sexta-feira, 30 de junho de 2017

DEVELOPING COUNTRIES : GROWING THREAT OF URBAN WASTE DUMPS

As researchers working on the sustainable management of urban waste, we are deeply concerned about developing countries' escalating production of municipal solid waste and of construction and demolition debris. Dump-site landslides have killed at least 220 people over the past 18 months in Shenzhen, China, in Addis Ababa, Ethiopia, and in Colombo, Sri Lanka. This growing threat to people and the environment demands greater attention, broader oversight and proper management....

NATURE
29 June 2017


A HUMAN-DRIVEN DECLINE IN GLOBAL BURNED AREA

Fire is an essential Earth system process that alters ecosystem and atmospheric composition. Here we assessed long-term fire trends using multiple satellite data sets. We found that global burned area declined by 24.3 ± 8.8% over the past 18 years. The estimated decrease in burned area remained robust after adjusting for precipitation variability and was largest in savannas. Agricultural expansion and intensification were primary drivers of declining fire activity. Fewer and smaller fires reduced aerosol concentrations, modified vegetation structure, and increased the magnitude of the terrestrial carbon sink. Fire models were unable to reproduce the pattern and magnitude of observed declines, suggesting that they may overestimate fire emissions in future projections. Using economic and demographic variables, we developed a conceptual model for predicting fire in human-dominated landscapes.

SCIENCE
30 June 2017

A ÁGORA

A senhora valia mais,muito mais,do que pesava. Já não era nova,mas estava ali cheia de vigor. Baixa,atarracada,de trunfa loira. Vinha toda revestida de cabedal negro ou coisa parecida e trazia um saco, negro também,de cabedal ou coisa a imitar. Muito ela sabia de passes e de senhas. Um livro bem aberto. Quem recebia a lição,mal tinha tempo de pôr as suas dúvidas.Alguém,ali perto,admirado de tanto saber,não resistiu. A senhora estava mesmo bem para advogada ou deputada.O que ele foi dizer. A conversa já chegou à casa de banho? Ficou-lhe de emenda. Bico calado,pois,não fossem sair mais flores daquela boca. A dada altura,aquela de advogada ou deputada,que ficara armazenada,veio ao de cima. Deputada. Farta de exploradores estou eu,e outras no género. Um mimo. Mas o que são as coisas. A senhora e esse alguém acabaram por sair na mesma paragem. Foi isto motivo para uma perseguição discreta. Tendo perdido,queria ver se recuperava uma parte. A senhora dirigiu-se a uma estação de correios para um telefonema e ali se demorou uns largos minutos na função. De lá saída,passou rente ao perseguidor de ocasião,de telemóvel engatilhado. Ainda bem que você está em casa. Não se ouviu mais nada,mas continuou-se a ver o telemóvel a fazer o seu trabalho. Para onde iria ela? Pois assentou arraiais num banco de jardim,um jardim muito especial,com um relvado de campo de futebol. Poisou o saco e veio actuar naquele largo espaço,naquela ágora,bem à medida dos seus dotes. Ali permaneceu,sempre movendo-se,para a frente,para trás,para os lados. O braço livre não parava de se agitar,para o alto,em círculo,para baixo. Esteve nisto,pelo menos,meia hora,que foi o tempo de que o perseguidor dispôs,por se estar fazendo tarde. O perseguidor está convencido de que ela foi estimulada pelo elogio que lhe fizera,aliás,assim considerado por testemunhas,e que ela,aparentemente,não aceitara. Deve ter querido mostrar,talvez a ela,que ele,afinal,não exagerara.

MUNDO DE FANTASIA

Imaginem um cubículo,um buraco de chão térreo,onde mal cabia a cama. E que cama. Compunham-na um colchão de palha,umas tábuas e dois caixotes de sabão. Para completar a mobília, havia mais dois caixotes irmãos,um, a servir de mesa-de-cabeceira e o outro,de sofá. A maioria dos presos,naquela época,não estaria pior,descontando,claro,a liberdade. Pois era ali onde ele dormia e,sobretudo,onde ele queimava as pestanas. Era também a sua biblioteca. Imaginem uma pilha de revistas de cinema a tocar o teto,ou,mais exactamente,o telhado. Terminado o serviço,embrenhava-se nelas. Na vila,não havia luz elétrica. Mas se houvesse,não é de crer que a patroa lhe pusesse lá uma lâmpada. E também estava fora de questão um candieiro a petróleo. Assim,ele tinha de recorrer a velas,pagas do seu bolso,que a patroa não sustentava vícios. O que ele sabia das estrelas,das suas vidas,das suas paixões. Era neste mundo de fantasia que ele se sentia bem. Bem precisava dele. Porque,tirando este,o que é que o esperava? Na pensão,era ele pau para toda a obra. Lá estava às horas das refeições,chamando para a mesa. Sim,que ali havia ordem. Depois,tinha de servir. Mas antes disso,já se levantara cedo para ir à água e para fazer limpezas. Estas prolongavam-se pelo resto do dia e estendiam-se pela noite.Se não fossem aquelas revistas,não se sabe o que seria dele? Eram elas que lhe alimentavam os sonhos,que ele achava lindos. Eram elas que lhe davam razões para viver.

UM MONTINHO DE TRABALHOS E UMA MONTANHA DE AJUDAS - XI

61 - Sobre o potássio e o magnésio dalguns solos do perímetro de rega do Sorraia. 1980

62 - Absorção de magnésio em solos do perímetro de rega do Alto Sado. 1980

63 - Limite crítico de potássio não permutável extraído por ácido nítrico. 1981

64 - Caracterização do potássio do solo(uma revisão bibliográfica). 1981

65 - Absorção e libertação de magnésio nalguns solos do perímetro de rega do Alto Sado. 1981.

66 - Adubação potássica na cultura do trigo. 1981.

quinta-feira, 29 de junho de 2017

APARÊNCIAS

Viera de automóvel,um carro de boa marca,mas já com uns largos anos,que arrumara em passeio alto,para se livrar de despesas. Teria comido bem,e bebido melhor,que aquele avantajado corpo,também já de anos largos, pedia que o tratassem como devia ser. Com essa sobrecarga,apsar de bengala robusta,foi uma carga de trabalhos atravessar uma rua,galgar um passeio,cruzar outra rua,e,finalmente,voltar a ocupar o assento do condutor.
E aconteceu o inesperado.Ter trepado aquele passeio já fora coisa de mestre. Mas descê-lo,sem uma arranhadela,foi obra de mágico. Fê-lo com todos os cuidados,segundo a segundo,sem um deslise. Muito podem,pois,enganar as aparências.

UM MONTINHO DE TRABALHOS E UMA MONTANHA DE AJUDAS - X

55 - Composição da luzerna e do solo ao longo de uma cultura. 1978

56 - Sobre o potássio dalguns solos da região vitícola do Bombarral. 1978

57 - Adubos químicos e poluição da água. 1978

58 - Sobre a fertilidade dos principais solos do perímetro de rega do Alto Sado. 1978

59 - Comparação de vários índices de potássio do solo com o potássio extraído pelo azevém-perene em vasos. 1979

60 - Sobre o potássio e o magnésio dos principais solos do perímetro de rega do Alto Sado. 1979

UMA VIDA CHEIA

Era uma pena o senhor ficar para tio. A ele pouco lhe importaria ,pois a sua vida era uma vida cheia. Desdobrava-se em tantas actividades que pouco tempo e disposição lhe sobravam para cuidar de si. Mas os amigos preocupavam-se. Não estava velho,mas continuando assim já seria tarde,pensavam eles. E vai daí,procuraram-lhe noiva a condizer. Não foi preciso ir muito longe. E assim começou uma relação. Naquela altura,a menina tinha de ter a companhia permanente da mãezinha. O que haviam de dizer? Para mais,ela era filha única e muito rica. Os encontros foram,pois,sempre a três. Não se sabe bem o que verdadeiramente aconteceu. Mas os que o conheciam melhor previram logo que aquilo não iria durar muito. O senhor fora sempre muito independente. A dar o passo,seria com uma e não com duas. E parecia que se tinha de se sujeitar ao segundo cenário. Assim,não. Passem por cá muito bem. Alguns comentaram que ele não soubera aproveitar,juntando o útil ao agradável. Mas ele não era desses. E assim se manteve,continuando na sua senda de bom samaritano,distribuidor de dádivas inúmeras. Constou que mal ele largou o tesouro,alguém,menos exigente,tomou logo posição,não fosse haver arrependimento.

UM GELADO

Já devia ter ultrapassado o cabo dos noventa,ou talvez não,que isto de idades tem muito que se lhe diga. Caminhava quase em ângulo reto,apoiado numa bengala e numa canadiana. Conseguira descer uma escadaria de dois lanços,atravessara a rua e embrenhara-se no jardim. Avançava muito tentamente e,enquanto o fazia,soltava gemidos. Eram ais,numa toada que lembrava,das fitas,a dos remadores das galés. Ele também seria uma,já muito gasta,a desconjuntar-se,mas que ainda se mantinha navegando. Só que nela havia apenas um único tripulante. A cabeça seria a proa. O fluido envolvente deixar-se-ia abrir,sem resistência,com pena dele. E a embarcação lá ia,muito arrastadamente,mas ia. Parou junto a um quiosque. Encostou os apoios e ergueu com esforço a cabeça. Pediu um gelado,pagou,recebeu o troco e retomou a navegação,mas por apenas mais uns metros. Sentou-se num banco,pousando a iguaria ao lado. Tossiu,assoou-se,instalou um cigarro na boca e acendeu-o. Tudo isto sem pressas,como que antegozando o festim. Finalmente,chegou o grande momento. Chupava,dava uma fumaça,tossia e olhava. Para onde? Ficaria isso com ele.

NÃO ERA NADA

Depois,havia uns pândegos,muito patriotas,daqueles que a pátria tratou muito bem,por serem,certamente,muito bons,irrepreensíveis,uns espelhos, onde todos se deviam mirar,que acabavam por se fazerem donos dela,com todas as benesses,e mais uns trocos.

Era assim tal como na pátria sagrada lá do soldadinho,daquele que tinha de abandonar os velhinhos pais para a ir servir lá longe,da pátria que ele tinha de amar acima de tudo,que era assim que lhe tinham ensinado,embora ele nunca a tivesse visto,mas,enfim,devia existir,caso contrário,não lhe haviam dito que existia,e que era a coisa mais importante para ele,porque, sem pátria,ele não era nada.
Tudo desculpavam aos patriotas lá das pátrias,desde que fosse para maior glória delas,mesmo as piores maroteiras,tendo-as feito certos de que era para seu bem,para o bem de todos lá delas. Mas não desculpavam as maroteiras que os patriotas doutras pátrias fizessem às deles.

quarta-feira, 28 de junho de 2017

FORÇA E FRAGILIDADE

Aquela era uma força que parecia imparável. À volta da árvore,rebentos irrompiam cheios de viço,tapando o chão. As folhas eram largas,em forma de coração,e eram muito finas,quase transparentes,talvez pela febre de crescerem.
As hastes que suportavam as folhas eram esguias,mas lá se amparavam,fruto da união que reinava ali. As suas extremidades mostravam orgãos incipientes,que bem depressa se realizariam,como tudo o resto.
A força que ia por ali e a fragilidade também,tal como a força e a fragilidade de um começo de vida,de todas as vidas.

DESTRUIR

O que um simples pedido pode originar. Não se importa de cortar aqui estas folhas? Não,não me importo,até o faço de boa vontade. É que eu gosto de destruir,gosto de destruir. Não imagina.
Não parecia uma saída a propósito. Não se tratava, de facto, de uma destruição, longe disso. mas antes uma mera eliminação, uma coisa sem importância E tanto o que fez o pedido, como quem o satisfez, tinham disso a exata noção.
Mas o calor, a ênfase, a repetição, a alegria, até. posta naquele manifesto gosto de destruir, impressionou. E aquele gosto. assim tão veemente, parecia estar a pedir um esclarecimento. Que queria ela destruir assim, assim ?
Era ela uma jovem cheia da natureza. Era uma jovem que pedia criação e não destruição.

JOGOS DE CARTAS

Não passava o entretém de um simples jogo de cartas,para matar tempo. Mas já não era a primeira vez em que ele era dera sinais evidentes de má disposição ,quando perdia. Pelos vistos,acima do entretém,tinha nele mais uma ocasião para mostrar que era o melhor,tal como noutros desempenhos. Até ali queria ser o primeiro. Objetivamente,nada lucrava,que era a feijões,mas seria mais uma confirmação da sua superioridade em toda a linha. Não podiam restar dúvidas. Fazia isto lembrar o que se passava noutros palcos. A alternância de desenlaces,quaisquer que eles fossem,não parecia do agrado de muita gente. O hoje eu,amanhã tu,estava longe de ser a disposição de muitos. Só se sentiam bem,permanecendo lá no topo. Custavas-lhes,como de coisa essencial se tratasse,serem segundos,e muito menos terceiros ou quartos. Mesmo que os da frente não os molestassem ou,até, acariciassem. Era simplesmente a posição, o que interessava a alguns,sem cuidar daí tirar algum proveito. O mal era quando se associava a cobiça. Podiam tornar-se perigosos,quando não mais queriam deixar os lugares. Criavam-se,então,tensões,com efeitos desagradáveis para todos. A alternância parecia, assim,com cobiça ou sem ela,um excelente remédio para as aliviar. Aos jogos de cartas,ou outros,podia aplicar-se também esta panaceia. Mas o ideal, seria existirem jogadores imbatíveis,sem mácula,dispostos a perder de vez em quando. Quando entendessem,continuando sempre sem mácula,estariam senhores do jogo.

REALIDADES INTERESSEIRAS

Eram eles e elas,toda a gente,assim se podia dizer,realidades exclusivas. Não haveria termo mais adequado para as definir. Quer dizer,eram realidades que repeliam.
Para eles e elas,apenas contava uma coisa,e que era,sem tirar,nem pôr,eles e elas. Não queriam saber de mais ninguém. Era assim como se estivessem sós no mundo. Quer dizer,só se interessavam por si mesmos,por aquilo que lhes dizia
diretamente respeito.
Eram assim,pois,realidades egoístas,preocupadas apenas com o que lhes desse satisfação,lucro. Quer dizer,eram realidades interesseiras. Perder tempo,gastar
palavras,atenções,com quem nada lhes trazia que se visse,que muito pesasse,era o que faltava.

UM DESASTRE

Não interessava saber em que ela se tinha ocupado durante anos e anos. O que interessava saber era que ela tinha vivido durante a maior parte desse longo tempo em barracas,tinha,até,
nascido numa.
A dada altura,porque ,na ocupação ,conseguira cem por um,ou coisa parecida,mudara-se para uma casa como devia ser,nem precisaria de tanto. E foi um desastre,um modo de dizer.
Os indícios já se vinham mostrando,avolumando-se mais depressa do que se poderia imaginar,e quando da mudança de poiso houve lugar para uma alteração definitiva. Nem olhar para os antigos companheiros lá das barracas podia,que lhe vinham umas febres insuportáveis.

COM MUITA HONRA

Tinha lá andado,sim senhor,e com muita honra,fiquem sabendo. E se for preciso voltar lá,é só dizer,que eu largarei tudo o que estiver a fazer,com grande alívio.
O seu caminhar era lento,pausado,ausente,calado. Não era ele que ali ia,seria,talvez,um outro,em que,um dia,já há muito tempo,se transformara. Parava nas esquinas,e ali ficava,olhando em volta. Não comunicava. Só uma vez,muito nervoso,desabafara. Se acaso lá voltasse,tornava a fazer o mesmo,com muita honra.

NATUREZA SELVAGEM

Porque ficara impressionado o homem com aqueles registos? Talvez tivesse sido a sucessão de montes pintados de cores violáceas. Mas também o lajedo rochoso,o verde dos prados,o mato florido,a promessa de silêncio. E algumas vezes as gentes. Rudes,talhadas a machado,como o passador.Era este a imagem de um sobrevivente de muitas calamidades e contratempos. Porventura, o modelo de todos os que conseguem,apsar de tantos reveses,ficar à tona. Parece,por vezes,ir submergir para sempre. Mas com um golpe de rins,um salto mais atrevido,uma marcha mais veloz,lá surge ele com maior determinação para viver.Era uma irradiação da natureza selvagem que o rodeava,de onde ele brotara,como que espontaneamente. Muito aprendera com ela. Vira nascer e morrer. Vira armadilhas e cercos. E vira que nem todos se deixaram prender. Certas vezes,fora a sorte que o lograra,outras,a vontade de continuar,de teimar,como ele.Como que fora levado a isso. Aquela beleza rude,dominante,quer ser vista,apreciada,gozada. E só aceita gente forte,corajosa,destemida. É capaz de aborrecer os fracos,os desinteressados,os apáticos,os abúlicos.

OUSADIA

Ouvia-se-lhe a voz,mas não se conseguia vê-lo. Ainda se tentou encontrá-lo,para uma justificação,mas escondia-se. Coisas de rapazes. Do ladrão,ladrão,é que ele não desistia. Tudo isto,porque se lhe invadira os domínios e houvera a ousadia de pôr num saco meia dúzia de quilos da sua terra,muito negra e muito encharcada. O milho,já alto,era capaz de se afogar. Aconteceu isto nas imediações de Póvoa do Lanhoso,há uns largos anos. Sabia-se que fora por ali que eclodira uma "confusa rebelião popular usualmente conhecida de revolução de Maria da Fonte". Dera-se ela em tempos muito recuados,mas aquele moço podia ser descendente de um revolucionário. Era capaz de ir tocar a rebate. O mais acertado era sair dali,para pôr a recato o precioso saco e sabe-se lá mais o quê. Noutros locais,já os tinham olhado com olhos desconfiados. Que andarão estes por aqui a fazer? Boa coisa não será. Se o moço tivesse visto o jipe,um tanto afastado,o que é que ele iria pensar? Querem ver que me vão levar a terra toda. Então é que iria mesmo pedir socorro.

UM MONTINHO DE TRABALHOS E UMA MONTAMHA DE AJUDAS - IX

49 - Um caso provável de deficiência de enxofre em trigo cultivado em vasos. 1977

50 - Efeitos do azoto e do potássio na composição mineral de trigo e
de tomate. 1977


51 - Ensaio de adubação potássica numa cultura de milho para forragem (dados analíticos do solo e da planta). Em colaboração. 1977

52 - Sobre o potássio e o sódio na cultura de beterraba sacarina. 1977

53 - Sobre a fertirrigação. 1977

54 - Índices de potássio dalguns solos e suas correlações. 1978

terça-feira, 27 de junho de 2017

SUMIÇO

Há anos que o prédio ali está,quase a desmoronar-se. É um dos mais velhinhos de uma via nobre,talvez a mais nobre. Um grande respeito lhe devem ter,para não o incomodar na sua agonia. Há uns tempos atrás,alguém,a autoridade,talvez,temendo que ele viesse a desabar,ceifando alguma vida,porventura, mais do que uma,que a artéria é muito concorrida,mandou isolá-lo com uma fita encarnada e branca. Esteve lá a fita meia dúzia de dias.Tal sumiço serviu de tema para acaloradas conversas. É que o moribundo,moribundo permanece,continuando o perigo a espreitar. Ainda ali vai acontecer alguma desgraça. Que teria sucedido para tal sumiço? Mistério insondável.

FIO DE ÁGUA

As cigarras emudeceram e os pássaros esconderam-se nos ramos das azinheiras. É que se aproximava o medonho estrondo de um comboio de viaturas. Nunca se vira por ali uma coisa assim. O que estaria para acontecer? Bem depressa veio o esclarecimento quando os carros pararam. Deles saiu um mar de gente que se apressou a bisbilhotar o vasto milharal que se estendia ao longo do rio. Pobre rio,que naquela altura era uma pobre sombra do que fora. Um fio de água,se podia dizer,que mal dava para a meia dúzia de famílias de rãs que por ali faziam pela vida,quanto mais para matar a sede daquela ilha verde. Pois fora esta pobreza que trouxera ali toda aquela gente. Estavam muito preocupados,e com razão. É que aquele milharal estava a ser um comedor de dinheiro. Não bastara a renda da terra,as sementes,as alfaias,os químicos,os amanhos,as jornas,para há uns tempos ter havido necessidade de recrutar pessoal para escavar o leito do rio,na esperança de algum milagre. E o milagre dera-se,como se estava a ver. É que as maçarocas já despertavam os apetites de bandos de pássaros. Alguma coisa de jeito eles sabiam que nelas encontrariam. Aquele pessoal tinha sido o milagreiro. Escavando dia e noite o velho leito do rio,desencantou veios de caudal capaz de dar vida àquele milharal. Mereciam eles um prémio que se visse. Os pássaros também tinham obrigação de contribuir.

FORTE EXEMPLO

Uma alta chaminé fumegante irrompia do aglomerado de casas. Ali perto,alguém procurava,providencialmente,minorar os estragos causados por tal intruso. Nada mais nada menos do que uma árvore centenária,de tronco e de braços atléticos. Não se notava,mas da enorme massa das suas folhas escapavam-se correntes de antídoto do veneno que o monstro maleficamente expelia. Enquanto ela ali permanecesse, o mau não levaria a melhor. Mas não se ficavam por aqui os méritos daquela nobre figura velhinha. Havia também a sua vasta sombra. Outra tão fresca e tão cerrada não existia por muitos quilómetros em redor. Não seria só por isto,o que já significava muito,que os velhos de um asilo vizinho a elegiam. É que ela era um forte exemplo para eles e uma companhia compreensiva. Resistira contra tudo e contra todos,e ali estava como sempre o fora,com promessas de continuar por muitos anos mais. Seria uma grande desgraça se assim não acontecesse. Quem depois iria substituí-la nos seus múltiplos papéis benfazejos? O tempo que levariam a crescer,tentando,em vão,imitá-la. Atinadamente têm procedido as sucessivas edilidades,poupando-a e conservando-a . Até já a condecoraram.

UM MONTINHO DE TRABALHOS E UMA MONTANHA DE AJUDAS - VIII

43 - Changes in the exchangeable potassium contents of some soils in different experimental conditions. 1976

44 - Sobre o cloro na cultura do tabaco. 1976

45 - Perdas por volatilização de azoto da ureia nos solos. 1976

46 - Perdas por volatilização de azoto de sulfato de amónio num solo de aluvião submerso. 1976

47 - Teores de potássio e de sódio em milho híbrido para forragem. 1976

48 - Secagem ao ar e potássio de troca dos solos. 1976

segunda-feira, 26 de junho de 2017

PORTA DA RUA

Daquela vez,parecia que o professor não tinha esgotado o tema da lição. Daí,o ter-se dirigido aos alunos para que se pronunciassem,acrescentando mais vantagens da consociação fava-ervilha.
E um não se fez esperar,dizendo que sabia de mais uma,de grande importância. Então,diga lá. Olhe ,senhor professor,ter lá na horta só fava,nessa é que eu não caía,que eu já os conheço.
Logo que me vissem ir à horta,queriam logo saber aonde ia eu. Pois eu podia-lhes dizer,não mentindo,que ia à ervilha. Ainda não tinha terminado,e já a porta da rua lhe fora apontada.
Ele era assim. Podia lá perder uma opotunidade daquelas? Ficaria doente por uma semana,ou mais.

A MATO

O homem,coitado,volta não volta,lá se lembrava dos javalis, e das suas topelias. Tinha fortes razões para isso. É que os bichinhos entravam-lhe na vinha,fazendo por lá estragos. Estivesse ele lá que lhes havia de tratar da saúde.
Só por lá passava muito de vez em quando,que a vida dele não dava para mais. Acontecia o mesmo aos vizinhos,pois estava cada um para seu lado,lutando pela vida.
Não se sabia de onde os javalis vinham. O que se sabia é que por aqueles sítios,e não só,iam ficando as terras a mato. Assim,fora-se a gente embora,e viera o javali.

POBRES ACHEGAS

Estava ali gente capaz, não havia dúvida. E pensa-se,às vezes,que está tudo perdido,que não há ponta por onde se lhe pegue,e de repente,como por magia,irrompe uma iniciativa de respeito,com cara de abalar meio mundo. Basta,em certos casos,apenas um pequeno esforço para as torneiras começarem a debitar coisa que se veja. E quase sem se dar por isso,um grande lago forma-se de míseros regatos. E uma árvore que parecia morta desata a verdejar e um canto que se mostrava estéril entra em desfazer-se em riqueza.
Milagre não foi. Milagre já tinha sido. As coisas acontecem não por acaso mas porque são preparadas,incitadas a darem-se. Havia um embrião prévio. E esse é que é o verdadeiro milagre. Tudo o resto são pobres achegas para ele se desenvolver como pedem as suas virtualidades de se ficar pasmado por tanta riqueza a haver.

ENQUANTO PUDESSE VOAR

O local presta-se ao descanso de todos os merecimentos. Dali,a vista pode espraiar-se pelas colinas em volta e pelos campos ao longe,em ondulações sucessivas. O ar é leve e perfumado. O silêncio perdura.Talvez por tudo isto, aquela senhora o escolhera. Estava sentada,só, e tinha nas mãos um livro. Foi o que ela fez durante os dias em que ali permaneceu. Passava as folhas muito lentamente. Estaria lendo um outro ,que a este se sobrepunha,o livro das suas recordações. Os seus olhos deixavam,de quando em vez,as linhas na sua frente,para se fixarem,aparentemente,num ou noutro ponto da paisagem rica,que diante dela se abria. Estaria lembrando,estaria sonhando. Raramente se servia da bebida, em cima da mesa da esplanada. Necessitaria de outras,bebidas muito dela. A senhora bastar-se-ia a si mesma. Em locais como aquele, encontraria bálsamo para algumas tristezas. Partiu,provavelmente,consolada. Voltaria ali,uma e mais vezes,enquanto pudesse voar,pois,dificilmente, encontraria melhor poiso.

PARA SEMPRE

A senhora estava encantada. Seria tão bom ficar ali mais algum tempo. Seria tão bom ficar ali para sempre. Fora aquilo mesmo que ela sonhara.
Ia-se atrasando,demorando,ficando para trás. Sentou-se. Os outros que esperassem. Olhou em volta ,demoradamente,mais uma vez,e cerrou os olhos,como a querer guardar toda aquela riqueza,que estava prestes a perder.
Chegavam-lhe ondas de perfumes de muitas flores,da grande mata envolvente. O ar estava sereno. Apenas ouvia o falar de um ou outro passarinho.
Ali muito perto,teria cama,mesa e roupa lavada. Era o lugar ideal. Assim ela pudesse. Os outros que regressassem,que ela ficaria ali para sempre.

UM MONTINHO DE TRABALHOS E UMA MONTANHA DE AJUDAS - VII

37 - Um estudo sobre o potássio dalguns solos do perímetro de rega do Roxo. 1974

38 - Extraction of potassium from twenty one soils with a cation exchange resin. Em colaboração. 1974

39 - Assimilabilidade do potássio em dezoito Solos Mediterrâneos Pardos de xistos. 1975

40 - Sobre a fertilização em regadio (alguns tópicos). 1975

41 - Inventário do potencial científico e técnico e classificação das actividades de investigação e desenvolvimento,INIA. Em colaboração. 1975

42 - Projectos de I-D em 1975,INIA. Em colaboração. 1975

domingo, 25 de junho de 2017

UMA GRANDE MULHER

Agora sabia bem que estivera nos Victoria Tower Gardens,ali à vista do Tamisa,mesmo no coração da grande urbe. Acontecera isso há muitos,muitos anos. Andara a meter o nariz por muitos cantos,a querer ver o mais que pudesse,que o tempo voava e o disponível era magro,e também porque podia ser aquela a última oportunidade de por ali passar,o que,de facto,veio a suceder. Parecia ele adivinhar.
Sentara-se,a recobrar forças. Só depois de alguns minutos é que deu conta de que à sua volta apenas se viam senhoras de muita idade. Isso levou-o a pensar que estaria em local de algum significado. Não demorou muito a ser esclarecido.
Uma das senhoras levantara-se e viera sentar-se a seu lado. Sabia ele onde se encontrava?
Não,não sabia.Estava cansado e sentara-se no primeiro banco que vira. Está ali a ver aquela estátua? Pois é a estátua de uma grande mulher. A ela devemos,da sua luta,o direito das mulheres poderem votar. Estamos-lhe muito gratas por isso e sempre que podemos vimos aqui prestar-lhe homenagem.

AS MESMAS QUEZILIAS

A dona da casa tinha carradas de razões para desabafar,embora o fizesse com um hóspede. Este agradecia e quase estimulava,pois ,desta maneira, tinha frequentes aulas para melhorar o seu inglês. Arranjara,assim,uma professora de borla,ainda com a grande vantagem de não ter de ir apanhar mais frio,e mais chuva. Pois claro que a senhora estava cheia de razões. O desabafar até lhe fazia bem. Ela ali feita escrava, a ter de arrumar quartos,havia mais dois hóspedes,fazer limpezas,confeccionar refeições,e a cunhada,aquela rica peça,a flanar,só. Com a morte do marido ,ficara com uma boa pensão,que ela se encarregava de desbaratar em diversões e compras supérfluas. Ele eram passeios,quase todos os dias,ele eram almoços ,em bons restaurantes,com as amigas,ele eram chapéus sempre à moda. E a água que ela esbanjava nos intermináveis banhos? Parecia ser ela uma menina. Mas quem pagava as contas era o marido,pois então. E ela havia de se ralar. Postas as coisas nestes termos ,está-se mesmo a ver que as duas senhoras só por um muito mero acaso se cruzavam. Fugiam,positivamente, uma da outra,o que era facilitado pelo tamanho do "home". A cunhada refugiava-se no quarto,só de lá saindo para se lavar e ir às tais diversões e compras. O hóspede já andava muito desconfiado,por outras cenas,noutros palcos. Afinal,parecia não ter saído da sua terra.É que viera encontrar as mesmas quezílias.

NEW ZEALAND SOIL BUREAU SCIENTIFIC REPORT

New Zealand Soil Bureau Scientific Report - Edições 26-38 - Página 50 https://books.google.com.br/books?id... - Traduzir esta página New Zealand. Soil Bureau - 1976 - ‎Vista de excertos - ‎Mais edições New Zealand. Soil Bureau. Fieldes, M.; Weatherhead, A.V. 1968: Mineralogy of sand fractions. U.Z. Soil Bureau Bulletin 26(2): 8-21. Gama, M.V.; Sousa, M.L.B. 1974: Extraction of potassium from twenty- one soils with a cation exchange resin.

DA GAMA,M.V.

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UM MONTINHO DE TRABALHOS E UMA MONTANHA DE AJUDAS - VI

31 - Breve nota sobre a composição mineral de quatro cultivares de milho para forragem. Em colaboração. 1971

32 - Algumas considerações sobre as perdas de nutrientes dos solos. 1971

33 - Influência dos herbicidas nalgumas características químicas dos solos (uma revisão bibliográfica). 1971

34 - Sobre a uniformização dos métodos de análise dos solos. 1972

35 - Guias de trabalhos práticos da disciplina de Química Agrícola,do Instituto Superior de Agronomia. 1972

36 - Influência da calagem na assimilabilidade do potássio. I - Uma breve revisão bibliográfica. II- A calagem e a relação Q/I "imediata" dum solo Pg. 1973

sábado, 24 de junho de 2017

DE MÃO DADA

Mal se reformara,fora-se-lhe a mulher. O resto da família tinha mais que fazer. Uma tristeza. Para afogar as mágoas e entreter os ócios,fizera-se consumidor de sessões musicais. Não falhava uma,quase se pode dizer. Saltava de uma para outra,num frenesim,olhando para o relógio,não fosse perder uma nota.
Mas a mulher perseguia-o. E era um carpir permanente. Amigos e conhecidos de qualquer data tinham de o animar. Parecia ser companhia para sempre,até ao último suspiro,mesmo até à eternidade.
E um dia,alguém o viu de mão dada com uma dama,assim como num namoro recente. Não quis acreditar,estaria sonhando. Deveria ser um familiar,uma irmã,talvez,seria a única explicação. Mas noutro dia,ficou tudo esclarecido.
Então,arranjou um cão para se defender dos larápios? É o cão da minha mulher. De tanto pensar nela,cheio de saudades,dera-se o milagre. Ela tinha ressuscitado e aproximava-se,ligeiramente.

quinta-feira, 22 de junho de 2017

DESEMBARQUE DE PEDRO ÁLVARES CABRAL EM PORTO SEGURO EM 1500

ÓSCAR PEREIRA DA SILVA

VASCO DA GAMA - TERRA DO NATAL

History of the City of Durban in KwaZulu-Natal, South Africa www.southafrica-travel.net/kwazulu/edurban1.htm Traduzir esta páginaThe Portuguese seafarer Vasco da Gama arrived at the bay of the Durban of today on Christmas Eve in the year 1497, and called it "Terra do Natal", Christmas ...

ACLAMAÇÃO DE D.JOÃO IV DE PORTUGAL

VELOSO SALGADO

UM MONTINHO DE TRABALHOS E UMA MONTANHA DE AJUDAS - V

25 - Algumas considerações sobre a disponibilidade do potássio nos solos. 1968

26 - Sobre a fixação do potássio e do amónio nos solos. 1969

27 - Potássio de troca de vinte e três solos segundo dois métodos de extracção. 1969

28 - Resultados de ensaios em vasos sobre a disponibilidade do potássio nos solos. 1969

29 - Transformações de potássio nalguns solos portugueses. 1969

30 - Efeito do potássio e do sódio na produção e na composição do azevém. 1971

quarta-feira, 21 de junho de 2017

PAINEL DE AZULEJOS

MERCADO MUNICIPAL DE SANTARÉM

CROMELEQUE DOS ALMENDRES

CROMELEQUE DOS ALMENDRES

GRUPO DO LEÃO

COLUMBANO BORDALO PINHEIRO

CONVENTO DE MAFRA

BIBLIOTECA

BIBLIOTECA JOANINA

COIMBRA

VASCO DA GAMA PERANTE O SAMORIM DE CALECUTE

VELOSO SALGADO

MARTÍRIO DE SÃO SEBASTIÃO

GRGÓRIO LOPES

PAINEL DE AZULEJOS

MANUEL CARGALEIRO

A PROVA

PAULA REGO

EGAS MONIZ

JORGE COLAÇO

O FADO

JOSÉ MALHOA

PAINÉIS DE SÂO VICENTE

NUNO CONÇALVES

GARE MARÍTIMA DE ALCÂNTARA

ALMADA NEGREIROS

VOLTA DA FEIRA

SILVA PORTO

O BARBEIRO DA ATALAIA

JOSÉ MALHOA

BURACO TAPADO

O buraco já lá não está,mas encheu-se de água ,no inverno,por alguns anos. Era para se ter erguido ali um prédio de muitos andares. Lindos sonhos ele engendrou. A prespetiva mostrava-se,de facto,tentadora,em particular para alguns,que iriam ter morada mesmo quase à porta do emprego.

Seria para estes ouro sobre azul. E,assim,não havia fim de semana que não incluisse uma visita demorada àquele local. O buraco lá continuava,mas já se viam ali instalados ,olhando quase o mar,ali tão perto,e recebendo o cheiro a campo de uma vasta ária que reunia condições para resistir por muito tempo à onda de betão.

Mas o homem põe e Deus dispõe. E,inesperadamente,um certo choque ocorreu,produzindo sérios desarranjos. As contas não tinham tido em conta tal choque,e,assim,alguém iria perder muito dinheiro. Foi o fim dos lindos sonhos.

terça-feira, 20 de junho de 2017

MEDIANIA AVILTANTE

Começara por habitar um andar de renda. O que ela deve ter sofrido,o que ela deve ter passado. Com o tempo ,as coisas melhoraram,com muito alívio dela,e pôde trepar. Agora,tinha um teto muito seu. Mas não era ainda isso que ela queria. Seria uma mediania aviltante. Faltava ali um elemento imprescindível,um elemento essencial,faltava o verde. E o conjunto sonhado surgiu,estava ali mesmo na sua frente,ao alcance das suas duas mãos,que uma só não chegava. Era mesmo aquilo que lhe convinha. Ficaria ali como uma rainha,que ela se achava no direito de ser. Havia,porém,um óbice,um obstáculo de respeito. A fasquia estava alta. Havia de a baixar,que ela era mulher para isso e muito mais. Mas o tempo arrastava-se,apsar dos seus esforços,e a fasquia continuava lá bem alto. Nesse transe,nesse angustiante transe,que nenhuma rainha tinha ainda atravessado,gastava os dias,inteirinhos,numa pesada tristeza,remoendo,dando tratos à sua muito fértil imaginação. O olhar era ausente. Metia dó.

sexta-feira, 16 de junho de 2017

SUA MAGESTADE O UMBIGO

Não há nada a fazer. Ah ,estes narcisos ou narcisas,de hoje ou de ontem. É o egoísmo que prevalece,que triunfa,que tudo abafa,o egoísmo em estado puro. É um estar voltado,sempre,para o umbigo próprio,o umbigo-rei,ou rainha,o umbigo-imperador,ou imperatriz. Sua Magestade O Umbigo. O horizonte termina ali,no umbigo,seu ou sua. Haverá excpções? Com certeza. São os néscios,ou as néscias,e os,ou as mártires. Uns,ou umas,e outros,ou outras,não têm cura,nasceram assim,finar-se-ão assim. Adeus,adeus,que tão bem ficavam na paisagem.
Mas o mundo anda,não se sabe bem,se para a frente,ou se para trás. Anda,que bem se vê.É o umbigo todo-poderoso de qualquer um a puxar,para a frente,ou para trás,sabe-se lá. Não se passa disto,para o bem,ou para o mal,venha o diabo que diga. É uma sina,uma fatalidade,é o diabo,outra vez.
Ainda há poucochinho calhou estar ao pé de um caso paradigmático,para se empregar um palavrão,daqueles de que certos umbigos,umbigos que muito se prezem,adoram.
Eram duas velhas amigas,amigas do coração,constava,que se não viam há um ror de tempo. As saudades,de ambos os lados que por ali iam,só visto,se as saudades se pudessem ver. E uma delas,não suportando mais aquela dolorosa ausência,foi visitar a outra. Tinham vivido uma carrrada de coisas em comum,lá no passado distante,onde ele já ia,andaria para aí ,perdido,coitado dele.
Pois foi um monopolizar do riquinho tempo por uma delas. A outra parecia não estar ali,ou estava só para ver a caravana passar. E que vistosa caravana era ela. Foi uma enxurrada de feitos avassaladora,de estarrecer,de ficar de boca aberta para sempre,a varrer,a submergir,a reduzir a outra a zero.
Pertencia a uma família de primeira,privilegiada. A coisa vinha das origens,talvez em linha reta,sem qualquer mistura,no muito já longo percurso,desde o primeiro par. E tinha sido sempre um apurar,um refinar,sem quebras . Os filhos eram melhores do que os pais,estes muito melhores do que os avós. Era,em suma,uma famíla genial. E o que havia ainda de suceder. Era um deleite,um saborear de coisas boas,de coisas únicas.
De arrasar. A outra ainda tentou,timidamente,estancar aquela enxurrada,mas, pobre dela,foi estar a chover no molhado. E a açambarcadora,a narcisa,lá se foi,sem tocar,ao de leve que fosse,num pormenorzinho,do seu estendido passado em comum.

HAJA ESPERANÇA

Numa cidade martirizada,mais ou menos um mês após o início da catástrofe que a inundou,é reaberto o casino. Já estaria fazendo muita falta.
O rebento de uma família muito bem,daquelas que não sabem o que fazer do seu quase incontável dinheiro,foi a panhado com a boca na botija,ou seja com a boca na droga.
Um sujeito,rodeado de crianças,detém uma galinha sobre a cabeça de uma jovem,para se dar a transferência de pecados.
Em certo país de vanguarda, mais de metade dos estudantes não sabem onde ficam as suas bibliotecas. O que aconteceria se todos,ou quase todos, as conhecessem?
Um independente,vencedor claro de umas eleições,acumula de mimos o dirigente máximo do partido de onde se excluiu.
Numa outra cidade martirizada por um fortíssimo sismo,foram resgatadas dos escombros de uma escola quarenta crianças.
Haja esperança,mesmo até na desgraça maior.

LEITURA DE UMA CARTA

ALFREDO KEIL

VOU SER MÃE

JOSÉ MALHOA

NADA MAL

Não desistiam,apsar de não serem capazes de levar a sua avante. E não o faziam pela razão simples,talvez única,de ser aquele o seu nada mau modo de vida,pelos proventos que lhes traziam. Depois,aonde é que iriam arranjar um melhor,um que tanto lhes enchesse as medidas,um que lhes desse tantas alegrias?
De resto,iam lutando por uma boa causa,e que era a de melhorar a vida de muitos,que nunca a tinham visto sorrir. Mas eles sabiam muito bem que muito pouco ou nada conseguiriam. Era como estarem a investir contra moinhos de vento. Ficavam apenas os gestos,nada mais.
Mas sempre iam alimentando os sonhos de muitos,o que,vistas bem as coisas,era ação de grande mérito. Enfim,ficava muita gente mais ou menos esperançada,enquanto eles lá se iam governando nada mal.

MONTINHO DE TRABALHOS E UMA MONTANHA DE AJUDAS - IV

19 - Relatório dum estágio no Departamento de Solos da Escola de Agricultura da Universidade de Newcastle-upon-Tyne. 1965

20 - Sobre a caracterização do estado do potássio nos solos. 1965

21 - On the potassic fertilization of grasslands and forage crops. 1966

22 - Potencial e capacidade dalguns solos em relação ao potássio e sua variação com o cultivo. 1966

23 - O potássio na nutrição das plantas. 1966

24 - Libertação e absorção de potássio nalguns solos. 1967

OLAIAS EM FLOR

SANTARÉM

TORRE DO CABACEIRO

SANTARÉM

PÓRTICO GÓTICO - IGREJA DA GRAÇA

SANTARÉM

PÓRTICO MANUELINO - IGREJA DE MARVILA

SANTARÉM

quinta-feira, 15 de junho de 2017

CAMÕES NA GRUTA DE MACAU

FRANCISCO METRASS

NÃO A MERECIAM

Moravam no mesmo prédio há um ror de anos. Escusado será dizer que estavam velhos os dois,muito próximo da despedida. Fase propícia,pois,para deitar contas à vida,fazer um balanço dela,reparar alguns danos.
Aconteceu naquela vez,como já teria acontecido mais vezes,cruzarem-se no patamar. Estava uma manhã de sol,cheia de promessas e de convites. Era uma boa altura,assim,para acertos. Mas ainda não chegara a hora.
Nem uma saudação,nem um simples olhar. Passaram de lado,cada um roçando o mais possível a parede,não fosse haver contágio. Num deles,ou nos dois,haveria maleita grave. Era imperioso,assim,tomar todas as cautelas.
Alguém,muito perto,julga ter assistido a um esquisito fenómeno,que explicaria tão invulgar procedimento. Uma densa bruma,de todo inesperada em manhã tão soalheira,invadira o palco. Seria imprudente descer meia dúzia de degraus sem um apoio capaz. Assim o entenderam os dois,guiando-se pelos únicos de que dispunham. O odor do inimigo deve também ter colaborado.
E daquela vez,como de outras mais,se desperdiçou a mão amiga de uma manhã plena de sol. É caso para proclamar,alto e bom som,que a não mereciam.

CITÂNIA DE BRITEITOS - GUIMARÃES

CITÂNIA DE BRITEIROS

CENTUM CELLAS

BELMONTE

TEMPLO DE DIANA - ÉVORA

TEMPLO DE DIANA

SANTARÉM - PORTAS DO SOL

PORTAS DO SOL

PORTO

PORTO

DOURO VALLEY

DOURO VALLEY

DOURO VALLEY

DOURO VALLEY

MONTESINHO

MONTESINHO

PRAIA DA ROCHA

ALGARVE

PENEDA GERÊS

PENEDA  GERÊS

ALENTEJO

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MONTINHO DE TRABALHOS E UMA MONTANHA DE AJUDAS - |||

13 - O azoto do ar na produção dos adubos azotados. 1962

14 - Libertação de potássio num solo derivado de granito. 1963

15 - Fixação de potássio em relação com as quantidades aplicadas nalguns solos. 1963

16 - Influência do hidróxido de cálcio nas perdas de potássio por lavagem num solo derivado de xisto (ensaio laboratorial). 1964

17 - Aspectos da química do potássio nalguns solos. 1964

18 - A matéria orgânica e a assimilação dos elementos nutritivos. 1964

CALORÍFEROS

Ela é muito magra,transparente. Ele é a sua imagem. Estão,assim,bem um para o outro. É um casal,pode dizer-se,em começo de vida. Casa têm,uma casa muito velha,de que não pagam renda. Não é um palácio,mas estão muito melhor ali do que debaixo da ponte. E cão também,dois até,um, para ele, e o outro, para ela. Levam-nos à trela,duas grossas cordas. Os cães são grandes,um, branco sujo,o dele,e o outro, negro,o dela. Não andam gordos,mas mostram melhores caras do que os donos. Tirarão da boca,para os ter apresentáveis. Ou será para outra coisa? É que a casa não tem aquecimento de espécie alguma,antes pelo contrário. Em dias como os que estão correndo,deve gelar. E,assim,dormirão com eles. Serão os seus caloríferos.

OITO OU OITENTA

Comprendia-se muito bem os exageros dele,quando já ia na rampa da descida. Amadurecera,aprendera com a vida,com os baldões dela,e com os muitos exemplos que presenciara.
Cometera fortes exageros lá no tempo da juventude,mas quem o não fizera? Que haveria outra coisa de fazer, se ele era um jovem impetuoso,extasiado com a descoberta,com a revelação? De resto,se não tivesse procedido como ele ainda muito bem se lembrava,seria marginalizado,posto de lado. Era a moda,tinha de a seguir.
Como que ficara marcado,manchado,sujo. Então,tinha de se desencardir,numa boa barrela. E foi um instalar-se bem em banda oposta,para que se visse,para que não restasse dúvidas de que ele deixara de ser o exagerado de outros tempos,de que ele não se queria lembrar.
Quer dizer,foi um passar por extremos,uma espécie de oito ou oitenta. Quer dizer,passara de um exagero para outro,parecendo não saber fazer outra coisa.

GAGUEZ

Era ele muito lembrado. Tratava-se do primo rico,que sofrera de respeitável gaguez,o que,no seu caso,não passava de uma coisa sem importância. Fosse ele pobre,a gaguez torná-lo-ia ainda mais pobre,pelo que ninguém se lembraria dele.

quarta-feira, 14 de junho de 2017

TINHAM ARTES

Mais uma vez ali estava ele a mostrar-se tal qual era, sem disfarces. Mas é assim que deve ser. Para quê disfarces? Não vale a pena usá-los ,pois são tantos os indícios do que é,que o não é soa logo a falso.
Por onde tinha andado que há tempos que não se viam ? Então o que é que ele tinha para dizer sobre o que ía por aí? Andara lá por fora há já umas largas semanas, e as coisas passaram-lhe ao largo. Não estivera cá. E aqui,neste cá,na maneira como fora dito,no desprezo que este cá lhe merecia,começara o destapar-se. O cá era sítio de um mundo terceiro ou quarto,de que ele não fazia parte.
Acabara mesmo de regressar de uma grande volta com um amigo fixe. E já ouvira para aí umas coisas,sim. Mesmo há pouco,no rádio do carro. Eram coisas sem importância para ele. Estava muito para lá delas.
Andara pelo Mediterrâneo,pelo Mar do Norte. Aquilo é que é um iate. Mas também custara ao amigo um bom dinheiro. Milhares,muitos milhares,ali revelados. Uma quantia sem importância. O amigo não cuidava dessas coisas,e ele também. Isso era só para os pelintras,para os que não tinham amigos assim,que sabiam livrar-se dessas coisas. Tinham artes.

SORRIU

Não sabia bem quantos anos tinham decorrido,mas talvez mais de vinte. Cruzava-se frequentes vezes com ela,no patamar,na rua,de dia,de noite. Cumprimentava-a,mas raras vezes correspondia. As negativas não o desanimavam,persistindo na mesma toada. Tratava-se,além do mais,de uma mãe de família.
Aquela cara nunca se abria num sorriso e os olhos não deixavam o chão. Parecia um caso perdido. Era assim,e era assim com todos. Devia ter os seus problemas e não havia meio de os ver resolvidos,era o entendimento geral.
Mas um dia,deu-se o milagre. A senhora sorriu e falou. Os dois elevadores estavam ali à disposição. Bastava usar um. Assim,tinha de parar a meio da viagem. Não importava. Parecia que tudo se tinha passado como estava acontecendo. O sorriso não a abandonou e que bem lhe ficava.

UM SORRISO

Ele andava muito triste por não ter dinheiro para dar,uma coisa que se visse. Supunha ele que dar seria dinheiro,ou o seu equivalente,não importa o quê.
Mas um dia,pôs-se a pensar. Que rico dia esse,que foi o começo de um tempo novo. Que rico,afinal,ele era,e nunca tinha dado por isso.
Pois não serão de valor alto,um sorriso,uma palavra amiga,uma atenção,gestos que vão escasseando,sobretudo,quando são os seus contrários os que inundando vão tudo quanto sítio é?

UMA DESGRAÇA NUNCA VEM SÓ

Ele fizera mal,muito mal,para a outra vez tinha de comprar. É que,afinal,fora uma esmola que dera,quando ela tinha mercadoria para vender. Ela aceitou,que remédio,pois aquele dinheiro dava-lhe muito jeito. Seria uma "fortuna".
Donde ela viera,a coisa estava feia,com cara de continuar não se sabia até quando,talvez até
nunca mais,que há coisas que se eternizam.Um irmão acompanhara-a. Lá,ficaram ainda mais dois,e também a mãe,que o pai abandonara-os. Uma desgraça nunca vem só.

PORTA DE VIDRO

Era o que se imaginara. Aquelas salas não estavam completamente sem serventia,como alguém que por lá passasse poderia supor,tal o abandono a que tinham sido votadas,logo à nascença. Tinham sido destinadas a altos voos,mas há os imprevistos,ou lá o que é,e para ali ficaram.
Ele viera lá do fundo do parque,àquela hora quase só,atravessara-o,como que absorto,e a essas salas despidas,um tanto vandalizadas,se dirigiu. Subiu umas escadas e entrou nos seus aposentos,empurrando a porta de vidro,ainda intacta. Por lá se demorou uns istantes. Saído de lá,regressou pelo mesmo caminho,como que absorto,sumindo-se ao fundo do parque.O que teria ido lá fazer ao seu palácio?

UMA ADORAÇÃO

Caíra a noite. A jovem enfermeira registava no computador, com uma das mãos, os dados do estado de cada doente. Talvez para mais rigor no relato, com a mão livre, acariciava  a sua linda e basta cabeleira. Não a largou um momento sequer. Uma adoração.

GUARDADO ESTÁ O BOCADO

O terreno para ali está, esperando que algum construtor lhe pegue. Enquanto isso não sucede ,vai tendo a sua utilização. Entre outras,é moradia de uma colónia de gatos,que lá vão vivendo daquilo que conseguem por própria iniciativa,mas,sobretudo,das dádivas de almas caridosas,que chegam ao ponto de lhes pôr a comida no prato. Às vezes exageram,mas os excessos não se perdem,pois há quem os aproveite.
Foi o que há dias aconteceu. Perto,corre um esgoto e nele habitam ratazanas,algumas quase do tamanho de lebres. Saíram duas ou três da sua casa e vieram explorar as vizinhanças. Uma delas deu com um belo pedaço de pão,que lhe chegaria para algumas refeições,assim o pudesse levar lá para dentro. Os intervalos da grelha eram estreitos ,pelo que a tarefa iria ser difícil. Mas ela estava determinada.Tentou,primeiro,pelo lado de fora,depois,do interior. Puxava,puxava,mas nada. Quando muito,arrancava alguns pedacitos,que,talvez,se perdessem. O tempo gasto nestes trabalhos inglórios foi-lhe fatal. Uma concorrente interveio e levou-lhe o petisco.
Isto não se fazia. Seguiu-se,como era de esperar,uma valente refrega,que resultou em flagrante injustiça. É bem certo que guardado está o bocado para quem o há de comer.

DE MAUS MODOS

Dizem que os elefantes,próximos do termo da vida,talvez desiludidos dela e talvez magoados por muitas desconsiderações,abandonam a manada,para, sozinhos,aguardarem o sinal da partida para o outro mundo.
A ser verdade,não parece isso sem sentido. Alguém,daqueles que se habituaram a ver como os seus piores inimigos,até poderá pensar que eles é que fazem bem. Livrar-se-ão de tratamentos desagradáveis ,para não dizer outra coisa menos leve,o que lhes mitigará a tristeza do adeus final,se é que alguma já sentiriam.
Tão poucas vezes a vida sorriu para tanta gente. E não será de esperar que no findar dela a alegria venha neles morar. Ainda ontem ela lhes virara as costas,de maus modos. Não era caso para isso,mas o que se há-de fazer,se ela também anda pelas horas da morte,tantas são as desgraças que por aí andam?
A pouca que resta tem de ser guardada para os mais novos,que esses têm muito tempo ainda para andar por cá. Agora os velhotes,que tenham paciência. Tivessem-na procurado e armazenado,quando ainda havia em quantidade. Os elefantes,afinal, é que têm razão. Para ver o que estão a ver e a sentir,se ainda sentem alguma coisa,o melhor é ir lá para longe,onde não incomodem e não sejam incomodados.

ALENTEJO


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UM MONTINHO DE TRABALHOS E UMA MONTAHA DE AJUDAS - ||


7 - Sobre os métodos de determinação do potássio. Um estudo comparativo. 1960

8 -Contribuição para o conhecimento da marcha da absorção do fósforo no arroz "chinês" (em colaboração). 1960

9 - Carta de Solos da Fazenda Longa-Nhia,Companhia Angolana de Agricultura (em colaboração). 1960

10 - Sobre o método de Volk para a avaliação da capacidade de fixação do potássio nos solos. 1961

11 - Compostos organometálicos na correcção da clorose férrica. 1961

12 - Os correctivos calcários e o potássio nos solos ácidos. 1961

terça-feira, 13 de junho de 2017

MUITO TEMPO

O senhor bateu à porta,manhã cedo. Desculpe se o fiz levantar da cama. Não têm que pedir desculpa,pois não é esse o caso,que eu cedo me levanto e tarde me deito.
Olhe que comigo sucede o mesmo. É que temos,depois,muito tempo para dormir.

CALIBRE GROSSO

Quando se pensava em egoísmo,pensava-se numa mão cheia de coisas mais,ainda que do mesmo terreno se não saísse. Apenas mais uma meia dúzia, para não abusar,e poupar não se sabia o quê,ainda que de egoísmo se tratasse.
Era o orgulho,o interesse,a vaidade,o narcisismo,a presunção,o vista grossa,o eu cá é que sei,mais ninguém,o sou o melhor,não há,o ver de cima,sem eles o mundo era zero,os outros não valem nada. Tanta coisa era obra. Como se podia armazenar tanta coisa em espaço tão pequeno? Seria uma questão de defesa,que à volta gravitavan "inimigos" sem conta? Talvez. E então,vá de se apetrechar,sobretudo,com armas de calibre grosso.

GAGUEJAR

Eram três a exame. Um,coitado,já se tinha perdido a conta das vezes que lá ia. O professor,condoído,mandou-o em paz,depois de duas ou três perguntas a despachar. O segundo,levava a melhor nota do ano. Talvez para ele não se julgar o melhor do mundo,o professor não o poupou. Por um triz,ia chumbando. O terceiro,lá se aguentou mais ou menos,talvez um pouco melhor do que menos. Não admira,pois,que o seu gaguejar se tivesse acentuado,de modo a dar nos ouvidos das testemunhas. Olha que não sabia que gaguejasses tanto.

COM MEDO

Um caso talvez para pensar,um caso,pelo menos,para sorrir. Era lá longe,não no fim do mundo,mas longe,onde bichos maus faziam pela vida. E eram dois trabalhadores que andavam por lá tratando,também,da sua vida.
Um deles,que por lá andou uns escassos dias, não largou a carabina,o outro,que por lá andou uns longos quatro meses,não largou o canivete. Não consta,porém,que a carabina e o canivete, alguma vez, fossem postos à prova.
A carabina via-se bem,pois estava bem à vista,mas o canivete ia num bolso. Sabe-se lá,pensariam os bichos maus,o que ele traz lá escondido? E nem espreitavam,com medo.

VIESSEM MAIS

A empregada,aí de uns quarenta nos,mãe de dois meninos já crescidinhos,lembrou que no dia seguinte era feriado,como que a dizer que se prevenissem,pois bateriam com o nariz na porta.
Alguém atreveu-se,discretamente,a fazer uma pergunta. Conhecia ela o significado daquele dia,do dia 1 de Dezembro? Não,não sabia. E estava interessada em saber? Com certeza,até agradecia. E lá lhe explicaram,também discretamente,pelo que vieram mais agradecimentos.
Para ela ,o que este feriado siginificava,e outros,certamente,era que não tinha de ir trabalhar para o patrão. Ficaria lá em casa,onde tinha muito com que se entreter. Davam um grande jeito,pena era que fossem tão poucos.
O que isto significava,também,é que lá em casa não ligavam a coisas da natureza daquela pergunta. Os filhos talvez soubessem,só que essas coisas se perderiam num mar de outras coisas mais importantes. E estes e o marido estariam na mesma onda dela. Gostavam muito daquele feriado,e dos outros,simplesmente por não terem de ir às aulas ou ao emprego. Viessem mais.

CANTOS DA CASA

Afinal,o ouro negro,de ouro,só tem o nome. É que se pode derramar, incontidamente, no mar,talvez por conhecer bem os cantos da casa,pois foi do mar que ele veio. Quando tal acontece,parece isso castigo,por se ter ido acordar quem estava dormindo um descansado sono de milhões de anos.

UNS POBRETANAS

Coitado do velhote. Ele que andava,naquela altura,muito mais tranquilo,tão tranquilo,que até parecia adivinhar qualquer coisa muito estranha que com ele se estava passando. Estranho ou não,o certo é que ele nem parecia o mesmo de tempos passados,sempre ralado,sempre a lastimar-se,mas nunca revelando o que era. Aquilo era com ele,ninguém tinha nada com isso. Queriam saber,mas tirassem dali o sentido. E fazia um risozinho muito misterioso.
Qual coitado,qual carapuça. Afinal,a coisa estranha,de estranha nada tinha,nem mais,nem menos,uma fortuna inesperada,pois ele para ali não tinha metido nem prego, nem estopa. Vira-se com ela,assim como uma de magia. Mas mágica é que ela não era,mas sim dinheirinho verdadeiro.
Mas o que lhe havia de suceder,pois passou mesmo,de novo,a coitado. É que não havia cão,nem gato,que esquecesse uma coisa daquelas. Então não querem lá ver o diabo do velhote? Parecia que não tinha onde cair morto,afinal está ali rico, que até pode fazer pouco da gente,para aqui uns pobretanas.
Coitado do velhote. Assim com toda a gente a implicar com ele não tinha graça nenhuma. Paciência,pedia ele a si mesmo,paciência. O melhor é dar o dinheiro aos pobrezinhos .Não lhes resolvo os seus muitos problemas pois eles são muitos,mas, ao menos, livro-me das patadas que não se cansam de me dar,que até já nem tenho sítio do meu velho corpo sem uma nódoa negra.

ATÉ UM DIA

Naqueles antigos tempos,que,felizmente,não mais voltaram,eles,os tempos,bem sabiam porquê,aconteciam coisas muito estranhas,que não lembrariam ao diabo mais diabo,sim,porque há diabos,e diabos,toda a gente o sabia,naqueles tempos.
Ia-se lá entender uma coisa daquelas. Quando eram os verdes a mandarem,aqui d'el-rei,ou coisa parecida,que assim não se podia viver como devia ser,estava tudo pela hora da morte. Quando eram os amarelos a fazer o mesmo,quer dizer,a mandarem,que há moralidade,ou comem todos,aqui d'el-rei,ou coisa parecida,que assim não se podia viver,que era um sufoco,que dantes é que era bom.
Ia-se lá entender uma coisa daquelas. Felizmente,as coisas mudaram muito,a partir de certa altura,vá-se lá saber porquê,coisas que aconteciam,talvez por acaso,ou por outra intervenção,quiçá misteriosa,do diabo ou não,pois diziam por lá que não havia só diabos,não se sabia era o que era.
Mas mudaram assim tanto? Era bem evidente que mudaram. Às segundas,quartas e sextas mandavam os verdes,às terças,quintas e sábados mandavam os amarelos. Quanto aos domingos,era domingo,sim,domingo,não. O certo é que ficou tudo satisfeito,até um dia.

O CORAÇÃO ESTÁ ONDE SE TEM A RIQUEZA

É caso para ficar perplexo para o resto da vida. Olha quem vem ali. Há que tempos se não viam. Pois era para ficar ali um pedaço à conversa,a lembrar velhos tempos. Tanta coisa que houvera em comum.
Mas,no geral, é o ficas. Ele ficava,mas estava com muita pressa,que lá em casa esperavam-no. Viera ali,numa fugida,comprar o jornal,ou a comida para o bichano,que lá para os sítios dele não havia. Quando se fica,vem um aviso prévio,com similares desculpas. E nesses fugidios momentos,o que se ouve,minha Nossa Senhora,como diria o saudoso tio Joaquim,se ainda por cá andasse.
Ouve-se,sobretudo,coisas do ter dele,do malfadado ter dele. O tal ter que inspirou uma sentença bem conhecida,mas que todos procuram esquecer. Ali ao canto,vem de lá um protesto. Eu cá não sou desses. Que o coração está onde se tem a riqueza. Bonita,não é? Linda,como mais nenhuma. Mas adiante.
E é uma enfiada,sobretudo, de variantes do ter. São as obras lá na casa da cidade ou do campo. É aquele pequeno pinhal,à beira da estrada,que felizmente fora incluído no Plano Diretor e que rendera uma pipa de massa. O mesmo acontecera a meia dúzia de olveiras e de figueiras,que estavam para ali que ninguém lhes pegava. É o filho que é quase diretor lá da fábrica. Aquilo é que era trepar,tinha a quem sair. É o futebol de que ele gosta muito,não podendo passar sem ele,pois seria a morte. São as rendas lá dos velhos inquilinos,que estão sempre na mesma,ou quase. É o pedaço de terra,um quintalório,que a fábrica quer comprar,mas que não há meio de se chegar ao que ele quer. São os jornaleiros que querem cada vez mais dinheiro,e assim não dá. São os impostos sempre a subir. Agora há para aí uma telenovela,que é de a gente não sair da frente do televisor. Assim,dá gosto.Se não fossem elas,como é que se havia de aguentar isto,não concordas? Que saudades eu tenho dos nossos velhos tempos. Aquilo é que era bom.

A ESCALDAR

Parecia estarem combinados. Ainda na véspera se tinham cruzado,pela vez primeira,e ali estavam ,de novo, frente a frente. O ar dele,coitado. Teria encontrado a porta fechada,e viria de barriga a pedir que a enchessem.
Numa primeira reação do outro,recebeu apenas uma saudação. Mas não demorou este a emendar. Saudações não matam a fome. Olhe lá,onde tem aí um bolso? Obrigado. O tom deste obrigado era de fazer chorar as pedras da calçada,naquele caso,mais exato,o asfalto a escaldar.
É claro que o gesto do outro ficara-se por ali,uma coisa avulsa. Momentos sem continuidade,de não resolução. E era disso que se precisava,que tarda,sem resposta capaz à vista.

O ABUSADOR

Que gosto o dele,o de explorar as debilidades de outros. Quando apanhava um a jeito,flilava-o logo,não mais o largando.
Porque se entreteria assim? Talvez para se divertir,abusando da sua aparente superioridade. Quer dizer,em vez de ajudar o outro a ter mais confiança em si,procurava dificultar-lhe mais a vida,exasperando-o.
Quantos teria ele levado a mudar de caminho,de modo a evitá-lo,que aquilo não se tolerava? Dois deram notícia,que se estava perto. Mas quando o abusador andava lá por longe?

segunda-feira, 12 de junho de 2017

DORMINHOCOS

Já é vontade de ir acordar, e pôr a trabalhar,quem estava a dormir,lá muito sossegado,nas profundezas,há anos sem conta. E ali,mesmo ao pé da porta,com tanto sol,com tanto vento,com tanta onda,com tanta maré,com tanta água,com tanto calor geotermal,á espera que deles se lembrem. Depois,para pôr a trabalhar quem estava dormindo,lá se vai gastando oxigénio que,pode dizer-se,deve a sua existência ao sono profundo dos dorminhocos.

SEMPRE EM FRENTE

Boa tarde. Oiça lá,oh amigo,vai-se bem por aqui? O amigo,era um soldado que vinha de licença. Vai sim senhor. Se não se importa,pode levar-me,que eu vou para lá perto? Foram muitas as voltas que se deram,que o soldado quis dar noticia de si aos muitos amigos. Não houve canto que se não visitasse. E ele ali ao lado,a dar as precisas indicações. Volte à direita,depois à esquerda. Pronto,já cheguei. Agora,é sempre em frente

MAIS UM MILHÃO

Um simples,a quem tinham dado uma varinha mágica, para dar conta da miséria onde quer que a encontrasse,livra-se dela,ao ver que todos queriam sempre mais um milhão.

PENAR SEM TERMO

Era para ter pena dele,mesmo muita pena. Sempre cabisbaixo,meditabundo,de passos arrastados,como que vergado,esmagado,ao peso de toneladas não se sabia de quê.
Apetecia abordá-lo para o aliviar. Desabafe lá homem,diga lá o que o faz andar assim,nesse penar sem termo?
Dinheiro,constava não lhe escassear. Telha,muita exibia,em cantos vários. Jornais,estava a par das últimas. Telenovelas,não falhava uma. Família,tinha-a bem arrimada. Saúde,não lhe devia faltar,que aquilo era um andar sem destino,hoje aqui,amanhã além.
Que mal seria,pois, o dele? Seriam saudades de um tempo de que gostava tanto e que tardava em regressar?

ATREVIMENTO

Ele há cada um,muito senhor do seu nariz,e supondo ser o seu o melhor nariz do mundo. O moço,porque muito ingénuo,não sabendo isso,supunha lá ele que houvesse narizes assim,foi-lhe mostrar umas imagens por ele obtidas. E esse nariz teve o atrevimento de uma pergunta que não lembraria ao diabo mais diabo. Diga-me lá de onde é que surripiou tão sugestivas imagens? Como que a insinuar ser o moço incapaz de tal feito. O desgosto daquele nariz de não ter sido ele o autor delas. O figurão que ele iria fazer,se tal tivesse acontecido. E estava ali aquele rapazola a dizer que as imagens fora ele que as obtivera. Podia lá ser.

UNS PATACOS

Que lugar aquele,que tempos aqueles. Deveria ser um lugar de trabalho,mas trabalho é que se não via. E isso por meses e meses,sem um sinalzinho de mudança.
Mas não era um lugar em que nada se fizesse,não,muito pelo contrário,e de largo espetro. Quer dizer,ali havia variedade. Conferia-se um livrinho com registos de empréstimos,a juros para inimigos,e tomava-se nota dos faltosos,com comentários em alta voz. Pensava-se na melhor maneira de outros tramar,sem excluir os vizinhos do lado. Narravam-se vitórias passadas,em que se correra altos riscos,voltando a elas minutos idos. Moía-se a cabeça,tentando descobrir um forma dali sair quanto antes. Prometia-se não regatear palmas lá em certo sítio para ajudar alguém a sobreviver. Tinha-se muita pena de outro alguém que dava sangue para ganhar mais uns patacos.

CAMISOLA INTERIOR

Era uma árvore bem ciente do seu papel. Despia, temporariamente,a camisa,quer dizer,as folhas,mas conservava a camisola interior,isto é,o manto de líquenes,que a revestia dos pés à cabeça.

SER GENTE

Era de prever o que viria a acontecer com aquelas folhas dos rebentos da árvore,quer dizer,das folhas da base,do rés-do-chão. Tão depressa quiseram crecer,talvez no desejo incontido,dominador,não de imitar,que ideia,mas de ultrapassar as lá de cima,que estavam ali que nem pareciam as folhas bonitas de ainda há poucos dias.
Fora-se-lhes o viço,fora-se-lhes a leveza,fora-se-lhes a graça. E puseram-se grosseiras,àsperas,encarquilhadas,feias. Já nem dava gosto olhar para elas. E tudo por aquela mania de querer ser gente,logo no dia a seguir.

ETERNO MOVIMENTO

Parecia que não iria ver nada de importante,ali sentado naquele banco à sombra,uma sombra que lá se ia mantendo unida apsar do tempo estar a avançar a olhos vistos.
Para já,as verdes folhas dos rebentos que ele vira nascer não paravam de alargar,pondo a um canto as que compunham a árvore. Aonde quereriam elas chegar,a quem quereriam imitar? Ah,esta mania de grandezas que até em
folhas mostrava residir.
Depois,um friso de pombos voltara a guarnecer o alto candeeiro. Um tanto afastado,um andaime perdera a cobertura de rede,revelando uma larga parede
pintada de amarelo novo. Pena era que não tivessem escolhido o verde. Um trabalhador que estivera a recompor-se das fadigas em banco irmão,incluindo
sombra,lá se levantara,parecendo que a muito custo,para voltar à sujeição. Carros
recolhiam,ou iam à sua vida,num eterno movimento. No empedrado,as formigas andavam na sua faina,repetindo os mesmos gestos de sempre.
A coroar,lá no alto,duas gaivotas perseguiam-se,com modos de estarem muito zangadas,talvez por não se estarem a entender muito bem.

ERA SEGREDO

Era um família numerosa,ao todo oito irmãos. Com património escasso,tiveram que se fazer à vida. Ele emigrou. Andou por lá uns bons trinta anos e arranjou-se. Deu para regressar e viver o resto dos seus dias sem preocupações. Enquanto por lá andara,ia recebendo e mandando algumas notícias . Estava mais ou menos a par do que se ia passando com os seus e eles também. Dos oito,além dele,havia uma irmã que também não estava nada mal. Tinha saído um tanto atrasada,mas lá conseguira um bom pé de meia.
E foi o que ele veio confirmar. Como é que ela teria conseguido? Agora,que já podiam falar,iria saber os pormenores. Fora sempre uma coisa que o intrigara? Como é que ela se arranjara assim tão bem? É claro que não era só ele a admirar-se. Todos os outros irmãos,e conhecidos, se admiravam. Contavam-se coisas,mas não passavam de boatos. Dizia ela que era segredo. E assim se manteve. Era segredo. O que teria acontecido,ao certo? Nunca se soube. Era segredo. O que teria acontecido? Não era caso único. Tantos que havia da mesma espécie,por aqui,por ali,por toda a parte,afinal. Era mais um. Mistérios. Milagres. Sabe-se lá. Coisas que acontecem.

BOATOS

Era uma mansão que despertava as atenções,pelo perfil exótico,ali isolada,entre azinheiras. Naquela altura,parecia desabitada. Para que serviria?,apetecia inquirir. Não foi preciso indagar muito.Bastou ouvir as más línguas,sempre prontas a informarem.

Ali tinham ocorrido,com alguma frequência,cenas velhas como o mundo. Estava o sítio calhado para encontros furtivos. E quando duas vontades se conjugavam,lá era ela o palco escolhido.

Longe de tudo e de todos,ninguém daria por nada. Mas há sempre pássaros calhandreiros dispostos a não ficarem calados. E ali,naquele aconchegado arvoredo,não faltariam. E assim,facilmente se espalhavam boatos.

Uma coisa era,porém,certa. O palacete,nos últimos tempos,atravessara dilatados períodos de abandono. Algum facto anormal teria acontecido. É que um dos atores,o principal, de resto,estava muito velho,quase com os pés para a cova. Tinha de se refrear.

DE QUEM É A CULPA ?

Alguém tinha de fazer certo trabalho. Mas as ricas férias,é que ele não podia dispensar. Andava arrasado,talvez de não fazer nada. E do que é que ele se lembrou? Arranjar um que o substituisse. E foi-lhe fácil. Havia ali um moço que só fora ensinado a dizer sim. Um não era grave,podia significar ter de ir dar uma volta.

O trabalho foi feito,mas como era de esperar,muito mal feito. Teria sido melhor,até,não o ter feito. Aquilo merecia castigo. Mas coitado do rapaz. Metia dó. De resto,não era ele que o devia suportar. Ero o outro, o que andava por lá,recuperando da fadiga de não fazer nada. E esse,coitado também,merecia o mesmo perdão. Não eram eles os culpados. De quem seria a culpa? Sabe-se lá. A água já corre há tanto tempo. Sabe-se lá por onde ela tem passado. E sabe-se lá que pés pisaram esses muitos sítios. De quem é a culpa?

LIMPO NEGÓCIO

O mosto amuava, pois as uvas tinham açúcar para dar e vender. Quer dizer,as leveduras,com tanto álcool,deixavam de poder fazer o seu trabalho. E assim,vá de lançar nas lagaradas almudes e almudes de água. Que rico negócio esse,o de transformar água em vinho. Só que era limpo o negócio.

domingo, 11 de junho de 2017

SOPA DOS POBRES

Tinha sessenta anos. Podia ter dito menos,pois não aparentava tanto. Um telemóvel,dos modernos,entretivera-o por largos minutos.
Sabe,estava aqui com algumas dúvidas,mas agora parece que já sei. Sim,é isso. A rua que procurava fica lá mais para diante. Pois claro,mas,às vezes,a gente confunde.
A barba estava feita,o ar era tranquilo,o fato,completo,talvez já de há uns anos,ainda apresentável.
Não acredite no que ele diz. Este também gasta dali. Sabe,sou pobre. Ele,segundo consta,já teve também vida boa,como eu,que cheguei a ter nove lojas.
Tenho estado aqui a fazer horas. Era Domingo,e ali,a poucos metros,esperava-o uma sopa dos pobres.

UMA TAL REDE

A quantidade de gente que anda por aí ainda mas que alguém já varreu ou quer varrer do mapa. É isto precisamente o que supõem as muitas expressões que a cada passo se ouvem. Não quererão significar outra coisa o "ainda está vivo?",o "já o fazia morto",o"não há meio de morrer",o "anda cá só a empatar",o"já devia ter marchado,não faz cá falta alguma",o"já devia ter morrido há mais tempo",o "esse já morreu",o "ele já deu o que tinha a dar".
Depois,num outro registo,mas de sinal da mesma família,os silêncios que se fazem,o nem querem ouvir falar deles,o ignorá-los,o massacrá-los,o condená-los,o desprezá-los,o ridicularizá-los,o reduzi-los a pó,que uma leve brisa leva por esses ares,para nunca mais.
Exagerando muito,ou caricaturando,é caso para dizer que já está tudo morto,porque não haverá quem possa escapar a uma tal rede,de malha tão apertada.

UM CASO TRIVIAL

Eram uns peixinhos muito vorazes aqueles. Mal se abeirava gente,punham-se logo todos de bocarra bem aberta,muito juntos,em jeito de competição. Não lhes chegaria a comida que o amo lhes dava.
Um pai de família sabia disso. E assim,viera de casa bem aviado. O filho havia de se divertir muito. Quando se preparava para entrar em cena,uma voz forte susteve-lhe o gesto. Via-se bem que o dono dela,coitado,não regulava bem da cabeça,mas conhecia a lei que ali vigorava. E isto mais o travou e enleou. Ser repreendido,diante de testemunhas,por um sujeito daqueles.
Esteve ali uns momentos,momentos terríveis, sem saber o que fazer,parecendo bloqueado. Submeter-se àquele sem juízo,nunca,só por cima do seu cadáver. E era tão simples. Bastava uma moedinha numa máquina,ali à sua mão,tal como outros,a seu lado,já tinham feito.
E sucedeu o que era de esperar. O filho que tivesse paciência. Viriam noutra ocasião. Naquela,já se estava fazendo tarde.
Um caso trivial,a modos de exemplar. Ah,estes respeitos humanos.

MANCHAS DOLOROSAS

O que lhe interessava a ele era tudo menos as pessoas,todas as pessoas,poque para ele,com a idade,mas mais com a experiência que tivera a sorte,ou o azar,conforme o canto em que se pusesse,de ter,eram todas iguais,sem tirar,nem pôr.
O que lhe interessava era tudo quanto estava para além das pessoas,que era muito,que era imenso,tão imenso,e tão variado,e tão rico,que só uma pequenina fracção podia bisbilhotar. Bisbilhotar,dizia bem,porque a maior parte dela ficar-lhe-ia para sempre vedado. E isso para ele punha-o em estado de êxtase,como se estivesse diante de uma maravilha sem igual.
Uma maravilha multifacetada,com quadros,às vezes,que o levavam a ficar triste,porque achá-los-ia estarem ali a mais,a estragar a paisagem. Mas o que sabia ele daquela paisagem,como aparecera ela ali,para que serviria ela,na realidade,e porque haveria ela de ter essas manchas dolorosas?

IRREQUIETO

Os seus olhos visavam muito lá por cima,parecendo não dar conta do que à sua volta se passava. Mas dava,só que não queria que se soubesse. Tratava-se de um ardil,de uma manha,para apanhar alguns desprevenidos.
Anos tinham corrido,não muitos,mas para ele uma eternidade,e a sua figura quase se não vira,e a sua voz quase se não escutara. Pois não tardaria que tal radicalmente se alterasse,para bem da humanidade.
Para começar,inscrevera-se. E quando alguém como ele fazia este muito sério gesto,não era para ver a caravana passar. Era,antes,para se pôr bem à frente dela. Seria o que ele estava arquitetando?
O que havia a fazer era esperar e ver o que dali iria sair. E seria rápido. Porque ele,quando tomava uma decisão,era para logo agir,sem perda de um segundo sequer. Hesitações,é para os fracos,os timoratos,e com esses não se importa a história,onde ele queria,merecia,estar na linha da frente.
Que ele era superior,não restava qualquer dúvida,pois já o tinha mostrado em vários palcos. Mas havia indicações de que era,também,muito irrequieto. E assim,podia acontecer surpresa.

FORA DE SERVIÇO

Demorara,mas,finalmente,lá fizeram obras. Tratou-se de desentaipar parte da porta de um prédio dado,há já uns anos,como incapaz. Está lá,agora,uma janela. Quer isto dizer que o humilde corredor de entrada virou a quarto,pronto a ser habitado. Era,de facto,o que estava ali a exigir,pois um incêndio pusera fora de serviço todo o segundo andar. Não tardará que as duas janelas do rés-do-chão sejam repostas. Um arbusto,que,entretanto,se fizera árvore de muitos braços,sob a proteção de tão velhinha mansão,continuará a ter vida facilitada,pois um tal biombo fará ali muito jeito.

ASSUNTO MUITO IMPORTANTE

O tempo em que ele andara enganado,cheio de ilusões. É que houvera quem as alimentara. Deixe lá que o seu caso não está esquecido. Certos passos tinham de ser dados,e ele prometera dá-los. Às vezes,parecia que isso iria acontecer,mas na volta,a desculpa era sempre a mesma. Sabe,tive de ir tratar de um assunto muito importante.

PELA PRIMEIRA VEZ

A tentação de ser diferente,de ser isto e mais aquilo,está bem generalizada. Basta reparar nas vezes em que se ouve o "ninguém viu senão eu" ou outras expressões equivalentes. Só eles ou elas,e mais ninguém.
É claro que tal presunção é grosso atrevimento. Mas eles ou elas sabem-no muito bem,não são assim tão destituídos. Contam com a ignorância de muitos e a tolerância de outros tantos. Convencidos de que convencem,não têm emenda. Necessitam de assim atuar,quase como de pão para a boca,para se sentirem gente. Sem isto,não teriam o dia ganho.
Deixá-los pois,no seu convencimento aparente. Daqui talvez não venha grande mal ao mundo,que passaria bem sem eles ou elas. Felizmente que outros,porventura,meia dúzia deles e delas, assim se pode dizer,estão convencidos de muito pouco e que persistem no seu trabalho de procura. Estes,sim,é que, um dia,poderão vir a proclamar que viram pela primeira vez.

UM QUASE NADA

Não matarás. É o que se aprende nalgumas escolas. Mas há alguns que não andaram nelas,ou,tendo andado,esqueceram-se ou não aprenderam. Passa-se,às vezes,sem saber muita matéria.
Custava a crer. Ali mesmo na frente de muita gente,um sujeito fazia declarações terríveis,sem pestanejar,com a cara até um tanto sorridente. Se aquilo não fizéssemos,seríamos nós as vítimas. Tinham sido eliminados aí uns dois milhões,um quase nada.
É capaz de a quantidade,em certas circunstâncias,sossegar as consciências. Talvez seja a explicação para tanto à vontade. Se tivesse sido apenas um,provavelmente,mostrar-se-ia muito contristado e,até,arrependido. Agora,dois milhões,uma ninharia.
Teria sido necessário eliminar tanta gente? Parecia uma espécie de irradicação de um mal incurável,susceptível de atingir proporções desmedidas,talvez mundiais. Depois,como teria sido feita a seleção? Teriam atendido a laços familiares,para maior garantia de sucesso?
Uma ação desta envergadura deve ter sido verdadeiramente saneadora,não restando,para amostra,um sequer. Se tal não tiver sucedido,a descontração do sujeito augurava que não se importava de repetir. Se houvesse necessidade de mandar para o outro mundo,antes do tempo,mais outros dois milhões,ou mais,sendo caso disso,não hesitaria. Ou eles ou nós,seria a sua desculpa,voltando a mostrar tranquilidade e um leve sorriso nos lábios.

QUE DIFERENÇA

A beleza da criação. A beleza das plantas,das ervinhas,das flores,dos arbustos,das árvores,das florestas,das montanhas,dos rios,das cataratas,dos ribeiros,dos riachos,das margens,das nascentes,das neves,dos mares,dos lagos,dos laguinhos,dos vales,dos desfiladeiros,das baías,dos cabos,das escarpas,das rias,dos fiordes,das estepes,dos glaciares,das grutas,dos pôr do sol,das auroras,das nuvens,das estrelas,do céu.
Aquelas colunas,aquelas hastes,aquelas abóbodas,aquelas formas,aquelas cores,aquela delicadeza,aquela leveza,aquela imensidão,aquele recato,aquele segredar,aquele silêncio.
Tudo de graça. Só com um "fiat".
A beleza dos palácios,dos jardins,dos relvados,das estátuas,das colunatas,das catedrais,das igrejinhas,dos painéis,dos vitrais,das esculturas,dos castelos,das torres,das pontes,das mesquitas,dos templos budistas,dos templos núbios,das pirâmides,das ruínas incas,das ruínas aztecas,das ruínas romanas,das ruínas persas,das ruínas gregas.
O dinheirinho que ali está. O trabalhão que ali está,algum de cores muito tristes.

A CIDADE E O CAMPO

O galo da cidade não imaginava o bem que ele fazia, sempre que lhe dava para cantar. Parecia,
por breves momentos,que se tinha,ali,o campo.

UMA ALDEIA

Permanecera,podendo demoradamente ver. E o que vira, já era coisa sabida. Apenas os nomes eram diferentes. E assim,podia dizer que não tinha saído da sua terra. Quer dizer,o mundo não passava,afinal,de uma aldeia.

MUITO FRUTO

Muito pouco,ou mesmo nada,interessava que aquelas terras não lhe pertencessem. Bastava,apenas,que elas lá estivessem,bastava tê-las visto e sentido,bastava recordá-las. O frémito de vida intensa que delas brotava enchia-o,irresistivelmente,de bem estar. Era uma vida que não se cansava de desentranhar em muito fruto,que iria saciar muita gente.

VENTO DOMINANTE

A maldade que um vento dominante pode fazer. Em certo canto,o passar de carros e carretas em estrada de macadame calcário levantava nuvens de poeiras,que o vento se encarregava de ir depositar em vinhas. E o terreno,que era ácido,deixou de o ser,adoecendo as vinhas. Coisas que acontecem,sabendo-se porquê

EM DÍVIDA

Que memória a dele. Não haveria muitas assim. De invejar mesmo. E também,de vez em quando,de o provocar. Olha lá, tu não te sentes ,às vezes,em dívida? Uma memória dessas vale uma fortuna. A sorte que tu tiveste. Assim,sem mais nem menos,recebes um presente destes,um presente para toda a vida.
Não te ocorre,uma vez por outra,agradecer? A quem? A gente sabe que tu com Deus não queres nada. Mas tens o teu pai,a tua mãe. Agradecer a um ou a outro,ou aos dois. Eu agradecer a memória que fui eu que a fiz? A agradecer, era a mim,a mais ninguém. Era assim. Mas não era mau rapaz.

OSSOS DO OFÍCIO

As nuvens de um pó vermelho,de composição bem diferente,teriam a mesma densidade,pois os seus efeitos tinham sido os mesmos. Quem apanhara com elas é que não parecia o mesmo. Ossos do ofício,que a uns dá para andar muito limpinhos,e a outros é o que se via e vê. Vermelha era também a terra que as produzia. Mas enquanto numa,uns bichinhos maus que por lá faziam a sua vida eram negros,na outra eram pardos. Por serem maus,era de fugir deles para bem longe,ainda que nem sempre tivesse sido possível. Ossos do ofício,que a uns dá para ter vida sossegada,a outros dá para ter vida agitada

MAU PADRASTO

Não era a estátua de um desterrado,mas para lá caminhava. Sentado num dos bancos daquele amplo jardim,a tristeza envolvia-o pesadamente. Pontificara ali anos a fio,acudindo ali e acolá,onde era preciso,plantando,regando,aparando,limpando. Sempre num virote,sem quase repousar. Até em dias de folga aparecia por lá,tapando alguns buracos,daqueles mais visíveis.
Estaria reformado? Afinal,não era ainda o descanso do guerreiro. Fora,simplesmente,transferido para outras paragens. Manda quem pode e ele não pudera dizer que não. Mas muito lhe teria custado,que era ali que ele se sentia como em sua casa,talvez,até,a considerasse como isso mesmo,a sua casinha.
Encontrava-se,então ali,naquela manhã soalheira de domingo,matando saudades. Escolhera um ponto estratégico,de onde podia abarcar todos aqueles seus muitos cantos familiares. E veria defeitos,gravíssimos defeitos. A falta que ele ali estaria fazendo,e sem poder acudir,sem poder sanar as mazelas,que seriam muitas,aos seus olhos de conhecedor sensível. E isso mais o magoaria. Aquele jardim seria para ele como um filho muito amado,que passara a estar ao cuidado de um mau padrasto.

TRAZIA - A FISGADA

Trazia-a fisgada. Aquele ar decidido,aquele olhar de poucos amigos,aquela cara de sarilhos não enganavam. Estava na bicha,mas deixavam que velhas como ela se sentassem. Nem pensar. Tinha de estar de pé,bem de pé,para nada perder. E surgiu uma infração que ela não podia deixar passar. Alguém parecia querer intrometer-se,ultrapassando outros,ela incluída.
Que é lá isso? Não esperou que os da frente reagissem. Que abuso é este? Então só ela é que protestava? O que era que as meninas da receção estavam ali a fazer,não tinham olhos? E mais neste estilo. Afinal,o caso tinha a sua justficação,que ela ouviu mas não calou.
Chegou a sua vez. Tinha uma consulta marcada. Para que médico? Não sabia nem lhe interessava. Eram todos os mesmos. Lá pagou o que era devido,ficando ,de pé ,à espera de que a atendessem. Impaciente,não se cansava de perguntatr se demorava muito. Por fim,lá se sentou,mas não completamente,assim como quem dobra apenas um joelho.
A sua cabeça não parava,à procura sabe-se lá de quê. O recibo é que ela não largava. Parecia a conta que ela tinha de cobrar de alguém.

VAGAS INTENÇÕES

Tem sido prodigiosa a realização humana ao longo do seu caminhar de milénios em todos os dominios,fruto da tenacidade,da inteligência,da vontade do homem e da mulher. A matéria tem sido dócil nas suas mãos. A obra que aí se mostra por toda a parte,desdobrando-se nos mais diversos aspetos,bem o indica. As construções portentosas,as formas admiráveis,o imenso património da escrita. Muita coisa tem sido possível,muitas vezes de maneira quase milagrosa. De ficar estarrrecido,perante tal grandiosdade.
Mas afinal,o homem e a mulher que tudo isto fizeram não conseguiram ainda,pode dizer-se,deixar de se comportar como se comportavam,face a outro homem e a outra mulher,os seus antepassados lá muito detrás,talvez desde o ínício da arrancada. Afinal,a obra que mais interessava realizar está por fazer,sem que indícios bem visíveis e bem espalhados tragam alguma esperança de um conserto universal. Só vagas promessas,só vagas intenções,só entusiasmos esporádicos,aqui e ali,que uma brisa mais leve desfaz.

DE MOLHO

Lembravam palafitas as casas de madeira dos pescadores da beira-rio. Os desvãos serviam de armazéns dos apetrechos da faina e de galinheiro. Em anos de cheia alta,a água punha tudo aquilo de molho. De fronte,ficavam os ancoradouros dos barcos,a remos, e também a vara,para travessias de pouco calado.
Tinham bancas no mercado,em lugar à parte. Nada de misturas com o peixe do alto. Lá figuravam,consoante a época,o barbo,a enguia,o sável. Pena era que a maioria tivesse tanta espinha.

DE ONTEM E DE HOJE

Guadalupe,nome de santuário. Estendais de roupa a secar. Uma estrada de terra batida,serpenteando entre azinheiras. Aqui,e ali,gado fazendo pela vida. Uns pedregulhos.ao alto,em formação circular.Talvez um outro santuário. Os bichos maus,de ontem e de hoje.

PATRIOTAS

Depois,havia uns pândegos,muito patriotas,daqueles que a pátria tratou muito bem,por serem,certamente,muito bons,irrepreensíveis,uns espelhos, onde todos se deviam mirar,que acabavam por se fazerem donos dela,com todas as benesses,e mais uns trocos.

Era assim tal como na pátria sagrada lá do soldadinho,daquele que tinha de abandonar os velhinhos pais para a ir servir lá longe,da pátria que ele tinha de amar acima de tudo,que era assim que lhe tinham ensinado,embora ele nunca a tivesse visto,mas,enfim,devia existir,caso contrário,não lhe haviam dito que existia,e que era a coisa mais importante para ele,porque, sem pátria,ele não era nada.
Tudo desculpavam aos patriotas lá das pátrias,desde que fosse para maior glória delas,mesmo as piores maroteiras,tendo-as feito certos de que era para seu bem,para o bem de todos lá delas. Mas não desculpavam as maroteiras que os patriotas doutras pátrias fizessem às deles.

À PROVA DE PEDREGULHO

Era uma estrada de dela se fugir. É que por ali reinava o granito. Havendo tanto, para quê ir explorá-lo lá para longe? E, então ,os rebentamentos eram feitos mesmo ali a dois passos. Não admirava pois que os pedegrulhos aparecessem junto ao cais de embarque,o que dava um grande jeito.
Admirava que tal fosse consentido. Talvez andasse por ali o espetro da concorrência. Para o produto ficar mais barato,e assim poder competir com o de outros locais,as despesas com o transporte tinham de ser reduzidas. Depois,estava-se para lá do Marão. Os que não fossem de lá que se arranjassem,que quem mandava ali já se sabia quem era.
Havia também por ali outras estradas . Que as utilizassem,que ninguém os obrigava a passar por aquela. Querendo,trouxessem um carro à prova de pedregulho.

APAGÃO

Calhou,em certa terra,o João e o José comerem à mesma mesa durante duas semanas. A terra não era a deles,estavam ali só de passagem. Nunca se tinham encontrado,pelo que não é de admirar que tivessem falado de muitas coisas. Falaram, até, de um António,que ambos conheciam muito bem,por terem com ele intimamente privado. Coincidências. E aconteceu,um dia,o João cruzar-se,naquela terra, casualmente, com o António. Como o António devia favores a João,quis presenteá-lo com um almoço em restaurante de luxo. No próximo jantar,o João não se conteve. Afinal,José,o António não o conhece de parte alguma.O que teria o José feito ao António para este o riscar do mapa? Grossa coisa deve ter sido,para ocorrer tal apagão.

DIAS CONTADOS

Em tempos lá muito de trás,havia um barco que estava a meter água por todos os lados,um barco que levava muita gente. Dessa gente,uns,em menor número,eram gordos,ou muito gordos,os outros,eram magros,ou muito magros. Os gordos,ou muito gordos, viviam bem,ou muito bem,os magros,ou muito magros,ao contrário,viviam mal,ou muito mal.Acontecia que o barco estava a meter água por causa dos gordos,ou muito gordos,pois pesavam demasiado. Para o barco deixar de meter água,estava-se mesmo a ver que os gordos,ou muito gordos,tinham de emagrecer.Sim senhor,vamos emagrecer,mas os magros,ou os muito magros, não devem querer engordar como nós. Mal os magros,ou os muito magros, tal ouviram,não se contiveram. Era o que faltava.É que nós também queríamos ser gordos,ou muito gordos,foi isso que sempre sonhámos. Não vamos nessa,também queremos engordar.Pobre barco,que tinha os dias contados.

CRÓNICAS RECEITAS

Para o mesmo mal,um mal que se eterniza,as receitas não têm mudado. É isto uma clara evidência de que não têm sido aviadas ou que são necessárias outras. Assim,nada feito. Ainda se pensara que água mole em pedra dura acabasse de a furar. Pura ilusão. O que se tem visto são apenas umas ligeiras mossas,nada mais.
Não haverá volta a dar-lhe? A disposição é só representar? Está bem à vista que muitos o fazem primorosamente,em qualquer palco,na rua mesmo. Talvez por isso muitos teatros tenham ficado às moscas. Para quê lá ir se se tem espectáculo de borla a cada passo,alheio ou próprio? Uma fartura.
Parece, assim,que as receitas estão desajustadas. Têm de surgir outras,mais de acordo com a actual natureza. Mas pode acontecer que,entretanto,todos se transformem em anjos,para quem as crónicas receitas seriam destinadas.

PARA NADA

"Neste mundo conturbado,quem tem muito dinheiro,por mais inepto que seja,tem talento e préstimos para tudo;quem não tem dinheiro,por mais talento que tenha,não presta para nada."(Padre António  Vieira).
É, afinal,o muito tens,muito vales,nada tens,nada vales. Vieira viveu no século XVII. Pelos vistos,a coisa não muda. Não admira,pois,por um lado,a corrida desenfreada aos teres, e, por outro,a pressa incontida em anunciá-los,sem faltar um,por mais maneirinho que seja,em presença de um qualquer,desde que tenha ouvidos que oiçam.

COMO UM CARACOL

De vagar se vai ao longe. E ali ele,um homem de meia idade,muito magro,apoiado numa bengala,muito de vagar,como um caracol,muito tolhido,muito hirto,feito quase estátua,rumo não se sabia aonde. O que ele demorou para lá chegar,mas ia determinado.
Afinal,era uma caixa de multibanco. Mas para isso,teve ainda de subir uma meia dúzia de degraus,o que fez como tinha feito antes,muito devagarinho. E lá frente à caixa tudo se transformou,apenas com um senão. Retirou o que pediu como um qualquer,talvez até mais rápidamente,que aquilo,a bem dizer,foi chegar e andar. O senão, coitado, foi ele ter deixado cair a bengala. O tempo que ele demorou a apanhá-la.
Desceu os degraus muito lentamente,ainda mais lentamente,talvez com receio de cair,e lá regressou pelo mesmo caminho,sempre muito lentamente,como um caracol,muito hirto. Onde iria ele? Foi fazer o que todos têm de fazer para se manterem vivos,que é comer.

SINAS

Que país aquele. Quem lá vivia nem andava,nem deixava andar. Passavam a vida a dizer mal uns dos outros. Uns eram os bons,e os outros todos,sem exceção,uns refinadíssimos maus,sem cura possível.
Mal um deles,não se sabia bem porquê ou para aquê, deitava a cabeça um bocadinho de fora,assim como que a querer mandar,caíam-lhe logo em cima, sem dó nem piedade,de tal maneira,que nem um farrapinho da alma se lhe aproveitava.
Aquilo era um malhar sem destino. Depois,inventavam coisas,que não lembrariam ao diabo mais diabo,deixando o pobrezinho de rastos,feito um esfrangalho. Era mesmo gente sem coração. Não se sabia mesmo o que é que eles tinham lá a bater-lhes nos peitos.
O que é que ele havia de fazer? Encolher-se,pois claro,muito encolhidinho,senão eram capazes de lhe fazer sabe-se lá mais o quê.
Por aquele andar,estava-se mesmo a ver,até uma criancinha o via,o que iria acontecer. Ia o desgraçadinho do país ficando cada vez mais lá para trás,para os fundos,a ponto de os outros países,sem exceção,lhe não ligar. Era como se não existisse. Mas parece que assim é que todos gostavam,pelo que nem davam conta desse apagamento. Sinas.