quinta-feira, 7 de julho de 2016

MORREU DE VELHO

Não haveria muitos burros como aquele. Pelo menos,lá na aldeia era ele quem levava a melhor.É que podia ser tomado como um macho,tal a sua estatura. No trabalho,não lhe ficaria atrás. Depois,era muito paciente,nada teimoso,sempre pronto para o que fosse preciso. A acrescentar a tudo isto,que já era muito,não se mostrava exigente,nem na comida,nem na cama. Qualquer coisa lhe servia.Não tinham conta os serviços que ele prestava. Pode dizer-se que era pau para toda a obra. E era também muito amigo de crianças. Nunca se indispôs com alguma,mesmo que,às vezes,abusassem,ao contrário do que acontecia com certos rapazolas. Ai daquele que o injuriasse,pois sabia dar a resposta adequada.Logo de manhazinha,abastecia a casa com água da melhor fonte. Depois,tinha pela frente a ordem do dia,quase tudo a ver com a atividade principal do amo,uma lavoura mixta de sequeiro e de regadio. Ele arava,ele gradava, ele fazia girar a nora,ele carregava com os produtos da horta e das courelas dos cereais e do arvoredo. Escusado será dizer que,nos intervalos,ainda lhe cabia o transporte de passageiros.Mas era de noite,pela fresquinha,após a ceifa,quando do carrear as colheitas para a eira,que ele tinha ensejo de pôr à prova os seus apurados dotes de orientação e de equilíbrio. Não precisava de guia,era ele que comandava,pelas estreitas veredas a subir e a descer. Os companheiros seguiam-no,confiados. Nunca perdia o trilho,nem nunca tropeçava.Todos invejavam a sorte do dono,que,por mais de uma vez,teve de dizer não a propostas tentadoras. Morreu de velho,deixando muitas saudades. Por muito tempo foi lembrado,sempre com referências elogiosas. Aquilo é que era um burro.

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