domingo, 19 de janeiro de 2014

A PREFERIDA

Era uma árvore que tinha muito para contar, assim ela pudesse, mas estava incapaz de o fazer. Parecia que a morte a visitara. De vez em quando, alguns pássaros vinham pousar nos seus ramos carcomidos, mas só de fugida. Ainda assim, lembravam-lhe os anos em que se vestira de rebento novos acolhedores. Dera guarida a muitos casais, pelo que grandes alegrias colhera. A chilreada que ia por ali, animando-lhe os dias e as noites. Dera sombra a muitos mendigos, que fizeram, à sua densa sombra, grandes sonecas. Chegavam até a armar tenda sob a enorme copa.
À sua volta, havia mais árvores, mas ela era a preferida. Nunca entendera bem porquê. As outras andavam também intrigadas por tão exclusivo comportamento. Coisas que acontecem, às vezes,sem se atinar com a explicação.
Os anos somaram-se. Mas a certa altura, apsar da bondade do terreno e dos restos repetidamente deixados, a pujança de vários anos entrou em declinar. O tempo também não ajudou. Fortes e continuadas chuvas reduziram-lhe o alimento. Desabridas ventanias quebraram-lhe os raminhos mais tenros e promissores. Depois, vieram grandes secas.
A seiva corria deslavada e de fraco caudal. Os ramos entraram em definhar. Não parecia a mesma árvore de outrora. As avezinhas deixaram de a procurar, trocando-a pelas vizinhas, que tinham resistido às intempéries. Umas poucas mantiveram-se fiéis. Davam-lhe, porém,
algum alento. Mas mesmos essas acabaram, a pouco e pouco, por a abandonar. Os mendigos imitaram os pássaros, passando-lhe ao largo. Os resíduos quase nada valiam, pois os tempos iam maus.
Para piorar as coisas, os canais da seiva entupiram-se. Chegara, podia dizer-se, ao fim. O dono tinha lenha para dar e vender, pelo que nem para ela olhava. E para ali ficou, esquecida, como morta.

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