sábado, 27 de maio de 2017
TOADA FORTE
Que bem eles cantavam aquela terra. E talvez ainda a cantem,pelo menos os mais velhos. Era um gosto ouvi-los,mais os homens do que as mulheres. As vozes tocavam fundo,bem lá na alma. Era uma toada forte,aparentemente monótona,magoada,um tanto nostálgica,porventura mais dum futuro do que dum passado,que fora sempre muito igual.
Para isso,a razão devia estar no eles amarem muito aquela terra,da qual muito dificilmente se desprenderiam. Fora lá que eles tinham visto,pela vez primeira, a luz do dia,por ali tinham andado sempre. Conheciam-na bem,tanto a tinham pisado. Conheciam-na palmo a palmo,assim se podia dizer,como os dedos das suas calosas mãos. Sabiam,como ninguém,onde se encontravam os melhores terrenos para as diferentes culturas,sobretudo,para o trigo,o rei,naquele tempo,o trigo que lhes dava o pão,a base do seu sustento. Sabiam onde colher as ervinhas que melhor enriqueciam as suas refeições. Sabiam qual o poço que tinha a água mais saborosa. Sabiam os segredos de vidas que se escondiam nos alqueives. Podia dizer-se que faziam parte daquela terra. Se eles a abandonassem um dia,aquela terra morreria.
As letras do canto falavam,de modo simples,das belezas daquela terra,simples também,da paisagem levemente ondulada,das muitas flores que a alindavam,dos cultivos preferidos,dos passarinhos,das cigarras,dos silêncios que segredavam,que encantavam.
Era um gosto ouvi-los,horas mortas. As vozes vinham lá de longe,trazendo recados escondidos. Ia-se lá saber que recados eram. Por ali pairavam,a provocarem,sem se mostrarem. Depois,desapareciam,sem deixar rasto.
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