sábado, 28 de fevereiro de 2015

MILREU - ROMAN RUINS

Milreu,Algarve . Portugal

CONTA DOS CATRAIOS

Um antigo baluarte,com uma guarita quase intacta,estava a ser posto a descoberto,para íncola ou turista ver. Sempre que valha a pena,há que cuidar do património. Alguns homens tinham sido encarregados dessa tarefa dura. Uma mulher nova,de aspecto sadio,ia levar-lhes água. Trazia-a ao ombro e o caminho era a subir. Parou para descansar e conversar. Ainda não completara trinta anos e já dera ao mundo quatro filhos. Ela e o seu homem tinham de labutar muito. Felizmente que ele não era dado à bebida,nem a drogas. E por ali havia muita. Um vizinho dela,um miúdo,a bem dizer,trabalhava um ou dois dias e passava o resto da semana entregue a esse maldito vício. A mãe dele andava que nem um farrapo. Mas não era preciso que elas aparecessem,pois já havia por ali outra e que era o vinho. A mãe dela que o dissesse,bem como ela e os irmãos,que, volta não volta,apanhavam grandes sovas do pai,que, depois, não se lembrava de nada. Coitado,já lá estava. A mãe ficava como morta. Além das tareias,já contava, ao todo ,sete operações. Não sabia como ainda estava viva. Mas ainda bem,pois era ela que lhe valia,tomando conta dos catraios,enquanto ela e o marido faziam pela vida. Graças a Deus que ele não era como o seu velho.

sexta-feira, 27 de fevereiro de 2015

CONIMBRIGA - ROMAN RUINS

Conimbriga

A MOCA

Ganadaria necessita de espaço, e aquela herdade fora arrendada para casa dos garraios. Ele tinha de estar,pois, sempre alerta,que o seguro morreu de velho. Para maior descanso,antes de iniciar o trabalho,dirigia-se ao "monte", para saber onde se encontravam os bichinhos. Cortou-lhes as voltas por alguns dias,mas por fim,que a tarefa tinha de ser concluída,teve de ir ao seu encontro. Lá estavam eles,dispersos em pequeno vale. Ali havia boa comida,que a terra era fresca. O maioral,que estava sentado no rebordo de um poço,aproximou-se. Vinha apoiado num cajado,em forma de moca. Então,a montada? Ficara lá no "monte",raramente a utilizava. Vira-os nascer e conheciam-se bem. Então,para que servia a moca? Eles eram novos,eram como crianças. Gostavam de brincar e por vezes excediam-se. Era nessas alturas que a moca intervinha,para os separar,para evitar que se aleijassem,o que seria uma carga de trabalhos e,talvez, grosso prejuízo. E o diabo do homem dizia isto com naturalidade,como se estivesse a falar de cães ou de gatos. Na sua companhia,e com a protecção do jipe,lá se deu conta do serviço,mas sempre muito amedrontado,a pensar que eles podiam perder o respeito à moca.

MAL DA VOLTA

Mesmo pujante,aquilo era pasto que já não servia. As vacas que ali tentassem fazer pela vida perdê-la-iam antes do tempo próprio. A erva estava doente. Mas de quê? Só muito tarde se veio a saber. Mas não ficaram à espera,pois havia que sustentar a família. Se ali não podiam permanecer,talvez noutro local,mesmo ao lado,as vacas medrassem como convinha. E foi o que observaram. Mais ainda verificaram que,decorrido certo tempo,o local maldito deixava de o ser. Era como se tivesse de ir dar uma volta ,para distrair ou para descansar,e como mal da volta ficou a ser conhecido. Não interessa aqui dar notícia do porquê de mal tão estranho. Basta dizer que lá,passado esse certo tempo,a terra se recompusera,fornecendo ao pasto o alimento necessário para confortar as vaquinhas. Faz isto lembrar movimentações bem conhecidas. E é vê-los,sós ou acompanhados,tocando,ora ali,ora acolá. E um dia,dada uma volta,regressam ao local de partida. Os sítios onde fazem pela vida parece,a dada altura,virem a padecer de um mal,um tanto ou quanto indefinido. Precisam também de que algum tempo se esvaia,para que os sítios,ou eles,se restabeleçam. Para isso,vão dar uma volta.

quinta-feira, 26 de fevereiro de 2015

MONTESINHO NATURAL PARK

Parque Natural de Montesinho

QUASE VOANDO

Logo eu saí assim. Assim se lastimaria,mais uma vez,aquele homem. O seu muito abanar da cabeça parecia indicá-lo. Era uma figura magra,enfezada. O chapelinho às três pancadas também não ajudava.Lá ia ele,como era costume,no seu andar lesto,miudinho,quase a partir-se,quando avistou ao longe uma camisola branca,muito justa,de moça encorpada. Estacou de imediato,ficando à espera que ela avançasse. Como que abriu alas,quando ela passou,muito rente a si,que o passeio era estreito. E rodou,quando foi caso disso,um tanto a tremer,a modos que perturbado,prolongando a mirada.A sua vontade seria segui-la. A tanto não chegou. E lá prosseguiu,a cabeça a abanar muito,de passo mais ligeiro,quase a correr,quase voando. Estaria sonhando. Era outono,também,tempo de fantasia.

AR DE MAU

Passa os dias encostado às paredes,conversando com os amigos,ou aos balcões das tabernas junto ao mercado. A idade também já não dá para muito mais. Pois há uns dias mudou de vida. Foi arvorado em guarda de um prédio em construção. Assumiu compenetradamente o seu papel. Ali gastava as horas,de manhã à noite,vigiando. A sua voz até parece que engrossou. Ficou com ar de patrão. O construtor fazia mesmo uma fraca figura ao seu lado. O homem é alto,a cara mete respeito,o boné descai-lhe para os olhos,em jeito de rufia de bairro. Nenhum carro,por pouco tempo que fosse,podia estacionar perto da obra. Logo ele aparecia,com ar de mau,a mandar avançar. Para melhor observação,colocava-se no passeio,no outro lado da rua,acompanhando as diferentes fases ,com olhos de que aquilo era seu. Julga-se até que lá dormiu. Continuou,por ocasião da venda,a permanecer nas imediações,e mesmo depois de tudo transacionado. Fora ali que pontificara meses a fio. Não o esqueceria nunca e sentir-se-ia muito agradecido pela confiança nele depositada. Ronda-o,agora,amorosamente. Dá a impressão de ser um filho seu. Vira-o nascer,crescer e tornar-se num bonito prédio. Amparara-o. Estará ciente de que dele se desprende alguma coisa de si. E dali não sai. Encosta-se aos carros estacionados e assiste ao movimento da loja do rez-do-chão. Fora uma ama inexcedível. O boné continua descaído,olhando para todos os lados,zelando.