segunda-feira, 29 de fevereiro de 2016
DOENÇA NOVA
Não era para acreditar. Em vez de estarem muito caladinhos,por ser aquilo um assunto lá da família,que não deveria estar para ali a ser lembrado,um assunto que não tinha corrido nada bem,até com coisas muito desagradáveis,em vez de estarem muito caladinhos,dizia-se,não senhor,vinham para ali falar nele,como se aquilo não lhes dissesse respeito.
Era mesmo uma coisa sem jeito algum,uma coisa para gente de pouco juízo,o que não era o caso,muito longe disso. Era mesmo coisa sem explicação. Teriam sido apanhados por alguma doença nova,sem tratamento ainda,doença que os levava,sem quererem,a falar de coisas de que,vistas elas bem,seriam os últimos a falar delas,por serem assuntos lá da família? Deveria ser isso,coitados deles,o que lhes havia de acontecer?
Era mesmo uma coisa sem jeito algum,uma coisa para gente de pouco juízo,o que não era o caso,muito longe disso. Era mesmo coisa sem explicação. Teriam sido apanhados por alguma doença nova,sem tratamento ainda,doença que os levava,sem quererem,a falar de coisas de que,vistas elas bem,seriam os últimos a falar delas,por serem assuntos lá da família? Deveria ser isso,coitados deles,o que lhes havia de acontecer?
COSTAS VIRADAS
Não era caso para dizer que se tinha obrigação. E isso,porque, vistas bem as coisas,ou,pelo menos,vistas de uma certa maneira,ninguém seria obrigado a nada.
Mas pensando em certas coisas que não vale a pena estar para aqui a indicar,ainda que não houvesse obrigação,pelo menos,por uma questão de atenção,pelas atenções que se tinham tido,seria motivo para que se tivessem dado certos passos.
Não se tinham dado,porém,esses passos,talvez por não se terem tido certas atenções a que se julgavam com direito. Quer dizer,não se tendo dado esees passos,era assim como um certo alguém tivesse ido desta para melhor,ficando o caso definitivamente arrumado.
E não se tiveram essas atenções porquê? Ora,porque é que haveria de ser,já que o mundo não há meio de mudar de cara,talvez por se dar bem com ela. Por se sentirem muito ofendidos,por se sentirem credores ,e não o contrário. É ,afinal,o resultado de haver o tal famigerado par, sempre de costas viradas,o EU e o TU. E assim,não há nada a fazer,a não ser ter paciência.
Mas pensando em certas coisas que não vale a pena estar para aqui a indicar,ainda que não houvesse obrigação,pelo menos,por uma questão de atenção,pelas atenções que se tinham tido,seria motivo para que se tivessem dado certos passos.
Não se tinham dado,porém,esses passos,talvez por não se terem tido certas atenções a que se julgavam com direito. Quer dizer,não se tendo dado esees passos,era assim como um certo alguém tivesse ido desta para melhor,ficando o caso definitivamente arrumado.
E não se tiveram essas atenções porquê? Ora,porque é que haveria de ser,já que o mundo não há meio de mudar de cara,talvez por se dar bem com ela. Por se sentirem muito ofendidos,por se sentirem credores ,e não o contrário. É ,afinal,o resultado de haver o tal famigerado par, sempre de costas viradas,o EU e o TU. E assim,não há nada a fazer,a não ser ter paciência.
domingo, 28 de fevereiro de 2016
NÃO ERA NADA
Depois,havia uns pândegos,muito patriotas,daqueles que a pátria tratou muito bem,por serem,certamente,muito bons,irrepreensíveis,uns espelhos, onde todos se deviam mirar,que acabavam por se fazerem donos dela,com todas as benesses,e mais uns trocos.
Era assim tal como na pátria sagrada lá do soldadinho,daquele que tinha de abandonar os velhinhos pais para a ir servir lá longe,da pátria que ele tinha de amar acima de tudo,que era assim que lhe tinham ensinado,embora ele nunca a tivesse visto,mas,enfim,devia existir,caso contrário,não lhe haviam dito que existia,e que era a coisa mais importante para ele,porque, sem pátria,ele não era nada.
Tudo desculpavam aos patriotas lá das pátrias,desde que fosse para maior glória delas,mesmo as piores maroteiras,tendo-as feito certos de que era para seu bem,para o bem de todos lá delas. Mas não desculpavam as maroteiras que os patriotas doutras pátrias fizessem às deles.
Era assim tal como na pátria sagrada lá do soldadinho,daquele que tinha de abandonar os velhinhos pais para a ir servir lá longe,da pátria que ele tinha de amar acima de tudo,que era assim que lhe tinham ensinado,embora ele nunca a tivesse visto,mas,enfim,devia existir,caso contrário,não lhe haviam dito que existia,e que era a coisa mais importante para ele,porque, sem pátria,ele não era nada.
Tudo desculpavam aos patriotas lá das pátrias,desde que fosse para maior glória delas,mesmo as piores maroteiras,tendo-as feito certos de que era para seu bem,para o bem de todos lá delas. Mas não desculpavam as maroteiras que os patriotas doutras pátrias fizessem às deles.
DESTINO MARCADO
Está bem, está,para cá vêm de carrinho. Têm de crescer muito mais. Eu não vou assim com três cantigas,era o que faltava. Queriam,mas desta vez não levam nada. Talvez para a próxima,ou talvez nunca,quem sabe?,que a vida é curta,pois ainda mal se tinham sentado,lá se foram. Coisas que acontecem,quase sem se darem por elas,é um ar que lhes dá,e pronto,caso arrumado,sem terem dito adeus,que no dia seguinte estavam de volta. Isso era o que eles pensavam,coitados.
Por outro lado,dali não levavam nada,pois já estava tudo decidido. Não era coisa recente,não
senhor,que ali as coisas decidiam-se muito antes,mesmo antes de se ter nascido. Era assim como o ter o destino marcado,não havia nada a fazer. Aquela do "veni,vidi,vici" era só para dar nas vistas,ou,melhor,nos ouvidos.
De resto,para falar bem e depressa,já se sabia tudo,pelo que não vinham ensinar nada. Assim,
podiam ir dar uma volta,que havia por lá muita coisa para ver,e de graça,pois se fosse a pagar
passassem por lá muito bem,que coisas de graça era ainda o que não faltava. Batessem a outra porta que dali não levavam nada. Talvez para outra vez,e que passassem por lá muito bem,
que,para mal,já tinham a sua conta.
Por outro lado,dali não levavam nada,pois já estava tudo decidido. Não era coisa recente,não
senhor,que ali as coisas decidiam-se muito antes,mesmo antes de se ter nascido. Era assim como o ter o destino marcado,não havia nada a fazer. Aquela do "veni,vidi,vici" era só para dar nas vistas,ou,melhor,nos ouvidos.
De resto,para falar bem e depressa,já se sabia tudo,pelo que não vinham ensinar nada. Assim,
podiam ir dar uma volta,que havia por lá muita coisa para ver,e de graça,pois se fosse a pagar
passassem por lá muito bem,que coisas de graça era ainda o que não faltava. Batessem a outra porta que dali não levavam nada. Talvez para outra vez,e que passassem por lá muito bem,
que,para mal,já tinham a sua conta.
sábado, 27 de fevereiro de 2016
SUOR DO ROSTO
A senhora dava graças a deus por o seu filho não ter de trabalhar. Seria oportuno,então,lembrar-lhe o ganharás o teu pão com o suor do teu rosto. Mas eu nunca ouvi tal sentença,poderia ela responder. O meu deus não cuida dessas coisas,tem mais em que pensar. E aquela lembrança era despropositada. Cada qual tem o direito de acreditar no deus que quiser.
Mas a senhora poderia ter acrescentado que o seu filho era muito doente e que assim estaria impossibilitado de despender suor para se sustentar. Teriam rezado os dois para ficar dispensado de fazer esforços. E o seu deus tê-los-ia atendido.
Mas ela ficara apenas pelo que se ouvira,que ela dava graças a deus por o seu filho não ter de trabalhar. E dizia-o,como que insinuando que ele não precisava de o fazer porque a mãezinha tinha muito dinheiro.
Mas a senhora poderia ter acrescentado que o seu filho era muito doente e que assim estaria impossibilitado de despender suor para se sustentar. Teriam rezado os dois para ficar dispensado de fazer esforços. E o seu deus tê-los-ia atendido.
Mas ela ficara apenas pelo que se ouvira,que ela dava graças a deus por o seu filho não ter de trabalhar. E dizia-o,como que insinuando que ele não precisava de o fazer porque a mãezinha tinha muito dinheiro.
CASO ARRUMADO
Aquele era um caso muito grave,mas parecia não haver nada a fazer,senão deixar andar,esperando que se não agravasse mais. É que acontecia o que era o costume,e que era o de andarem,ali,altos interesses. E quando tal sucedia estava a coisa resolvida por sua natureza,ou,melhor,estava a coisa sem ter ponta por onde se lhe pegar.
Era,afinal,o que,em tempos ainda mais recuados,se chamava uma questão de família,negócios de família,interesses de família. E enquanto familia houvesse,
era ela que mandava. Poderia invocar-se outras realidades,como uma família mais alargada,onde aquela se incluía,invocar valores,um termo que alguns
prezavam mais do que tudo,enfim,que era um caso humanitário,mas de nada
valia,porque havia os tais interesses,e quando os interesses de alguns estão
passando um mau bocado,está o caso arrumado,não há nada a fazer.
Era,afinal,o que,em tempos ainda mais recuados,se chamava uma questão de família,negócios de família,interesses de família. E enquanto familia houvesse,
era ela que mandava. Poderia invocar-se outras realidades,como uma família mais alargada,onde aquela se incluía,invocar valores,um termo que alguns
prezavam mais do que tudo,enfim,que era um caso humanitário,mas de nada
valia,porque havia os tais interesses,e quando os interesses de alguns estão
passando um mau bocado,está o caso arrumado,não há nada a fazer.
sexta-feira, 26 de fevereiro de 2016
ERA O QUE FALTAVA
Eram eles e elas,toda a gente,assim se podia dizer,realidades exclusivas. Não haveria termo mais adequado para as definir. Quer dizer,eram realidades que repeliam.
Para eles e elas,apenas contava uma coisa,e que era,sem tirar,nem pôr,eles e elas. Não queriam saber de mais ninguém. Era assim como se estivessem sós no mundo. Quer dizer,só se interessavam por si mesmos,por aquilo que lhes dizia
diretamente respeito.
Eram assim,pois,realidades egoístas,preocupadas apenas com o que lhes desse satisfação,lucro. Quer dizer,eram realidades interesseiras. Perder tempo,gastar
palavras,atenções,com quem nada lhes trazia que se visse,que muito pesasse,era o que faltava.
Para eles e elas,apenas contava uma coisa,e que era,sem tirar,nem pôr,eles e elas. Não queriam saber de mais ninguém. Era assim como se estivessem sós no mundo. Quer dizer,só se interessavam por si mesmos,por aquilo que lhes dizia
diretamente respeito.
Eram assim,pois,realidades egoístas,preocupadas apenas com o que lhes desse satisfação,lucro. Quer dizer,eram realidades interesseiras. Perder tempo,gastar
palavras,atenções,com quem nada lhes trazia que se visse,que muito pesasse,era o que faltava.
MÉTODO CANHESTRO
Certa carreira profissional levou,um dia,uma grande volta. Quase que lhes tinha saído a sorte grande. Um apreciável grupo passou a formar um pelotão compacto,todos com a mesma antiguidade,mas fora do quadro. Ascenderiam a ele,à medida que se dessem vagas,de aordo com as diferenças de tempo que,entretanto,se verificassem,resultado de faltas por doença. Os mais saudáveis beneficiariam. Enfim,um critério,à falta de outro melhor.
Aconteceu que chegara a vez a um deles. Mas o chefe não estava para aí virado. Aquela vaga destinava-a ele a outro,que se atrasara por doença. E o que estava para entrar ficou a marcar passo. Podia ser que ele caísse à cama por alguns dias,os suficientes para ser ultrapassado.
Felizmente que se veio a dar uma outra grande volta,que cabou com aquele tão canhestro método de arrumação.
Aconteceu que chegara a vez a um deles. Mas o chefe não estava para aí virado. Aquela vaga destinava-a ele a outro,que se atrasara por doença. E o que estava para entrar ficou a marcar passo. Podia ser que ele caísse à cama por alguns dias,os suficientes para ser ultrapassado.
Felizmente que se veio a dar uma outra grande volta,que cabou com aquele tão canhestro método de arrumação.
quinta-feira, 25 de fevereiro de 2016
PRONTO PARA A PARTIDA
Já se sentiria muito próximo de ir desta para melhor,que, no seu caso,um caso já muito adiantado,era coisa garantida,ou por uma outra razão qualquer,que,
para,o efeito,tudo serve,o certo é que, daquela vez,fora mais comunicativo,revelando factos da sua longa e atribulada vida.
Vinha,desde há tempos,dormindo numa casa abandonada,não entrando pela porta da frente,pois estava entaipada,não se sabendo bem porquê,talvez pelas conveniências.
Quanto à comida,isso já se sabia. Era um dos convivas de uma sopa dos pobres. Para além do almocinho,ainda levava para a merenda,ou para a ceia,
consoante a fome que tivesse.
Tinha família,família muito chegada,mas era como se a não tivesse. Tratava-se de quatro filhos,que teriam lá a sua vida também encrencada,pelo que lhe agradeceriam que ele não lhes fosse bater à porta. Estaria ele,assim,pronto para a partida.
para,o efeito,tudo serve,o certo é que, daquela vez,fora mais comunicativo,revelando factos da sua longa e atribulada vida.
Vinha,desde há tempos,dormindo numa casa abandonada,não entrando pela porta da frente,pois estava entaipada,não se sabendo bem porquê,talvez pelas conveniências.
Quanto à comida,isso já se sabia. Era um dos convivas de uma sopa dos pobres. Para além do almocinho,ainda levava para a merenda,ou para a ceia,
consoante a fome que tivesse.
Tinha família,família muito chegada,mas era como se a não tivesse. Tratava-se de quatro filhos,que teriam lá a sua vida também encrencada,pelo que lhe agradeceriam que ele não lhes fosse bater à porta. Estaria ele,assim,pronto para a partida.
SINAS
Que país aquele. Quem lá vivia nem andava,nem deixava andar. Passavam a vida a dizer mal uns dos outros. Uns eram os bons,e os outros todos,sem exceção,uns refinadíssimos maus,sem cura possível.
Mal um deles,não se sabia bem porquê ou para aquê, deitava a cabeça um bocadinho de fora,assim como que a querer mandar,caíam-lhe logo em cima, sem dó nem piedade,de tal maneira,que nem um farrapinho da alma se lhe aproveitava.
Aquilo era um malhar sem destino. Depois,inventavam coisas,que não lembrariam ao diabo mais diabo,deixando o pobrezinho de rastos,feito um esfrangalho. Era mesmo gente sem coração. Não se sabia mesmo o que é que eles tinham lá a bater-lhes nos peitos.
O que é que ele havia de fazer? Encolher-se,pois claro,muito encolhidinho,senão eram capazes de lhe fazer sabe-se lá mais o quê.
Por aquele andar,estava-se mesmo a ver,até uma criancinha o via,o que iria acontecer. Ia o desgraçadinho do país ficando cada vez mais lá para trás,para os fundos,a ponto de os outros países,sem exceção,lhe não ligar. Era como se não existisse. Mas parece que assim é que todos gostavam,pelo que nem davam conta desse apagamento. Sinas.
Mal um deles,não se sabia bem porquê ou para aquê, deitava a cabeça um bocadinho de fora,assim como que a querer mandar,caíam-lhe logo em cima, sem dó nem piedade,de tal maneira,que nem um farrapinho da alma se lhe aproveitava.
Aquilo era um malhar sem destino. Depois,inventavam coisas,que não lembrariam ao diabo mais diabo,deixando o pobrezinho de rastos,feito um esfrangalho. Era mesmo gente sem coração. Não se sabia mesmo o que é que eles tinham lá a bater-lhes nos peitos.
O que é que ele havia de fazer? Encolher-se,pois claro,muito encolhidinho,senão eram capazes de lhe fazer sabe-se lá mais o quê.
Por aquele andar,estava-se mesmo a ver,até uma criancinha o via,o que iria acontecer. Ia o desgraçadinho do país ficando cada vez mais lá para trás,para os fundos,a ponto de os outros países,sem exceção,lhe não ligar. Era como se não existisse. Mas parece que assim é que todos gostavam,pelo que nem davam conta desse apagamento. Sinas.
quarta-feira, 24 de fevereiro de 2016
SOBRE A DESNITRIFICAÇÃO
Como é sabido,o óxido nitroso derivado da redução do ião nitrato,qualquer que seja a sua origem, tem causado preocupações. Na sequência do processo redutivo,o óxido nitroso não é,porém, o produto final,mas sim o amoníaco,antecedido do azoto molecular. Quer dizer,que na desnitrificação,incluída no ciclo do azoto,o óxido nitroso pode vir a dar lugar,pelo menos,a uma forma inerte.
DORMEM MELHOR
Estão lá num canto,muito sossegadinhos,sem articular palavra, sem emitir um som sequer,totalmente mudos,de olhos bem abertos,de ouvidos bem limpos,a observar apenas. Não perdem um termo que ele diga,uma frase que ele profira,à espera de um deslise.
Que diabo,ninguém é perfeito,e muito menos ele. Há que ter paciência,que a nossa hora há-de chegar. Era o que faltava perdermos aqui o nosso riquinho tempo,que tanto dinheiro é,para não colhermos nada.
E um dia,chega sempre um dia,o que é preciso é ter fé,muita fé,acontece o que há muito era apetecido. Ele cometeu um grave erro,um erro imperdoável,a necessitar a devida punição. Não interessa saber que erro é,basta nós dizermos que ele o fez. Um dia,tinha de dar bronca,e da grossa,e repetem,repetem até à exaustão.
E riem-se,e gozam,e espalham,chegam até a escrever,em grandes parangonas,que ele errou,espalhou-se,o que era de esperar,tratando-se de quem era. E naquela noite,e nas seguintes,dormem melhor,chegando mesmo a sonhar com ele a errar para sempre.
Que diabo,ninguém é perfeito,e muito menos ele. Há que ter paciência,que a nossa hora há-de chegar. Era o que faltava perdermos aqui o nosso riquinho tempo,que tanto dinheiro é,para não colhermos nada.
E um dia,chega sempre um dia,o que é preciso é ter fé,muita fé,acontece o que há muito era apetecido. Ele cometeu um grave erro,um erro imperdoável,a necessitar a devida punição. Não interessa saber que erro é,basta nós dizermos que ele o fez. Um dia,tinha de dar bronca,e da grossa,e repetem,repetem até à exaustão.
E riem-se,e gozam,e espalham,chegam até a escrever,em grandes parangonas,que ele errou,espalhou-se,o que era de esperar,tratando-se de quem era. E naquela noite,e nas seguintes,dormem melhor,chegando mesmo a sonhar com ele a errar para sempre.
NUMA CORRIDA
A primeira coisa que ele fazia quando acordava,quer fosse de noite,ou de dia,era ir,numa corrida,ver se todas as suas coisas estavam lá nos sítios onde as deixara. Nunca dormia descansado,a pensar que levassem sumiço.
MÃE GENEROSA
Uma força da natureza. Jovem ainda,nem alta,nem baixa,nem gorda,nem magra,assim assim,o suficiente,com uma filhita,de três ou quatro anitos. Uma linha de montagem de palavras,sem avarias,nem descansos. Uma torrente ruidosa,ecoando por vales e montes.
Era um falar sempre bem disposto,um falar de camarada,um falar de filha,um falar de mãe. Era a alma daquela casa,era aquela casa. Todos a procuravam,todos gostavam dela.
O marido,um paz de alma,nem se dava por ele,por ali andava,feito sombra,sombra ativa,cuidava da casa,cuidava da filha. E ouvia a mulher,no seu estar,tão contrário ao dele,que saíra calado,mas não mudo. Nem pareciam marido e mulher. Lembrava ela uma mãe generosa que mais filhos quereria ter,chegando para todos quantos viessem.
Era um falar sempre bem disposto,um falar de camarada,um falar de filha,um falar de mãe. Era a alma daquela casa,era aquela casa. Todos a procuravam,todos gostavam dela.
O marido,um paz de alma,nem se dava por ele,por ali andava,feito sombra,sombra ativa,cuidava da casa,cuidava da filha. E ouvia a mulher,no seu estar,tão contrário ao dele,que saíra calado,mas não mudo. Nem pareciam marido e mulher. Lembrava ela uma mãe generosa que mais filhos quereria ter,chegando para todos quantos viessem.
terça-feira, 23 de fevereiro de 2016
POIS ENTÃO
Estão cá atrás,pois atrasaram-se. Coisas que acontecem,vá-se lá saber porquê. Na frente,têm uma multidão cerrada. E agora,se é lá,na primeira linha,onde eles queriam estar,eles,e todos,a bem dizer?
Mas,vendo bem,que,às vezes,está-se distraído,descortinam-se umas acanhadas clareiras,com as quais,tendo um bocadinho de jeito,se pode construir uma vereda,ainda que estreita,como é de imaginar.
Para isso,basta encolherem-se,espalmarem-se,planificarem-se,o que não custa nada. Depois,um empurrãozinho,aqui,um peço muitas desculpas,ali,um faça favor,deixe-me passar,que estão à minha espera. Quase finalmente,olhe que estão a chamá-lo lá atrás,ou então,não fica a perder,pois sou mais baixo. Finalmente,enfim,lá passam eles a figurar na linha da frente,onde têm todo o direito de figurar,pois então,eles,e todos,a bem dizer.
Mas,vendo bem,que,às vezes,está-se distraído,descortinam-se umas acanhadas clareiras,com as quais,tendo um bocadinho de jeito,se pode construir uma vereda,ainda que estreita,como é de imaginar.
Para isso,basta encolherem-se,espalmarem-se,planificarem-se,o que não custa nada. Depois,um empurrãozinho,aqui,um peço muitas desculpas,ali,um faça favor,deixe-me passar,que estão à minha espera. Quase finalmente,olhe que estão a chamá-lo lá atrás,ou então,não fica a perder,pois sou mais baixo. Finalmente,enfim,lá passam eles a figurar na linha da frente,onde têm todo o direito de figurar,pois então,eles,e todos,a bem dizer.
UM SOLUÇO,UM VAGIDO,UMA LÁGRIMA
Os Ulisses. Só com Ulisses é que se ganha o respeito de alguns,não se sabe quantos. Pobre Fialho,malharam nele,como gente grande, porque ele não fizera um romance,de lombada grossa. Se o Eça não tivesse criado os Maias, o que não se diria por detrás e mesmo à frente dele? Mas bastava que ele tivesse escrito O Suave Milagre,pelo menos para alguns,aquela meia dúzia de páginas escaldantes. É uma coisa pequenina,mas brilha como o mais reclamado diamante. Há bibliotecas onde esse pequeno-gigante conto figura como peça única,desligada de outras jóias rutilantes,como o José Matias ou as Singularidades De Uma Rapariga Loira.
Para alguns,não se sabe quantos,o que conta é a espessura,é o peso. Assim,é que é ter fôlego.Se calhar,não os lerão,que, para se chegar ao fim de uma coisa daquelas,custa. Sucedia isto,em certa disciplina. Quarenta,cinquenta páginas,ridículo. Para depois,na apreciação,só se olhar para as vírgulas e os pontos finais. O cerne,isso não interessava. É que não percebiam nada daquilo. Só eram entendidos em pesos e medidas e,claro,nas vírgulas e demais família.
Mas ainda se pode dizer mais alguma coisita sobre tão rico tema. É sobre as palavras que lá figuram,em escritos,grandes ou pequenos. Palavras caras,de domingo,dos antigos,porque,agora,a olhar para as indumentárias,já não há dias do Senhor,é que vale. São elas que medem a sua valia. Não leram o Eça,certamente,ou ,se o lessem,cascariam nele. Foge delas o Eça,como gato escaldado de água fria. E a ele, não lhe custaria nada usá-las, porque as saberia todas. Um escrito com palavras caras é que tem aceitação para alguns. São capazes de ir ao dicionário à procura delas, para as estampar lá, nos pobres, ou ricos, textos,que ficarão,muito provavelmente,incomodados com esses gongorismos. Ai,que se meteu o pé na poça. Mas ,se se entender,risca-se o gongorismo. Mas com tão estranhos termos,ninguém entende aquilo,se calhar,nem o autor,mas assim é que tem de ser,para fazer a distinção. A quem se destinará,pois,uma coisa daquelas? Ora,para quem servirá? Primeiro,para eles,para satisfação pessoal,depois,com certeza ,para os seus pares,que eles não hão-de supor que serão ímpares. Mas haverá quem suponha,pois este é um mundo muito rico,de enorme diversidade,a dar indicação clara da infinita capacidade,do infinito engenho de Quem o fez. E a esses,que lhes faça bom proveito.
Mas voltando aos Ulisses. Só uma coisa muito pequenina. É que o princípio e o fim estão tão próximos. Um quase nada os separa. Muitas vezes,um soluço,um vagido,uma lágrima. Para quê tanto gasto de papel,de tinta,de suor?
Para alguns,não se sabe quantos,o que conta é a espessura,é o peso. Assim,é que é ter fôlego.Se calhar,não os lerão,que, para se chegar ao fim de uma coisa daquelas,custa. Sucedia isto,em certa disciplina. Quarenta,cinquenta páginas,ridículo. Para depois,na apreciação,só se olhar para as vírgulas e os pontos finais. O cerne,isso não interessava. É que não percebiam nada daquilo. Só eram entendidos em pesos e medidas e,claro,nas vírgulas e demais família.
Mas ainda se pode dizer mais alguma coisita sobre tão rico tema. É sobre as palavras que lá figuram,em escritos,grandes ou pequenos. Palavras caras,de domingo,dos antigos,porque,agora,a olhar para as indumentárias,já não há dias do Senhor,é que vale. São elas que medem a sua valia. Não leram o Eça,certamente,ou ,se o lessem,cascariam nele. Foge delas o Eça,como gato escaldado de água fria. E a ele, não lhe custaria nada usá-las, porque as saberia todas. Um escrito com palavras caras é que tem aceitação para alguns. São capazes de ir ao dicionário à procura delas, para as estampar lá, nos pobres, ou ricos, textos,que ficarão,muito provavelmente,incomodados com esses gongorismos. Ai,que se meteu o pé na poça. Mas ,se se entender,risca-se o gongorismo. Mas com tão estranhos termos,ninguém entende aquilo,se calhar,nem o autor,mas assim é que tem de ser,para fazer a distinção. A quem se destinará,pois,uma coisa daquelas? Ora,para quem servirá? Primeiro,para eles,para satisfação pessoal,depois,com certeza ,para os seus pares,que eles não hão-de supor que serão ímpares. Mas haverá quem suponha,pois este é um mundo muito rico,de enorme diversidade,a dar indicação clara da infinita capacidade,do infinito engenho de Quem o fez. E a esses,que lhes faça bom proveito.
Mas voltando aos Ulisses. Só uma coisa muito pequenina. É que o princípio e o fim estão tão próximos. Um quase nada os separa. Muitas vezes,um soluço,um vagido,uma lágrima. Para quê tanto gasto de papel,de tinta,de suor?
segunda-feira, 22 de fevereiro de 2016
PARA A RIBALTA
O que as senhas fizeram. Lá se foram aqueles "lindos" espetáculos,de longo tradição e à borla,que se montavam,aqui e ali,onde se compravam coisas.
Uma boa parte dos artistas não esperavam pela sua vez,nem cuidavam de saber quem tinha chegado primeiro. Queriam ser logo atendidos,pois estavam com muita pressa. Ao consagrado quem está primeiro?,ouviam-se vários eus. E a discussão instalava-se. Alguns dos que se adiantavam teriam uma comprida história de estar sempre lá atrás,em casa,com os "amigos",no emprego,no conseguir. E aproveitavam aquelas ricas ocasiões para se afirmarem,para virem para a ribalta. Era humano,compreendia-se. Conviria,até,que tudo continuasse como antes,pois encontravam ali uma fonte de compensações,uma forma de contrariar estados depressivos. Ali podiam desabafar,pôrem-se em bicos dos pés,levantar cabeça,coisas que noutros lugares seriam difíceis,mesmo perigosas.
Alguns serviam-se daqueles locais para experimentar as suas estratégias de penetração. Primeiro,está aquele senhor,depois,cabe-me a mim. Ganhavam,pelo menos,um aliado. Julgam que me enganam,mas tirem daí o sentido. A senhora foi a última a chegar e já quer ser servida? Quem pensa o senhor que é? Lá por estar mais bem vestido,não tem o direito de me ultrapassar. Depois,quando levavam a sua avante,exploravam a vitória. Demoravam. Ponha mais um. Troque-me por outro mais bem cozido,que a minha filha só gosta deles a estalar. Agora,ponha mais aquele,aí à direita,que é para a minha mãe,coitada,que já não tem dentes.
Quando alguém dava a sua vez,ficava muito admirado. Não queria acreditar,julgando ter ouvido mal,mas acabava por aceitar,talvez pensando que o desgraçado não devia estar bom da cabeça,ou então desfazia-se em agradecimentos,como se o gesto fosse de alta valia.
Enfim,cenas do quotidiano,fruto de inúmeras diferenças,que permaneceráo, porque reais. São o reflexo da riqueza infinita de personalidades. Cada um é uma pessoa única. Nunca dois ou mais num só. E se vier a acontecer,será mais um mistério ou um milagre.
Uma boa parte dos artistas não esperavam pela sua vez,nem cuidavam de saber quem tinha chegado primeiro. Queriam ser logo atendidos,pois estavam com muita pressa. Ao consagrado quem está primeiro?,ouviam-se vários eus. E a discussão instalava-se. Alguns dos que se adiantavam teriam uma comprida história de estar sempre lá atrás,em casa,com os "amigos",no emprego,no conseguir. E aproveitavam aquelas ricas ocasiões para se afirmarem,para virem para a ribalta. Era humano,compreendia-se. Conviria,até,que tudo continuasse como antes,pois encontravam ali uma fonte de compensações,uma forma de contrariar estados depressivos. Ali podiam desabafar,pôrem-se em bicos dos pés,levantar cabeça,coisas que noutros lugares seriam difíceis,mesmo perigosas.
Alguns serviam-se daqueles locais para experimentar as suas estratégias de penetração. Primeiro,está aquele senhor,depois,cabe-me a mim. Ganhavam,pelo menos,um aliado. Julgam que me enganam,mas tirem daí o sentido. A senhora foi a última a chegar e já quer ser servida? Quem pensa o senhor que é? Lá por estar mais bem vestido,não tem o direito de me ultrapassar. Depois,quando levavam a sua avante,exploravam a vitória. Demoravam. Ponha mais um. Troque-me por outro mais bem cozido,que a minha filha só gosta deles a estalar. Agora,ponha mais aquele,aí à direita,que é para a minha mãe,coitada,que já não tem dentes.
Quando alguém dava a sua vez,ficava muito admirado. Não queria acreditar,julgando ter ouvido mal,mas acabava por aceitar,talvez pensando que o desgraçado não devia estar bom da cabeça,ou então desfazia-se em agradecimentos,como se o gesto fosse de alta valia.
Enfim,cenas do quotidiano,fruto de inúmeras diferenças,que permaneceráo, porque reais. São o reflexo da riqueza infinita de personalidades. Cada um é uma pessoa única. Nunca dois ou mais num só. E se vier a acontecer,será mais um mistério ou um milagre.
UM REMEDEIO
Pedir, custa,oh se custa. Que o diga quem alguma vez pediu. E custará mais,muito mais,quando da primeira vez. Depois,repetindo-se as vezes de pedir,custará cada vez menos. Uma pessoa habitua-se a tudo,mesmo a maus tratos,chegando,até,sublimando-os,a orgulhar-se deles.
Vem isto a propósito do que se passou algures,há muito,muito tempo. Coitados deles,deixavam arrastar os dias de espera,talvez à espera de um milagre,mas,a certa altura,não podiam deixar que um dia mais passasse. Tinha de ser,não havia mais nada a fazer.
Sabe,a mesada está atrasada,não há meio de vir,e eu não posso esperar mais,que o prazo esgota-se. É só para um remedeio. Quando chegar,esteja certo,venho a correr saldar a dívida. É só para um remedeio. O que lhes deviam custar aqueles passos,que nalguns se repetiam. O que lhes deviam custar,ali a mostrar as suas fraquezas, a sua dependência. Era só para um remedeio.
Vem isto a propósito do que se passou algures,há muito,muito tempo. Coitados deles,deixavam arrastar os dias de espera,talvez à espera de um milagre,mas,a certa altura,não podiam deixar que um dia mais passasse. Tinha de ser,não havia mais nada a fazer.
Sabe,a mesada está atrasada,não há meio de vir,e eu não posso esperar mais,que o prazo esgota-se. É só para um remedeio. Quando chegar,esteja certo,venho a correr saldar a dívida. É só para um remedeio. O que lhes deviam custar aqueles passos,que nalguns se repetiam. O que lhes deviam custar,ali a mostrar as suas fraquezas, a sua dependência. Era só para um remedeio.
domingo, 21 de fevereiro de 2016
MILAGRES
A empresa estava passando um mau bocado,quer dizer,estava um tanto pior do que costumava estar,nem havia memória de que,alguma vez,tivesse estado bem. Alguns pensavam que só dum milagre poderia vir a salvação,e até sabiam de um que os podia fazer,estando dispostos a dar-lhe essa tarefa. Coisas de quem acreditava em milagres.
DUAS CASAS
Santos da casa não fazem milagres. Um homem pode tanto em sua casa que até depois de morto são precisos quatro para o levar. Muito diferentes devem ser estas duas casas.
QUE DIFERENÇA
A beleza da criação. A beleza das plantas,das ervinhas,das flores,dos arbustos,das árvores,das florestas,das montanhas,dos rios,das cataratas,dos ribeiros,dos riachos,das margens,das nascentes,das neves,dos mares,dos lagos,dos laguinhos,dos vales,dos desfiladeiros,das baías,dos cabos,das escarpas,das rias,dos fiordes,das estepes,dos glaciares,das grutas,dos pôr do sol,das auroras,das nuvens,das estrelas,do céu.
Aquelas colunas,aquelas hastes,aquelas abóbodas,aquelas formas,aquelas cores,aquela delicadeza,aquela leveza,aquela imensidão,aquele recato,aquele segredar,aquele silêncio.
Tudo de graça. Só com um "fiat".
A beleza dos palácios,dos jardins,dos relvados,das estátuas,das colunatas,das catedrais,das igrejinhas,dos painéis,dos vitrais,das esculturas,dos castelos,das torres,das pontes,das mesquitas,dos templos budistas,dos templos núbios,das pirâmides,das ruínas incas,das ruínas aztecas,das ruínas romanas,das ruínas persas,das ruínas gregas.
O dinheirinho que ali está. O trabalhão que ali está,algum de cores muito tristes.
Que diferença.
Aquelas colunas,aquelas hastes,aquelas abóbodas,aquelas formas,aquelas cores,aquela delicadeza,aquela leveza,aquela imensidão,aquele recato,aquele segredar,aquele silêncio.
Tudo de graça. Só com um "fiat".
A beleza dos palácios,dos jardins,dos relvados,das estátuas,das colunatas,das catedrais,das igrejinhas,dos painéis,dos vitrais,das esculturas,dos castelos,das torres,das pontes,das mesquitas,dos templos budistas,dos templos núbios,das pirâmides,das ruínas incas,das ruínas aztecas,das ruínas romanas,das ruínas persas,das ruínas gregas.
O dinheirinho que ali está. O trabalhão que ali está,algum de cores muito tristes.
Que diferença.
sábado, 20 de fevereiro de 2016
E AGUARDAVA
Já vivera muito,já vira muito e parecia-lhe que as novidades se tinham esgotado. Já não havia a esperar mais nada que não fosse já muito sabido.
Depois,com o tempo,cada vez se fora identificando mais com tudo que o rodeava,de que tinha,um dia,saído,sem ter sido consultado. Mais tarde,não sabia quando,era segredo,adquiriria uma outra forma,um tanto próxima da primeira,sem,também,o ter pedido.
Não passava,afinal,duma forma,sem que para alguma tivesse metido prego ou estopa.E descansara,não de todo,neste entendimento. E aguardava,com algum sobressalto, a espreitar. O que virá aí?
Depois,com o tempo,cada vez se fora identificando mais com tudo que o rodeava,de que tinha,um dia,saído,sem ter sido consultado. Mais tarde,não sabia quando,era segredo,adquiriria uma outra forma,um tanto próxima da primeira,sem,também,o ter pedido.
Não passava,afinal,duma forma,sem que para alguma tivesse metido prego ou estopa.E descansara,não de todo,neste entendimento. E aguardava,com algum sobressalto, a espreitar. O que virá aí?
UM VERDADEIRO PRODÍGIO
Estava chovendo. Era água que estava vindo do céu,uma muito pequena porção de toda ela,como muito bem se sabe. Afinal,uma porção que não se distingue de qualquer outra que o podia estar fazendo,que a água é sempre água,embora possa ter estados diferentes.
Calhou,naquela altura,uma certa porção num certo sítio cair. Mas quantos outros ela já teria visitado? Seguramente,uma infinidade deles,que a água muito velha é.
Depois,por onde esta certa porção já terá circulado?,que a água não pode estar parada. Não saberá ela,talvez,dizê-lo,tantos passeios ela terá dado. De muitos,muitos,se terá esquecido,que a memória tem os seus limites. Precisa que lhe lembrem alguns,uma amostra ínfima,afinal.
Esteve em muitas flores vistosas,esteve em muitas crianças lindas,esteve em muitos lagos cheios de peixinhos,esteve em muitos mantos de neve,esteve em muitas nuvens do céu. Mas também esteve em muitos outros sítios onde ela não gostaria de ter estado,e que não é bom recordar.
E não foi só esta porção que tais viagens fez,escusado será dizê-lo. Uma infinidade de suas irmãs gémeas a imitaram,que a água é toda igual. Um verdadeiro prodígio,há que concordar.
Calhou,naquela altura,uma certa porção num certo sítio cair. Mas quantos outros ela já teria visitado? Seguramente,uma infinidade deles,que a água muito velha é.
Depois,por onde esta certa porção já terá circulado?,que a água não pode estar parada. Não saberá ela,talvez,dizê-lo,tantos passeios ela terá dado. De muitos,muitos,se terá esquecido,que a memória tem os seus limites. Precisa que lhe lembrem alguns,uma amostra ínfima,afinal.
Esteve em muitas flores vistosas,esteve em muitas crianças lindas,esteve em muitos lagos cheios de peixinhos,esteve em muitos mantos de neve,esteve em muitas nuvens do céu. Mas também esteve em muitos outros sítios onde ela não gostaria de ter estado,e que não é bom recordar.
E não foi só esta porção que tais viagens fez,escusado será dizê-lo. Uma infinidade de suas irmãs gémeas a imitaram,que a água é toda igual. Um verdadeiro prodígio,há que concordar.
CRISTAIS DE GELO
Desfez-se a nuvem, e lá se foi a refração da luz. As cores do arco-íris pintavam a nuvem,o que lhe ficava muito bem. Foi pena ser ela uma nuvem passageira. Com ela,tinham-se desfeito, também, os cristais de gelo que tal refração permitia.
sexta-feira, 19 de fevereiro de 2016
AS COMPRAS
O cãozinho rondava a porta do supermercado,talvez na esperança de que uma alma caridosa se lembrasse dele. Tinha todo o ar de ter sido abandonado e estaria com fome. De vez em quando, era enxotado,mas ele teimava. Mas a sorte nem sempre anda arredia. E a sorte visitou-o na figura de uma velhota,condoída e acusadora,que ia fazer compras. É uma vergonha. Os donos mereciam pesado castigo. Coitado do animalzinho. Espera aqui,que eu sei do que tu precisas. Não demorou muito. Aos seus apelos,ultrapassou todos na bicha da caixa. O cãozinho lá estava à espera dela. Não fora em vão. A velhota pôs a mesa e ali ficou a vê-lo a devorar o rico pitéu que lhe arranjara.As compras já estavam feitas,pelo que foi para casa. E o cãozinho lá voltou à sua vida.
A DOIS PASSOS
Lá da terra de onde viera,na Índia,dedicava-se à cultura do café. Mas ali,onde, naquela altura,estava,o seu trabalho era muito diferente. Coisas que acontecem,quando se quere subir um alto degrau.
Mas tinha ainda bem presente muita coisa da sua anterior atividade. Não admirava,pois,que,a um certo estímulo,se lembrasse de figura eminente,que,noutro país, dirigia um centro de estudos das doenças do cafeeiro.
Veja lá,aqui,pode dizer-se,a dois passos do sítio onde essa figura que muito considero se encontra,e não poder visitá-la. É que não me deixam lá entrar. E tanto que eu gostava de estar com ele.
Mas tinha ainda bem presente muita coisa da sua anterior atividade. Não admirava,pois,que,a um certo estímulo,se lembrasse de figura eminente,que,noutro país, dirigia um centro de estudos das doenças do cafeeiro.
Veja lá,aqui,pode dizer-se,a dois passos do sítio onde essa figura que muito considero se encontra,e não poder visitá-la. É que não me deixam lá entrar. E tanto que eu gostava de estar com ele.
A ELA PERTENCIAM
Era Outono. As folhas estavam-se a despedir,tinha de ser,lá das árvores,
atapetando os chãos,uns mais a seu gosto,como os de terra,e outros que enjeitariam,assim elas pudessem,como o das calçadas,de pedra dura.
Não gostavam nada destes,o que se compreeendia muito bem,pois não havia forma de com eles se entenderem. Com os de terra era outra coisa,ou melhor,era a que lhes estava destinada. É que a ela pertenciam e com ela se fundiam.
atapetando os chãos,uns mais a seu gosto,como os de terra,e outros que enjeitariam,assim elas pudessem,como o das calçadas,de pedra dura.
Não gostavam nada destes,o que se compreeendia muito bem,pois não havia forma de com eles se entenderem. Com os de terra era outra coisa,ou melhor,era a que lhes estava destinada. É que a ela pertenciam e com ela se fundiam.
quinta-feira, 18 de fevereiro de 2016
OS MAUS DA FITA
Olha o diabo dos corvos. Para o que lhes havia de dar. Viram-no ali sozinho e vá de nele se vingarem,atirando-se,vertiginosamente,em voo picado. É certo que não morria de amores por eles,sabe-se lá porquê,mas tinham errado o alvo. Não fora ele que dependurara os seus muitos irmãos,sem cabeça,ali expostos nos ramos das azinheiras. As cabeças serviam como prova,para um prémio. Diziam que davam conta das crias,de coelhos,de perdizes e demais familia. Esta disposição não seria só ali. Era capaz de estar muito generalizada. Uns bons anos passados,tivera ocasião de o testemunhar,em terra longínqua. Mostravam lá,com grande pormenor,os estragos que eles causavam. Eram os maus da fita.
PREGÕES
Sábado era o grande dia das compras. A azáfama começava muito cedo e estendia-se pela noite dentro. Ali havia dinheiro,muito dinheiro. Mas era na larga avenida,a espinha dorsal lá do velho burgo,que o movimento era maior. Às vezes,era até difícil circular.
Um dos cruzamentos dessa avenida,o mais concorrido,aliás,era o local preferido para a venda de flores. Os pregões enchiam os ares. Flores,flores baratas,o que mais soava. Comovia o de uma menina,que não teria ainda dez anos. Muito loira,enfezadita,de olhos chorosos.
O pai ali não lhe batia. Mas era de imaginar que lá em casa não a poupasse. Aparecia de vez em quando,a fiscalizar. A cara era dura,de poucos amigos.
E era nessas alturas que a menina mais alto apregoava,talvez para mostrar ao pai que se estava esforçando. A mãe,mal vestida,ali ao lado,continuava na mesma toada. Já estaria calejada,estaria já por tudo.
Um dos cruzamentos dessa avenida,o mais concorrido,aliás,era o local preferido para a venda de flores. Os pregões enchiam os ares. Flores,flores baratas,o que mais soava. Comovia o de uma menina,que não teria ainda dez anos. Muito loira,enfezadita,de olhos chorosos.
O pai ali não lhe batia. Mas era de imaginar que lá em casa não a poupasse. Aparecia de vez em quando,a fiscalizar. A cara era dura,de poucos amigos.
E era nessas alturas que a menina mais alto apregoava,talvez para mostrar ao pai que se estava esforçando. A mãe,mal vestida,ali ao lado,continuava na mesma toada. Já estaria calejada,estaria já por tudo.
quarta-feira, 17 de fevereiro de 2016
CARA RIDÍCULA
Ele andava muito ralado e não era para menos. É que já há dois tristes anos que não fora passar,pelo menos, uma mísera semana no estrangeiro,quer dizer,no país ali ao lado do seu. E estava a ver,coitado,que naquele ano iria acontecer o mesmo. A vida estava cada vez mais cara e o patrão não havia meio de dele se condoer.
Quando as férias acabassem,que cara poria ele lá no emprego,ao ouvir falar os colegas das delícias das suas em Cancún,nas Bahamas,em Cuba,em Miami,nas Seychelles,e assim por diante? Sim,que cara ele mostraria? Uma cara ridícula,certamente,se ele,coitado,a contrapor,quando muito,só poderia dizer que tinha gasto essa mísera semana em Paio Pires ou na Baixa da Banheira,sem menospreso,claro, por estas duas honradas terras.
Teria de ficar calado,reduzido à sua insignificância,engulir em seco,e começar a pensar em mudar de emprego,que naquele já estava aviado. Nem colegas,nem patrão lhe dariam a mínima importância. Não era ali mais do que um zero à esquerda. E então,minhas ricas encomendas. Nunca mais sairia do degrau de acesso,da soleira da porta.
Quando as férias acabassem,que cara poria ele lá no emprego,ao ouvir falar os colegas das delícias das suas em Cancún,nas Bahamas,em Cuba,em Miami,nas Seychelles,e assim por diante? Sim,que cara ele mostraria? Uma cara ridícula,certamente,se ele,coitado,a contrapor,quando muito,só poderia dizer que tinha gasto essa mísera semana em Paio Pires ou na Baixa da Banheira,sem menospreso,claro, por estas duas honradas terras.
Teria de ficar calado,reduzido à sua insignificância,engulir em seco,e começar a pensar em mudar de emprego,que naquele já estava aviado. Nem colegas,nem patrão lhe dariam a mínima importância. Não era ali mais do que um zero à esquerda. E então,minhas ricas encomendas. Nunca mais sairia do degrau de acesso,da soleira da porta.
TUDO INVEJAS
Ele estava naquele dia com melhor cara. Tinham-lhe telefonado logo de manhã a dar uma notícia que muito o aliviara. Era,de facto,caso para isso. O filho terminara,finalmente,o longo curso. Já era doutor. Sacrificara-se muito. Mas tivera grande amparo no patrão que o contratava mais vezes. Emprestara-lhe terra,gado e alfaias para ele fazer umas searas de melão e de melancia. Assim,conseguira arranjar dinheiro para educar o filho. A menina,a filha do patrão,também tinha colaborado. É muito amiga do meu rapaz. São quase da mesma idade e foram colegas no liceu. Desconfio que ela gosta muito dele,a modos de o querer como marido. Ele,não sei. Conheço-o bem. Não quer que o achem interesseiro. Ainda que gostasse dela para casar,não o diria. Nunca namorou,pois viveu sempre para o estudo. Sabe que o pai tem passado muito e não o quis desiludir. É um bom rapaz. Se ela quisesse,daria um excelente marido. Ele havia de arranjar um emprego capaz,de maneira a não precisar da ajuda do sogro. Eu bem sei que o dinheiro é todo dela,pois não tem irmãos. Casaria com separação de bens, seria ele mesmo a exigi-lo,e eu estaria de acordo. E,depois,calava aí umas bocas. Já as tenho ouvido,mas não lhes ligo. Falem,falem,que aquilo são tudo invejas. O certo é que não há muitos como o meu filho. Inteligente e honesto. Sabe-se pôr no seu lugar.
terça-feira, 16 de fevereiro de 2016
CONDÃO
Naquela casa muito rica,a festa começara cedo. Risos de crianças e forte cheiro a bolos saíam dela. Viera da cidade gente para a pôr a brilhar ,a várias côres,quando o grande dia chegasse. A alegria seria nessa altura ainda maior.Era a única casa, naquela terra modesta,que assim se estava preparando. E um moço,que,casualmente,acompanhara essa gente da cidade,nunca tinha pensado que pudesse haver Natais tão diferentes.E fora preciso lá ir para fazer essa descoberta. Tinha sido um despertar súbito para a crua realidade,o que o entristecera muito. Julgara sempre que tal festa fosse igual para todos e não era.Havia de acordar,um dia,em qualquer lugar. Mas porque calhara àquela terrra tal feito? Não mais se esquecera disso. E sempre que por lá passava,ou lá por perto,era com um grande respeito. Aquela modesta terra devia ter condão.
PEIXES VIVOS
Eram o João e o José. O João comandava as vendas e o José encarregava-se das contas. Um,sabia de números e de letras,o outro,de trapos e demais família. Mas não havia duas pessoas mais iguais e mais diferentes.Eram iguais em quê? No tamanho,para o baixo,na cabeça pendida,no cabelo negro e basto,nos olhos fugidios,no ar astuto e untuoso,no jeito de lidar com o patrão,que se sentiria deles dependente. E diferentes em quê? Na gordura,o João a tirar para o chupado,e o José para o luzidio,na linguagem,no João ,desbragada,no José,polida e buscada.Nunca se sabia como era o seu acordar. O que viria dali,daquelas duas cabecinhas,de um e do outro? Boa coisa não seria,adocicada,macia,no José,amarga,áspera,no João. Cada um brincava à sua maneira,mas gostavam ambos dos seus jogos de palavras. Tudo neles tinha um duplo sentido,ou mais. Nunca se vira gente tão desconcertante,tão escorrregadia. Pareciam peixes vivos.
segunda-feira, 15 de fevereiro de 2016
PARA ONDE IRIA?
Ela não dava conta,mas o cigarro na boca ainda lhe punha um ar mais acabado. Ali estava,à mesa do café,mexendo-se nervosamente. Pedira uma bica,mas não viera como ela queria. Foi o seu primeiro protesto. Mas outros se seguiriam,que ela tinha agora começado. O maço precisava de se esvaziar. Não acabava um e já acendia outro. A bebida regressou,mas ainda não foi desta que a satisfizeram. Não havia meio de acertarem. O empregado já a conhecia. Aquilo era um ritual em que ele colaborava. Mas não só ele. Não descansaria enquanto não fizesse intervir este e aquele. E foi o costume. O colega do que a tinha servido,o que se encontrava na copa,o engraxador,a mulher da limpeza. Não escapou um. Ela tinha de se entreter,que em casa não havia ninguém. Talvez o gato e menos provavelmente o cão. Sobre a mesa,descansavam dois copos cheios de água. Aquilo iria durar. E a bica estava fria. Quantas vezes teria de vir ali para saberem dos seus gostos? A bica não era uma qualquer,pois a chávena vinha num cestinho,para aconchegar. Era assim que ela queria. Sim,que ela não era para ali uma qualquer. E não seria. Havia ainda uns restos do que fora,nas atitudes,na cabeça,no porte. Quando permanecia quieta,os seus olhos miravam lá muito para longe. Durava isto uns momentos,regressando de novo aos seus afazeres. As beatas acumulavam-se e os comparsas ajudavam. Era capaz de se demorar ali a tarde toda. Para onde é que iria?
OLHANDO O SUL
Era um homem de contrastes. Admiravam-se alguns de como era possível a convivência de tanta diversidade. Mas o certo é que todos aqueles altos e todos aqueles baixos parecia darem-se como Deus com os anjos. Não havia ali a menor altercação.
Não importa aqui tocar nos altos,que os tinha muitos e excelentes. Interessa é dar conta de alguns baixos,devendo-se desde já esclarecer que assim são classificados por uma mera comodidade de expressão.
As mãos eram ásperas,calosas,de quem não enjeitava trabalhos rudes,neles se incluindo arroteamento de matos,limpeza de fossas,conserto de viaturas,governo de hortejos.
Para tais funções,os pés deviam andar convenientemente protegidos. E aqui residia uma sua grande preocupação. Não era qualquer rasto que o satisfazia. Horas ele gastava em terras do interior profundo em busca de especialissima roda de trator.
Depois,havia lá maior prazer do que banquetear-se com pratadas de nêsperas,de ameixas e de figos de árvores por ele mesmo plantadas? Havia,sim. E esse residia em temporadas à beira-mar,olhando o sul. Para isso,adquirira uma nesga de terra,onde levantara,por suas próprias mãos,uma casa de praia.
Alegrando tudo isto,se tal fosse necessário,exibia sempre,nos altos,como nos baixos,um viçoso botão de rosa.
Não importa aqui tocar nos altos,que os tinha muitos e excelentes. Interessa é dar conta de alguns baixos,devendo-se desde já esclarecer que assim são classificados por uma mera comodidade de expressão.
As mãos eram ásperas,calosas,de quem não enjeitava trabalhos rudes,neles se incluindo arroteamento de matos,limpeza de fossas,conserto de viaturas,governo de hortejos.
Para tais funções,os pés deviam andar convenientemente protegidos. E aqui residia uma sua grande preocupação. Não era qualquer rasto que o satisfazia. Horas ele gastava em terras do interior profundo em busca de especialissima roda de trator.
Depois,havia lá maior prazer do que banquetear-se com pratadas de nêsperas,de ameixas e de figos de árvores por ele mesmo plantadas? Havia,sim. E esse residia em temporadas à beira-mar,olhando o sul. Para isso,adquirira uma nesga de terra,onde levantara,por suas próprias mãos,uma casa de praia.
Alegrando tudo isto,se tal fosse necessário,exibia sempre,nos altos,como nos baixos,um viçoso botão de rosa.
domingo, 14 de fevereiro de 2016
SERIA BONITO
Parecia um pobre de pedir. Não era,mas andaria lá por perto. A fonte que o sustentara durante alguns anos secara de vez. Não se sabia do que vivia naquela altura,mas viveria mal. A roupa que usava era disto eloquente prova. Deixara, também, de pagar a renda da barraca. E uma manhã,fora apanhado a solicitar,humildemente,a compreensão da dona do palácio,que estava muito decidida a despejá-lo. Não teria coração esta mulher. Na sua frente,estava quase um inválido. De facto,ele mal se podia deslocar,pois as suas duas pernas tinham saído desiguais. Veja se consegue arranjar depressa o dinheiro,pois há gente na lista de espera. Ao lado,repousava a sua carrinha,novinha em follha,pejada de hortaliça e de fruta. Era a sua banca. Próximo,encontrava-se o mercado,mas ela preferia atuar sem concorrência. Escolhera aquele canto,escondido da autoridade,e ali multiplicava o capital das rendas. Os anos passaram,permitindo que o mundo desse muitas voltas. E voltas deram também as vidas destes dois. Viram-no ontem. Não parecia o mesmo. O fato que trazia era azul,sem uma mancha. Ela lá tem continuado no seu canto. A carrinha é a mesma,mas com muitas marcas de ferrugem. É isto fruto da demolição das barracas. Teria pensado em trocar a madeira por cimento,mas não se sentiria capaz. Ainda se irá ver o carenciado de muito tempo a salvar da falência a encrencada vendedeira de hoje? Seria bonito.
PROMONTÓRIO
Era um local impregnado de mistério,quase sempre envolto em brumas. Parecia,umas vezes,um promontório,outras,um navio de eras antigas. Seria,talvez,uma quilha de velha caravela que ali tivesse varado,não se sabe bem como.
Um pesado silêncio reinava ali. Apenas o cortava um ou outro piar de ave de rapina. Em redor,para todos os quadrantes,a vista alargava-se,nas raras abertas consentidas,perdendo-se para além do mar,alternadamente verde e amarelo.
Em tempos,passara por lá ,quase só,um rei destronado, a caminho do exílio. Deixara ele um rasto de tristeza,que perdurara,mais acentuando aquela desolação.
Apsar de tudo isso ou talvez por isso mesmo,vivia ali gente. Eram eles ,um velho capitão,de olho muito azul e cuidada barba,que lhe chegava até à cintura,com o seu imediato fiel,que sempre o acompanhara nas aventuras sem conta. E um escrivão muito probo,de farta calva. E também um aprendiz,que dava mostras de não gostar nada daquele sítio,mas incapaz de sair dele. Restavam dois ou três mais,entretidos com tarefas rudes. Residiam todos num castelo meio arruinado,junto a uma escarpa prestes a desmoronar-se.
Que faria aquela gente?,seria a pergunta que ocorria a alguns nómadas,quando jornadeavam por perto,nas suas andanças intermináveis. Estranhavam o seu apego àquele lugar quase abandonado. E certo dia,um mais atrevido,não resistiu,abordando um deles que tinha ido à caça. Foi em vão,pois o homem,ou lá o que era,usava uma linguagem incompreensível. Eram capazes de ser extraterrestres.
E foi o que se espalhou pelas redondezas. Não podia,certamente,ser outra coisa,já que havia falta de quase tudo de que um terráqueo necessitava para sobreviver. E assim permaneceu esse entendimento,adensando ainda mais o mistério que dali se desprendia.
Um pesado silêncio reinava ali. Apenas o cortava um ou outro piar de ave de rapina. Em redor,para todos os quadrantes,a vista alargava-se,nas raras abertas consentidas,perdendo-se para além do mar,alternadamente verde e amarelo.
Em tempos,passara por lá ,quase só,um rei destronado, a caminho do exílio. Deixara ele um rasto de tristeza,que perdurara,mais acentuando aquela desolação.
Apsar de tudo isso ou talvez por isso mesmo,vivia ali gente. Eram eles ,um velho capitão,de olho muito azul e cuidada barba,que lhe chegava até à cintura,com o seu imediato fiel,que sempre o acompanhara nas aventuras sem conta. E um escrivão muito probo,de farta calva. E também um aprendiz,que dava mostras de não gostar nada daquele sítio,mas incapaz de sair dele. Restavam dois ou três mais,entretidos com tarefas rudes. Residiam todos num castelo meio arruinado,junto a uma escarpa prestes a desmoronar-se.
Que faria aquela gente?,seria a pergunta que ocorria a alguns nómadas,quando jornadeavam por perto,nas suas andanças intermináveis. Estranhavam o seu apego àquele lugar quase abandonado. E certo dia,um mais atrevido,não resistiu,abordando um deles que tinha ido à caça. Foi em vão,pois o homem,ou lá o que era,usava uma linguagem incompreensível. Eram capazes de ser extraterrestres.
E foi o que se espalhou pelas redondezas. Não podia,certamente,ser outra coisa,já que havia falta de quase tudo de que um terráqueo necessitava para sobreviver. E assim permaneceu esse entendimento,adensando ainda mais o mistério que dali se desprendia.
sábado, 13 de fevereiro de 2016
NOVO BRILHO
Não se tratava de ilusão. Aquilo eram mesmo roseiras. O pequeno jardim estava cheio delas. Pareciam árvores,tão grossos eram os ramos. Lembravam,pela pujança,videiras das aluviões ribatejanas. Só que em vez de cachos,se desentranhavam naquilo para que foram inventadas – rosas de muitas cores e tamanhos.Quem seria o autor daquela maravilha? Talvez um simples,talvez aquela figura alheada,jovem ainda,que por ali se entretinha,de vassoura na mão. Parecia feliz. Na boca bailava-lhe um sorriso. Falava,a espaços,consigo,e ,certamente,com as suas amigas,as flores,e também com os muitos pássaros que por ali andavam na sua vida,tranquilos,que dele gostariam. Não quereria mais,para além disto. E tinha razão. Era aquilo uma amostra de paraíso. Os canteiros cuidados,os arruamentos limpos,o laguinho com uma minúscula ponte.Na terra não havia melhor recanto. Seria por isso que fosse este o local escolhido para as fotografias de casamentos e batizados. Nessas alturas,o jovem afastava-se e os pássaros debandavam,acompanhando-o. Regressavam todos quando o bulício desaparecia. As rosas até ganhavam novo brilho.
POR UM FIO
A que um pobre estava sujeito. Para fugir de médicos de porta aberta,conseguiu abrigar-se sob a asa protetora de uma associação de bem fazer. Mas por muito pouco tempo. É que um dos seus esculápios lá achou que ele estava a abusar. E vai daí,apontou-lhe a porta de saída,um tanto à má cara.
Mas ele achou que não podia ficar desamparado. E na primeira oportunidade,tentou recorrer a outra asa protetora. Mas aí,um outro esculápio,da mesma família do anterior,o esperava. De que males padece? E ele,julgando que era para seu bem,contou a verdade. Então,queria esvaziar os cofres da casa? E depois? Que fosse dar uma volta.
Deixou passar uns tempos,e voltou à carga,na mesma porta,pois fora informado de que tinham mudado de esculápio. Aconselharam-no,também,a mentir,que estava são que nem um pero,mas as coisas,às vezes,acontecem,pelo que dera aquele passo. Assim fez e foi acolhido de braços abertos. Entretanto,ficara menos pobre,pelo que não deu grandes rombos nos cofres,apenas umas ligeiras beliscaduras.
Mas além da saúde,há a vida. E quis fazer um seguro dela. Lá estava,mais uma vez,um esculápio a examiná-lo,dos pés à cabeça,muito rigoroso,sócio,talvez,da empresa. Aquilo foi uma revisão geral,todo nuzinho,como lhe tinha sucedido na tropa,onde,ailás,o acharam capaz para todo o serviço,algum do qual foi prestado,sem reclamações.
Você já viu aqui esta saliência? No peito,um osso apontava um poucochinho. Nunca reparou? Não o incomoda? Não. Tem graça. Ora mostre lá as análises. O que vai aqui. Oh homem,você queria desgraçar a minha companhia? Vista-se. E trate-se. Olhe que isso está por um fio. Com que então queria deixar a família milionária?
Mas ele achou que não podia ficar desamparado. E na primeira oportunidade,tentou recorrer a outra asa protetora. Mas aí,um outro esculápio,da mesma família do anterior,o esperava. De que males padece? E ele,julgando que era para seu bem,contou a verdade. Então,queria esvaziar os cofres da casa? E depois? Que fosse dar uma volta.
Deixou passar uns tempos,e voltou à carga,na mesma porta,pois fora informado de que tinham mudado de esculápio. Aconselharam-no,também,a mentir,que estava são que nem um pero,mas as coisas,às vezes,acontecem,pelo que dera aquele passo. Assim fez e foi acolhido de braços abertos. Entretanto,ficara menos pobre,pelo que não deu grandes rombos nos cofres,apenas umas ligeiras beliscaduras.
Mas além da saúde,há a vida. E quis fazer um seguro dela. Lá estava,mais uma vez,um esculápio a examiná-lo,dos pés à cabeça,muito rigoroso,sócio,talvez,da empresa. Aquilo foi uma revisão geral,todo nuzinho,como lhe tinha sucedido na tropa,onde,ailás,o acharam capaz para todo o serviço,algum do qual foi prestado,sem reclamações.
Você já viu aqui esta saliência? No peito,um osso apontava um poucochinho. Nunca reparou? Não o incomoda? Não. Tem graça. Ora mostre lá as análises. O que vai aqui. Oh homem,você queria desgraçar a minha companhia? Vista-se. E trate-se. Olhe que isso está por um fio. Com que então queria deixar a família milionária?
sexta-feira, 12 de fevereiro de 2016
O DIABO TECE-AS
A mulher morrera-lhe já há uns anos,mas ele nunca dera mostras de se ter conformado. A cada passo,carpia copiosamente junto de amigos e de conhecidos de qualquer data. Só esperaria que a morte também o levasse.Mas nunca se diga que desta água não beberei. E assim,sem aviso prévio,dá segundo nó. Desta vez é que era para o resto dos seus dias. A senhora tinha casa posta,pelo que se desfez daquela onde vivera largos anos com a muito chorada defunta. Desfez-se também dos tarecos,que seriam supérfluos e,talvez,lembrassem a outra,o que não era conveniente.O diabo tece-as,porém,frequentemente. E decorridos escassos meses,o segundo nó desatou-se,não porque ela se tivesse finado,mas simplesmente porque assim decidiram.E agora? Casa como a primeira,de renda antiga,onde é que ele a iria arranjar? Não teve remédio,se não alugar um quarto,um modesto quarto,pois a magra pensão não dava para mais.Novamente o invadiu uma grande tristeza,onde se cruzariam,pelo menos,o ressentimento e a contrição Alguém insinuou que teria havido ali intervenção da que se vira substituida. Lá onde estaria fizera as suas queixas e fora atendida. Para que lhe servisse de emenda. Traições destas não se toleravam.
TODOS OS MESMOS
Os toiros,cheios de saudades da sua amada lezíria,mal viam a porta aberta,desatavam numa corrida desenfreada,com pressa de lá chegarem. Mas qualquê? Por onde quer que tentassem,havia sempre um obstáculo a barrar-lhes o caminho. Sentiam-se aprisionados e era verdade. Ficavam,por isso,muito irados e ansiavam por um ajuste de contas. Os primeiros a desafiá-los eram,com frequência,uns atrevidos,tresandando a vinho,que se postavam mesmo à saída do corredor que os levava ao vasto recinto amuralhado. Nesta fase,aconteciam,quase sempre, desgraças,e,por vezes,mortes. A culpa não era dos pobres toiros,está bem de ver. Quem os mandava pôr na sua frente,quando eles ainda estavam com todas as suas forças?Depois,vinham uns sujeitos,cada qual com a sua manha,que teimavam em não os deixarem em paz. Estavam sempre à espera de que alguém,de melhor coração,lhes apontasse um buraco por onde se escapulissem. Mas aquilo eram todos os mesmos,o que queriam era fazer pouco deles. Finalmente,quando já estavam por tudo,de derreados,caía-lhes em cima uma montanha de gente. O peso era tanto,que nem mexer se podiam. Só após essa grossa partida,é que se davam por satisfeitos e permitiam que eles fossem para casa.
quinta-feira, 11 de fevereiro de 2016
PROMESSA DE PRAIA
No verão,o calor era de abrasar. Tinha sido sempre assim naquela terra. Os que nela teimavam em permanecer,ter-se-iam conformado. Quando mal ,nunca pior. Havia,de facto,casos piores,ora se havia.
Mas não seria de admirar que a alguns,se não a todos,tivesse brotado o desejo de verem ali,ou lá perto, uma praia,para se poderem refrescar. Bom jeito lhes faria,quando largassem o trabalho,ou quando não tivessem algo para fazer,o que deveria suceder muitas vezes.
Seria isto apenas um simples e inofensivo desejo,nada mais. Mas um desejo de todo justificado,sem qualquer dúvida. Teriam pensado,uma vez por outra,que talvez ele se pudesse satisfazer. Quem sabe? Acontece tanta coisa aparentemente impossivel.
E um dia,o que é que havia de suceder? Apareceu por lá um senhor de falinhas mansas,todo convincente,de muitas artes e manhas,a prometer-lhes uma. Era garantido. Poderiam ir já vendo-se banhar em frescas águas. Ele era um homem de muitos recursos,já postos à prova,com êxito,noutros cenários.
Para tal,bastava que nele confiassem e lhe dessem os votos. Assim fizeram,mas praia é que nunca lá viram.
Ter-se-ia isto passado? Parece que sim. É que ainda há pouco,por um mero acaso,alguém,de muita idade,lembrava uma quadra,ouvida bastas vezes quando por lá andara,que se fazia eco de tal promessa.
Mas não seria de admirar que a alguns,se não a todos,tivesse brotado o desejo de verem ali,ou lá perto, uma praia,para se poderem refrescar. Bom jeito lhes faria,quando largassem o trabalho,ou quando não tivessem algo para fazer,o que deveria suceder muitas vezes.
Seria isto apenas um simples e inofensivo desejo,nada mais. Mas um desejo de todo justificado,sem qualquer dúvida. Teriam pensado,uma vez por outra,que talvez ele se pudesse satisfazer. Quem sabe? Acontece tanta coisa aparentemente impossivel.
E um dia,o que é que havia de suceder? Apareceu por lá um senhor de falinhas mansas,todo convincente,de muitas artes e manhas,a prometer-lhes uma. Era garantido. Poderiam ir já vendo-se banhar em frescas águas. Ele era um homem de muitos recursos,já postos à prova,com êxito,noutros cenários.
Para tal,bastava que nele confiassem e lhe dessem os votos. Assim fizeram,mas praia é que nunca lá viram.
Ter-se-ia isto passado? Parece que sim. É que ainda há pouco,por um mero acaso,alguém,de muita idade,lembrava uma quadra,ouvida bastas vezes quando por lá andara,que se fazia eco de tal promessa.
PASSADO
Ainda os ouvira cantar pelas ruas,à noitinha,depois do regresso dos trabalhos. Soltariam as mágoas ou esperariam,deste modo,recobrar forças para o dia seguinte. Ainda os vira sentados em bancos corridos,servindo-se de sopas de pão que fumegavam. Ainda envergou os seus pelicos,quando o frio o atormentava e a eles não,porque a enxada ou a picareta os aquecia. Ainda sentiu o cheiro forte dos seus sobretudos de lã,lembrando pão saído do forno,quando o jipe ia trancado por causa das intempéries. Ainda os viu, atrás de muares,de mão na rabiça do arado rasgando a terra,orientando-se por belgas,ou pela ciência de anos sem conta,ou pela torre de algum castelo ou igreja. Ainda passou por muitas varas de porcos,engordando à custa de bolota dos montados. Ainda se refrescou com pirolitos feitos com água da Serra de Ossa. Ainda comeu à luz de candieiros a petróleo,em vilas cabeças de concelho,e viu correr esgotos a céu aberto.Ainda assitiu ao fabrico de carvão de sobro e de azinho. As fábricas lembravam afloramentos rochosos,que se somavam aos muitos que por lá existem. Não tiveram conta os quilómetros que andara de jipe por caminhos de herdade e os palmilhados por chão plano e por encostas a subir e a descer,umas vezes cobertas de searas e outras à espera de que lá as pusessem. Já passou por alguns "montes" adquiridos com o dinheiro da venda de meia dúzia de metros quadrados urbanos.
quarta-feira, 10 de fevereiro de 2016
ERA TUDO NATURAL
Chegavam as carroças com as dornas atulhadas de cachos de uvas e encostavam-se às janelas. Era por elas que se fazia a transferência,com forquilhas,para os lagares. Atingido um certo nível,uma meia dúzia de homens,de pernas ao léu,encarregavam-se do esmagamento com os pés. Não consta que tivessem cartões de sanidade,nem que tomassem banho previamente. Ali ficavam até darem a tarefa por concluída. Havia,é claro,os intervalos para as refeições e para as necessidades. Sempre que entravam ou saíam do lagar,mergulhavam,sem grandes demoras,os pés numa celha com água. Não consta,também,que alguém,alguma vez,se tivesse preocupado com o chão que pisavam,nas idas e vindas,eles ou quem os contratava. Tudo aquilo era natural,como naturais eram as uvas e as moscas que por ali andavam na sua vida. Não consta,igualmente,que alguém,alguma vez,se tivesse preocupado com aquela fração de cloreto de sódio que apareceria no vinho,mas que não viera dos cachos. Tudo aquilo era natural,como naturais eram as leveduras que enxameavam o ar e que os cachos já trariam,e que iriam converter,a sua vocação,o açúcar em etanol e dióxido de carbono. O mosto borbulhava,o mosto exalava. Tudo aquilo era naturalmente natural.
FARIAM BICHA
Era uma senhora viúva,mas não uma triste viúva. Parecia uma montra de ourivesaria. Pode dizer-se que não se lhe viam os dedos,inchados,os pulsos,grossos,e o pescoço,largo,tal a carga de anéis,de pulseiras e de fios dos calibres mais diversos que a adornavam.Gostava também de falar,ou,melhor,não podia estar calada. Via-se,mais exatamente,ouvia-se. Onde quer que estivesse,armava logo palco. Ela,sozinha,dava conta de todo o espetáculo. Pela amostra,sobejava-lhe energia e conversa para se defender de qualquer um.Dizem que estou ainda nova e que me devia casar novamente. Mas eu estou bem assim. Nada me falta. O meu defunto marido deixou-me bem amparada,pois tinha uma boa reforma. Para quê casar,pois? Mas era só eu querer. Fariam bicha. Eu sei muito bem o que é que mais os atraía. Era o meu rico dinheirinho. Todos os meses,cento e sessenta contos. Nessa não caio eu. Os homens são todos os mesmos e eu já aturei um. Já chega.O tal que a deixara bem escorada. Santo homem. Soubera compensá-la devidamente por tanto o ter aturado. Onde é que ela iria arranjar um outro assim?
terça-feira, 9 de fevereiro de 2016
BOATOS
Era uma mansão que despertava as atenções,pelo perfil exótico,ali isolada,entre azinheiras. Naquela altura,parecia desabitada. Para que serviria?,apetecia inquirir. Não foi preciso indagar muito.Bastou ouvir as más línguas,sempre prontas a informarem.
Ali tinham ocorrido,com alguma frequência,cenas velhas como o mundo. Estava o sítio calhado para encontros furtivos. E quando duas vontades se conjugavam,lá era ela o palco escolhido.
Longe de tudo e de todos,ninguém daria por nada. Mas há sempre pássaros calhandreiros dispostos a não ficarem calados. E ali,naquele aconchegado arvoredo,não faltariam. E assim,facilmente se espalhavam boatos.
Uma coisa era,porém,certa. O palacete,nos últimos tempos,atravessara dilatados períodos de abandono. Algum facto anormal teria acontecido. É que um dos atores,o principal, de resto,estava muito velho,quase com os pés para a cova. Tinha de se refrear.
Ali tinham ocorrido,com alguma frequência,cenas velhas como o mundo. Estava o sítio calhado para encontros furtivos. E quando duas vontades se conjugavam,lá era ela o palco escolhido.
Longe de tudo e de todos,ninguém daria por nada. Mas há sempre pássaros calhandreiros dispostos a não ficarem calados. E ali,naquele aconchegado arvoredo,não faltariam. E assim,facilmente se espalhavam boatos.
Uma coisa era,porém,certa. O palacete,nos últimos tempos,atravessara dilatados períodos de abandono. Algum facto anormal teria acontecido. É que um dos atores,o principal, de resto,estava muito velho,quase com os pés para a cova. Tinha de se refrear.
UMA FORTUNA
Estavam os dois muito velhos e ela mais achacada. É ele,escusado será dizer,que se tem de desembaraçar. Raramente,pois,se vêem juntos. Ela fica em casa,sozinha,aguardando-o,certamente com impaciência,e rezando para que nada de mal aconteça a um e a outro. O que iria,depois,ser dela ou dele?Aquele era um dos dias excecionais,o mais excecional de todos. Era o dia de ir receber a pensão em duplicado. Uma fortuna. A sua presença ,ao lado dele,espantaria os ladrões.E,assim,depois de terem tirado a senha,lá estavam os dois,sentados,muito juntos,à espera da sua vez. Eles já viam e ouviam mal,o que os obrigava a pedir ajuda a este e àquele.Aproximaram-se os dois do balcão,ela muito nervosa,a olhar para todos os lados,desconfiando de todos. Assistiu muito atenta à contagem do dinheiro e ficou um pouco mais animada ao ver que a menina que os atendera conhecia o marido. Até mencionou o seu nome em voz alta,saudando-o.Era ele que vinha quase sempre. Ela,coitada,não podia,frequentemente,acompanhá-lo. Mas naquele dia teve de ser,pois a sua presença espantaria os ladrões.
segunda-feira, 8 de fevereiro de 2016
AR DA FARTURA
Vinha de lá consulado por uns tempos. Possuíra aquilo por um dia ou dois,as searas a perder de vista,as muitas cabeças de gado,os olivais bem tratados. Interessara-se menos pelo pomar,onde as laranjas permaneciam nas árvores tempo demasiado,a ponto de ficarem sem sumo.Jantava-se ao som de orquestra afinada, de cigarras e de grilos, e respirava-se,sobretudo,de noite,o ar da fartura. O cozinheiro,que servia também à mesa,de luzidia calva ,parecia um ganhão acabado de vir do trabalho,todo encardido de suor e de poeira. O avental dava mostras de não ter substituto. Nele apoiava um grande pão,que cortava em fatias grossas,com uma faca de matar porcos. Dava-lhe o sono depois daquela estafadeira e a loiça ficava por lavar.De madrugada,acordava ao som de ruidosa azáfama na cozinha. Além de água sempre a correr,os pratos e os talheres davam em imitar o cozinheiro ,que gostava de conversar com ele mesmo. O casarão parecia uma caixa de ressonância. As cigarras e os grilos mais próximos ,de tão assustados,emudeciam.Levantava-se cedo,para alongar o período de carregamento da bateria. Não se podia desperdiçar,de facto, aquelas raras ocasiões,que valiam ouro. Faria como alguns,ainda que em muito diferente escala,que iam temporadas para longe,de modo a equilibrarem as finanças.
AVENTURAS
Num pulo,por entre silvas e valados,punham-se lá,na horta do Taré. Os miúdos encontravam ali o paraíso. Um regatozinho,nascido de um olho de água,semeava,no seu caminho,meis dúzia de bebedouros,onde pardais e pintassilgos vinham molhar os bicos. Cegos e surdos,por via da canícula,não davam conta dos perigos. Num repente,caíam-lhes em cima redes e era o seu fim.
Não se ficavam por aqui as aventuras. Quase ali a dois passos,estendia-se uma longa fila de amoreiras. E quando a altura chegava,não queriam saber de avisos e iam colher,lá nos altos,folhas para matar a fome aos bichos da seda. Se davam com frutos,não os enjeitavam,mas as camisas contavam o que tinha acontecido.
Depois,um pouco mais adiante,havia muitas túberas para desenterrar. A maior parte do trabalho era feito por porcos,que eles contratavam,mas sem nada lhes pagar. Mal os pobres as descobriam,enxotavam-nos,sem dó nem piedade,apsar dos seus muitos protestos. Para os espargos silvestres,tinham eles de fazer tudo.
Mas a maior,era,sem dúvida,o rabisco. Um mar de vinhas estava lá para receber a visita final. Navegavam,descuidados,pois sabiam que não se arriscavam a uma chumbada de sal. Os guardas tinham entrado de férias.
Havia ainda o vaguear por elas ,quando as cheias recuavam,à cata de algum tesouro que as águas tivessem deixado. Saía-lhes cara esta,pois as botas ficavam a pedir outras.
Não se ficavam por aqui as aventuras. Quase ali a dois passos,estendia-se uma longa fila de amoreiras. E quando a altura chegava,não queriam saber de avisos e iam colher,lá nos altos,folhas para matar a fome aos bichos da seda. Se davam com frutos,não os enjeitavam,mas as camisas contavam o que tinha acontecido.
Depois,um pouco mais adiante,havia muitas túberas para desenterrar. A maior parte do trabalho era feito por porcos,que eles contratavam,mas sem nada lhes pagar. Mal os pobres as descobriam,enxotavam-nos,sem dó nem piedade,apsar dos seus muitos protestos. Para os espargos silvestres,tinham eles de fazer tudo.
Mas a maior,era,sem dúvida,o rabisco. Um mar de vinhas estava lá para receber a visita final. Navegavam,descuidados,pois sabiam que não se arriscavam a uma chumbada de sal. Os guardas tinham entrado de férias.
Havia ainda o vaguear por elas ,quando as cheias recuavam,à cata de algum tesouro que as águas tivessem deixado. Saía-lhes cara esta,pois as botas ficavam a pedir outras.
domingo, 7 de fevereiro de 2016
MUNDO DE FANTASIA
Imaginem um cubículo,um buraco de chão térreo,onde mal cabia a cama. E que cama. Compunham-na um colchão de palha,umas tábuas e dois caixotes de sabão. Para completar a mobília, havia mais dois caixotes irmãos,um, a servir de mesa-de-cabeceira e o outro,de sofá. A maioria dos presos,naquela época,não estaria pior,descontando,claro,a liberdade. Pois era ali onde ele dormia e,sobretudo,onde ele queimava as pestanas. Era também a sua biblioteca. Imaginem uma pilha de revistas de cinema a tocar o teto,ou,mais exatamente,o telhado. Terminado o serviço,embrenhava-se nelas. Na vila,não havia luz elétrica. Mas se houvesse,não é de crer que a patroa lhe pusesse lá uma lâmpada. E também estava fora de questão um candieiro a petróleo. Assim,ele tinha de recorrer a velas,pagas do seu bolso,que a patroa não sustentava vícios. O que ele sabia das estrelas,das suas vidas,das suas paixões. Era neste mundo de fantasia que ele se sentia bem. Bem precisava dele. Porque,tirando este,o que é que o esperava? Na pensão,era ele pau para toda a obra. Lá estava às horas das refeições,chamando para a mesa. Sim,que ali havia ordem. Depois,tinha de servir. Mas antes disso,já se levantara cedo para ir à água e para fazer limpezas. Estas prolongavam-se pelo resto do dia e estendiam-se pela noite.Se não fossem aquelas revistas,não se sabe o que seria dele? Eram elas que lhe alimentavam os sonhos,que ele achava lindos. Eram elas que lhe davam razões para viver.
ROLA VELHA
Era ridículo e comovia.Estavam os dois de pé,a uma esquina de rua movimentada. Ela,como sempre,muito gorda,mal trajada e mal penteada. Ele,uma sombra do que fora,com aspeto de servente de obras em férias,talvez forçadas. Há que tempos se não viam. Eram marido e mulher. Ele abalara,em dia de grande desespero,e ela para ali ficara com a carga toda,uma carga de filhos e de netos.
Os olhos que ela lhe deitava,só visto. Deles, soltar-se-iam feixes de raios de altíssimo poder sedutor. Não seriam bem dela,mas da jovem que tinha sido.
Afinal,ainda vibrava. Estaria pronta para perdoar e recomeçar,assim ele quisesse. Mas toda aquela figura dele,curvada,de chama mortiça,parecia não dar qualquer esperança. Aquele coração já seria como uma pedra,insensível a mavios de rola e muito menos de rola velha. Era ridículo e comovia.
Os olhos que ela lhe deitava,só visto. Deles, soltar-se-iam feixes de raios de altíssimo poder sedutor. Não seriam bem dela,mas da jovem que tinha sido.
Afinal,ainda vibrava. Estaria pronta para perdoar e recomeçar,assim ele quisesse. Mas toda aquela figura dele,curvada,de chama mortiça,parecia não dar qualquer esperança. Aquele coração já seria como uma pedra,insensível a mavios de rola e muito menos de rola velha. Era ridículo e comovia.
sábado, 6 de fevereiro de 2016
MOTOR ESCONDIDO
Impressionava o desempenho do jovem loiro. Fazia parte de um pequeno grupo que se entretinha a jogar à bola na relva do jardim. Distinguia-se bem dos outros rapazes. Além de usar duas canadianas,a disposição das suas pernas era muito diferente. Divergiam um tanto,indo cada uma para seu lado,suspensas. Com exceção da cabeça,que era perfeita,o resto,especialmente o tronco,não destoava daquelas.Apsar de tanto contratempo,pode dizer-se que se comportava tão bem,ou melhor do que os companheiros,no chegar ao esférico,no conduzi-lo,no pará-lo. Um prodígio. Parecia ter quatro pernas,tal o entendimento de membros e amparos.No querer de não ficar atrás dos outros residiria o segredo de tanta vitalidade,de tanta coordenação. Superar-se-ia. A rapidez das deslocações sugeria ter motor escondido. Muito pode,de facto,a vontade. Não removerá montanhas,mas atraver-se-á a fazê-lo. Estava ali um exemplo para tantos,carenciados ou não. Ele era,afinal,um semelhante. Os outros assim o comprenderiam ou aceitariam,tal a naturalidade que punham ao acompanhá-lo nas movimentações.A certa altura,os parceiros deram mostras de desejar um período de descanso. Mas ele não deixou,incitando-os a prosseguir sem desfalecimentos. Não era,efetivamente,um coitadinho,longe disso. Aquele tronco um tanto torcido,aquelas pernas bamboleantes,como pêndulos,pareciam não pertencer àquela cabeça,que quase os ignoraria. As muletas por elas comandadas cumpriam bem o seu papel.
CHÁ DAS CINCO
Já tinha visto muita coisa. Um pesado casaco de peles cobria-lhe o corpo avantajado. Ao lado,a dama de companhia. Estavam sentadas numa pastelaria tomando o chá das cinco. Os dedos da senhora quase se não viam,tantos eram os anéis que os cobriam. Depois da torrada,de que não comeu a côdea,seguiu-se um bolo,tragado até à última migalha. Via-se que não ficara satisfeita. Os olhos procuraram o empregado,que renovou a dose. A dama de companhia limitara-se ao chá,talvez por causa da linha. A dada altura,entrou em cena um cauteleiro. A sala estava repleta. Com dificuldade,abeirou-se da mesa desta senhora. Já devia ser conhecimento antigo,pois a compra foi rápida. Seria um número exclusivo desta cliente. Quem tocou no dinheiro foi a dama de companhia.O cauteleiro abandonou a sala sem levar a fortuna a mais ninguém. Tratar-se-ia de uma questão de princípio,uma espécie de preito de vassalagem. Só convém servir um senhor.
sexta-feira, 5 de fevereiro de 2016
CAMPO BRANCO
Nas imediações de Castro Verde,há uma vasta zona de solos xistosos,de tons claros,o que contrasta com as cores avermelhada ou parda de zonas vizinhas,tendo sido,por isso,designada, desde há muito, por Campo Branco.
A cor característica resulta do facto dessa zona,pela sua topografia relativamente plana,estar sujeita a condições de redução. Tendo o ferro forte representação nos solos, era de esperar que tal acontecesse. É que o ferro,possuindo diferentes estados de oxidação,é muito sensível a ambientes de escassez de oxigénio. Quando trivalente,há tendência para os tons serem avermelhados ou amarelados,quando bivalente,por efeito de redução,é a cor esbranquiçada que prevalece.
Sendo o manganês um elemento que muito frequentemente anda associado ao ferro,e tendo ele também diferentes estados de oxidação,é de esperar,também,que ele intervenha.
A cor característica resulta do facto dessa zona,pela sua topografia relativamente plana,estar sujeita a condições de redução. Tendo o ferro forte representação nos solos, era de esperar que tal acontecesse. É que o ferro,possuindo diferentes estados de oxidação,é muito sensível a ambientes de escassez de oxigénio. Quando trivalente,há tendência para os tons serem avermelhados ou amarelados,quando bivalente,por efeito de redução,é a cor esbranquiçada que prevalece.
Sendo o manganês um elemento que muito frequentemente anda associado ao ferro,e tendo ele também diferentes estados de oxidação,é de esperar,também,que ele intervenha.
VACA DOENTE
A velhota,mal amanhada,sentara-se num banco do jardim. Parecia esperar alguém. Estava desassossegada e ávida de comunicar. Não sou daqui. O meu filho trouxe-me,pois tivemos de tratar dumas coisas. O nosso maior sustento vem duma vaca que dá muito bom leite. Também a gente não lhe falta com a erva e com a ração,que nos custa bom dinheiro. Há dias, passou por lá um senhor vestido de bata branca que tirou sangue da vaca para análise. Agora, querem matar a vaca. Dizem que está doente. Deram um nome ao mal,um nome muito esquisito. O que vai ser de nós? Temos por lá uma porção de milho a crescer,umas couves na horta e pouco mais. Como é que vamos viver sem a vaca? Dizem que nos vão dar algum dinheiro pelo abate. Mas quanto e quando? E como é que até lá havemos de viver? O filho apareceu e levou a mãe. Mas ali ficou a grande mágoa da velhota, que não sabia como iria ser a sua vida, depois da morte da sua vaca. Uma vaca que dava um leite tão bom. Vejam lá uma coisa destas.
CONTA DOS CATRAIOS
Um antigo baluarte,com uma guarita quase intacta,estava a ser posto a descoberto,para íncola ou turista ver. Sempre que valha a pena,há que cuidar do património. Alguns homens tinham sido encarregados dessa tarefa dura. Uma mulher nova,de aspeto sadio,ia levar-lhes água. Trazia-a ao ombro e o caminho era a subir. Parou para descansar e conversar. Ainda não completara trinta anos e já dera ao mundo quatro filhos. Ela e o seu homem tinham de labutar muito. Felizmente que ele não era dado à bebida,nem a drogas. E por ali havia muita. Um vizinho dela,um miúdo,a bem dizer,trabalhava um ou dois dias e passava o resto da semana entregue a esse maldito vício. A mãe dele andava que nem um farrapo. Mas não era preciso que elas aparecessem,pois já havia por ali outra e que era o vinho. A mãe dela que o dissesse,bem como ela e os irmãos,que, volta não volta,apanhavam grandes sovas do pai,que, depois, não se lembrava de nada. Coitado,já lá estava. A mãe ficava como morta. Além das tareias,já contava, ao todo ,sete operações. Não sabia como ainda estava viva. Mas ainda bem,pois era ela que lhe valia,tomando conta dos catraios,enquanto ela e o marido faziam pela vida. Graças a Deus que ele não era como o seu velho.
quinta-feira, 4 de fevereiro de 2016
MORREU DE VELHO
Não haveria muitos burros como aquele. Pelo menos,lá na aldeia era ele quem levava a melhor.É que podia ser tomado como um macho,tal a sua estatura. No trabalho,não lhe ficaria atrás. Depois,era muito paciente,nada teimoso,sempre pronto para o que fosse preciso. A acrescentar a tudo isto,que já era muito,não se mostrava exigente,nem na comida,nem na cama. Qualquer coisa lhe servia.Não tinham conta os serviços que ele prestava. Pode dizer-se que era pau para toda a obra. E era também muito amigo de crianças. Nunca se indispôs com alguma,mesmo que,às vezes,abusassem,ao contrário do que acontecia com certos rapazolas. Ai daquele que o injuriasse,pois sabia dar a resposta adequada.Logo de manhazinha,abastecia a casa com água da melhor fonte. Depois,tinha pela frente a ordem do dia,quase tudo a ver com a atividade principal do amo,uma lavoura mixta de sequeiro e de regadio. Ele arava,ele gradava, ele fazia girar a nora,ele carregava com os produtos da horta e das courelas dos cereais e do arvoredo. Escusado será dizer que,nos intervalos,ainda lhe cabia o transporte de passageiros.Mas era de noite,pela fresquinha,após a ceifa,quando do carrear as colheitas para a eira,que ele tinha ensejo de pôr à prova os seus apurados dotes de orientação e de equilíbrio. Não precisava de guia,era ele que comandava,pelas estreitas veredas a subir e a descer. Os companheiros seguiam-no,confiados. Nunca perdia o trilho,nem nunca tropeçava.Todos invejavam a sorte do dono,que,por mais de uma vez,teve de dizer não a propostas tentadoras. Morreu de velho,deixando muitas saudades. Por muito tempo foi lembrado,sempre com referências elogiosas. Aquilo é que era um burro.
ALARME
Ali parecia haver paz. Pombos faziam pela vida e o silêncio era a voz da esperança. Lá no alto presidia o santo.Dava para armar ali tenda. A tanto não se tinha chegado,mas bancas não faltavam. Mercadejavam-se ofertas para o dispensador de dádivas. Uma delas obrigara a trocos que só a caixa forte,a dois passos,dispunha.Aconchegada num assento,uma velhota rezava. Palavras não se lhe ouviam,mas os lábios dispensavam-nas. Assim estaria tempos sem fim,se não fosse a curiosidade de um atrevido. Há gente para tudo,até para perturbar conversas com o além.Vem aqui muitas vezes? A branca cabeça disse que sim. Mas estava dado alarme. Os pombos não voaram,que a inquirição fora de mansinho,mas a velhota logo se levantou.Também já se estava fazendo tarde. O sol escondera-se e as sopas encontravam-se lá à espera. O santo também a aconselhara a debandar,pois do atrevido tudo se podia esperar.
quarta-feira, 3 de fevereiro de 2016
RICO ALMOÇO
O gato pôs uma cara apreensiva, quando se aproximou gente. Teria pensado que lhe iriam tirar a comida do prato. Penas voavam. Não estejam assim tão admirados. Julgavam que os pássaros só se podiam apanhar com fisga ou com arma de fogo?,mas estavam muito enganados. Aprendi com o meu pai,que Deus já lá tem,a imitar as cobras. Ficam a modos que hipnotizados,sendo o resto uma brincadeira. Pois, como viram,é muito simples. Ele tinha pousado,na mira de algum bichinho ou grãozito,coisas sem importância para mim,mas que felizmente os engorda. Os meus olhos não mais o largaram. E,quando se cruzaram com os dele,foi como se tivesse levado com uma pedra ou um chumbo. Para maior sucesso,o ideal é estar junto a um carro,como,aliás,aconteceu agora. Ele bem se quis livrar,mas o voo saiu-lhe baixo. Com uma patada,atirei-o ao chão. Fez mais uma tentativa,mas tão desastradamente que veio esbarrar no carro,ficando debaixo dele. É quase sempre assim. Vou ter hoje um rico almoço. Não pensem impedi-lo. O pardalito jazia meio morto. Desconfiado,o bichano mirava de esguelha. Ainda arreganhou os dentes e distendeu as unhas,como que a ameaçar. A pobre avezinha já não tinha conserto,sendo inútil intervir. É a vida. Enquanto se a tem,vai-se fazendo por ela.
O FOGO AS LEVARA
Seria um exagero,mas alguém diria que aquilo não passava de um manto de rocha. Ela dominava,é certo,mas nos exíguos intervalos lá estava alguma terra onde oliveiras medravam. E era isso que lhe importava. Fora ali que ele nascera e foram essas oliveiras que lhe permitiram arranjar uma enxada. Por isso lhes queria muito. Haveria de as acrescentar ,em sua homenagem. E foi o que fez ,toda uma longa e esforçada vida. Olhava para elas enternecido,esquecido de tudo. Delas e para elas vivera. Mas o destino é bastas vezes cruel. E um dia,a tragédia deu-se. O fogo,um fogo maldito,passou por lá,não se apiedando,e só deixou cinzas. Não queria acreditar. As suas amadas oliveiras já lá não estavam,que ele bem via. O maldito fogo as levara.Tudo perdido,o que herdara e o que adquirira com tanta teimosia. Estava velho,incapaz de recomeçar. Era tempo,pois,de também abalar,fazendo companhia às suas almas. E foi o que aconteceu,quase na volta do correio,não fossem elas mais uma vez morrer,agora de saudades de quem tanto as amara em vida,
terça-feira, 2 de fevereiro de 2016
EÇA EM NEWCASTLE UPON TYNE
Imagine V. uma cidade de tijolo negro, meio afogada em lama, com uma espessa atmosfera de fumo, penetrada de um frio húmido, habitada por 150 000 operários descontentes, mal pagos e azedados e por 50 000 patrões lúgubres e horrivelmente ricos - eis Newcastle-on-Tyne. On Tyne - este rabinho que tem o nome da cidade, dá-lhe um ar ridículo que me consola!Carta a Ramalho Ortigão, 1 Fev. 1875
http://purl.pt/93/1/iconografia/imagens/je76/je76_p592.html
BIBLIOTECA NACIONAL
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BIBLIOTECA NACIONAL
TRABALHO
As chaminés do laboratório estavam com tiragem deficiente. Quando os ataques se sucediam,o ar tornava-se irrespirável. Foi necessária a intervenção da empresa instaladora. Isso levou ao convívio,por alguns dias,de operários e de analistas,que facilmente se distinguiam pelas indumentárias. As batas mostravam-se,no geral,menos sujas do que os fatos-macaco. Os instrumentos de análise eram,também,menos ruidosos e de manuseamento delicado. Via-se,claramente,que aos músculos de uns se pedia muito mais esforço,mas quanto às cabeças não se sabia. Do convívio,sempre em boa paz,resultou,certa vez,uma pergunta. Quando fazem estas tarefas,longe da sede,têm direito a uma compensação? Era do contrato. Deduzia-se,com outros dados,que o ganho do operário ultrapassava o de qualquer bata-branca. Vocês,assim,estão a receber quase tanto como o diretor da instituição. Mas é que nós trabalhamos.
NINHARIAS
Teria uns quarenta anos. Vinha de óculos escuros e envergava camisa branca desportiva e calças negras,à moda. O cabelo era louro ainda e derramava-se,anelado,pelas costas largas. Àquela hora matinal,descia, assobiando,a longa e movimentada avenida. Na mão esquerda,trazia um saco de plástico vazio. Para que serviria? A resposta não demorou. No primeiro contentor de lixo,parou. Levantou a tampa e fez uma inspeção sem resultado. Mas um pouco mais abaixo,em frente do centro comercial,o passeio estava juncado de beatas. E ali,sim,o saco entrou em ação. Com o assobio mais afinado,retomou o percurso. Seguiram-se novos esquadrinhamentos e abaixamentos. Parecia não ligar aos transeuntes,que olhavam para ele algo admirados. Não podia preocupar-se com ninharias,pois acima de tudo estava o trabalho. O saco enchera-se,pelo que tinha direito a uma pausa. Foi o que fez,sentando-se junto a um quiosque,ponto de grandes encontros. Tirou os óculos,suspendendo-os,como é da praxe,na camisa,e confraternizou.
segunda-feira, 1 de fevereiro de 2016
PELE TIRADA
Era um homem alto,magro,de olhar confiado. Fora um dos primeiros a arrancar para a França e,já regressado,estava agora ali naquele emprego de jardineiro. Com o dinheiro que amealhara,pusera casa que se visse e ainda comprara uns pedaços de terra,onde gastava as horas livres. Murara-os com videiras e enchia-os de milho. Engordava,ainda,dois ou três vitelos barrosãos. Naquela altura,andava muito desanimado,pois concluíra que se esforçava em vão. Uma pessoa trabalha,entrega bom dinheiro pela semente,pelo aluguer do trator,pelos animais,pela ração,pelo adubo,e,depois,é o que se vê,um quase nada. Os intermediários queriam levar tudo. Esperava,a ver se chegavam a um melhor preço,mas estavam todos combinados. O milho do ano anterior ainda estava por vender. Quanto ao gado,dizia-lhes que era carne de primeira,o que era verdade. Pois sabiam o que é que lhes ouvia? Depois da pele tirada são todas iguais. Assim,estava decidido a ficar só com o vinhito. Trabalhassem eles.
DOIS ANOS INESQUECÍVEIS
Foram dois anos de cartografia de solos,a sondar-lhes as entranhas,até ao osso,ou seja,até à rocha,granítica,xistosa,arenítica,calcária,a maior parte das vezes. Não ficou canto por bisbilhotar,numa larga faixa,desde Alcácer do Sal até Elvas,com mais demoras em Évora,Viana do Alentejo,Reguengos de Monsaraz,Vila Viçosa e Monforte.
Foram dois anos a varrer plainos,a subir montes e vales,revestidos de searas, ou à espera delas,a bater à porta de "montes",e não só,a passar arame farpado,que a fotografia aérea,base do trabalho,não registara.
Foram dois anos de jipe,de caixa aberta,que o calor era muito,ou trancada,por causa das intempéries,jipe,que, lá de vez em quando,sem,ou com aviso prévio, se recusava a cumprir a sua obrigação,pelas mais diferentes mazelas.
Foram dois anos de botas,e não só,cobertas de pó,ou de lama,ao sol,à chuva,que o jipe estava longe,valendo,nas emergências,a copa de um chaparro amigo,ou o aconchego de um casebre.
Foram dois anos de ricas e variadas conversas, com donos,ou feitores, dos mais diversos teres,com jornaleiros e pastores.
Foram dois anos de inesperados encontros com perdizes,e perdigotos,rolas,cizões,
abibes,lebres e coelhos,pombos bravos,corvos,abetardas,carraças, touros.
Foram dois anos a varrer plainos,a subir montes e vales,revestidos de searas, ou à espera delas,a bater à porta de "montes",e não só,a passar arame farpado,que a fotografia aérea,base do trabalho,não registara.
Foram dois anos de jipe,de caixa aberta,que o calor era muito,ou trancada,por causa das intempéries,jipe,que, lá de vez em quando,sem,ou com aviso prévio, se recusava a cumprir a sua obrigação,pelas mais diferentes mazelas.
Foram dois anos de botas,e não só,cobertas de pó,ou de lama,ao sol,à chuva,que o jipe estava longe,valendo,nas emergências,a copa de um chaparro amigo,ou o aconchego de um casebre.
Foram dois anos de ricas e variadas conversas, com donos,ou feitores, dos mais diversos teres,com jornaleiros e pastores.
Foram dois anos de inesperados encontros com perdizes,e perdigotos,rolas,cizões,
abibes,lebres e coelhos,pombos bravos,corvos,abetardas,carraças, touros.
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