terça-feira, 5 de janeiro de 2016

CAIXOTE DO LIXO

Vai ser uma grande aventura o conseguir sair-se desta,nem que seja pela porta dos fundos ou pela de serventia,de rastos.
Pois é assim. O que vai para aí de mortos,de mortos-vivos. É que devem ser contados como mortos muitos dos que andam para aí arrastando-se,e outros mais. Não que eles se considerem já no outro mundo,mas porque os puseram já lá. E os modos de o fazer são mais que muitos,para todos os gostos,para todas as mentes.
Vem a morte pelo silêncio,pelo esquecer,pelo não escrever,pelo não falar,pelo não telefonar,pelo não lembrar,por o querer ver lá longe,muito longe,onde a sua sombra não chegue.
Vem a morte pelo malquerer,pelo desprezar,pelo denegrir,pelo apoucar,pelo diminuir,pelo odiar.
Coitado,deve já estar louco. Coitado,anda lá sempre nas nuvens. Não passa dum fantasista. Aquilo só tem um préstimo,o ir para o caixote do lixo. Aquilo é mesmo de homem das arábias. Pobre dele,daquilo até uma criança era capaz. O meu neto faria muito melhor.
Pior do que estar morto,é tê-lo já posto lá na tumba,ou na vala comum,que mais não merecia. Só está cá a perturbar,a desassossegar,a lembrar,a aborrecer.
Depois,as tiradas,de grande inspiração que se soltam,em momentos de verdade. Morreste para mim. É como se estivesses morto. Que me interessa a mim que tu fales. Já estás pirado. E a mim que me rala. Ainda cá andas? Já te não fazia cá. E eu que já o fazia morto. Aqui não se fala nele ou nela. Já não conta. É como se não existisse.
Alguém atrever-se-á a meter lá,nesse grande saco de mortos-vivos,os que assim desejam que eles sejam. É como se os acompanhassem. Não merecem,em boa verdade,outra arrumação. Fazem essas maldades pela calada,na escuridão de si,à socapa. Mas não são de condenar,coitados,se eles, também,não passam de mortos-vivos,sem se considerarem,claro. Estão ali vivos,que nem uma alface acabada de vir lá da horta. Os mais vivos de todos os vivos,de todos os continentes e arredores. Eternos,numa palavra,palavra que o vento leva,lá para onde estão todos os mortos,os mortos-vivos,e os ainda vivos. Todos,sem escapar um. É a consolação,se é que são dignos ainda de alguma,dos mortos-vivos.

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