domingo, 17 de dezembro de 2017

AGRICOLA USDA

# Date Title Long Author [ 1 ] 1979 Comparacao de varios indices de potassio do solo com o potassio extraido pelo azevem-perene em vasos. Gama, M.V. da. [ 2 ] 1977 Efeitos do azoto e do potassio na composicao mineral do trigo 'Impeto' e do tomate 'Roma' Gama, M.V. da. [ 3 ] 1977 Um caso provavel de deficiencia de enxofre em trigo cultivado em vasos. Gama, M.V. da. [ 4 ] 1976 Changes in the exchangeable potassium contents of some soils in different experimental conditions. Gama, M.V. da. [ 5 ] 1976 Perdas por volatilizacao de azoto da ureia nos solos. Gama, M.V. da. [ 6 ] 1974 Extraction of potassium from twenty one soils with a cation-exchange resin. Gama, M.V. [ 7 ] 1973 Efeito do potassio e do sodio na producao e na composicao do azevem (Lolium perenne L.) Gama, M.V. da. 1973 Gama, M.V. da. [ 8 ] 1970 Sobre a fixacao do potassio e do amonio nos solos. Gama, M.V. da.

OS SENHORES EMBONDEIROS

Mas o que se estava a ver era quase tudo água. Secaria depressa. Pois é,mas os crocodilos andariam por perto,e também as pacaças,as gibóias,e outros que tais,e,claro,os mosquitos,que se riam de todos. Muita água foi secando,é certo,e ràpidamente,pelo que não houve tempo para descansar. E foram quatro meses a devassar paredes de covas de um metro de fundo,quanto a espessura de camadas,textura,e mais outras coisas assim. E foram quatro meses a olhar em volta,um olhar temoroso,mas também sôfrego,para nada escapar,que a novidade era muita. E não mais foi esquecido o Rio Longa,o manso Rio Longa,de águas verdes,o seu amplo verde vale,a serpentear por entre galerias de palmeiras e de densos tufos de bananeiras,os morros amarelos das cercanias,revestidos de embondeiros,dos senhores embondeiros.

sábado, 16 de dezembro de 2017

TRANSFORMAÇÕES EM AMBIENTE REDUTOR

Como se sabe,um ambiente redutor,isto é,um ambiente pobre em oxigénio,é caracterizado por cedência de eletrões ou de átomos de hidrogénio. Quando se trata de solos,são várias as transformações que podem ocorrer,atingindo,entre outros,diretamente,o ferro,o azoto,o carbono e o enxofre,e indiretamente,o fósforo. No caso do ferro,a forma trivalente passa a bivalente,o azoto de nitratos, ou de nitritos,passa a óxidos,e mesmo a azoto molecular,o enxofre de sulfatos passa a sulfuretos,com reflexos negativos,no que toca à sua solubilidade,o carbono de compostos diversos passa a metano,o fósforo que estava ligado ao ferro trivalente,à maneira de um precipitado,torna-se solúvel por estar associado ao ferro bivalente. Tudo isto, e mais alguma coisa, acontece com a cultura do arroz, quando feita em condições de submersão. Essa mais alguma coisa é,entre outros efeitos, o aumento de oxidrilos,proveniente, pelo menos,em parte,da alteração de valência do ferro . É a isto que se chama uma autocalagem,por ter um efeito idêntico ao de uma correção da acidez do solo por corretivos da família da cal. Assim,esta cultura pode dispensar calagem,se feita em solos ácidos, tem a sua vida muito facilitada quanto às necessidades em fósforo,e, ao contrário,um tanto dificultada quanto às necessidades em azoto e enxofre.

FOME DE DIAS

Nunca se vira por ali um nuvem assim,muito veloz,densa,para o escuro,barulhenta. Como que se fizera de noite. De repente,talvez a uma ordem,vem por aí abaixo,em medonho alarido,rumo ao azinhal,sobre o qual se desfez em milhares de pombos,semelhando um ato de magia. O ruído dos bicos,a atirarem-se às bolotas,merecia ter sido registado. Parecia um concerto de uma orquestra de castanholas. Deviam ter vindo de muito longe e trariam fome de dias. Não havia meio de o repasto terminar,pelo que aquilo deve ter sido uma razia de respeito. Os porcos dali teriam ficado a meia ração por larga temporada.

OS MAUS DA FITA

Olha o diabo dos corvos. Para o que lhes havia de dar. Viram-no ali sozinho e vá de nele se vingarem,atirando-se,vertiginosamente,em voo picado. É certo que não morria de amores por eles,sabe-se lá porquê,mas tinham errado o alvo. Não fora ele que dependurara os seus muitos irmãos,sem cabeça,ali expostos nos ramos das azinheiras. As cabeças serviam como prova,para um prémio. Diziam que davam conta das crias,de coelhos,de perdizes e demais familia. Esta disposição não seria só ali. Era capaz de estar muito generalizada. Uns bons anos passados,tivera ocasião de o testemunhar,em terra longínqua. Mostravam lá,com grande pormenor,os estragos que eles causavam. Eram os maus da fita.

A MOCA

Ganadaria necessita de espaço, e aquela herdade fora arrendada para casa dos garraios. Ele tinha de estar,pois, sempre alerta,que o seguro morreu de velho. Para maior descanso,antes de iniciar o trabalho,dirigia-se ao "monte", para saber onde se encontravam os bichinhos. Cortou-lhes as voltas por alguns dias,mas por fim,que a tarefa tinha de ser concluída,teve de ir ao seu encontro. Lá estavam eles,dispersos em pequeno vale. Ali havia boa comida,que a terra era fresca. O maioral,que estava sentado no rebordo de um poço,aproximou-se. Vinha apoiado num cajado,em forma de moca. Então,a montada? Ficara lá no "monte",raramente a utilizava. Vira-os nascer e conheciam-se bem. Então,para que servia a moca? Eles eram novos,eram como crianças. Gostavam de brincar e por vezes excediam-se. Era nessas alturas que a moca intervinha,para os separar,para evitar que se aleijassem,o que seria uma carga de trabalhos e,talvez, grosso prejuízo. E o diabo do homem dizia isto com naturalidade,como se estivesse a falar de cães ou de gatos. Na sua companhia,e com a proteção do jipe,lá se deu conta do serviço,mas sempre muito amedrontado,a pensar que eles podiam perder o respeito à moca.

BARREIRAS AGRESTES

O trator não podia ir a todos os cantos. Assim,alguns caminhos tinham de ser abertos pelo esforço dos braços,tarefa nem sempre fácil,pois,nalguns locais,as barreiras eram agrestes,por via de abundante presença de espinhosas. Para além dos espinhos,havia ainda a sílica. Uma poeira brilhante soltava-se ao mais ligeiro movimento,impregnando o ar. O suor retinha-a e a respiração também. O calor acrescia o mal estar. E assim,adiava-se a tarefa para melhor oportunidade,pela fresquinha da manhã ou do fim do dia. Os espinhos é que lá permaneciam,à espera de uma mão ou de um pé mais delicados,bem como a poalha abrasiva,que revestia a pele com uma camada de lixa.

PREGÕES

Sábado era o grande dia das compras. A azáfama começava muito cedo e estendia-se pela noite dentro. Ali havia dinheiro,muito dinheiro. Mas era na larga avenida,a espinha dorsal lá do velho burgo,que o movimento era maior. Às vezes,era até difícil circular. Um dos cruzamentos dessa avenida,o mais concorrido,aliás,era o local preferido para a venda de flores. Os pregões enchiam os ares. Flores,flores baratas,o que mais soava. Comovia o de uma menina,que não teria ainda dez anos. Muito loira,enfezadita,de olhos chorosos. O pai ali não lhe batia. Mas era de imaginar que lá em casa não a poupasse. Aparecia de vez em quando,a fiscalizar. A cara era dura,de poucos amigos. E era nessas alturas que a menina mais alto apregoava,talvez para mostrar ao pai que se estava esforçando. A mãe,mal vestida,ali ao lado,continuava na mesma toada. Já estaria calejada,estaria já por tudo.

DE UMA CAJADADA

Os materiais carvão mineral,petróleo e gás natural, deixados estar lá na sua condição de fóssil, são garantia,como bem se sabe,por um lado,de muito do oxigénio que por aí anda nos ares,e,por outro, do muito dióxido de carbono que nesses mesmos ares andaria,mas que disso ficou impedido. Trazendo esses fósseis materiais à luz do dia e deles fazendo uso para os combustar,pode dizer-se que,de uma cajadada,mata-se um "coelho",ou seja,o oxigénio,e se liberta outro "coelho",o dióxido de carbono.

CELULOSE QUASE PURA

Parecia aquilo uma fortaleza. E,como mandam as boas regras,lá estava a defesa apropriada Não só uma linha,mas duas,que o inimigo era de duas qualidades. Uma,exterior,à base de covas fundas,com cobertura frouxa,espinhosa,para os predadores,a outra,uma faixa larga,permanentemente capinada,para os fogos. A primeira linha era posta à prova com muita frequência. De vez em quando,lá funcionava como se queria,retendo algum intruso,como uma pacaça ou um javali.De outras vezes,era uma grande tristeza. Acontecia isso quando se tratava de elefantes,que se riam daquela proteção.Os destroços que semeavam à sua passagem,só visto. É que eles sabiam escolher,interessando-se apenas pelos tecidos mais tenros. Deixavam como recordação abundantes dejetos,que se resumiam a celulose quase pura. Eram muito aproveitadinhos. A segunda linha,pode dizer-se,não passava de um adorno. As quieimadas sucediam-se,é certo,mas ali havia muito pouco por onde pegar,pois o verde era avassalador. Os dois rios que corriam por lá encarregavam-se dessa pujança,alimentando-a sem cessar,sem parcimónias.

O INTRUSO

Era o render da guarda no Palácio de Buckingham,ocasião para tirar fotografias. Acontece,porém,o inesperado. O pára-sol da objectiva,sem pedir licença,atravessa o gradeamento e vai pousar no pátio. Uma pequena mancha negra,um corpo estranho,talvez explosivo,podiam pensar,era bem visível.E agora? O mais atilado seria abandonar aquele lugar. Entretanto,um polícia aproxima-se. É avisado. Atenciosamente,com um sorriso,curva-se,apanha o intruso,devolvendo-o. Simples,nada do que se temera.

sexta-feira, 15 de dezembro de 2017

MENIR DA MEADA - CASTELO DE VIDE

Descoberto em 1965, o Menir da Meada é o maior Menir da Península Ibérica com cerca de 4 metros de altura a partir do solo, e um diâmetro máximo de 1,25metros, pesando cerca de 15 toneladas. Classificado como Monumento Nacional, o Menir da Meada terá sido erguido… GOOGLE MENIR DA MEADA

FONTE DAS FIGUEIRAS - SANTARÉM

A Fonte das Figueiras situa-se na cidade de Santarém, na freguesia de São Salvador, num vale entre o planalto, onde se erguiam os principais bairros da vila medieval, e a Ribeira. Esta fonte, Monumento Nacional desde 1910, é um dos raros exemplos que chegaram até aos dias de hoje da arquitectura civil gótica e de abastecimento de água às populações na Idade Média portuguesa. ... GOOGLE FONTE DAS FIGUEIRAS

AZULEJOS DA ESTAÇÃO FERROVIÁRIA DO PINHÃO

Estação Ferroviária do Pinhão - Roteiro do Douro - Guia Turístico ... www.roteirododouro.com/patrimonio/estacao-ferroviaria-do-pinhao A Estação Ferroviária do Pinhão é a mais bela estação do Douro. Construída durante o século XIX é conhecida pelos seus azulejos representativos da produção do vinho do Porto, desde as vindimas, o pisar das uvas até ao transporte do vinho em barcos rabelo rio abaixo até às caves em Vila Nova de Gaia. O comboio ... GOOGLE ESTAÇÃO DO PINHÃO

JOSEFA DE ÓBIDOS JÁ ESTÁ NO LOUVRE

Museu - Josefa de Óbidos já está no Louvre - Diário de Notícias https://www.dn.pt/artes/.../josefa-de-obidos-ja-pode-ser-vista-no-louvre-5514562.html 23/11/2016 - A Galeria Mendes, em Paris, expõe, a partir desta quinta-feira, uma mostra sobre cerâmica portuguesa no século XVII, "para festejar" a entrada do quadro de Josefa de Óbidos, no mesmo dia, no Louvre. GOOGLE JOSEFA LOUVRE

AUCTION AT CHRISTIE'S

Van Gogh Injects Excitement Into Otherwise Solid Auction at Christie's ... https://www.nytimes.com/.../christies-fall-auction-impressionist-m... - Traduzir esta página 13/11/2017 - The first fall auction of the season at Christie's on Monday was solid, if low energy. There were several empty seats, and some bids had to be coaxed out from the room. But the bidding briefly jolted to life on Vincent van Gogh's vibrant 1889 landscape, “Laboureur dans un champ,” which jumped on one bid ... GOOGLE VAN GOGH AUCTIONS

quinta-feira, 14 de dezembro de 2017

SER POETA

Ser poeta é ser mais alto, é ser maior Do que os homens ! Morder como quem beija ! É ser mendigo e dar como quem seja Rei do Reino de Aquém e de Além Dor ! É ter de mil desejos o esplendor E não saber sequer quem se deseja ! É ter cá dentro um astro que flameja, É ter garras e asas de condor ! É ter fome, é ter sede de Infinito ! Por elmo, as manhãs de oiro e de cetim... É condensar o mundo num só grito ! E é amar-te, assim, perdidamente... É seres alma, e sangue, e vida em mim E dizê-lo cantando a toda a gente ! FLORBELA ESPANCA Sonetos 35ª Edição Bertrand Editora 2005

CONSTÂNCIA - PORTUGAL

"Constância era a antiga Punhete, que D.Sebastião elevou a vila em 1578. Julgam alguns escritores que foi aí que Camões sofreu o destêrro dos anos de 1548-1550,provocado pelos seus mal-aventurados amores com Catarina de Ataíde. Foi também em Constância que se reuniu o exército inglês antes de marchar sôbre a Espanha e de ali travar a famosa batalha de Talavera,em que Wellington derrotou os Franceses,comandados por Jourdan e Victor(Jullho de 1809). Só em 1836 ,porém,a vila tomou o nome por que é hoje conhecida.... Na parte baixa da pov. fica a igreja da Misericórdia,forrada de interessantes azulejos,e no seu ponto culminante a matriz,fund. em 1636 e restaurada profundamente no séc. XIX,com trabalhos de mármore,e cujo teto José Malhoa pintou em 1890. Da tôrre goza-se um soberbo panorama...." RAÚL PROENÇA Guia de Portugal 2º Volume Biblioteca Nacional de Lisboa 1927

SANTARÉM

"Compõe-se Santarém de três agrupamentos urbanos,dois ribeirinhos,Ribeira e Alfange,e o terceiro,Marvila,mais numeroso e constituindo propriamente a cidade ,sit. no planalto do esporão abrupto que avança sobre o Tejo. A Ribeira é o bairro marginal,onde fica a estação ferroviária,aglomerado de casas baixas em ruazinhas estreitas que o rio invade quando se avoluma a sua caudal de inverno. A corrente que vem das planuras do Ribatejo em preguiçosos meandros ,cai neste ponto perpendicularmente à margem,inflectindo-se bruscamente para seguir na direcção Sul. Foi neste momentâneo repouso das águas,junto da riba acolhedora,que descançou o corpo de S.ta Irene,vindo do Nabão em fúnebre romagem depois do seu martírio,encerrado milagrosamente num sarcófago de mármore feito pelos anjos,que as águas piedosamente cobrem. Ora andando a Rainha Santa passeando nas margens do rio,teve desejos de ver o sepulcro da mártir,e seus votos foram exalçados,porque as águas se afastaram e o túmulo surgiu pousado sobre a areia branca do fundo. Como fora impossível abri-lo,pois tôda a ferramenta se quebrava,mandou D.Denis levantar sobre êle um pedestal de alvenaria que ficou surgindo acima da corrente (porque as águas se juntaram quando a côrte retirou),sendo mais tarde guarnecido de cantaria ,como ainda se vê,e colocada no cimo uma imagem da Santa. Êste resto da piedosa lenda desempenha hoje a prosaica função de hidrómetro. A Ribeira,vendo facilidade de expansão pela rampa suave,começou a trepar a encosta,porque a escarpa onde Santarém assentou o seu ninho de águia é ladeada por dois entalhes fundos que partem dos bairros ribeirinhos ,o vale de Atamarma ao N. e o vale de Alfange ao S. ..." RAUL PROENÇA Guia de Portugal 2º Volume Biblioteca Nacional de Lisboa 1927

VALE DE LOBOS,ALCANENA - PORTUGAL

"Vale de Lôbos,onde passou os últimos anos da sua vida,entregue à cultura das árvores e ao fabrico do azeite,o grande historiador Alexandre Herculano,que ali m. em 1877. Fialho de Ameida descreveu o trajecto até Vale de Lôbos: "Sebes de sabugueiros,murtas,troviscos,bordando as barreiras e extremando as pequenas rampas de milho e trigo espigado...." O cadáver de Herculano esteve sepultado no pequeno cemitério de Azoia de Baixo desde 13 de Setembro de 1877 até 27 de Junho de 1888,dia em que se fêz a sua trasladação para os Jerónimos" RAÚL PROENÇA Guia de Portugal 2º Volume Biblioteca Nacional de Lisboa

AS JARRAS DA ÍNDIA

"O que custa a largar na vida não é a esplêndida natureza,as grandes ideias,a luta ou as paixões - é o que fazemos todos os dias,é o hábito. Um médico meu conhecido do Porto,o dr.Frias,acabou com estas palavras: - E os meus doentes? que vai ser dos meus doentes? - Um pobre chefe de via e obras do caminho de ferro que eu conheci em Guimarães,só dizia: - A linha! tenham cautela com a linha! - E a mim,uma das coisas que me vai custar a deixar são os meus papéis. A vida leva-nos e aturde-nos. Lutamos. Debatemo-nos. Mas quando chegamos ao fim estamos todos docemente maníacos. O cúmulo é o caso acontecido com o Alfredo Guimarães,cuja vida se passou na constante preocupação do bricabraque e que na agonia recomendava ainda:- Olhem lá se esses homens quando descerem com o meu caixão vão partir as jarras da Índia que estão no patamar da escada." RAÚL BRANDÃO

quarta-feira, 13 de dezembro de 2017

TOADA DE PORTALEGRE

E era então que sucedia Que em Portalegre,cidade Do Alto Alentejo,cercada De serras,ventos,penhascos,oliveiras e sobreiros, Aos pés lá da casa velha Cheia de maus e bons cheiros Das casas que têm história, Cheia da ténue,mas viva,obsediante memória, De antigas gentes e traças, Cheia de sol nas vidraças E de escuro nos recantos , Cheia de medo e sossego, De silêncios e de espantos, - A minha acácia crescia. Vento soão!,obrigado Pela doce companhia Que em teu hálito empestado, Sem eu sonhar,me chegava! E a cada raminho novo Que a tenra acácia deitava, Será loucura!...,mas era Uma alegria Na longa e negra apatia Daquela miséria extrema Em que eu vivia, E vivera, Como se fizera um poema, Ou se um filho me nascera. JOSÉ RÉGIO Antologia Poética edições quasi 1ªEdição,Setembro 2005

FLORBELA ESPANCA VISTA POR JOSÉ RÉGIO

"...Assim sempre quis mais,não podendo contentar-se com nada que tivesse - por isso nada chegou a ter : ninguém chega a ter o com que se não contenta. Florbela não era dos que nascem para ter. "Ter é tardar", disse Fernando Pessoa,erguendo neste verso a bandeira dos pobres por opulência. E Mário de Sá-Carneiro : " Morro à míngua - de excesso." Florbela não tardou,não teve. Morreu à míngua - de excesso. Então,por uma reviravolta do Prisma,tem o que afinal sonhara menina : Sonho que um verso meu tem claridade Para encher todo o mundo! O seu nome é hoje glorioso,e a sua glória não é das que duram o dia em que nascem." FLORBELA ESPANCA Sonetos 35ª Edição Bertrand Editora 2005

PALAVRAS AOS VELHINHOS

Ó moços de outra era! ó trémulos velhinhos! Matusaléns! Noés! heráticos avós!... Aves que a mãe deixou nos solitários ninhos, Que se evolou,deixando os passarinhos sós... Ah,eu bem sei Apsar disso eu sou mais infeliz que vós... Ouvi a história E comparai,depois,a vossa história à minha. Haveis de ver,então,ó Pais de nossos Pais! Que eu hei sofrido mais na minha mocidade, Do que sofrestes vós num século... Muito mais! ANTÓNIO NOBRE Poesia Completa Alicerces Círculo de Leitores 1988

NO SILÊNCIO DA NOITE

Parecia ter sido uma noite de caça para esquecer. As horas que se tinham gasto,por aqueles montes,por aqueles vales,a alumiar a escuridão. Nada que merecesse a pena,à distância de tiro. Só pares de olhos,aqui e ali,de vários tamanhos e cores,lá muito longe. Uns pares de olhos bem fixos,como que presos daqueles raios para eles apontados. Era melhor desistir e ir para a caminha,que o corpo já estava pedindo há muito. Ficaria para outra vez. E lá foram,como que derrotados,de regresso a casa. Mas ainda guardavam alguma esperança,podia ser que um golpe de sorte os visitasse. Ora vamos parar aqui,um ponto alto,sobranceiro ao largo vale. Mais uma vez o foco de luz varreu a escuridão. E mesmo ali,quase a dois passos,deparou-se-lhes um grande par de olhos. Um tiro partiu,um tiro certeiro,um tiro fatal. E foi medonho ouvir-se,no silêncio da noite,o estertor de uma vida,que se foi apagando muito lentamente,talvez com saudades de a deixar. Era,de facto,para esquecer aquela noite de caça. Mas um que nela figurou,por mera curiosidade,nunca mais a esqueceu.

FINA CEIA

À vista de todos,banqueteou-se. Era hora da ceia e ele devia estar com pressa. Nem se lembrou de oferecer,mas estava desculpado. Ele mesmo se encarregou de todas as operações. Já vinha preparado. De um saco,já muito gasto,retirou tudo quanto era indispensável,menos o vinho,mas esse,a seu tempo,apareceria,pois ali havia muito.E o que era tudo? Uma cebola grande,daquelas próprias para um regimento,azeite,vinagre,sal e pão. Com um canivete,cortou a cebola em rodelas muito finas,que foram caindo num prato de esmalte,já também muito usado. Regou-as prodigamente com azeite e vinagre,que,mesmo assim,foram incapazes de dissolver as carradas de sal,ao seu gosto. O molho devia estar uma delícia,pois grande parte dele marchou logo,ensopando pedaços de pão. Finalmente,a montanha de rodelas lá seguiu o seu destino,mas com vagares. Foi um prazer vê-lo comer. Prazer maior deve ele ter tido. E assim,ficou sobejamente demonstrado como tão simples é,e quase de graça,o ter uma fina ceia.

UM GELADO

Já devia ter ultrapassado o cabo dos noventa,ou talvez não,que isto de idades tem muito que se lhe diga. Caminhava quase em ângulo reto,apoiado numa bengala e numa canadiana. Conseguira descer uma escadaria de dois lanços,atravessara a rua e embrenhara-se no jardim. Avançava muito tentamente e,enquanto o fazia,soltava gemidos. Eram ais,numa toada que lembrava,das fitas,a dos remadores das galés. Ele também seria uma,já muito gasta,a desconjuntar-se,mas que ainda se mantinha navegando. Só que nela havia apenas um único tripulante. A cabeça seria a proa. O fluido envolvente deixar-se-ia abrir,sem resistência,com pena dele. E a embarcação lá ia,muito arrastadamente,mas ia. Parou junto a um quiosque. Encostou os apoios e ergueu com esforço a cabeça. Pediu um gelado,pagou,recebeu o troco e retomou a navegação,mas por apenas mais uns metros. Sentou-se num banco,pousando a iguaria ao lado. Tossiu,assoou-se,instalou um cigarro na boca e acendeu-o. Tudo isto sem pressas,como que antegozando o festim. Finalmente,chegou o grande momento. Chupava,dava uma fumaça,tossia e olhava. Para onde? Ficaria isso com ele.

O VALE ERA VERDE

Aquela paisagem,novíssima para ele,encantara-o,seduzira-o. Não sabia para onde se virar,pois em muitos quadros ela se desdobrava,todos de ficar a eles preso. Era o amplo vale que a seus pés se abria. Era o vagaroso rio,a serpentear,que mansamente o cortava. Era a galeria de palmeiras e bananeiras que o alegrava. As bananeiras cresciam ao Deus-dará,com os pés-mães e os filhotes criando densas cortinas. As palmeiras,esguias,procuravam o céu. Eram os palácios de mergulhões,que não desejariam outro poleiro,pois, além de quartos,tinham mesa e roupa lavada,tudo de borla. Podia dizer-se que o vale era verde. Até o rio verde era,de reflexos e de constituição. Havia ainda um outro verde,um verde mais carregado,de outras palmeiras,não tão elegantes,ordenadas,muito apaparicadas. Eram nelas que os exímios trepeiros mostravam as suas habilidades,quando os cachos estavam a pedir que os fossem lá colher. A noite caía quase a pique. E o verde passava a tons violáceos,tudo muito a correr,que era urgente ir descansar. Era nesta altura que os embondeiros,que o punham especado,muito respeitador e um tanto temeroso,na sua frente,pareciam fantasmas de muitos braços. E os seus frutos,de pedúnculos compridos,lembravam ratazanas que eles usariam para mais amedrontar. Mas mal o sol acordava,de novo o vale se pintava de verde,de um verde mais verde. E os fantasmas e as ratazanas iam dormir.

ROCINHA

A Rocinha é uma favela localizada na Zona Sul do município do Rio de Janeiro, no Brasil. Destaca-se por ser a maior favela do país, contando com cerca de 70 mil habitantes.[4] A região passou a ser considerada um bairro e foi delimitada pela Lei Nº 1 995 de 18 de junho de 1993, com alterações nos limites dos bairros da Gávea, Vidigal e São Conrado.[5]... GOOGLE Rocinha

terça-feira, 12 de dezembro de 2017

DHARAVI

Dharavi is a locality in Mumbai, Maharashtra, India.[1] Its slum is the second-largest slum in the continent of Asia[2][3] (after Orangi Town in Pakistan) and the third-largest slum in the world,[3][4] with an area of just over 2.1 square kilometres (0.81 sq mi; 520 acres).[5] Holding a population of around 700,000 and a population density of over 277,136/km2 (717,780/sq mi), Dharavi is one of the densest areas in the world. The Dharavi slum was founded in 1882 during the British colonial era, and grew in part because of an expulsion of factories and residents from the peninsular city centre by the colonial government, and from the migration of poor rural Indians into urban Mumbai (then called Bombay).[6] For this reason, Dharavi is currently a highly multi-religious, multi-ethnic, and diverse settlement.[7... GOOGLE INDIA SLUMS

O HOMEM DA ATALAIA

Guardara-se aquele local para o fim . É que constava que aquilo era domínio de animais mal feridos. E agora ali estavam,que o trabalho tinha de se completar. A vegetação era alta e densa,um enfeltrado de capim e de espinhosas. Por isso,um escadote fazia parte do instrumental. A picada estava a ser aberta,com a orientação do homem da atalaia. A certa altura,entram em cena as avezinhas anunciadoras da presença de pacaça. Pipilam muito,lá no alto,por cima do hospedeiro. Como de outras vezes,procura-se,fazendo mais barulho,espantar o bichinho. E o que é que o vigilante vê ou julga ver,que tudo se passava lá no interior do mar verde? O bichinho parecia não se ter acobardado e decidira dar luta,vindo ter com o inimigo. Não pensou duas vezes o homem da atalaia. Saltou dela e desatou a correr pela picada fora,uma picada muito estreita,trazendo atrás de si toda a companhia. Sabia lá ele onde punha as mãos? Os espinhos estavam lá, à espera ,e uma mão foi picada. Ainda almoçou,mas jantar é que não. Febre alta,o corpo todo dorido,incapaz de se alimentar. Valeu-lhe alguém,que,por quase uma semana, lhe levava a comida à boca,e um enfermeiro que percebia de infeções. Ainda convalescente,com um braço ao peito,teve de regressar,de jipe,primeiro,por estradas inundadas,depois,de comboio miniatura e de comboio a sério,e,finalmente,de avião. Parecia ter vindo de uma guerra.

SINTONIA

Aquele fora um encontro de muito cogitar. Sem aviso prévio,uma chuva miudinha,de molha-tolos,fizera a sua aparição,apanhando alguns desprevenidos. Por ali havia árvores frondosas,que ofereciam suficiente proteção. Sob uma delas,chegara,primeiro,uma jovem de porte atlético,com um pequeno livro,cujas folhas não havia meio de pararem. Um velho,que escolhera o mesmo guarda-chuva,pensando que a moça estava a precisar de ajuda, decidiu intervir. E aqui,aconteceu o inesperado. É que a moça nascera,e por lá andara alguns anos,numa cidade muito distante dali,precisamente em Newcastle upon Tyne,onde o velho, há um ror de tempo,estivera uns largos meses. Mas mais ainda. Ela residira muito perto do local onde o velho arranjara poiso. Mas que tremenda coincidência,concordaram os dois. Ali devia ter havido mãozinha misteriosa. Há por aí muita coisa ainda desconhecida,talvez radiações,talvez tropismos vários,e sabe-se lá mais o quê. E ,sem querer,como que empurrado,o velho teria entrado em sintonia com a jovem,e,irresistivelmente,dela se aproximara. É esta a covição do velho. Da moça nada se sabe a este respeito,mas,o mais provável,é ela nunca mais ter ligado àquele encontro. Pode, ainda ,acrescentar-se que o velho,num gesto de cavalheirinho,se prontificou a orientar a moça naquele local rico de memórias. Mas ela não esteve para aí virada. Ela,sozinha,se desembaraçaria,como,aliás,muitos dos seus fizeram por esse vasto mundo,tal como os do velho.

UMA APARIÇÃO

Um dos trabalhos que ele ia fazer levava aí umas duas horas por dia,ao longo de uns meses. A temperatura não devia sofrer grandes variações,mas o ideal seria uma constante. E ele procurou esse ideal. No sítio onde se encontrava não havia tal condição,mas talvez houvesse noutro. E havia,até duas salas. E estavam à sua disposição. Desconfiado como era,não descansou enquanto não confirmou a constância. A sala tinha dois grandes inconvenientes. Não se via uma janela sequer e podia trancar-se do lá de fora. Assim,como ficava lá para um canto,alguém podia lembrar-se de o fazer prisioneiro,por sabe-se lá quanto tempo. O seguro morreu de velho. Tinha de avisar,portanto,para que o fossem lá libertar. E,assim descansado,começou a trabalhar. Um dia,o que é que havia de acontecer? Uma aparição,na forma de uma gentil menina,muito loira e de olhos muito azuis, com um tabuleiro na mão. Abriu a porta. Lá se iria a constância. Pediu-se para que entrasse depressa. Ela hesitou uns segundos,mas acabou por não entrar. Sabe-se lá do que o moço era capaz? A temperatura tinha de ser mesmo constante,para maior rigor. Teve ocasião de o verificar. A curva de valores a 25 era algo diferente da a 15. Neste segundo caso,vestiu uma camisola grossa.

DE MÃOS LARGAS

Estava a ouvir os carros a passar na rua com o chão molhado de chuva a acair. Fora assim que há muitos anos ele acordara de madrugada,algures numa pensão alentejana. Parecia ter-se gorado o trabalho da noite a preparar as coisas para uma sementeira de trevo da Pérsia. O tempo acabou por se recompor e lá foi à procura de auxílio.Apareceu na forma de um velhote muito magro,com barba de dias. Era dono de uma parelha de muares tão velhas como ele. Mas os três sabiam do seu ofício,que a aprendizagem começara cedo e em excelente escola.A água deixara de vir do céu,mas havia mais prometida. As mulazinhas não podiam mandriar,bem como o seu condutor. A obra ficou perfeita. Todos não cabiam de contentes,sobretudo o trio assalariado. Ainda se haviam lembrado deles,graças a Deus. Tinham estado um largo tempo parados,mas não há mal que sempre dure. O par teve naquele dia rancho melhorado e o velhote,para além do que fora estabelecido,banqueteou-se com ceia lauta no café do lugar.A previsão confirmou-se. A chuva voltou,de mãos largas,fazendo das suas. As sementes boiavam. Tinham sido esforços baldados. Feitas as contas,restara a alegria dada ao trio assalariado. Não se perdera tudo.

DE TARDE

Naquele pic-nic de burguesas, Houve uma coisa simplesmente bela, E que, sem ter história nem grandezas, Em todo o caso dava uma aguarela. Foi quando tu, descendo do burrico, Foste colher, sem imposturas tolas, A um granzoal azul de grão-de-bico Um ramalhete rubro de papoulas. Pouco depois, em cima duns penhascos, Nós acampámos, inda o Sol se via; E houve talhadas de melão, damascos, E pão-de-ló molhado em malvasia. Mas, todo púrpuro a sair da renda Dos teus dois seios como duas rolas, Era o supremo encanto da merenda O ramalhete rubro das papoulas! O Livro de Cesário Verde, Lisboa, 1887

domingo, 10 de dezembro de 2017

AO SOL

... Um grande sol claro e cadente,alaga a praça em júbilos africanos,e a sua catarata de fogo dá uma vibratilidade dolorosa às coisas que nos circundam,uma vida alucinada a cada simples função da nossa vida. Sob uma tal incandescência,que dirieis uma tripla essência da tortura,veiculada em fulgurantes zoeiras de arco-íris,adeus tranquilas sensações,ideias serenas,exactidões religiosas de sentidos,índoles mansas e amoráveis,almas translúcidas e benignos ideais de felicidade! Cada raio deste sol é uma pata de demónio agitando nos crânios todas as sortes de impulsões desencontradas,todas as monomanias mefistofélicas e bizarras.... Já as respirações sobem de ritmo,pressentindo o terrível acesso de calma do meio-dia. Trinta graus dentro de casa - ufa!,ufa! - ,o que quer dizer quarenta e cinco nos malhadouros das eiras. Uma lassidão começa a invadir os membros húmidos,e zuídos de enxame ziguezagueiam, crepitam,ao redor dos nossos ouvidos. O vento que sopra é como o hálito dum forno crepitando de estalidos súbitos,que lembram os gritos de dor da terra ulcerada por milhões de cáusticos.... FIALHO DE ALMEIDA O País das Uvas Ao Sol Círculo de Leitores 1981

POBRE JIBÓIA

O jipe não havia meio de vir,pelo que o melhor era fazerem-se ao caminho,um caminho à beira-rio. Manda quem pode,mas às vezes não devia mandar,como foi neste caso. Ignorâncias. Entretanto,caíra a noite. Dava aviso,mas esperava pouco. Já se sabia,mas era o mesmo que nada. À frente,ia o trepeiro,homem muito experimentado. Com ele no comando,ia-se tranquilo. Não se contara,porém,com uma jibóia,que se lembrara,naquela altura,de ir à sua vida. E deu-se o que é frequente acontecer,um encontro que ninguém desejava. A pobre da jibóia deve ter ficado muito assustada e tratou de se escapulir,refugiando-se no remanso de onde viera,o capim fresquinho do talude do rio. O guia ainda levantou a catana no propósito de a enfrentar. Fora ele o único a montar defesa,pois com os outros não se podia contar. Ora a nossa vida,lamentava-se o que podia. Assim não vamos lá. Com quantas gibóias iremos cruzar? Está além uma fogueira e o mais acertado é ficarmos lá à espera,aconselhou o guia. O jipe acabou por aparecer,depois de se ter refeito de uma mazela.

UMA GRANDE MULHER

Agora sabia bem que estivera nos Victoria Tower Gardens,ali à vista do Tamisa,mesmo no coração da grande urbe. Acontecera isso há muitos,muitos anos. Andara a meter o nariz por muitos cantos,a querer ver o mais que pudesse,que o tempo voava e o disponível era magro,e também porque podia ser aquela a última oportunidade de por ali passar,o que,de facto,veio a suceder. Parecia ele adivinhar. Sentara-se,a recobrar forças. Só depois de alguns minutos é que deu conta de que à sua volta apenas se viam senhoras de muita idade. Isso levou-o a pensar que estaria em local de algum significado. Não demorou muito a ser esclarecido. Uma das senhoras levantara-se e viera sentar-se a seu lado. Sabia ele onde se encontrava? Não,não sabia.Estava cansado e sentara-se no primeiro banco que vira. Está ali a ver aquela estátua? Pois é a estátua de uma grande mulher. A ela devemos,da sua luta,o direito das mulheres poderem votar. Estamos-lhe muito gratas por isso e sempre que podemos vimos aqui prestar-lhe homenagem.

E O SILÊNCIO REGRESSOU

Não iria ser pera doce aquele trabalho de cartografia de solos nas margens do rio Longa. Quando do começo, uma grande parte ainda estava inundada,mas haveria de secar,como sucedera noutros anos. Chegara a ocasião de um local que se tinha deixado para o fim,na esperança de que secasse completamente,o que não aconteceu. Ali,só com botas de borracha. Perto,ficara uma lagoa,de margens ensopadas. A água ,de cor acinzentada,ressumava a cada passo. Não fora possível abrir ali covas,pelo que a natureza do terreno só podia ser determinada por meio de sonda. Foi uma tarefa penosa,pois as mãos ficaram numa lástima. O capim crescera alto,mas pouco denso,permitindo serpentear sem necessidade de grandes esforços. A confiança era tanta,garantida por um prévio sinal da cruz,que nem um momento se pensou na surpresa que se podia ter no próximo afastamento de um tufo de caules. As observações faziam-se sem precalços e o silêncio do lugar não era perturbado por qualquer ruído alarmante. De súbito,ouvem-se repetidos sinais de aflição. Um pobre javali pisara,inadvertidamente,o espaço de um crocodilo e este não se fizera rogado. O desfecho foi rápido. E o silêncio regressou. Não houve uma palmeira,um embondeiro,nem sequer um pé de capim,por mais próximo,que viesse contar o que se tinha passado. Indiferentes,continuaram na sua vida.

JÚLIO DINIS

Foi simples,foi inteligente,foi puro. Trabalhou,criou,morreu. Mais feliz que nós,tem o seu destino afirmado,e para ele resolveu-se a questão." EÇA DE QUEIROZ Uma Campanha Alegre Volume I Lello &Irmão-Editores Porto 1979

sábado, 9 de dezembro de 2017

BIOGRAFIA DE ALEXANDRE HERCULANO

"Alexandre Herculano (1810-1877) é considerado o pai da historiografia portuguesa e os seus poemas e romances transformam-no numa figura fundamental do romantismo. Colaborou e fundou várias revistas e jornais de âmbito cultural e noticioso. Aprendeu os rudimentos da investigação histórica fora do circuito académico, que foi obrigado a abandonar por razões económicas. Devido à sua oposição ao Miguelismo é obrigado a exilar-se, primeiro em Inglaterra e depois em França, onde contacta com obras de historiadores, romancistas e poetas estrangeiros que vão ter grande influência no futuro do seu trabalho. Em 1832, desembarca no Mindelo com as tropas liberais e participa na defesa do Porto. Com o regime liberal assume a gestão de diversas bibliotecas. Dirige “O Panorama”, a mais importante revista literária da época, e está na fundação de dois jornais: “O País” e “O Português”. Membro e dirigente da Academia Real das Ciências publica, em quatro volumes, a sua “História de Portugal”, uma obra de referência na historiografia portuguesa. Dececionado com a política, passou os últimos anos da vida em Vale de Lobos, continuando a trabalhar nas suas obras."

UMA EXISTÊNCIA DE SONHO

"Quantas vezes me detenho a pensar,e a dizer aos melhores amigos da minha vida,àqueles a quem devo as horas mais silenciosas,mais recolhidas e mais belas: - Valeu-te a pena? Trocaste a vida pelo sonho. Gastas-te a criar,sabe Deus à custa de que absorção dolorosa. Nem vaidade satisfeita,nem vulgares interesses mesquinhos. Deste-nos a tua alma,e a tua existência foi um esforço sobre-humano para atingir a beleza espiritual e a beleza moral. Nisto passaram as melhores horas - passou a vida - e se consumiram cérebro e nervos,de homens que se chamam Herculano,Antero,Camilo e Junqueiro,que durante vinte,trinta anos,levaram a alma ao fogo dum cadinho,esquecendo-se que a vida galopa a nosso lado,e de que,se nos arrependermos,não há esforços,nem gritos,nem súplicas,nem sentimentos,nem razões que a detenham. Profissão,se é profissão,a pior de todas que conheço. Dela,extraem alguma vaidade,e quase todos sofrimento. Dela se morre. Vejo Camilo deitar a mão ao revólver e leio nos olhos de Antero o minuto supremo de angústia. Aí está o Eça exausto,e o pobre Fialho carrega com um fardo que me mete medo. Todos estes homens só tiveram uma existência de sonho,uma existência tão pesada e humilde de trabalho,que não há aí ninguém que a comprreenda,que a inveje. Uma força os obriga a subir sempre,a subir ainda que não queiram. Nem desviam os olhos,nem se sentem sangrar. Totalmente se entregam..." RAUL BRANDÃO Memórias (Tomo II) Obras Completas Vol.I p.208 Edição José Carlos Seabra Pereira Relógio D'Água 1999

DA BARCA DE AMIEIRA DO TEJO

"No sítio do Pôrto há uma barca de passagem. Aí mesmo atravessou o Tejo o cadáver e préstito fúnebre da rainha Santa Isabel ,na sua trasladação de Estremoz a Coimbra. Por esse facto,diz-se,não há memória de ter sucedido nessa travessia infortúnio algum." RAUL PROENÇA Guia de Portugal 2º Volume Biblioteca Nacional de Lisboa

ÍNCLITA GERAÇÃO

"Um caso fortuito,o casamento de D.João com uma filha do Lencastre(filho de Eduardo III de Inglaterra)contribuiu para modificar a corte e as classes dirigentes de Portugal. Os filhos de D.João I nasceram com grandes dotes,e lograram educação primorosa no ambiente criado por D.Filipa,preceptora de toda a corte,a qual era constituída,como dissemos,por gente nova. Raras vezes se viu,em toda a história,tão notável realização de um ideal completo de humanidade. A corte,como escreveu um historiador,era então uma academia;os infantes,-cavaleiros,sábios e moralistas. O mais velho,D.Duarte,consciencioso e aplicado até ao escrúpulo doentio,estuda a ciência de reinar e a moral,escreve o Leal Conselheiro e a Arte de Cavalgar em toda sela;o segundo,D.Pedro,de cujas viagens se formou lenda,ajuda,com elas,a resolver o problema da Índia,estuda os éticos e os geógrafos,e compõe um tratado de moral sobre a Virtuosa Benfeitoria;o terceiro,D.Henrique,-calado,tenaz e duro-foi o propulsor dos descobrimentos;D.Fernando revelou no martírio as virtudes cristãs de que era capaz;de D.João,por acaso,não ficaram obras confirmativas do conceito excepcional em que o tiveram."Inclita geração,altos infantes",lhes chamou Camões nos seus Lusíadas." António Sérgio Guia de Portugal I Raúl Proença Biblioteca Nacional de Lisboa 1924 Apresentação e Notas de Sant'anna Dionísio Fundação Calouste Gulbenkian 1991

DIÁLOGOS EM ROMA

Author: Hollanda,Francisco de Title: Quatro diálogos da pintura antiga. English. Title: Diálogos em Roma(1538): conversations on art with Michelangelo Buonarrotti/Francisco de Hollanda;edited by Grazia Dolores Folliero - Metz;with a preface by Wolfgang Drost. Published:Heidelberg:Winter,1998. Na Biblioteca da Universidade de Harvard,USA. Francisco de Holanda pintor,iluminador,arquitecto e escritor,filho de um iluminador e pintor flamengo estabelecido em Portugal,nasceu cerca de 1518 e morreu em 1584.... ANTÓNIO SÉRGIO Prosa Doutrinal de Autores Portugueses Portugália

CASA DOS PATUDOS - ALPIARÇA

"O imóvel da autoria do Arqt. Raul Lino de estilo revivalista-nacionalista,fiel às tradições arquitectónicas da sua época,foi utilizado como "assento de lavoura",mas também como tertúlia política ,artística e musical. O seu proprietário ,José Relvas(1858-1929),foi figura destacada da 1ª República - por ele proclamada,em 5 de Outubro de 1910,da varanda dos Paços do Concelho de Lisboa,tendo sido também lavrador,fotógrafo,músico,mecenas e filantropo. O seu pai,Carlos Relvas,foi um conhecido fotógrafo,esteta e cavaleiro tauromáquico,criador do famoso e ainda actual "Selim à Relvas"." Texto que acompanha as duas primeiras imagens. " Mas, se o exterior da Casa dos Patudos nos atrai e nos encanta pela sua simplicidade ,a parte interna surpreende-nos pela elegância requintada das sua salas e pelas preciosidades artísticas que as adornam ,numa disposição dum bom gôsto inexcedível. Nessas vastas salas sente-se a impressão de que cada objecto está no seu lugar próprio,sem se aglomerarem,sem se prejudicarem uns aos outros,tão discretamente estão dispostos ,num conjunto único de harmonia e de sobriedade. O mobiliário,as porcelanas,as pinturas e as tapeçarias constituem o núcleo principal das obras de artes tão carinhosa e tão inteligentemente reunidas na Casa dos Patudos. E, entre estas,destacam-se pela sua qualidade e quantidade,a série de tapetes de Arraiolos - sem dúvida a mais notável no país - constituída por mais de 40 exemplares,que guarnecem as paredes da escadaria principal e as da sala da Renascença,e entre os quais merece referência especial um bordado a sêda e datado de 1761...." RAÚL PROENÇA Guia de Portugal 2º Volume Biblioteca Nacional de Lisboa 1927

PROMONTÓRIO

Era um local impregnado de mistério,quase sempre envolto em brumas. Parecia,umas vezes,um promontório,outras,um navio de eras antigas. Seria,talvez,uma quilha de velha caravela que ali tivesse varado,não se sabe bem como. Um pesado silêncio reinava ali. Apenas o cortava um ou outro piar de ave de rapina. Em redor,para todos os quadrantes,a vista alargava-se,nas raras abertas consentidas,perdendo-se para além do mar,alternadamente verde e amarelo. Em tempos,passara por lá ,quase só,um rei destronado, a caminho do exílio. Deixara ele um rasto de tristeza,que perdurara,mais acentuando aquela desolação. Apsar de tudo isso ou talvez por isso mesmo,vivia ali gente. Eram eles ,um velho capitão,de olho muito azul e cuidada barba,que lhe chegava até à cintura,com o seu imediato fiel,que sempre o acompanhara nas aventuras sem conta. E um escrivão muito probo,de farta calva. E também um aprendiz,que dava mostras de não gostar nada daquele sítio,mas incapaz de sair dele. Restavam dois ou três mais,entretidos com tarefas rudes. Residiam todos num castelo meio arruinado,junto a uma escarpa prestes a desmoronar-se. Que faria aquela gente?,seria a pergunta que ocorria a alguns nómadas,quando jornadeavam por perto,nas suas andanças intermináveis. Estranhavam o seu apego àquele lugar quase abandonado. E certo dia,um mais atrevido,não resistiu,abordando um deles que tinha ido à caça. Foi em vão,pois o homem,ou lá o que era,usava uma linguagem incompreensível. Eram capazes de ser extraterrestres. E foi o que se espalhou pelas redondezas. Não podia,certamente,ser outra coisa,já que havia falta de quase tudo de que um terráqueo necessitava para sobreviver. E assim permaneceu esse entendimento,adensando ainda mais o mistério que dali se desprendia.

sexta-feira, 8 de dezembro de 2017

"A FORMUSURA DE ALMEIRIM DE INVERNO"

" Almeirim deve a sua existência a um palácio que ali fez erigir em 1411 o rei D. João I e que os soberanos da dinastia de Avis habitaram,ampliando-o,e fazendo dêle uma mansão de luxo (João de Castilho trabalhou ali) onde a côrte se vinha divertir. " Era a Sintra de inverno no séc. XVI,onde,segundo se diz na Eufrosina,se estava às vezes em pilha como sardinha". D. Manuel ali passou todo o ano de 1510,parte do de 1513,os natais de 1514 e 15 e todo o período que decorreu entre Outubro de 1515 e Maio de 1516. D. João III seguiu-lhe o exemplo. No seu reinado celebram-se ali as côrtes de 1544,para juramento do príncipe D. João,pai de D. Sebastião,como herdeiro da corôa. Foi ainda em Almeirim que se reuniram as côrtes de 1580 para tratar da sucessão ao trono(vol.I,p. 48) e ali m. nesse mesmo ano o cardeal-rei,que,segundo parece,ali nascera também(1512). É nos paços da vila que Gil Vicente representa,às côrtes de D. Manuel e D. João III,grande número das suas farças e comédias : em 1510 o Auto da Fé,a Barca da Glória em 1519,a tragicomédia Dom Duardos nos desponsórios da infanta D. Isabel com Carlos V(1525),e em 1526 a farça do Juiz da Beira,a tragicomédia Templo de Apolo,o Breve sumário da história de Deus e Diálogo sobre a Ressurreição. O Cancioneiro geral de Garcia de Resende também se começou a imprimir nos paços de Almeirim,que ainda no séc. XVII faziam afluir à vila grande multidão de gente da côrte ,como se depreende da seguinte passagem de Luis Mendes de Vasconcelos no seu Do sítio de Lisboa: "Não dissestes a formosura de Almeirim de inverno,nem a frescura de Sintra no verão,e a facilidade com que a estas partes se vai,podendo ir em bergantim pelo rio até Almeirim,vendo as praias e campos deste nosso rio...". Hoje todo este quadro desapareceu.Do palácio nada resta. As suas derradeiras ruínas foram demolidas...no verão de 1889....." RAÚL PROENÇA Guia de Portugal 2º Volume Biblioteca Nacional de Lisboa 1927

A PROPÓSITO DA FLORESTA AMAZÓNICA

Que massa,que força,que pujança. Não se diria que o solo onde ela se levanta fosse,no geral,tão pobre,quase só areia. Então como explicar este aparente milagre da natureza? É uma conjugação feliz de vários fatores. Em primeiro lugar,à cabeça,o sol e a água. A clorofila vem depois. E é um sintetizar permanente de material orgânico. A manta morta que por ali vai de toda aquela folhagem e companhia. Para os nutrientes,que a água traz,há,claro,as raízes,mas,acima de tudo,as micorrizas,um entendimento mútuo de radículas e fungos,uns parasitas que retribuem bem a hospedagem,de cama e mesa. Decepada ela,a floresta,fica um solo que não se esperaria. E então há que o fabricar muito depressa. Porque com aquele sol e aquela água, a folhagem e os seus restos que por lá haja desaparecerão enquanto o diabo esfrega um olho. E é o diabo. Lá se vai aquele natural captador do famigerado CO2,numa extensão quase única,exemplar.

sexta-feira, 1 de dezembro de 2017

SER PROFESSOR

"Não sou, junto de vós,mais do que um camarada um bocadinho mais velho. Sei coisas que vocês não sabem,do mesmo modo que vocês sabem coisas que eu não sei ou já me esqueci. Estou aqui para ensinar umas e aprender outras. Ensinar,não:falar delas. Aqui e no pátio e na rua e no vapor e no comboio e no jardim e onde quer que nos encontremos. Não acabei sem lhes fazer notar que "a aula é nossa". Que a todos cabe o direito de falar,desde que fale um de cada vez e não corte a palavra ao que está com ela."... "Bendito seja Deus,por eu ser professor!"... "Para ser porfessor,também é preciso ter as mãos purificadas. A toda a hora temos de tocar em flores. A toda a hora a Poesia nos visita."... Do Prefácio de Hernâni Cidade para o DIÁRIO de Sebastião da Gama 9ª edição Edições Ática

SEIS QUADRAS DE ANTÓNIO ALEIXO

Vai subindo lentamente, só assim serás alguém, que quem sobe de repente raramente sobe bem. Tu não vais à procissão p'ra rezar à Virgem-Mãe, vais p'ra aqueles que lá vão verem que tu vais também. Que o mundo está mal,dizemos, e vai de mal a pior; e,afinal,nada fazemos p'ra que ele seja melhor. Talvez paz no mundo houvesse, embora tal não pareça, se o coração não estivesse tão distante da cabeça. É tão engraçada a vida... sem que a gente a veja assim, volta ao ponto da partida, quando está perto do fim. Gosto de apertar a mão àspera dos calos que tem; também as côdeas de pão são ásperas,mas sabem bem. ANTÓNIO ALEIXO ESTE LIVRO QUE VOS DEIXO... Sétima Edição Loulé 1983

CONFEITARIA CENTENÁRIA

Confrangia o apelo da senhora,ali naquela sala de plateia a nível nacional. Parecia uma mendiga de mão estendida,solicitando uma ajudazinha. Tratava-se de uma confeitaria centenária,lá para o Norte,em riscos de ter de fechar as portas. As histórias que ela teria para contar,histórias que fariam parte de uma história maior,digna de ser guardada para que pudessem ficar a sabê-la os que viessem depois. Passara-se em tempos por lá. Apreciara-se,como não podia deixar de ser,as especialidades da casa. Mas apreciara-se,sobretudo,o envolvimento,o chamado ambiente,humano e mobiliário. Tudo aquilo respirava tempos românticos. A delicadeza do trato,do estilo de que o freguês é que tem sempre razão,não tinha par. Parecia ter-se mergulhado no tempo,de um tempo que morreu,acabou-se,já não há mais,agora só em sítios como aquele,que deviam ser agarrados,conservados,como jóias sem preço. Talvez,até, tivessem passado por ali o Camilo,o Nobre,o Pascoais e outros da mesma família. Pode ser que o seu apelo tenha sido escutado,quem sabe? Pena foi que a pobre senhora estivesse ali de mão estendida solicitando uma ajudazinha.

UM OUTRO ALEIXO

Onde já lá iam os noventa,assim o revelou. Parco de carnes,o velhote ouvia mal. Regressava ao Barreiro,de onde tinha vindo,manhã muito cedo. Não se entendia lá muito bem com os transportes,mas havia sempre alguém que o ajudava. O ouvido estava fraco,mas a memória não se comparava,pedia meças. E para o mostrar,desfiou ali,de uma assentada, mais de uma dúzia de quadras,inteiramente da sua lavra. Um outro Aleixo. Para também se ouvir,acabou por ter casa cheia. Vestido de negro,incluindo o chapéu,todo ele era vida. Os olhinhos faiscavam,na sua carita chupada. Tê-los-ia dito,aquela torrente de versos,muitas vezes,não importa. Este seu jeito vinha de muito longe,de quando ele era moço. Contava ainda fazer muitos mais,que motes não haviam de faltar e o engenho também não. Passem por cá muito bem,que eu tenho de ir apanhar o barco. Fizera este caminho poucas vezes,mas agora já não tinha dúvida. Adeus. E lá foi,direito que nem um fuso,quase sem rugas na carita escanhoada a preceito,para vir à capital.