem instalados. Quem nos pagará os remédios?
O disco era quase sempre o mesmo. De alguma coisa se havia de falar ,e eram as
suas vidas o que eles melhor conheciam.
Então senhor Joaquim, tem ido muitas vezes à cidade? Mas que pergunta. Que ia eu lá fazer? O que há aqui na terra já me chega. As coisas lá não são mais baratas.
Não é disso que se trata. Se tem lá ido passear,ver as vistas? Que me interessa a mim isso? Não ficaria mais rico,antes pelo contrário. O dinheiro não me sobeja para luxos. As poucas vezes que por lá andei,foi por necessidade. Na primeira,por causa das sortes. Mas essa já lá vai há um ror de tempo,e dela pouco me lembro. Depois,foram algumas doenças. Tive de ir ao hospital visitar familiares e amigos. A que lá me levou mais vezes foi a doença do meu pai,que Deus já lá tem. Uma operação obrigou a um internamemto demorado. Para lá chegar,tinha de atravessar muitas ruas,mas, se quer que lhe diga ,achei-as todas iguais.
Para além disto,vinham as preocupações quanto ao futuro Que seria deles quando já não pudessem trabalhar? Ralava-os a magreza das reformas que iriam receber. Como é que nos iremos arranjar,se agora é o que se sabe? Os achaques rondam-nos,e quando lá chegarmos estarão bem instalados. Quem nos pagará os remédios?
O disco era quase sempre o mesmo. De alguma coisa se havia de falar ,e eram as
suas vidas o que eles melhor conheciam.
DE MÃOS LARGAS
Estava a ouvir os carros a passar na rua com o chão molhado de chuva a acair. Fora assim que há muitos anos ele acordara de madrugada,algures numa pensão alentejana. Parecia ter-se gorado o trabalho da noite a preparar as coisas para uma sementeira de trevo da Pérsia. O tempo acabou por se recompor e lá foi à procura de auxílio.Apareceu na forma de um velhote muito magro,com barba de dias. Era dono de uma parelha de muares tão velhas como ele. Mas os três sabiam do seu ofício,que a aprendizagem começara cedo e em excelente escola.A água deixara de vir do céu,mas havia mais prometida. As mulazinhas não podiam mandriar,bem como o seu condutor. A obra ficou perfeita. Todos não cabiam de contentes,sobretudo o trio assalariado. Ainda se haviam lembrado deles,graças a Deus. Tinham estado um largo tempo parados,mas não há mal que sempre dure. O par teve naquele dia rancho melhorado e o velhote,para além do que fora estabelecido,banqueteou-se com ceia lauta no café do lugar.A previsão confirmou-se. A chuva voltou,de mãos largas,fazendo das suas. As sementes boiavam. Tinham sido esforços baldados. Feitas as contas,restara a alegria dada ao trio assalariado. Não se perdera tudo.
TAL COMO NA VIDA
A forragem estava boa para corte. Vieram três homens de uma aldeia próxima. A tarde ia a meio e o calor apertara. Protegida a nuca com lenços,os jornaleiros ceifavam o trevo,bem desenvolvido e basto.Algumas vacas já estariam com água na boca,antegozando o festim. Tinham de ter paciência,que, antes disso, ia-se assistir a um espectáculo digno de registo.É que um dos ceifeiros encontrou um ninho com vários ovos. Mas que coisa boa,manifestaram-se eles exuberantemente. Vêm mesmo a jeito,pois já estávamos a precisar. Sem cerimónias,após justa divisão,trincaram-nos e enguliram-nos,inteirinhos.Mas estavam com sorte,pois,pouco tempo volvido,apareceu outro ninho. Desta vez,rejeitaram a casca,depois de os meterem na boca.E a sorte continuou. Já quase saciados,com vagares,partiram os ovos. Mas a sorte não findara. Esse ninho foi poupado.Afinal,como na vida. Uns são sacrificados,outros conseguem escapar-se. Vá-se lá saber porquê.E as pobres mães? Tinham sido iludidas. A elevada densidade do trevo não lhes salvara os filhotes a haver.
segunda-feira, 27 de maio de 2013
A VIDA
Aquilo tinha a sua graça. Não visitavam um museu,não entravam numa biblioteca,que um e outra deveriam ter doença ruim,daquela que se pegava,que vinha pelo ar que se respirava. Mas havia um sitio onde não podiam faltar um dia sequer,vistoriando-o mais de uma vez,de manhã,à tarde,e à noitinha. Esse sítio era,nada mais,nada menos,o supermercado,pois então,uma espécie de repositório de coisas sagradas.
Não havia prateleira que escapasse,não havia preço que não fosse registado,não havia fruta que não fosse apalpada,por vezes,até,quando era caso disso,experimentada. Paravam,avaliavam,comparavam,reflectiam,comentavam. A vida cada vez estava mais cara,não sabiam onde aquilo iria parar. Mas eles,felizmente,é que não paravam,que a vida,afinal,não estava assim tão mal como diziam,sobretudo quando comparada com a de tantos cantos do mundo,onde,aí,sim,é que as coisas estavam mesmo muito mal,tinham estado mesmo sempre assim muito mal,que era o que lhes valia,por já estarem bem acostumados a ela,a vida
Não havia prateleira que escapasse,não havia preço que não fosse registado,não havia fruta que não fosse apalpada,por vezes,até,quando era caso disso,experimentada. Paravam,avaliavam,comparavam,reflectiam,comentavam. A vida cada vez estava mais cara,não sabiam onde aquilo iria parar. Mas eles,felizmente,é que não paravam,que a vida,afinal,não estava assim tão mal como diziam,sobretudo quando comparada com a de tantos cantos do mundo,onde,aí,sim,é que as coisas estavam mesmo muito mal,tinham estado mesmo sempre assim muito mal,que era o que lhes valia,por já estarem bem acostumados a ela,a vida
PRATELEIRA
Não era para acreditar. No topo da escada íngreme,via-se um exíguo patamar,onde cabia uma cama e pouco mais. Estava lá,de facto,uma cadeira desconjuntada,sempre na iminência de ir parar ao abismo. Na cama,ou,mais exacto,no catre,jazia uma velhota entrevada. Uma fresta,sem protecção,rasgava-se na parede,um pouco acima da cabeça da inválida. O terceiro degrau da escada era a base de um fogareiro a petróleo. Está-se mesmo a ver o que acontecia quando a fonte calórica desempenhava as suas funções. Os vapores dos cozinhados e os gases de combustão,antes de se escaparem pela fresta,visitavam minuciosamente aquele corpo a despedir-se,como numa tarefa de mumificação. Incensado daquela maneira,estaria garantida a sua incorruptibilidade. Mas porque ficava aquela mártir naquele patamar? Pela razão muito simples de que não havia outro sítio para a depositar. Pai,mãe e filha era gente demasiada para uma só divisão. A velhota tinha de ir para a prateleira.
ROLA VELHA
Era ridículo e comovia.Estavam os dois de pé,a uma esquina de rua movimentada. Ela,como sempre,muito gorda,mal trajada e mal penteada. Ele,uma sombra do que fora,com aspecto de servente de obras em férias,talvez forçadas. Há que tempos se não viam. Eram marido e mulher. Ele abalara,em dia de grande desespero,e ela para ali ficara com a carga toda,uma carga de filhos e de netos.
Os olhos que ela lhe deitava,só visto. Deles, soltar-se-iam feixes de raios de altíssimo poder sedutor. Não seriam bem dela,mas da jovem que tinha sido.
Afinal,ainda vibrava. Estaria pronta para perdoar e recomeçar,assim ele quisesse. Mas toda aquela figura dele,curvada,de chama mortiça,parecia não dar qualquer esperança. Aquele coração já seria como uma pedra,insensível a mavios de rola e muito menos de rola velha. Era ridículo e comovia.
Os olhos que ela lhe deitava,só visto. Deles, soltar-se-iam feixes de raios de altíssimo poder sedutor. Não seriam bem dela,mas da jovem que tinha sido.
Afinal,ainda vibrava. Estaria pronta para perdoar e recomeçar,assim ele quisesse. Mas toda aquela figura dele,curvada,de chama mortiça,parecia não dar qualquer esperança. Aquele coração já seria como uma pedra,insensível a mavios de rola e muito menos de rola velha. Era ridículo e comovia.
O SILÊNCIO REGRESSOU
Não iria ser pera doce aquele trabalho de cartografia de solos nas margens do rio Longa. Quando do começo, uma grande parte ainda estava inundada,mas haveria de secar,como sucedera noutros anos. Chegara a ocasião de um local que se tinha deixado para o fim,na esperança de que secasse completamente,o que não aconteceu. Ali,só com botas de borracha. Perto,ficara uma lagoa,de margens ensopadas. A água ,de cor acinzentada,ressumava a cada passo. Não fora possível abrir ali covas,pelo que a natureza do terreno só podia ser determinada por meio de sonda. Foi uma tarefa penosa,pois as mãos ficaram numa lástima. O capim crescera alto,mas pouco denso,permitindo serpentear sem necessidade de grandes esforços. A confiança era tanta,garantida por um prévio sinal da cruz,que nem um momento se pensou na surpresa que se podia ter no próximo afastamento de um tufo de caules. As observações faziam-se sem precalços e o silêncio do lugar não era perturbado por qualquer ruído alarmante. De súbito,ouvem-se repetidos sinais de aflição. Um pobre javali pisara,inadvertidamente,o espaço de um crocodilo e este não se fizera rogado. O desfecho foi rápido. E o silêncio regressou. Não houve uma palmeira,um embondeiro,nem sequer um pé de capim,por mais próximo,que viesse contar o que se tinha passado. Indiferentes,continuaram na sua vida.
UMA FORTUNA
Estavam os dois muito velhos e ela mais achacada. É ele,escusado será dizer,que se tem de desembaraçar. Raramente,pois,se vêem juntos. Ela fica em casa,sozinha,aguardando-o,certamente com impaciência,e rezando para que nada de mal aconteça a um e a outro. O que iria,depois,ser dela ou dele?Aquele era um dos dias excepcionais,o mais excepcional de todos. Era o dia de ir receber a pensão em duplicado e acrescida. Uma fortuna. A sua presença ,ao lado dele,espantaria os ladrões.E,assim,depois de terem tirado a senha,lá estavam os dois,sentados,muito juntos,à espera da sua vez. Eles já viam e ouviam mal,o que os obrigava a pedir ajuda a este e àquele.Aproximaram-se os dois do balcão,ela muito nervosa,a olhar para todos os lados,desconfiando de todos. Assistiu muito atenta à contagem do dinheiro e ficou um pouco mais animada ao ver que a menina que os atendera conhecia o marido. Até mencionou o seu nome em voz alta,saudando-o.Era ele que vinha quase sempre. Ela,coitada,não podia,frequentemente,acompanhá-lo. Mas naquele dia teve de ser,pois a sua presença espantaria os ladrões.
domingo, 26 de maio de 2013
RICO ALMOÇO
O gato pôs uma cara apreensiva, quando se aproximou gente. Teria pensado que lhe iriam tirar a comida do prato. Penas voavam. Não estejam assim tão admirados. Julgavam que os pássaros só se podiam apanhar com fisga ou com arma de fogo?,mas estavam muito enganados. Aprendi com o meu pai,que Deus já lá tem,a imitar as cobras. Ficam a modos que hipnotizados,sendo o resto uma brincadeira. Pois, como viram,é muito simples. Ele tinha pousado,na mira de algum bichinho ou grãozito,coisas sem importância para mim,mas que felizmente os engorda. Os meus olhos não mais o largaram. E,quando se cruzaram com os dele,foi como se tivesse levado com uma pedra ou um chumbo. Para maior sucesso,o ideal é estar junto a um carro,como,aliás,aconteceu agora. Ele bem se quis livrar,mas o voo saiu-lhe baixo. Com uma patada,atirei-o ao chão. Fez mais uma tentativa,mas tão desastradamente que veio esbarrar no carro,ficando debaixo dele. É quase sempre assim. Vou ter hoje um rico almoço. Não pensem impedi-lo. O pardalito jazia meio morto. Desconfiado,o bichano mirava de esguelha. Ainda arreganhou os dentes e distendeu as unhas,como que a ameaçar. A pobre avezinha já não tinha conserto,sendo inútil intervir. É a vida. Enquanto se a tem,vai-se fazendo por ela.
UM SUCESSO
Queria ele lá saber de que outros se rissem daquele aparato. Um carrito muito estreito,dos mais baratinhos,que a vida não estava para luxos,onde mal cabia a família,mulher e três filhos,levando no tejadilho uma montanha de coisas,com cara de desabar à mínima curva.
Era sempre assim que ele ia para férias,não importava a distância,ainda que de centenas de quilómetros se tratasse. Rissem à vontade. É que não sabiam das muitas artes de quem ia ao leme. Um homem dos sete ofícios.
Não consta que,alguma vez,a descomunal carga ruisse. Atava-a bem,com todas as regras,algumas da sua lavra,que havia ali muito engenho.
O carrito quase se não via,lembrando tristes quadros de todos os tempos. Gente,grande ou pequena,ajoujada,quase sumida,sob cargas enormes, disto ou daquilo. Afinal,a dura luta pela vida.
No caso dele,não era bem assim. Mas daquele modo é que ele gostava. O gozo que aquilo lhe dava. Um espectáculo à partida,no caminho,à chegada,lá e cá. Um sucesso.
Era sempre assim que ele ia para férias,não importava a distância,ainda que de centenas de quilómetros se tratasse. Rissem à vontade. É que não sabiam das muitas artes de quem ia ao leme. Um homem dos sete ofícios.
Não consta que,alguma vez,a descomunal carga ruisse. Atava-a bem,com todas as regras,algumas da sua lavra,que havia ali muito engenho.
O carrito quase se não via,lembrando tristes quadros de todos os tempos. Gente,grande ou pequena,ajoujada,quase sumida,sob cargas enormes, disto ou daquilo. Afinal,a dura luta pela vida.
No caso dele,não era bem assim. Mas daquele modo é que ele gostava. O gozo que aquilo lhe dava. Um espectáculo à partida,no caminho,à chegada,lá e cá. Um sucesso.
PARA NÃO MAIS ESQUECER
O desafio. A doença. Os receios. O médico. Não pense nisso. Avance. O avião.O invisível cacimbo. O grande rio. A piroga. O sentar no fundo. O encharcamento. O jipe. O vermelho da terra,da poeira. O verde do amplo vale. Os dois rios mansos,de água verde-escura. As galerias de palmeiras. Os tufos densos das bananeiras. O capim seco,amarelado. A lixa de silica,solta,ao mínimo abanar. O capim verde,gigante ou anão. As espinhosas. Os espinhos.A infecção. 40 graus. O enfermeiro-médico, competente. Uma semana de braço ao peito. Os crocodilos. Dois,apenas,à vista. Uma cabeça,na água. Um,filhote,a aquecer-se,ao sol,na margem. As cobras. Uma,para amostra,ainda assim,moribunda,por atropelamento. O rasto de outra. Mosquitos,nuvens. O repelente milagroso,perfumado e salvador. As pacaças fugitivas.Os passarinhos sentinelas,vigilantes,parasitas,denunciadores de perigos. As fugas. Uma delas,a da infecção. Se o homem tem medo do bicho,o bicho tem mais medo do homem. Casuais,os cruzamentos. As picadas,avenidas, umas,veredas estreitas,outras. Rastos de elefantes. Uma desgraça,a sua passagem. Selectivos,em primeiro lugar,os rebentos tenros. Um desastre. Os javalis em fuga,espavoridos,do fogo. As lagoas. Os tapetes de nenúfares. As cortinas de papiros. Os cactos-candelabros. A dieta.Bananas,ovos,galinha,torradas,bolachas,papaia. Uma revelação,a papaia. Sempre. A papaína,digestor da carne mais dura. As galinhas de mato, as rolas,as perdizes,aos bandos. Em paz. Outros valores. Uma caçada,à noite,com holofote,para ver como era. Pares de olhos,fixos,como que hipnotizados. O tiro. O estertor,no escuro. O silêncio. Nunca mais. Os cágados pachorentos,nos caminhos,no fundo das covas,no fresquinho,de companhia, pacífica,com sardaniscas,formigas de todos os tamanhos,ratinhos. Charcos com sanguessugas. Charcos com bilharse. Botas de borracha,de cano alto,para travar investidas,nem sempre evitadas,por desníveis inesperados. Picadas de centenas de metros,entre barreiras de capim de todos os tamanhos. O que andaria lá por dentro?Covas espaçadas, de um metro de fundo, para nelas se enfiar e bisbilhotar. O sinal da cruz,discreto,como arma. O ajudante,o Armando,um jovem destemido,inteligente,alegre,leal,companheiro,sempre disponível,sem regateios. As chuvadas repentinas,barulhentas. As folhas das bananeiras,como chapéus eficazes. O acordar da floresta. Uma sinfonia de cores. Os tons de verde,do amarelo,do vermelho. O anoitecer,abrupto,os tons violáceos.O embondeiro,o senhor grave,de impor respeito. O catequista,talvez de quinze anos. Deambulava. Crianças rodeavam-no,disciplinadas. As avarias. Idas para casa,ao longo dos rios. Os cheiros. As queimadas,mestramente conduzidas. Os macacos,nas palmeiras. Macacos sem vergonha,certos da impunidade. A água filtrada. A água do banho,bombada directamente do rio. Sabonetes "life-buoy". O mata-bicho,lá no palmar,no mato,onde quer que se estivesse. Aparecia,como por milagre. Sobras,nem uma. O Armando encarregava-se de as dividir, irmamente,com quem aparecesse. Peixes,muitos,de bocarras abertas,para não se perder o que viesse na corrente.O regresso. Ainda combalido da infecção. Uma aventura por estrada convertida em lago. Ao leme,um desnrascado. Pelos morros,não podendo,por pontes improvisadas. Sapadores eram três e capim não faltava. Quatro meses de arrasar e de novidades,a cada segundo. Para não mais esquecer.
PERIGOSO CLANDESTINO
Vinha só por uns meses e não estava usando uma via ilegal. Utilizava um avião da carreira e não um particular,e muito menos um qualquer processo a salto. Em bicha ordeira,lá se apresentou,com o passaporte na mão,ao porteiro. Devia estar o senhor com uma enorme vontade de conversar e aproveitou aquele intruso. O interrogatório parecia não ter fim. Queria saber,sobretudo,onde ele se alojaria,se trazia os bolsos com muitas libras,pois Sua Majestade a Rainha não estava nada disposta a manter vadios. Foram dadas explicações,mas o senhor não havia meio de se dar por satisfeito. Esteve o caso mal parado. A certa altura,deu mesmo a entender que estava disposto a não o deixar entrar.
Não sabendo mais o que mostrar,lá se lembrou de uma carta,que se julgava sem importância. Não se sabe o que é que o homem encontrou nela para mudar de disposição. Ainda bem,porque ali à volta já o olhavam ,desconfiados,julgando,talvez,ser ele um perigoso clandestino.
Finalmente,lá viu a porta aberta,mas com uma advertência. Logo que se instale,apresente-se à polícia. Foi o que fez,não fosse o diabo tecê-las. Mas esta desagradável experiência serviu-lhe para ele imaginar o que se deve passar por essas muitas fronteiras do mundo
Não sabendo mais o que mostrar,lá se lembrou de uma carta,que se julgava sem importância. Não se sabe o que é que o homem encontrou nela para mudar de disposição. Ainda bem,porque ali à volta já o olhavam ,desconfiados,julgando,talvez,ser ele um perigoso clandestino.
Finalmente,lá viu a porta aberta,mas com uma advertência. Logo que se instale,apresente-se à polícia. Foi o que fez,não fosse o diabo tecê-las. Mas esta desagradável experiência serviu-lhe para ele imaginar o que se deve passar por essas muitas fronteiras do mundo
sábado, 25 de maio de 2013
DE FACA NA LIGA
O salão de chá estava cheio. Um vendedor de flores serpenteava entre as mesas,fazendo pela vida. Era um homem de meia idade,de cara macilenta.Um atrevido,do alto do seu bolso e da sua gordura,resolveu dar um ar da sua muita graça. Vem cá e oferece uma flor a esta senhora. Isto em voz alta,a desafiar meio mundo.O pobre necessitado não teria gostado dos modos daquele freguês,mas o que havia ele de fazer se precisava de aliviar a mercadoria? E satisfez o insolente. Toma lá e vais com muita sorte. Mas assim perco dinheiro. Some-te,se não ainda ficas sem o ramo.Aquilo era revoltante. Estava pedindo polícia,que se não via. Era urgente uma intervenção,mas qual? Veio de uma maneira espontânea,impulsiva.Olhe,faça favor,chegue aqui. O infeliz acorreu,na esperança de uma compensação. Quanto quer pelo ramo? Tome lá e vá em paz.O arrogante não reagiu. Foi uma sorte,pois aquilo podia ter dado para o torto. É que o sujeito era de faca na liga.
FEITICEIRA
Daquele segundo andar,o senhor sentir-se-ia dono do mundo. A casa dominava a ampla várzea. O rio não se via,que a vegetação densa da margem não deixava,mas os campos a perder de vista acompanhavam-no.
Naquela época,era o trigo o rei. E umas vezes,veria verde,das searas a crescer,e outras,amarelo,das searas a amadurar ou dos restolhos. Podia dizer-se que era o pão que ele via,o pão a haver, o pão já pronto,como o da padaria que ficava mesmo no rez-do-chão.
Vinha ali de vez em quando. A padeira enfeitiçara-o. Demorava-se uns dias. Muitos ficariam como ele,rendidos. Além de tudo o mais,havia aquela paisagem restauradora. E aquele silêncio,apenas cortado,lá de onde em onde,pelo apitar do comboio,que corria lá em baixo. E,depois,quedar-se-ia a vê-lo,qual serpente deslisante,para acabar por se sumir,lá muito longe,na linha do horizonte.
Mas,acima de tudo,seria aquele aroma de pão,quente,telúrico,acabado de sair do forno a lenha,que mais o inebriaria. Era um cheiro aconchegante,um cheiro de fartura,um cheiro caseiro. Enchia-se dele para uma larga temporada. Quando já não o sentia como ele desjava,punha os pés ao caminho e lá se instalava. Mas não se expunha. Passaria as horas à janela daquele segundo andar,admirando a paisagem e respirando o perfume do pão.
Naquela época,era o trigo o rei. E umas vezes,veria verde,das searas a crescer,e outras,amarelo,das searas a amadurar ou dos restolhos. Podia dizer-se que era o pão que ele via,o pão a haver, o pão já pronto,como o da padaria que ficava mesmo no rez-do-chão.
Vinha ali de vez em quando. A padeira enfeitiçara-o. Demorava-se uns dias. Muitos ficariam como ele,rendidos. Além de tudo o mais,havia aquela paisagem restauradora. E aquele silêncio,apenas cortado,lá de onde em onde,pelo apitar do comboio,que corria lá em baixo. E,depois,quedar-se-ia a vê-lo,qual serpente deslisante,para acabar por se sumir,lá muito longe,na linha do horizonte.
Mas,acima de tudo,seria aquele aroma de pão,quente,telúrico,acabado de sair do forno a lenha,que mais o inebriaria. Era um cheiro aconchegante,um cheiro de fartura,um cheiro caseiro. Enchia-se dele para uma larga temporada. Quando já não o sentia como ele desjava,punha os pés ao caminho e lá se instalava. Mas não se expunha. Passaria as horas à janela daquele segundo andar,admirando a paisagem e respirando o perfume do pão.
MÁ PEDAGOGIA
Gaivotas em terra nem sempre será sinal de borrasca. O dia estava,de facto,primaveril,com promessas de assim se repetir. Já as tinham visto aventurarem-se muito por terra adentro,em ocasiões de tempestade próxima,mas agora encontravam-se ali,no vasto largo,em grande número,enchendo os ares com o seu falar estridente. O que as levara a deixarem a beira-rio? Estava bem à vista do que se tratava. Naquele sítio,abundam pombos e pardais,à cata de alguma coisa que se coma. Para além de migalhas várias,que o contínuo passar de gente sempre produz,há as esporádicas contribuições que uns tantos se comprazem em distribuir. E naquela tarde,até grandes pedaços de pão faziam parte das iguarias. Ao seu cheiro,e fartas,talvez,da dieta de peixe,tinham vindo fazer concorrência aos seus parentes afastados. O espectáculo divertia a plateia,mas tinha o seu quê de preverso. Então,não é que, abusando da sua maior estatura,se apropriavam dos melhores bocados? Levantavam imediatamente voo,insensíveis aos protestos da gentalha,indo saboreá-los lá para longe. Estava certo isto? Não estava. Pois era o que se via e se teria visto noutras alturas. Dos sacos,saíram por algum tempo continuados fornecimentos,sempre com o mesmo destino. Insaciáveis e contumazes. Má pedagogia esta. Era o espectáculo que interessava,decerto,mas dele desprendia-se uma lição que alguns aprenderiam,apsar de não figurar no programa. Imponderáveis.
MEU SENHOR
A candura da velhota. Não estava à espera de uma resposta daquelas e atarantou-se. Precisou de saber as horas e abordou o primeiro que lhe apareceu. Foi azar dela. O homem tinha estampada na cara e nos modos a sua qualidade. Mas ela já não distinguia ou então fora sempre assim,confiada,o que devia ter-lhe dado muitos dissabores. Não era,de facto,o homem flor que se cheirasse.Para que quer o raio da velha saber uma coisa destas? Já devia ter marchado para não andar para aqui a importunar cada um. E ela,coitada,que pouco tino já teria,àquelas palavras ficou pior. Deu-lhe para falar sozinha,repetindo o que acabava de ouvir.Já nem sabia que caminho tomar. Valeu-lhe alguém que estava perto e que testemunhara o ocorrido. Queria saber as horas? Pois queria,meu senhor. E o tom indicava a sua humildade e dependência. Lá se recompôs com a atenção prestada,desfazendo-se em muitos agradecimentos.
FESTINHAS NA CARA
O que me ia acontecendo. Vê lá tu,eu que não sou nada de pieguices,à vista daquele quadro,quase me chegaram as lágrimas aos olhos. Mas olha que era para tal suceder,mesmo ao mais empedernido.Eram dois velhinhos,ele e ela. Ele,numa cadeira de rodas,muito pálido,muito mirradinho,de boné a tapar-lhe acabeça enfezadita,de cara de quem já não estava ali,naquela clínica,ou em qualquer outro lugar.Ela,muito magrita,de cabeça branca descoberta,muito azougadita. Ia ali,ia acolá,para que se despachassem,que o seu homem precisava de ser atendido com urgência.Mas não o perdia de vista,e sempre que por ele passava fazia-lhe umas festinhas na cara,festinhas muito meigas,a dar-lhe alento,a indicar-lhe que ela estava ali a zelar por ele,como sempre teria estado toda uma longa vida.Pobres velhos,para ali sozinhos,naquela casa cheia de outros doentes. E eu que fora lá também a pedir socorro,senti-me um privilegiado,perante desgraça tamanha.
ERA A ROSA
Fizera uma boa escolha a cegonha para instalar a família,lá mesmo na torre da igreja. De lá,ela podia ver bem o que se passava no local que mais apreciaria,um minúsculo rectângulo verde,perdido na imensidão amarela dos restolhos do vale. Levantava-se cedo. Despertaria com o início da faina naquele oásis. Gostava da companhia já conhecida de outros anos e bem depressa se lhes juntava. Consideravam-na já da casa,pelo que tinha,assim,duas,e puseram-lhe o nome de Rosa. Nenhum ruído dos habituais a amedrontava,nem mesmo o do tractor. Era o mesmo que nada. Nem levantava a cabeça do fundo dos regos em que procurava matar a fome que trouxera doutras paragens. As minhocas,lembrando enguias,só ali as encontraria. Pudera,não faltava água,que vinha do rio,mesmo ali ao lado,nem estrume de muitas vacas que ali se criavam,muito bem criadas,que comida era quanta elas queriam,uma fartura nunca vista. Sonharia com elas,as minhocas,e também com as vaquinhas,que bem conhecia,pois muitas vezes se cruzavam à mesa. Apenas dele a Rosa fugia. E isso entristecia-o muito. As tentativas que ele fez para a cativar,usando de muitas artimanhas,mas foi tudo em vão. De nada valiam outras presenças. Mal ele se aproximava,sempre de bons modos,ah asas para que vos quero. E aconteceu o que era de esperar. Ele,não suportando mais aquele repúdio,aquele desprezo,com ares de virem para ficar,abandonou aquele lugar para não mais volver. Ela,não. Por muitos anos ali voltou,sempre tranquila,pois sabia muito bem que o não iria lá encontrar.
sexta-feira, 24 de maio de 2013
LAVADOS ARES
Terá sortilégio aquela terra. É uma sedutora. Donde lhe virá tal magia,tal encanto? Talvez do celeiro que em tempos foi,talvez das planuras amplas,que de searas se cobriam,promessas de muito pão. Simulavam um oceano,de superfície nem sempre chã. Apetece ir por lá,quando por cá se entedia. E navegar naquelas águas,aportando aqui e ali,enchendo-se, mais demoradamente,daqueles lavados ares. Abrir as janelas e deixá-los entrar à vontade. Em redor,o verde ou o amarelo,o branco ou o azul,apaziguadores. E à noite,repousar em camas com florinhas,das muitas que por lá há,ouvindo o cantar das cigarras ou o silêncio da chuva a cair. E ali ficar.
MOTOR ESCONDIDO
Impressionava o desempenho do jovem loiro. Fazia parte de um pequeno grupo que se entretinha a jogar à bola na relva do jardim. Distinguia-se bem dos outros rapazes. Além de usar duas canadianas,a disposição das suas pernas era muito diferente. Divergiam um tanto,indo cada uma para seu lado,suspensas. Com excepção da cabeça,que era perfeita,o resto,especialmente o tronco,não destoava daquelas. Apsar de tanto contratempo,pode dizer-se que se comportava tão bem,ou melhor do que os companheiros,no chegar ao esférico,no conduzi-lo,no pará-lo. Um prodígio. Parecia ter quatro pernas,tal o entendimento de membros e amparos. No querer de não ficar atrás dos outros residiria o segredo de tanta vitalidade,de tanta coordenação. Superar-se-ia. A rapidez das deslocações sugeria ter motor escondido. Muito pode,de facto,a vontade. Não removerá montanhas,mas atraver-se-á a fazê-lo. Estava ali um exemplo para tantos,carenciados ou não. Ele era,afinal,um semelhante. Os outros assim o comprenderiam ou aceitariam,tal a naturalidade que punham ao acompanhá-lo nas movimentações. A certa altura,os parceiros deram mostras de desejar um período de descanso. Mas ele não deixou,incitando-os a prosseguir sem desfalecimentos. Não era,efectivamente,um coitadinho,longe disso. Aquele tronco um tanto torcido,aquelas pernas bamboleantes,como pêndulos,pareciam não pertencer àquela cabeça,que quase os ignoraria.
quinta-feira, 23 de maio de 2013
RITMO DAS ONDAS
E as ondas avançariam e recuariam,como sempre o teriam feito,e não deixariam o que quer que fosse na areia,a não ser espuma,uma espuma muito branca,como,aliás,sempre o teria sido,desde que aquela praia se teria formado ali.
Algumas gaivotas passeariam sobre a areia molhada,tal como o teriam feito noutras alturas,elas,
ou outras da sua geração,ou de outras do passado estendido,quando o tempo assim o permitisse. E talvez lhes apetecesse acompanharem o ritmo das ondas,recuando ou avançando com elas.
Nada perturbaria aquele sossego,aquele avançar e recuar das águas,aquele recuar e avançar das gaivotas,se a elas lhes apetecesse,porque não havia gente por ali,nem em parte alguma.
Algumas gaivotas passeariam sobre a areia molhada,tal como o teriam feito noutras alturas,elas,
ou outras da sua geração,ou de outras do passado estendido,quando o tempo assim o permitisse. E talvez lhes apetecesse acompanharem o ritmo das ondas,recuando ou avançando com elas.
Nada perturbaria aquele sossego,aquele avançar e recuar das águas,aquele recuar e avançar das gaivotas,se a elas lhes apetecesse,porque não havia gente por ali,nem em parte alguma.
PROMONTÓRIO
Era um local impregnado de mistério,quase sempre envolto em brumas. Parecia,umas vezes,um promontório,outras,um navio de eras antigas. Seria,talvez,uma quilha de velha caravela que ali tivesse varado,não se sabe bem como.
Um pesado silêncio reinava ali. Apenas o cortava um ou outro piar de ave de rapina. Em redor,para todos os quadrantes,a vista alargava-se,nas raras abertas consentidas,perdendo-se para além do mar,alternadamente verde e amarelo.
Em tempos,passara por lá ,quase só,um rei destronado, a caminho do exílio. Deixara ele um rasto de tristeza,que perdurara,mais acentuando aquela desolação.
Apsar de tudo isso ou talvez por isso mesmo,vivia ali gente. Eram eles ,um velho capitão,de olho muito azul e cuidada barba,que lhe chegava até à cintura,com o seu imediato fiel,que sempre o acompanhara nas aventuras sem conta. E um escrivão muito probo,de farta calva. E também um aprendiz,que dava mostras de não gostar nada daquele sítio,mas incapaz de sair dele. Restavam dois ou três mais,entretidos com tarefas rudes. Residiam todos num castelo meio arruinado,junto a uma escarpa prestes a desmoronar-se.
Que faria aquela gente?,seria a pergunta que ocorria a alguns nómadas,quando jornadeavam por perto,nas suas andanças intermináveis. Estranhavam o seu apego àquele lugar quase abandonado. E certo dia,um mais atrevido,não resistiu,abordando um deles que tinha ido à caça. Foi em vão,pois o homem,ou lá o que era,usava uma linguagem incompreensível. Eram capazes de ser extraterrestres.
E foi o que se espalhou pelas redondezas. Não podia,certamente,ser outra coisa,já que havia falta de quase tudo de que um terráqueo necessitava para sobreviver. E assim permaneceu esse entendimento,adensando ainda mais o mistério que dali se desprendia.
Um pesado silêncio reinava ali. Apenas o cortava um ou outro piar de ave de rapina. Em redor,para todos os quadrantes,a vista alargava-se,nas raras abertas consentidas,perdendo-se para além do mar,alternadamente verde e amarelo.
Em tempos,passara por lá ,quase só,um rei destronado, a caminho do exílio. Deixara ele um rasto de tristeza,que perdurara,mais acentuando aquela desolação.
Apsar de tudo isso ou talvez por isso mesmo,vivia ali gente. Eram eles ,um velho capitão,de olho muito azul e cuidada barba,que lhe chegava até à cintura,com o seu imediato fiel,que sempre o acompanhara nas aventuras sem conta. E um escrivão muito probo,de farta calva. E também um aprendiz,que dava mostras de não gostar nada daquele sítio,mas incapaz de sair dele. Restavam dois ou três mais,entretidos com tarefas rudes. Residiam todos num castelo meio arruinado,junto a uma escarpa prestes a desmoronar-se.
Que faria aquela gente?,seria a pergunta que ocorria a alguns nómadas,quando jornadeavam por perto,nas suas andanças intermináveis. Estranhavam o seu apego àquele lugar quase abandonado. E certo dia,um mais atrevido,não resistiu,abordando um deles que tinha ido à caça. Foi em vão,pois o homem,ou lá o que era,usava uma linguagem incompreensível. Eram capazes de ser extraterrestres.
E foi o que se espalhou pelas redondezas. Não podia,certamente,ser outra coisa,já que havia falta de quase tudo de que um terráqueo necessitava para sobreviver. E assim permaneceu esse entendimento,adensando ainda mais o mistério que dali se desprendia.
quarta-feira, 22 de maio de 2013
terça-feira, 21 de maio de 2013
O VALE ERA VERDE
Aquela paisagem,novíssima para ele,encantara-o,seduzira-o. Não sabia para onde se virar,pois em muitos quadros ela se desdobrava,todos de ficar a eles preso. Era o amplo vale que a seus pés se abria. Era o vagaroso rio,a serpentear,que mansamente o cortava. Era a galeria de palmeiras e bananeiras que o alegrava. As bananeiras cresciam ao Deus-dará,com os pés-mães e os filhotes criando densas cortinas. As palmeiras,esguias,procuravam o céu. Eram os palácios de mergulhões,que não desejariam outro poleiro,pois, além de quartos,tinham mesa e roupa lavada,tudo de borla. Podia dizer-se que o vale era verde. Até o rio verde era,de reflexos e de constituição. Havia ainda um outro verde,um verde mais carregado,de outras palmeiras,não tão elegantes,ordenadas,muito apaparicadas. Eram nelas que os exímios trepeiros mostravam as suas habilidades,quando os cachos estavam a pedir que os fossem lá colher. A noite caía quase a pique. E o verde passava a tons violáceos,tudo muito a correr,que era urgente ir descansar. Era nesta altura que os embondeiros,que o punham especado,muito respeitador e um tanto temeroso,na sua frente,pareciam fantasmas de muitos braços. E os seus frutos,de pedúnculos compridos,lembravam ratazanas que eles usariam para mais amedrontar. Mas mal o sol acordava,de novo o vale se pintava de verde,de um verde mais verde. E os fantasmas e as ratazanas iam dormir.
segunda-feira, 20 de maio de 2013
domingo, 19 de maio de 2013
sábado, 18 de maio de 2013
sexta-feira, 17 de maio de 2013
quinta-feira, 16 de maio de 2013
ALENTEJO - PORTUGAL
http://www.flickr.com/photos/cidagarcia/4750164846/sizes/l/in/set-72157622211762533/
http://www.flickr.com/photos/cidagarcia/4755007353/sizes/l/in/set-72157622211762533/
http://www.flickr.com/photos/cidagarcia/4754947103/sizes/l/in/set-72157622211762533/
http://www.flickr.com/photos/cidagarcia/4755007353/sizes/l/in/set-72157622211762533/
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quarta-feira, 15 de maio de 2013
terça-feira, 14 de maio de 2013
domingo, 12 de maio de 2013
sábado, 11 de maio de 2013
sexta-feira, 10 de maio de 2013
quinta-feira, 9 de maio de 2013
quarta-feira, 8 de maio de 2013
terça-feira, 7 de maio de 2013
segunda-feira, 6 de maio de 2013
EUROPE'S OTHER DEBT CRISIS CAUSED BY THE LONG LEGACY OF FUTURE EXTINCTIONS
Etiquetas:
Desenvolvimento,
Economia,
Europa,
Extinção,
PNAS
domingo, 5 de maio de 2013
sábado, 4 de maio de 2013
CABO DA ROCA - PORTUGAL
Cabo da Roca
The most western point of continental Europe
"Onde a terra se acaba e o mar começa" Luis de Camões
The most western point of continental Europe
"Onde a terra se acaba e o mar começa" Luis de Camões
sexta-feira, 3 de maio de 2013
quinta-feira, 2 de maio de 2013
quarta-feira, 1 de maio de 2013
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