quinta-feira, 28 de junho de 2018
ALGURES NESTE VALE - MISÉRIA
Um homem novo,mas de cabelo já grisalho,talvez das muitas ralações,levantara a tampa de um contentor de lixo e estivera uns tempos a pesquisá-lo,a inventariá-lo. Acabara por se decidir por dois sacos,que abriu,a confirmar o valor do achado. Valia a pena levar. A testemunha involuntária dessa triste cena encontrava-se também ocupado com outro depósito,a caixa do correio,por detrás da porta de vidro da sua morada. Terminadas as pesquisas,os seus olhares cruzaram-se. E o que um viu foi ainda mais triste. A tristeza e a vergonha que se soltaram lá daqueles olhos,do homem novo, de cabelo grisalho. Parecia ter praticado uma feia acção. Aquele homem estava a precisar de ajuda urgente. Mas que ajuda lhe poderia dar? Uma esmola? Uma pobre mezinha,que apenas ligeiramente o aliviaria. Ficaria,até,mais magoado. A vergonha que os seus olhos espelhavam era bem sinal de que estava consciente da sua situação triste,o que muito lhe havia de doer. Não teria gostado de ter sido visto naquela procura. Seria melhor deixá-lo ir,desejando que,um dia,um dia próximo,desse com a cura,definitiva, da sua miséria. :
ALGURES NESTE VALE - O MELHOR DO MUNDO
A inocência das crianças,o seu olhar,os seus gestos,a sua graça. A paz que evocam,a ternura que geram,a pedagogia que exercem. Eram merecedoras de uma estátua,ou mais,uma a cada esquina. Razão têm os que as consideram o melhor do mundo.
Nada para elas é demasiado. O amor dos pais está garantido. Mas o amor nem sempre chega,como muito bem se sabe,para lhes dar aquilo de que elas necessitam. Tem de ser ajudado. E é uma tristeza quando essa ajuda não vem.
E têm sido tantas as tristezas. Umas mostradas,outras, a imaginação dispensa que as mostrem,a lei das emoções atenua-as a todas. É lá longe,em lugares perdidos,esquecidos.
Mas são crianças. Com fome. Pele e osso. Os seus olhos fitam. Cheios de espanto. Cheios de interrogações? Cheios de acusações? A quem apresentar a conta?
ALGURES NESTE VALE - CANTARAM ,DE ALEGRIA
Por largos anos,um enigmático mal assolou os vinhedos de uma vasta região. Não havia meio de se dar com a cura. Não era inseto e também não era um qualquer microorganismo,dos habituais em casos destes,fungo,bactéria,virus. Então,o que seria?
Um dia,alguém pensou que talvez se tratasse de fome. Mas a gente não lhes tem faltado com a comida. Pode ser que seja necessária uma outra. E vá de experimentar,não de qualquer maneira,
mas com uma certa orientação,que um facto recente fundamentava.
Ali,aplicou A,além,aplicou B,acolá,aplicou C,e assim por diante,alás,o velho método de tentativas. E esperou pelos efeitos.
Onde aplicara A,B,e assim por diante,ficou tudo na mesma,como dantes. Mas onde aplicara C,as videiras cantaram de alegria. Era,afinal,fome de C.
Tantos anos para se chegar à cura. Não resta dúvida de que aquele alguém era bem merecedor de,pelo menos,uma estátua,que não teve.
quarta-feira, 27 de junho de 2018
ALGURES NESTE VALE - VERSOS E FLORES
O moço tinha aspirações e um pai avisado. Mal acabou o curso,fez aquilo que ele lhe apontara. Aqui toda a gente nos conhece e não será por estes sítios que terás o que ambos queremos. Vai para longe,adocica a voz e vê se arranjas coisa de jeito. E trata também de conseguir um bom padrinho. Sem perder muito tempo,só aquele para se enfarpelar capazmente,instalou-se, com armas e bagagens,em local de nome,ou seja, um procurado por gente rica,sobretudo gente achacada. Alguns traziam filhas em idade de casar,que era o que importava. Podia acontecer que naqueles ambientes românticos,de parques frondosos e de laguinhos,surgisse,como por encanto,o príncipe encantado.E foi o que sucedeu a uma delas. Ele era bem parecido,tinha ar de gostar de versos e de flores,e,além disso,conhecimentos para tratar dos muitos teres,que bem necessitados estavam,alás,de alguém à altura. O rapaz agradou,igualmente,à mãe,o que era fundamental. E assim começou uma bela carreira,enfeitada de muitas benesses e honrarias. Para isso contribiuiu muito,o que era de prever,o apoio,nunca regateado,de um bom padrinho. Vale,de facto,muito a pena ter um pai avisado.
ALGURES NESTE VALE - FAZ DE CONTA
Aquelas estradas de macadame foram,durante largo tempo,o ganha-pão de muita gente,em certa época do ano. Acontecia que ,tirando os períodos das sementeiras,das mondas e das colheitas,uma grande parte do pessoal das redondezas ficava para ali sem ter em que se ocupar. E assim,findas as ceifas,começava a empreitada da sua reparação.Não havia lugar para todos,mas sempre dava para alguns. Nunca se sabia a quem calhava. Era uma espécie de lotaria. Mas ainda bem que as autoridades tinham essa lembrança.O conserto era feito sem cuidados de maior. Uma espécie de faz de conta. Assim,logo que vinha o tempo das chuvas,as mazelas antigas eclodiam. Até parecia que havia um acordo entre todos. O que era preciso é que as coisas voltassem ao que era antes. Quem não gostava nada disto eram certas famílias,talvez os mais assíduos utilizadores. Aqueles crivos de todas as malhas davam-lhes muitos trabalhos,pois,de vez em quando,lá se ia um eixo das suas carripanas. Felizmente que no termo das jornadas lá os esperava uma feira,onde se ressarciam dos avultados prejuízos.
ALGURES NESTE VALE - DE OUTRO MUNDO
Dois jovens talentosos assentaram arraiais na mesma terra. Um,era um jovem de ideais roçando o altruismo,o outro,era o que se chama um pragmático. Nessa terra,para não variar,havia gente pobre,remediada e rica.
Os jovens ainda não tinham encontrado a alma gémea,mas estavam em boa ocasião de,mais uma vez,a procurar. Um,foi lá pelas alturas,o outro,escolheu patamares intermédios. Um,acabou por se submeter aos impulsos do coração,o outro,sem os excluir,juntou o útil ao agradável.
Do das alturas,não há que contar nada em especial,a não ser que foi por aí fora,como teria sonhado ou querido. Do outro,muitos guardam dele uma grande saudade,pois era o que se chama uma alma de outro mundo. Talvez porque assim fosse,deste partiu muito cedo.
ALGURES NESTE VALE - A VIDA
Aquilo tinha a sua graça. Não visitavam um museu,não entravam numa biblioteca,que um e outra deveriam ter doença ruim,daquela que se pegava,que vinha pelo ar que se respirava. Mas havia um sitio onde não podiam faltar um dia sequer,vistoriando-o mais de uma vez,de manhã,à tarde,e à noitinha. Esse sítio era,nada mais,nada menos,o supermercado.uma espécie de repositório de coisas sagradas.
Não havia prateleira que escapasse,não havia preço que não fosse registado,não havia fruta que não fosse apalpada,por vezes,até,quando era caso disso,experimentada. Paravam,avaliavam,comparavam,refletiam,comentavam. A vida cada vez estava mais cara,não sabiam onde aquilo iria parar. Mas eles,felizmente,é que não paravam,que a vida,afinal,não estava assim tão mal como diziam,sobretudo quando comparada com a de tantos cantos do mundo,onde,aí,sim,é que as coisas estavam mesmo muito mal,tinham estado mesmo sempre assim muito mal,que era o que lhes valia,por já estarem bem acostumados a ela,a vida.
terça-feira, 26 de junho de 2018
ALGURES NESTE VALE . QUEM VÊ CARAS ...
Era um homem de meia idade. A sua cara não inspirava simpatia. Teria contribuído para isso uma ou outra palavra grosseira que se lhe ouvira.Naquela altura,esperava um transporte. Tinha junto de si uma cadeira de rodas,onde se sentava uma mulher sem uma das pernas. Quando o elétrico chegou,os seus potentes braços facilmente deram conta do recado,içando cadeira e ocupante.Feito isto,sem ligar aos protestos de alguém que se estava sentindo muito incomodado com tal vizinhança,tratou de sentar a companheira num dos bancos. Imperturbável,veio desmanchar,com presteza, a cadeira,ficando na plataforma até vagar o lugar ao lado da mulher.E então,aconteceu o inesperado. Aquela cara, que parecia trancada, abriu-se em largos , meigos sorrisos. Aqueles olhos,que pareciam turvos,ficaram límpidos,brilhantes. A ternura dele comovia. É bem certo que quem vê caras não vê corações.
ALGURES NESTE VALE - O CANTO DO CISNE
Dali,só para a sucata. Dera ainda um ar de sua graça,mas fora como o canto do cisne. Estivera a despedir-se desta trabalhosa e tormentosa vida,que para ele se contara por algumas centenas de milhar de quilómetros,pelos mais diversos pisos. Naquela altura,apenas havia uma coisa a fazer e que era esperar por reboque.
Era de noite,daquelas noites que só os pirilampos alumiam. Era,também,das que as cigarras muito gostam,pelo que o concerto não teve pausas. Seria,igualmente,para animar aquele velório,que parecia ter de prolongar-se por algumas horas. Quando já se tinham resignado a aguardar ali a luz do dia,eis que surge ao longe uma luz que talvez trouxesse a salvação.
Aquilo era gente rija,sem medo de assaltos. O aspeto do cadáver não abonava muito,efectivamente,a favor dos familiares. Pararam e saíram logo,sem reservas. Então,o que há? Isso vai já reolver-se. Foi só atar uma corda,das grossas. Não assistiram ao enterro,pois foram disso dispensados,atendendo aos cuidados que tinham posto no transporte do falecido.
ALGURES NESTE VALE - MALDITO APARELHO
Só fora de casa é que ele encontrava sossego. Mal entrava,sabia logo pela mulher que este e aquele não tinham feito outra coisa senão telefonar. Eram os credores que não o largavam. Ainda não se tinha sentado para descansar das andanças e lá tocava o maldito do aparelho. O que lhe valia era já ter um grande calo para os ouvir. Falavam,desabafavam,desancavam. Ficavam mais aliviados. Aquilo havia de lhes passar. Tivessem paciência, que ele nunca ficara a dever nada a ninguém. Davam-lhe mais um tempo. Mas em casa é que ele não podia ficar,pois outros eram capazes de fazer o mesmo. Vem daí mulher,vamos ao cinema. Ela arranjava-se à pressa e lá iam eles a um que levasse duas fitas. Mesmo que não prestassem, pouco lhe interessava. Ela protestava,mas não havia nada a fazer. Só de duplos é que ele gostava. Ainda via alguma coisa,mas adormecia rapidamente. De resto,era este o seu objectivo. Ali ninguém o importunaria e quanto mais tempo lá permanecesse melhor. A sua grande pena era de não ficar toda a noite naquele refúgio.
segunda-feira, 25 de junho de 2018
ALGURES NESTE VALE - NATURALMENTE NATURAL
Chegavam as carroças com as dornas atulhadas de cachos de uvas e encostavam-se às janelas. Era por elas que se fazia a transferência,com forquilhas,para os lagares. Atingido um certo nível,uma meia dúzia de homens,de pernas ao léu,encarregavam-se do esmagamento com os pés. Não consta que tivessem cartões de sanidade,nem que tomassem banho previamente. Ali ficavam até darem a tarefa por concluída. Havia,é claro,os intervalos para as refeições e para as necessidades. Sempre que entravam ou saíam do lagar,mergulhavam,sem grandes demoras,os pés numa celha com água. Não consta,também,que alguém,alguma vez,se tivesse preocupado com o chão que pisavam,nas idas e vindas,eles ou quem os contratava. Tudo aquilo era natural,como naturais eram as uvas e as moscas que por ali andavam na sua vida. Não consta,igualmente,que alguém,alguma vez,se tivesse preocupado com aquela fração de cloreto de sódio que apareceria no vinho,mas que não viera dos cachos. Tudo aquilo era natural,como naturais eram as leveduras que enxameavam o ar e que os cachos já trariam,e que iriam converter,a sua vocação,o açúcar em etanol e dióxido de carbono. O mosto borbulhava,o mosto exalava. Tudo aquilo era naturalmente natural.
ALGURES NESTE VALE - CABEÇA PENDENTE
Para ali está a pobre velha no seu palácio,um rés-de-chão de casa velha,em rua estreita,do lá passa um. É só uma porta e uma janela. Para ela deve chegar e sobejar. É por detrás da janela que ela se põe para ver a paisagem. Estará farta dela,que bem pobrezinha ela é,pois,lá de longe em longe,dá-lhe para pôr a cabeça de fora,procurando esticá-la,para mais abarcar. Privilegia o lado nobre,o que deita para uma quase avenida. O outro leva a uma muralha. O que ela daria para lá morar,mesmo que ao nível seu conhecido,ou até numa cave. Lá se irá conformando,que melhor remédio não lhe é consentido ter. Mas há dias,estaria desesperada. Tapara a cara com ambas as mãos,de cabeça pendente. Estaria chorando,que a sua estreita rua será um vale de lágrimas. Pelo menos,em ocasiões de fortes chuvadas,escoar-se-ão por ela,vindos da tal quase avenida,caudais de respeito. Para ali está,pois,a pobre velha,há espera não se sabe de quê. Talvez do paraíso,que ela bem o merece.
ALGURES NESTE VALE - NEM ESTÔMAGO NEM CORAÇÃO
Dava jeito aquele biscate,pois sempre eram uns cobres a somar a outros cobres. Tratava-se de fazer de advogado de defesa de gente apanhada com a boca na botija. Podiam recorrer os infratores,ou assim julgados,na esperança de apanhar uma pena mais leve ou mesmo serem mandados em paz,para ganharem juízo.
E era aqui que ele entrava. Mas como provar que farinha de trigo não ficara convivendo com farinha de milho,que no leite não se tinha dissolvido carbonato de sódio,que óleo de amendoim não marcava presença em azeite de primeira,que vinho branco não fora convertido em tinto,como por milagre,isto,só para referir algumas maldades?
Uma valente carga de trabalhos,de aflições,de risos amarelos,e sabe-se lá mais o quê. Lá conseguiu,porém, atenuar os castigos e até um perdão.
Mas ele,coitado,não tinha estômago,nem coração, para suportar uma coisa daquelas. Teve,assim,de desistir,dar baixa,com muita mágoa,está-se mesmo a ver porquê.
ALGURES NESTE VALE - O SEU MENINO
O trânsito estava parado devido a um atropelamento. Viria uma ambulância e o sinistrado seria levado ao hospital. Escaparia? Algures,uma mãe iria ao telefone. É para lhe comunicar que o seu filho está internado por causa de um acidente. Teve muita sorte,pois podia estar agora morto. Posso ir vê-lo? Com certeza,minha senhora. Enquanto se vestia à pressa,a pobre mãe ia rezando para que nada de muito grave tivesse sucedido ao seu menino. Se ele lhe morria? Era capaz de estar muito mal,só que não lhe tinham querido dizer,não fosse dar-lhe alguma coisa. Este autocarro pára tantas vezes. E eu que estou aqui tão preocupada. Desabafara com o passageiro que ia ao seu lado. Não esteja tão aflita. Vai ver que o encontra bem. O que é que ele havia de dizer? Deus o oiça. E lá ficou mais animada. Saiu do autocarro quase a correr. Queria ver o seu filho, sem demora. Lá estava,numa cama,meio adormecido com os sedativos,mas vivo graça a Deus. A Mãe do Céu a ouvira. Iria ficar bem depressa,confortara-a a enfermeira. Era jovem. Tranquilizou,mas ficou ali sentada, a olhar para ele,como tantas vezes fizera. Era o seu menino e sê-lo-ia sempre,mesmo quando casasse e tivesse filhos.
ALGURES NESTE VALE - COLA TUDO
Cola tudo,cola tudo. Era a sua mercadoria principal. De vez em quando,lá ficava mais leve. Só custa um euro. É garantido,está aí escrito. Podem confirmar. Eu não sei ler,mas foi o que me disseram.
Não sei ler,pois lá em casa tinha de ajudar,na guarda dos animais e nos trabalhos do campo.
Mas olhe que ainda vai a tempo. Está aí ainda um moço cheio de vida. Isso são favores.
Ao lado dele,descansavam duas muletas. Os dentes tinham voado. A carita é que era lisa,sem uma ruga,e mostrava boas cores. E os olhos eram vivos, bem dispostos. Parecia um menino.
Já não vale a pena,pois qualquer dia marcho,que isto deve estar por pouco. Já cá cantam setenta e tais. E depois,o que é que estou cá a fazer? Escusava de andar para aí a vender umas coisitas para me entreter e para acrescentar mais alguns patacos à pensão,que se vai num instante.
Além do cola tudo,também se viam na caixa pilhas e pensos rápidos. Daria o negócio para amparar.
ALGURES NESTE VALE - O MALANDRO
Os nenúfares tinham-se encarregado de atapetar a superfície daquela ampla lagoa. O enfeltrado era denso e só muito perto da margem é que a água se revelava. Algumas avezinhas saltitavam de uma folha para outra. O silêncio era rei. À volta,cactos-candelabro faziam sentinela. Ao longe,cortinas de papiros,com os seus penachos,lembravam cabeças tontas,desmazeladas. Era aquela imensidão a morada de famílias de crocodilos. A sua vida seria uma rotina se não tivessem peles. É que elas despertavam a cobiça de alguns. Ainda um deles se confessara uns dias antes. Então,quem lhe pôs o joelho nesse estado? Fora uma sorte. Por um triz,não estava ele,naquela altura,a contar o que lhe sucedera. O malandro ainda respirava. Uma noite inteira a verter sangue e ainda estava vivo. Quando o puxara,julgando que estivesse já morto,como lhe acontecera de outras vezes,o malandro ainda tivera forças para lhe deitar o dente. Não desistira. Apenas passara a ser mais cauteloso. Eram uma tentação aquelas ricas peles.
ALGURES NESTE VALE - CUIDADOS DA MAMÃ
Já não se estava em guerra,o que tinha sido um alívio,daqueles dos muito grandes. Ela findara,é certo,mas sentiam-se ainda sequelas suas. Entrara-se no seu rescaldo,que atingiu ainda muitos.Aquela mesa era uma prova evidente de que a carestia não se fora de todo,pelo menos nalguns cantos. Rondava por ali,com pezinhos de lã,com ares de se querer perpetuar. E ora veja-se se não era verdade. Pontificavam no cardápio três requintadas iguarias,quer dizer,alface, feijão dito colonial e manteiga de banha de porco.Ganharia um prémio o fotógrafo que tivesse registado,para a posteridade, a cara do anfitrião,deleitado com a excelência dos acepipes. Todo ele eram sorrisos de triunfo,quando,ele próprio,se encarregava do serviço,enchendo os pratos. Parecia estar a fornecer ambrósia.Para muitos,noutras mesas,seria,mesmo,ambrósia. Mas para aqueles moços,acabados de sair dos cuidados da mamã,aquilo não era mais do que ração de encarcerados. Estranharam muito,de inicio,é um facto,mas bem depressa se tiveram de resignar. Contribuiram para isso,um cágado que lhes ensinou a terem paciência,e um papagaio que não se cansava de lhes desejar bom apetite.
ALGURES NESTE VALE - TUDO DE BORLA
Aquela paisagem,novíssima para ele,encantara-o,seduzira-o. Não sabia para onde se virar,pois em muitos quadros ela se desdobrava,todos de ficar a eles preso.Era o amplo vale que a seus pés se abria. Era o vagaroso rio,a serpentear,que mansamente o cortava. Era a galeria de palmeiras e bananeiras que o alegrava.As bananeiras cresciam ao Deus-dará,com os pés-mães e os filhotes criando densas cortinas. As palmeiras,esguias,procuravam o céu. Eram os palácios de mergulhões,que não desejariam outro poleiro,pois, além de quartos,tinham mesa e roupa lavada,tudo de borla.Podia dizer-se que o vale era verde. Até o rio verde era,de reflexos e de constituição. Havia ainda um outro verde,um verde mais carregado,de outras palmeiras,não tão elegantes,ordenadas,muito apaparicadas. Eram nelas que os exímios trepeiros mostravam as suas habilidades,quando os cachos estavam a pedir que os fossem lá colher.A noite caía quase a pique. E o verde passava a tons violáceos,tudo muito a correr,que era urgente ir descansar.Era nesta altura que os embondeiros,que o punham especado,muito respeitador e um tanto temeroso,na sua frente,pareciam fantasmas de muitos braços. E os seus frutos,de pedúnculos compridos,lembravam ratazanas que eles usariam para mais amedrontar.Mas mal o sol acordava,de novo o vale se pintava de verde,de um verde mais verde. E os fantasmas e as ratazanas iam dormir.
ALGURES NESTE VALE - CONTA DOS CATRAIOS
Um antigo baluarte,com uma guarita quase intacta,estava a ser posto a descoberto,para íncola ou turista ver. Sempre que valha a pena,há que cuidar do património. Alguns homens tinham sido encarregados dessa tarefa dura. Uma mulher nova,de aspeto sadio,ia levar-lhes água. Trazia-a ao ombro e o caminho era a subir. Parou para descansar e conversar. Ainda não completara trinta anos e já dera ao mundo quatro filhos. Ela e o seu homem tinham de labutar muito. Felizmente que ele não era dado à bebida,nem a drogas. E por ali havia muita. Um vizinho dela,um miúdo,a bem dizer,trabalhava um ou dois dias e passava o resto da semana entregue a esse maldito vício. A mãe dele andava que nem um farrapo. Mas não era preciso que elas aparecessem,pois já havia por ali outra e que era o vinho. A mãe dela que o dissesse,bem como ela e os irmãos,que, volta não volta,apanhavam grandes sovas do pai,que, depois, não se lembrava de nada. Coitado,já lá estava. A mãe ficava como morta. Além das tareias,já contava, ao todo ,sete operações. Não sabia como ainda estava viva. Mas ainda bem,pois era ela que lhe valia,tomando conta dos catraios,enquanto ela e o marido faziam pela vida. Graças a Deus que ele não era como o seu velho.
domingo, 24 de junho de 2018
ALGURES NESTE VALE - AREIAS MOVEDIÇAS
Oh senhor José dê aqui uma ajuda. O senhor José acudiu logo,estendendo o cabo da enxada. É que o outro estava em riscos de se sumir naquele chão arenoso,como que sugado. Entrara despreocupado na vinha,que por ali fora se espraiava,e de repente,ali vão as pernas por ali abaixo.
Como é que se iria pensar numa coisa daquelas,se a plantação tinha largos anos? Parecia estar-se em areias movediças. Talvez as chuvadas de dias atrás fossem a causa do que se passara. Uma surriba a grande profundidade,quando da instalação, também poderia ter colaborado. Não apareceu por ali quem o confirmasse.
Pouco tempo decorrido, houve repetição ,mas em local bem afastado do anterior. Tratava-se de terreno também ligeiro,alqueivado por ferro de abrir valas. Mais fundo não pudera ir porque estava lá a rocha a não deixar. Chuva de alagar também andara por ali. Não seria muito recomendável aquele sítio,mas não havia outro para o substituir. Nesta altura,foi o senhor Joaquim o salvador.
Não há duas sem três,como se costuma dizer. Assim,com areias movediças,não houve,mas não faltaram imitações, demasiadas até. Ossos do ofício. Mas quem os não tem, se ofício tiver?
ALGURES NESTE VALE - VIGÉSSIMA QUINTA HORA
Que aventuras podem acontecer a um simples,quando é apanhado pelas malhas apertadas de uma guerra. Depois de várias peripécias,algumas quase inacreditáveis,é feito prisioneiro e integrado numa numerosa leva de irmãos na desgraça. Vão ter sobre os seus pobres corpos,em particular braços e pernas,a pesada tarefa de abrir uma vala. Parecia uma vala de rega ou de enxugo,tanto faz. O esforço é penoso,mas não podem reclamar,que os guardas não estão ali para brincadeiras. De resto,se a obra se atrasar,as responsabilidades serão divididas por todos,mas mais por uns,é facil de adivinhar.
Os dias ali passados dão para muita coisa. Cansar,recordar a família,sem saber se está viva,pensar na miséria da vida,em como,de repente,um simplório ,que não fizera mal a ninguém ,se vê metido em tantos trabalhos e disparates,e também a habituar-se e até a orgulhar-se,veja-se lá.
A vala era larga,profunda,extensa. Lá de cima,os olhos perdiam-se no horizonte e a vala lá ia ter também. Que grande obra,sim senhor. Lá na minha aldeia,uma coisa destas dava um jeitão ,se viesse cheia de água,pois as terras agradecem serem molhadas, quando as sementeiras se estão a perder. Talvez eu aqui viesse aprender.
A minha mulher devia ficar satisfeita se isto visse,pois uma parte desta grande obra a mim se deve. Quando esta maldita guerra terminar,hei-de cá trazê-la. Ela olhará para mim e encher-se-á de orgulho.
Quase valera a pena tanta servidão. São assim os simples. Conseguem transformar o mal em bem.Mereciam,não resta dúvida,outro tratamento.
ALGURES NESTE VALE - UM JARDIM
Afinal,o homem tem sentimentos. Ainda está vivo e sabe tocar harpa. Acabara de vir da taberna,apinhada de gente barulhenta e rude,onde fora mostrar aos amigos,e não só, o novo rebento da sua lavra já bem composta. A cara resplandecente que ele trazia e o olhar enternecido que ele deitava ao filhito,envolvido num xale branco. Era num sábado,já tarde,tempo de ele andar nos seus voos de falcão pleno de viço. De onde menos se espera,é que,às vezes,irrompem grandes surpresas. Supunha-se que tudo quanto viesse dele fosse baixo e reles. Mas daquela vez, subira a alturas de almas grandes. A delicadeza que ele mostrava a transportar nos braços aquele tesouro. Parecia irradiar dele uma luz pura. Quanto tempo duraria ela? Seria para ficar? Mas mesmo que isso não acontecesse,que dentro em breve se apagasse,ficara bem demonstrado que ali era possível cultivarem-se flores. Só que se deixara invadir por ervas daninhas e cobrir de entulho. Mas lá conseguira arranjar ainda um canto, em que instalara um jardim. O tempo também ajudara. Estava-se na primavera.
ALGURES NESTE VALE - MOTOR ESCONDIDO
Impressionava o desempenho do jovem loiro. Fazia parte de um pequeno grupo que se entretinha a jogar à bola na relva do jardim. Distinguia-se bem dos outros rapazes. Além de usar duas canadianas,a disposição das suas pernas era muito diferente. Divergiam um tanto,indo cada uma para seu lado,suspensas. Com exceção da cabeça,que era perfeita,o resto,especialmente o tronco,não destoava daquelas.Apsar de tanto contratempo,pode dizer-se que se comportava tão bem,ou melhor do que os companheiros,no chegar ao esférico,no conduzi-lo,no pará-lo. Um prodígio. Parecia ter quatro pernas,tal o entendimento de membros e amparos.No querer de não ficar atrás dos outros residiria o segredo de tanta vitalidade,de tanta coordenação. Superar-se-ia. A rapidez das deslocações sugeria ter motor escondido. Muito pode,de facto,a vontade. Não removerá montanhas,mas atraver-se-á a fazê-lo. Estava ali um exemplo para tantos,carenciados ou não. Ele era,afinal,um semelhante. Os outros assim o comprenderiam ou aceitariam,tal a naturalidade que punham ao acompanhá-lo nas movimentações.A certa altura,os parceiros deram mostras de desejar um período de descanso. Mas ele não deixou,incitando-os a prosseguir sem desfalecimentos. Não era,efetivamente,um coitadinho,longe disso. Aquele tronco um tanto torcido,aquelas pernas bamboleantes,como pêndulos,pareciam não pertencer àquela cabeça,que quase os ignoraria. As muletas por elas comandadas cumpriam bem o seu papel.
ALGURES NESTE VALE - TERRAÇO FLORIDO
A via era estreita e de mau piso. Não convinha,pois,olhar para os lados. Mas pouco se veria,que o eucaliptal era cerrado. De repente,tudo mudou,em atenção,certamente,a uma igrejinha. O panorama atraía,extasiava. Estava-se mesmo em local sobranceiro ao Douro,que corria,pujante,ali a dois passos. Encostado à igrejinha,um cemitério,também maneirinho. Não se via uma campa rasa. Todos tinham tido direito a coisa melhor e a muitas flores. Aquilo não era um cemitério,era um jardim. Em boa verdade,não podia ser de outra maneira. O largo rio estava ali a dois voos,nas verdes encostas alvejavam lugarejos,alguns barquinhos deslisavam mansamente e o da carreira cruzava a horas certas. Como é que haviam de estar os mortos,ali naquele terraço florido à beira do rio Douro,do rio do Vinho do Porto? Apetecer-lhes-ia tristezas? Não parece. E exigiriam. Queremos aqui sempre flores. Esta vista pede festa,permanente. Passávamos aqui,quase a correr,sem horas,nem disposição para a disfrutar,que a vida exigente não nos dava descansos. Mas agora,não. Que maravilha. Pode dizer-se que foi uma pena não termos vindo para cá há mais tempo. O que perdemos. Isto é que é vida. Não desejamos outra coisa.
sábado, 23 de junho de 2018
ALGURES NESTE VALE - VACA DOENTE
A velhota,mal amanhada,sentara-se num banco do jardim. Parecia esperar alguém. Estava desassossegada e ávida de comunicar. Não sou daqui. O meu filho trouxe-me,pois tivemos de tratar dumas coisas. O nosso maior sustento vem duma vaca que dá muito bom leite. Também a gente não lhe falta com a erva e com a ração,que nos custa bom dinheiro. Há dias, passou por lá um senhor vestido de bata branca que tirou sangue da vaca para análise. Agora, querem matar a vaca. Dizem que está doente. Deram um nome ao mal,um nome muito esquisito. O que vai ser de nós? Temos por lá uma porção de milho a crescer,umas couves na horta e pouco mais. Como é que vamos viver sem a vaca? Dizem que nos vão dar algum dinheiro pelo abate. Mas quanto e quando? E como é que até lá havemos de viver? O filho apareceu e levou a mãe. Mas ali ficou a grande mágoa da velhota, que não sabia como iria ser a sua vida, depois da morte da sua vaca. Uma vaca que dava um leite tão bom. Vejam lá uma coisa destas.
ALGURES NESTE VALE - PASSAM DE LEVE
Surgem pela noite,imitando os morcegos. Asas não têm,mas passam de leve,como voando. Fazem pela vida,honestamente. Trazem flores,a sua mercadoria,bem acondicionada em invólucros transparentes.Onde as expõem? Procuram mesas onde se coma. Privilegiam casais de todas as idades. Não insistem. Recearão importunar.Entram,vagueiam,voejam,sem uma palavra. Palavras para quê? Alguns não as saberão e outros não lhes sobrará ânimo para as soltar.Uns serão afortunados por tocarem nos sítios certos. Outros cansar-se-ão vãmente. Mas virem de tão longe para este peregrinar é coisa triste.
ALGURES NESTE VALE - COBIÇAS
Há pessoas insaciáveis. Querem sempre mais e mais. Seguem muitas vezes,na satisfação dos seus apetites,as iniciativas de outros. Nada podem ver neles que não desejem também. Parece faltar-lhes gostos próprios,necessitando de indicações alheias. Não lhas pedem,ficando apenas à espreita. Vão logo atrás,não perdendo um minuto,adquirir o que de novo viram em alguém. Vivem assim num desassossego permanente. Neste frenesim,são capazes de contrair doenças graves. Mas isso pouco lhes importa. O que lhes importa, é ficarem como os outros nos teres.Mas há desejos que não lembram ao diabo. Cria um pai o filho com todo o carinho,dá-lhe os brinquedos que ele quer,está sempre pronto a satisfazer-lhe a mínima vontade,e um dia,lá para diante,invertem-se os papéis.É o pai a bater à porta do filho. O pai ainda não é muito velho e está ali muito capaz de todas as curvas. E sabem o que dois pais se lembraram de pedir a dois filhos? Pois pediram-lhes as namoradas. Pediram e não demoraram muito a casarem-se com elas.Os filhos ficaram para morrer,pois gostavam das moças. Não aconteceu assim,mas não mais foram os mesmos.
ALGURES NESTE ALE - CASA DE COELHOS
Aquilo era uma paisagem da Lua,ou de Marte,mas com coelhos. Os buracos eram tantos,que era quase um milagre as azinheiras estarem de pé. E as carraças eram tantas,e de barriga tão cheia,que se davam ao luxo de passear,descontraidamente, por pele de gente,sem ferrarem o dente,ou lá o que era. E os tapetes de coisa repelida? Ficava a terra bem adubada. É claro que certo trabalho estava muito facilitado,pois as covas eram muito mais do que as necessárias para se ver a qualidade da terra,feita cama de azinheiras e casa de coelhos. Escusado será dizer que receberam os coelhos muitos e muitos agradecimentos,sobretudo,por quem teria de cavar.
ALGURES NESTE VALE - CONVICÇÃO
Coitada dela,vivia de esmolas e morava na rua. À noite,recolhia-se num desvão de prédio. Trazia sempre consigo toda a sua fortuna,acondicionada em sacos de plástico. Um amigo fiel não a largava,um amigo engarrafado,de tinta cor. Pareciam sentinelas,as garrafas que ela depositava,mesmo ali ao alcance das mãos,sempre prontas a acudir-lhe. Coitada dela,muito ela falava,talvez narrando,em ladainha,a sua triste vida. Dizia-se que era doutora,que tivera vida boa. E por ter sido assim,alguns tinham com ela atenções. E foi o que um dia se presenciou. Eram dois que dela se abeiraram,movidos por um misto de compaixão e de respeito. Não eram eles doutores,mas um seu equivalente. Não se ouviu bem o que lhe disseram. Mas que se lhe dirigiram com toda a consideração,não restava a mínima dúvida. Muito chegados a ela,quase lhe tocando,merecia o quadro ficar registado,como ficou. Deram-lhe umas moedas,que seria para qualquer coisa de comer,e não de beber,pois ela era incapaz de assim as gastar,como asseveraram. Ela,uma doutora,não faria uma coisa dessas. Nem repararam nas sentinelas,tal era a sua convicção.
ALGURES NESTE VALE - NOVO BRILHO
Não se tratava de ilusão. Aquilo eram mesmo roseiras. O pequeno jardim estava cheio delas. Pareciam árvores,tão grossos eram os ramos. Lembravam,pela pujança,videiras das aluviões ribatejanas. Só que em vez de cachos,se desentranhavam naquilo para que foram inventadas – rosas de muitas cores e tamanhos.Quem seria o autor daquela maravilha? Talvez um simples,talvez aquela figura alheada,jovem ainda,que por ali se entretinha,de vassoura na mão. Parecia feliz. Na boca bailava-lhe um sorriso. Falava,a espaços,consigo,e ,certamente,com as suas amigas,as flores,e também com os muitos pássaros que por ali andavam na sua vida,tranquilos,que dele gostariam. Não quereria mais,para além disto. E tinha razão. Era aquilo uma amostra de paraíso. Os canteiros cuidados,os arruamentos limpos,o laguinho com uma minúscula ponte.Na terra não havia melhor recanto. Seria por isso que fosse este o local escolhido para as fotografias de casamentos e batizados. Nessas alturas,o jovem afastava-se e os pássaros debandavam,acompanhando-o. Regressavam todos quando o bulício desaparecia. As rosas até ganhavam novo brilho.
ALGURES NESTE VALE - FEITICEIRA
Daquele segundo andar,o senhor sentir-se-ia dono do mundo. A casa dominava a ampla várzea. O rio não se via,que a vegetação densa da margem não deixava,mas os campos a perder de vista acompanhavam-no. Naquela época,era o trigo o rei. E umas vezes,veria verde,das searas a crescer,e outras,amarelo,das searas a amadurar ou dos restolhos. Podia dizer-se que era o pão que ele via,o pão a haver, o pão já pronto,como o da padaria que ficava mesmo no rez-do-chão. Vinha ali de vez em quando. A padeira enfeitiçara-o. Demorava-se uns dias. Muitos ficariam como ele,rendidos. Além de tudo o mais,havia aquela paisagem restauradora. E aquele silêncio,apenas cortado,lá de onde em onde,pelo apitar do comboio,que corria lá em baixo. E,depois,quedar-se-ia a vê-lo,qual serpente deslisante,para acabar por se sumir,lá muito longe,na linha do horizonte. Mas,acima de tudo,seria aquele aroma de pão,quente,telúrico,acabado de sair do forno a lenha,que mais o inebriaria. Era um cheiro aconchegante,um cheiro de fartura,um cheiro caseiro. Enchia-se dele para uma larga temporada. Quando já não o sentia como ele desjava,punha os pés ao caminho e lá se instalava. Mas não se expunha. Passaria as horas à janela daquele segundo andar,admirando a paisagem e respirando o perfume do pão.
ALGURES NESTE VALE - PARA ONDE IRIA ?
Ela não dava conta,mas o cigarro na boca ainda lhe punha um ar mais acabado. Ali estava,à mesa do café,mexendo-se nervosamente. Pedira uma bica,mas não viera como ela queria. Foi o seu primeiro protesto. Mas outros se seguiriam,que ela tinha agora começado. O maço precisava de se esvaziar. Não acabava um e já acendia outro. A bebida regressou,mas ainda não foi desta que a satisfizeram. Não havia meio de acertarem. O empregado já a conhecia. Aquilo era um ritual em que ele colaborava. Mas não só ele. Não descansaria enquanto não fizesse intervir este e aquele. E foi o costume. O colega do que a tinha servido,o que se encontrava na copa,o engraxador,a mulher da limpeza. Não escapou um. Ela tinha de se entreter,que em casa não havia ninguém. Talvez o gato e menos provavelmente o cão. Sobre a mesa,descansavam dois copos cheios de água. Aquilo iria durar. E a bica estava fria. Quantas vezes teria de vir ali para saberem dos seus gostos? A bica não era uma qualquer,pois a chávena vinha num cestinho,para aconchegar. Era assim que ela queria. Sim,que ela não era para ali uma qualquer. E não seria. Havia ainda uns restos do que fora,nas atitudes,na cabeça,no porte. Quando permanecia quieta,os seus olhos miravam lá muito para longe. Durava isto uns momentos,regressando de novo aos seus afazeres. As beatas acumulavam-se e os comparsas ajudavam. Era capaz de se demorar ali a tarde toda. Para onde é que iria?
ALGURES NESTE VALE - PROTESTOS
Com boa vontade,pode dizer-se que aquilo é um jardim. Há relva,há algumas árvores,há canteiros com flores,há meia dúzia de bancos,há três laguinhos. Mas, verdadeiramente,aquilo não é mais de que um caminho,de margens estreitas ajardinadas. Foi o que se pôde arranjar e muita sorte alguns velhos têm. É que,por ali,não existe melhor local para desenferrujar as velhas pernas,ouvindo as tagarelices dos pássaros,que,raramente,altercam muito. Mas há dias,muito cedo,parecia ter acontecido coisa extraodinária. O chilrear era de ensurdecer. E isto em qualquer ponto das ajardinadas tiras. Parecia uma concentração. Teriam vindo de muitos outros lugares,talvez,até,de alguns distantes. É que não havia uma árvore que tivesse escapado. O concerto era mais sonoro nas de folha persistente,de melhor proteção,que o tempo não ajudava,mas essas contam-se pelos dedos. Assim,as outras,as de folha caduca,também estavam guarnecidas,talvez com os que se tinham atrasado. A que se teria devido uma coisa daquelas?,nunca vista,ou ouvida,mais correctamente,pelo menos,por ali. Alguém avançou uma explicação. Deviam ter querido dar o seu humilde contributo ao concerto de protestos que estava ocorrendo,da banda dos homens. Estariam ali a manifestar-se à sua maneira,simplesmente. Como quer que tivesse sido,o certo é que, à tarde ,voltara tudo à normalidade,como se nada de estranho tivesse sucedido. A maioria tinha regressado aos seus lugares costumados.
ALGURES NESTE VALE - A CHUVA ESTAVA CAINDO
A chuva estava caindo e o vento brincava com ela. Ora a deixava cair mansamente,ora pegava nela,atirando-a em bandas largas de aguaceiro. Lucravam os mananciais,lucravam as fontes. Nos rios,desaguavam novos rios. Os caudais engrossavam,o oxigénio renovava-se,os peixes respiravam melhor. As sementes entumesciam. Era o fim do seu sono e a germinação começara. Completado o tempo,os campos vestiram-se de verde e o gado alegrou-se,rindo-se os olhos e também os do lavrador,do pastor,do cão de guarda. Os filhotes mexeram-se mais nos ventres das mães. Qualquer dia veriam a luz do sol ou da lua,ou do dia simplesmente. E teriam comida,e engordariam. A natureza adquirira a cara de sempre e um outro ciclo iniciara-se. Depois de incontáveis outros. Tudo ou quase tudo à margem da colaboração do homem. Ele, quase como mero expectador de um espectáculo quase de graça. Ele põe a sua parte,é verdade,mas uma parte muito pequenina,diante da grandeza,do imenso número de acções que se passam fora dos seus cuidados. O prodígio da chuva. O prodígio do Sol. O prodígio da renovação. O prodígio do crescimento,do desenvolvimento,da maturação. O mundo de uma célula,vegetal ou animal. O infinitamente pequeno a trabalhar sem descanso num enquadramento químico e físico de maravilha. A chuva estava caindo...
ALGURES NESTE VALE - JOGAR À BISCA
Era um inconformado. Herdara umas courelas,mas não soubera ou não pudera viver delas. E hoje,uma,amanhã outra,lá se foram algumas jóias da família. O que lhe valeu foi ser solteiro e ter um irmão, mais atilado,que o passou a sustentar.Vivia numa casita que pouco mais tinha do que um quarto,mas para ele chegava. Logo ao pé da porta, havia uma nora que começava a trabalhar bem cedo,o que lhe dava algum conforto. Sempre gostara da natureza e aquela água a cair dos alcatruzes era para ele como música celestial. Dava-lhe esse passatempo,complementado com a inspecção da horta,até ao almoço.De tarde,ia até à sede da filarmónica. Aqui se entretinha horas a fio,conversando e jogando às cartas ou ao dominó. Era do contra,e de vez em quando ia para trás das grades. Tratava-se de temporadas curtas,pois aquilo,no que lhe dizia respeito,não passava de paleio. De resto,ele era incapaz de fazer mal a uma mosca. Acontecia,porém,que lhe dava para dizer não,quando alguns queriam que ele dissesse sim.Como se depreende,dele não viria grande mal ao mundo. Assim o entendia quem tratava destes assuntos. Mas uma vez por outra,já se sabe,deixava de poder ouvir a nora e jogar à bisca. Felizmente que a família esperava sempre por ele. Mas há um momento em que não há ninguém que nos valha,mesmo que tenhamos dito sempre que sim.
sexta-feira, 22 de junho de 2018
ALGURES NESTE VALE - OLHANDO O SUL
Era um homem de contrastes. Admiravam-se alguns de como era possível a convivência de tanta diversidade. Mas o certo é que todos aqueles altos e todos aqueles baixos parecia darem-se como Deus com os anjos. Não havia ali a menor altercação. Não importa aqui tocar nos altos,que os tinha muitos e excelentes. Interessa é dar conta de alguns baixos,devendo-se desde já esclarecer que assim são classificados por uma mera comodidade de expressão. As mãos eram ásperas,calosas,de quem não enjeitava trabalhos rudes,neles se incluindo arroteamento de matos,limpeza de fossas,conserto de viaturas,governo de hortejos. Para tais funções,os pés deviam andar convenientemente protegidos. E aqui residia uma sua grande preocupação. Não era qualquer rasto que o satisfazia. Horas ele gastava em terras do interior profundo em busca de especialissima roda de tractor. Depois,havia lá maior prazer do que banquetear-se com pratadas de nêsperas,de ameixas e de figos de árvores por ele mesmo plantadas? Havia,sim. E esse residia em temporadas à beira-mar,olhando o sul. Para isso,adquirira uma nesga de terra,onde levantara,por suas próprias mãos,uma casa de praia. Alegrando tudo isto,se tal fosse necessário,exibia sempre,nos altos,como nos baixos,um viçoso botão de rosa.
ALGURES NESTE VALE - MUITO POUCO
Já dera notícia de si,ainda ela vinha lá longe. É que o ar de abandono que a envolvia contagiava tudo e todos. Caminhava muito devagar,arrimada a um bordão. O cabelo branco despenteara-se. Procurava uma casa onde acudiam a velhos como ela. Tinham-lhe dito que era para ali,mas o ali era muito grande,e ninguém sabia. Apenas um vago talvez lá mais para diante,naquele largo, está a ver? A atenção que acabara de receber parecia tê-la animado e dar-lhe forças para continuar. E lá prosseguiu no seu arrastar penoso,com a esperança de dar com a casa que acudiam a velhos como ela. Talvez a encontrasse no tal largo. Teria gostado de que a tivessem acompanhado,de que a tivessem levado,porventura, num transporte,pois estava muito cansada,mas ninguém se lembrara. Tinham também lá as suas vidas. Ficaram com muita pena dela,mas só isso,o que era muito pouco,ou mesmo nada.
ALGURES NESTE VALE - O ASSOBIO
O senhor,um homem alto,já com muitos anos em cima,caminhava avenida abaixo,rente ao passeio,um passeio muito estreito e de piso muito irregular. Uma varinha de invisual acompanhava-o. Ia tão satisfeito,que até assobiava. Então,para onde vai? Precisa de ajuda? Carros iam e vinham,que aquela avenida é um eixo lá do bairro. Agradeceu,que era pessoa delicada. Vou fazer compras,pois a minha mulher resolveu partir uma perna. Está para lá,quase sem se poder mexer. E quase se ria,em vez de chorar. Pois a ajuda,de facto, muito pouco interveio,que ele conhecia bem todos os cantos da casa. O assobio é que ele não largava. Seria,também,um dos seus auxiliares,que isto de sons tem muito que se lhe diga. Como era de prever,teve as compras muito facilitadas. Apenas as pagou. Enquanto esperou por elas,manteve sempre a boa disposição,como se a vida lhe corresse às mil maravilhas,conversando alegremente,e,claro,nos intervalos,mostrando o seu peculiar dote de exímio assobiador. De regresso,ao encontro da sua companheira de muitos anos,que estava para lá,quase sem se poder mexer,desejou bom negócio, e lá foi ,sòzinho,avenida acima,com carros e carrões,sempre a passarem,e ele,rente ao passeio,que o empedrado era de estatelar o melhor equilibrista.
ALGURES NESTE VALE - LIXO
Talvez estivesse de férias,talvez lhe tivesse apetecido faltar ao trabalho,que o tempo estava para isso,talvez vivesse já dos rendimentos,enfim,um sem número de suposições. O certo é que ele gastara naquele vasto jardim duas boas meias horas,parando ali,parando acolá. Não ia só. Acompanhava-o a mulher,por sinal,muito bem paramentada,em flagrante contraste com o seu boné de pala e o mais a condizer. Traziam, também ,um rebento,ainda de mama,no seu carrinho. E a dada altura,surpresa aconteceu. Umas calças,daquelas de ganga,jaziam abandonadas e desordenadas num banco. Alguém as tinha deixado ali,não por esquecimento,mas por as ter enjeitado,que elas davam mostras de já terem cumprido a sua obrigação. Pois ele viu-as,e sem uma hesitação,pegou nelas para as examinar,muito em especial os bolsos. Lá concluiu que dali não levava nada,e,sem cerimónias,lançou-as ao chão,que aquilo não passava de lixo. Ainda se pensou que era para se sentarem,que elas ocupavam grande parte do banco. Mas não. Lá continuou no seu giro,acompanhado da mulher,muito bem paramentada,como para uma festa,e do filhito,muito bem acondicionado no seu carrinho.
ALGURES NESTE VALE - UMA DESCULPA
Viera pôr o lixo no contentor,ali perto da sua porta. Era o que fazia todas as noites. Mas naquela,aconteceu o inesperado. Ao levantar a tampa,desequilibrou-se,e caiu,ficando imobilizado entre o caixote e o passeio. Foi assim que um vizinho o veio encontrar. De princípio,àquela luz frouxa,não quis acreditar,mas atentando melhor foram-se-lhe as dúvidas. Mas é o senhor José. Vou já levantá-lo. É o levantas. Embora para o magrote,aquele corpo sem forças pesava como se de chumbo fosse. Teve de ir pedir ajuda. O senhor José estava muito envergonhado e abatido. Não era,de facto,para menos. Vejam lá a que cheguei,quase também feito lixo. Não queria contar à mulher o que lhe sucedera,para não lhe dar mais ralações. Vou inventar uma desculpa para a demora. Peço-lhes que façam também o mesmo. É como se nada tivesse acontecido. Servira-lhe isto de emenda. Dali em diante,deixaria de cumprir o que vinha indicado lá no contentor. De dia,passa mais gente,e assim,se vier a repetir-se o que hoje me aconteceu,não ficarei tanto tempo no chão. Para o que uma pessoa estava guardada.
ALGURES NESTE VALE - CAMISA DE LACINHOS BRANCOS
Aquele saco de viagem,pousado no banco da alameda,vinha desfazer a dúvida que se levantara de véspera. É que fora visto ao ombro,como vem sendo hábito universal,de uma velha senhora,um tanto ou quanto disfarçada nesssa ocasião. Seria mais uma turista,num sítio onde elas abundam. Ali estava,então,ela,apanhando banhos de sol. O cabelo tinha sido repuxado,de modo o pescoço,ainda esbelto,ser devidamente contemplado,de companhia com as espáduas e o peito. Guarnecia-a,apenas,uma camisa de lacinhos brancos,que,uma vez por outra,ela,descontraidamente,compunha. Mas não se pense que estava ociosa,longe disso. O tempo tem de ser bem ganho. E,para o provar,ali se encontrava ela fazendo renda,muito concentrada na obra. Nada de olhar para a paisagem,gente incluída. Disso estaria ela inteirada,e,talvez,farta. Dos raios de sol é que não,dos quais não devia desperdiçar um sequer,expondo o máximo do seu velho corpo,guardadas,claro,as devidas conveniências. Foi este mais um quadro da sua atravancada galeria. E não será,certamente,o último,que os bons ares que ela respira,bem como o muito sol que a banha não vão deixar.
quarta-feira, 20 de junho de 2018
ALGURES NESTE VALE - COMO NOVOS
Era a primeira vez que vinha ali? Ele riu-se,de gosto. Não senhor. Já lhes perdera o conto,tantas tinham sido. Vinha ele mais a patroa,pois as águas dali faziam muito bem aos dois. Iam de lá como novos. Estava à espera da mulher e era aquele banco o poiso costumado. Ali se ia entretendo,enquanto ela andava por lá nos tratamentos. Era coisa demorada. Acabara de ouvir as notícias pelo transistor que trazia sempre consigo. Era o seu fiel companheiro. Às vezes,não lhe apetecia,pois aquilo,a bem dizer,era quase sempre a mesma coisa. Do que gostava mais era das músicas,não de todas,claro,mas havia muito por onde escolher. Quando não lhe estava a agradar,mudava de posto. Entretanto,ia passando gente. Alguns saudaram-no respeitosamente. Seria pessoa de muita consideração.Tinha lá na terra um negociozito,que lhes dava para virem até ali. Era um negociozito de copos do bom vinho lá da região,que se dava muito mal com águas,ao contrário deles,que iam dali como novos.
ALGURES NESTE VALE - ASSIDUIDADE
A sua banca é a rua,ou melhor dito,a sua banca é uma certa esquina. Deve ter sido a primeira a instalar-se ali,pelo que as concorrentes respeitam-na. Os cabelos brancos e a pele pergaminhada também hão-de valer. É claro que o estar ali não é pera doce. Em cada dia,gostaria de lá permanecer enquanto não despachasse a mercadoria,mas há gente que gosta de contrariar,gente que tem autoridade para isso. E assim,de vez em quando,sem aviso prévio,a qualquer hora,não tem outro remédio se não pegar nela,e na mercadoria, e afastar-se uma meia dúzia de metros,fazendo de conta que ia ali a passar por acaso. Mas isto por pouco tempo,que aquela esquina atrai e aquela gente tem mais que fazer. É uma banca quase sempre só de flores. Vai buscá-las muito longe. Para lá,não se sabe como procede,mas para vir usa o comboio,com a complacência de quem de direito,que lá achará que ela tem direito a viver,tanto mais que a forma de que ela se serve para o fazer é jogo limpo. Anda nisto há muitos anos e consta que não entrou de baixa um dia sequer. Merecia uma medalha,ou mais,por tanta assiduidade.
ALGURES NESTE VALE - AR PENDURADO
Naqueles últimos tempos,a vida não lhe correra nada bem,pelo que o seu ar não seria dos melhores. Mas era o ar possível naquela altura,a mais não devia ser obrigado. Aconteceu que teve de ir a uma entrevista,porta de acesso a um emprego,que,seguramente,lhe daria um outro ar. Mas nunca pensou,nem ninguém lhe disse,que o ar seria um factor determinante. Pois foi precisamente o ar que o desclassificou,vindo disto a saber indirectamente. Um outro concorrente teve a franqueza,ou a rudeza,de o revelar,um segredo que não devia ter transpirado. Mostrara um ar pendurado. E, para aquele lugar,este ar não servia,pelo que se ouvira. Mas porquê?Durante algum tempo,isto não lhe saiu da cabeça. Mas era evidente que o ar teria pouco ou nada a ver com a natureza do trabalho. A razão deveria ser outra. O tal ar pendurado não ficaria bem nos intervalos ou nos seus remates. Seria um ar que perturbaria as conversas de corredor ou as festas de fim de semana. Seria ele,afinal,um desmancha-prazeres. E assim,não,mil vezes não. O trabalho seria,pois,uma coisa secundária. O que se tornava essencial era mostrar um ar sempre bem disposto,sempre com um sorriso nos lábios,e dispor de um manancial de anedotas para entreter os ócios.
ALGURES NESTEVALE - UMA FIGURA DESALENTADA
Era dia de eleições,em tempos lá muito de trás. Estava tudo a correr como era costume. De repente,entra na sala um senhor, já com muitos anos , em grande alarido. Que coisa teria ele feito para naquele ano não poder cumprir o seu dever? Sim,que coisa teria ele feito?Deixara de merecer a confiança das autoridades? Considerava isso uma grande ofensa,uma grande injustiça. E lá disse porquê,uma e mais vezes,não fossem ficar devidamente esclarecidos. Seria por estar agora velho? Já não prestava? E outras interrogações lamuriosas do mesmo género. Chegou a verem-se lágrimas nos seus olhos cansados. Uma figura desalentada. Metia dó. Tiveram pena dele,deixando-o votar. A satisfação que se passou a ver em todo ele. E não se contendo,desatou a abraçar este e aquele,agradecendo continuamente ,em jeito de reconciliação universal. Ainda se pensou que não iria resistir a tanta emoção. Puro engano. Deixou a cena já recomposto,muito alegre e sempre agradecendo.
ALGURES NESTE VALE - FACA E QUEIJO NA MÃO
Ele não havia meio de subir um degrau. Do primeiro,o da entrada,não passava,ainda que os anos passassem. Estás aí muito bem,tomaram muitos,nestes difíceis tempos,pensaria alguém. Ainda devias estar agradecido.Não estaria,pois,sozinho,o que era verdade. Outros o acompanhavam. Mas isto não os consolava,nem a ele,nem aos outros,claro está. E assim,já cansados de marcarem passo,alguns pensaram em assaltar o reduto. À primeira vista,parecia-lhes empresa fácil. É que estavam bem apetrechados,com armas sofisticadas. Um adiantou-se e teve sucesso,como era de esperar. Isto animou os outros,que decidiram fazer o mesmo em próxima ocasião. Mas um,ainda o castelão admitiu,agora,mais,só por cima do seu cadáver. Estava numa situação privilegiada o castelão. É que tinha a faca e o queijo na mão. Se ele tentasse,o tal que não havia meio de subir um degrau,e conseguisse lá entrar,abria-lhe logo uma porta da sua conveniência e de mais ninguém. Não soube ele isto por portas travessas,foi o próprio castelão que,secamente,o informou. E,assim,teve ele de se resignar,na esperança de melhores dias,receita muito conhecida.
ALGURES NESTE VALE - NA PRMEIRA LINHA
Estava um pai de família, aflito,por não saber dar conta do recado. Tinha a casa cheia de batata,de milho ,de fruta,de vinho,do que quer que fosse para a boca,mas não havia meio de lhe aparecer alguém disposto a levar-lhe uma boa parte,de modo que valesse a pena. Esperava um ror de tempo,mas,por fim,não aguentava mais. Havia sempre alguém que estava à coca, na primeira linha. Pegava no telefone e avisava o homem das patacas. Olhe que há aqui vinha para vindimar. A cantilena era sempre a mesma. Apareça-lhe lá com um maço de notas, bem à vista, e ofereça-lhe dez. Aquilo valia vinte ou mais. Já sabe que depois não me esqueço de si. O que era que um pai de família,aflito,havia de fazer? Vender logo,claro. Andara meses a esforçar-se,sempre com o credo na boca,por causa das intempéries e das doenças,atolara-se em dívidas e depois era obrigado a entregar o produto do seu suor por uma mão quase cheia de nada. E ainda acabava por ficar em favor com o vizinho,por lhe ter arranjado comprador como não havia em mais parte alguma.
ALGURES NESTE VALE - PELE TIRADA
Era um homem alto,magro,de olhar confiado. Fora um dos primeiros a arrancar para a França e,já regressado,estava agora ali naquele emprego de jardineiro. Com o dinheiro que amealhara,pusera casa que se visse e ainda comprara uns pedaços de terra,onde gastava as horas livres. Murara-os com videiras e enchia-os de milho. Engordava,ainda,dois ou três vitelos barrosãos. Naquela altura,andava muito desanimado,pois concluíra que se esforçava em vão. Uma pessoa trabalha,entrega bom dinheiro pela semente,pelo aluguer do tractor,pelos animais,pela ração,pelo adubo,e,depois,é o que se vê,um quase nada. Os intermediários queriam levar tudo. Esperava,a ver se chegavam a um melhor preço,mas estavam todos combinados. O milho do ano anterior ainda estava por vender. Quanto ao gado,dizia-lhes que era carne de primeira,o que era verdade. Pois sabiam o que é que lhes ouvia? Depois da pele tirada são todas iguais. Assim,estava decidido a ficar só com o vinhito. Trabalhassem eles.
terça-feira, 19 de junho de 2018
ALGURES NESTE VALE - GENTE FIXE
É pintor de interiores o senhor Francisco. Anda nisto há um ror de anos,tantos que até já lhe perdeu o conto. Deita mãos aos pincéis logo de manhazinha,só os largando pela noite dentro. Aos domingos,faz uma pausa,mas mais porque é um pau mandado e o sócio tem outras exigências. O corpo é franzino,mas rijo. Diz que esteve apenas uma vez doente,com uma forte gripe. Mas só faltou um dia à chamada. Podia lá estar sem as suas tintas. Tinto é também o seu líquido preferido. Às vezes, exagera,sobretudo em dias de folga. Tem um grupo de gente fixe com quem se diverte à grande. Volta não volta,dão grandes passeatas. Até já foram à Galiza. É que a vida não é só trabalhar. Com este modo de vida,o que mais se poderia esperar do senhor Francisco? A bebida será para ele um refúgio e até um resguardo para as correntes de ar que tem de apanhar,com as janelas sempre todas abertas. Não sabe fazer mais nada. Nem a bola o atrai,pois não sabe ler lá muito bem. Pouco informado,como é que acompanharia as conversas? Os companheiros do grupinho fixe serão também dos seus,pelo que ficará tudo em família.
ALGURES NESTE VALE - RITMO DAS ONDAS
E as ondas avançariam e recuariam,como sempre o teriam feito,e não deixariam o que quer que fosse na areia,a não ser espuma,uma espuma muito branca,como,aliás,sempre o teria sido,desde que aquela praia se teria formado ali. Algumas gaivotas passeariam sobre a areia molhada,tal como o teriam feito noutras alturas,elas, ou outras da sua geração,ou de outras do passado estendido,quando o tempo assim o permitisse. E talvez lhes apetecesse acompanharem o ritmo das ondas,recuando ou avançando com elas. Nada perturbaria aquele sossego,aquele avançar e recuar das águas,aquele recuar e avançar das gaivotas,se a elas lhes apetecesse,porque não havia gente por ali,nem em parte alguma.
ALGURES NESTE VALE - O QUE SE HAVIA DE FAZE?
O homem era bem parecido,de porte atlético,trajando a rigor. Com modos cortezes,contou uma história. Estava sem dinheiro que valesse. Abalara de casa,transtornado,com apenas uns tostões nos bolsos. Sabe, os feitios não se dão. A minha mulher está impossível,é de perder a cabeça. Olhe,não a podia ouvir mais.
Não adivinha onde dormi hoje. Pois foi num banco de jardim. A que extremos se pode chegar,veja lá. Estou agora mais calmo e ela deve ter passado um mau bocado,mas é para aprender. Quero regressar a casa,mas estou sem dinheiro que chegue para o comboio. É pouca coisa. Se quiser,diga-me onde mora,que eu depois mando-lhe.
O ar dele era convincente,a conversa fora natural. Era capaz de ser verdade. O fato não estava amarrotado,mas era capaz de ser de boa fazenda,que se comporia depressa. O que é que se havia de fazer? Ora,o que se havia de fazer? O que ele queria,naturalmente.
ALGURES NESTE VALE - ASAS
De tanto andar por ali,por aquele maneirinho jardim,morada de tanto passarinho,já os vai imitando. De dia,não quer outro poiso. Ele e mais os seus teres,acondicionados em bem meia dúzia de sacos. Por ali se senta,por ali se inteira do que se passa no mundo,de jornais que enchem contentores. Mas,acima de tudo,é ali que,pelo menos,ganha para o almoço. E isto,porque é ele que se encarrega do lixo de uma esmpresa de comida ao domicílio. Pernoitar,não se sabe onde o faz. Mas não é de admirar que venha a ser visto,á noite,estendido num banco,a recobrar energias. Quanto à higiene,não terá dificuldades,pois água não falta e outras amenidades. Para ser passarinho, como os seus muitos vizinhos,não arranjou ainda asas. Mas quem sabe se,um dia,não as terá?
ALGURES NESTE VALE - UM DESCONSOLO
Mas que grande alteração se dera ali. Aquelas moradias tinham sido ocupadas,durante largos anos,por velhas senhoras carenciadas.Pois passaram,também,a contemplar mães solteiras. Eram outros os tempos. Uma das velhotas,muito pesarosa,fizera as suas queixas. Que saudades tinha da paz perdida. As jovens não a respeitavam como devia ser. E,depois,passara a haver muito barulho. É que os rapazes não lhes largavam as portas. Um desconsolo,ficassem sabendo. Coitada dela. O marido abalara-lhe há muito e não tivera filhos. Desde a sua morte não abandonava o negro. Vivia para visitar a sua campa,ali a dois passos. Não falhava um dia,só quando os males não deixavam. A caridade encarregava-se de a alimentar e de a vestir. E ali gastava o tempo naquele cubículo, mixto de quarto,de sala,de cozinha,de casa de banho e de capela. Quebravam esta quase clausura a tal visita e uma ou outra paragem por um banco de jardim,mesmo em frente,nas manhãs ou tardes de sol. Já se tinha acostumado. Era a vida. Mas aquela vizinhança é que ela não esperava. Um desconsolo,ficassem sabendo.
ALGURES NESTE VALE - SALVA
Ela já ali se encontrava,naquele banco,há um bom bocado,o que não estava nada a agradar-lhe. Para ali sozinha,em terra estranha,à espera de transporte,que não havia meio de aparecer. Pior ficou quando um homem se lhe veio juntar. Como que a fugir de perigo eminente,chegou-se mais para a ponta,quase em risco de ir parar ao chão. Sabia lá das intenções do sujeito. E depois,ele pusera-se para ali a falar,como já se conhecessem. Mal o transporte chegou,enfiou-se nele quase voando. Mas o homem entrou também,que ela bem vira. Era domingo de manhã e o autocarro ia quase às moscas. Lá pensou que ficaria mais protegida se arranjasse aliança capaz. E assim,assentou arraiais ao lado de senhora muito bem composta,que estava muito longe de saber a séria razão de tal preferência. Talvez por isso,acolheu-a com um olhar de alta perplexidade. Com tanto lugar vago,e logo me calhou esta. Que lhe importava a ela tal estranheza,ou sabe-se lá mais o quê,se era ali que se sentia salva.
ALGURES NESTE VALE ~ A ÁGORA
A senhora valia mais,muito mais,do que pesava. Já não era nova,mas estava ali cheia de vigor. Baixa,atarracada,de trunfa loira. Vinha toda revestida de cabedal negro ou coisa parecida e trazia um saco, negro também,de cabedal ou coisa a imitar. Muito ela sabia de passes e de senhas. Um livro bem aberto. Quem recebia a lição,mal tinha tempo de pôr as suas dúvidas.Alguém,ali perto,admirado de tanto saber,não resistiu. A senhora estava mesmo bem para advogada ou deputada.O que ele foi dizer. A conversa já chegou à casa de banho? Ficou-lhe de emenda. Bico calado,pois,não fossem sair mais flores daquela boca. A dada altura,aquela de advogada ou deputada,que ficara armazenada,veio ao de cima. Deputada. Farta de exploradores estou eu,e outras no género. Um mimo. Mas o que são as coisas. A senhora e esse alguém acabaram por sair na mesma paragem. Foi isto motivo para uma perseguição discreta. Tendo perdido,queria ver se recuperava uma parte. A senhora dirigiu-se a uma estação de correios para um telefonema e ali se demorou uns largos minutos na função. De lá saída,passou rente ao perseguidor de ocasião,de telemóvel engatilhado. Ainda bem que você está em casa. Não se ouviu mais nada,mas continuou-se a ver o telemóvel a fazer o seu trabalho. Para onde iria ela? Pois assentou arraiais num banco de jardim,um jardim muito especial,com um relvado de campo de futebol. Poisou o saco e veio actuar naquele largo espaço,naquela ágora,bem à medida dos seus dotes. Ali permaneceu,sempre movendo-se,para a frente,para trás,para os lados. O braço livre não parava de se agitar,para o alto,em círculo,para baixo. Esteve nisto,pelo menos,meia hora,que foi o tempo de que o perseguidor dispôs,por se estar fazendo tarde. O perseguidor está convencido de que ela foi estimulada pelo elogio que lhe fizera,aliás,assim considerado por testemunhas,e que ela,aparentemente,não aceitara. Deve ter querido mostrar,talvez a ela,que ele,afinal,não exagerara.
ALGURES NESTE VALE - PARA SEMPRE
Ele era um Zé Ninguém,ele dizia que,ainda que tivesse nascido com apenas um tudo nada de compreensão,de que não tinha culpa,estava mais que sabido,não sendo,portanto,filósofo,cientista,escritor,o que se quisesse do melhor,como muitos que tinha havido,e havia,não compreendia como é que alguém,sobretudo,um desses filósofos,cientistas,escritores de primeira linha,se atrevesse a negar a existência de um Criador.
E isso,perante a grandeza,a complexidade,a beleza da Criação. E isso, porque ele não se fizera,sendo,portanto,um ser casual,fruto de outras casualidades. Viera ao mundo,simplesmente,como podia ter lá ficado,não se sabia onde,e como.
Ele não compreendia como era isso possível,essa redonda negação. Ele,com o seu um tudo nada de compreensão,não podia provar a existência desse Criador,era bem certo,mas não se atrevia a afirmar a sua não existência.
Ele admitia que para a não existência havia algumas indicações ,certamente
fortes,como a aparente impassividade diante das muitas desgraças de todos os dias,desde sempre,assim se podia dizer,para mais,muitas vezes,por via de crentes no Criador,uma clamorosa contradição.
Mas isso,no seu um tudo nada de compreensão,não adiantava,pela razão simples de não se saber quem era esse Criador,o que é que Ele pensava,que ideia tinha Ele. Que ideia tinha Ele do homem,se o homem não era para Ele mais do que um outro ser qualquer.
O que ele sentia,um Zé Ninguém,com o seu um tudo nada de compreensão, era ser parte de uma Obra Imensa,atravancada de coisas,milhões e milhões delas,que eram planetas,estrelas,galáxias,buracos escuros,matéria
escura,um sem fim de coisas,a muitos anos de luz umas das outras.
Era ele um Zé Ninguém,e também quase assim um desses filósofos,cientistas,
escritores,ainda que de primeira linha. A propósito de cientistas,ele,um Zé Ninguém,estava-lhes muito agradecido, por não se cansarem de vasculhar a Obra do Criador. Que eles nunca se cansassem era o que ele mais desejava,escusado seria acrescentar.
Depois,voltando às muitas desgraças que tinham acontecido,que estavam a acontecer,e com muita cara de assim continuarem a acontecer,ele,com o seu um tudo nada de compreensão,só via uma saída para lhes pôr um ponto final,de vez,que, para amostra, já chegavam.
Que o Criador,condoído, entristecido,interviesse,para não ter de chegar à conclusão de que "tinha andado a trabalhar para o boneco",aqui na Terra,fazendo que os terrestres se entendessem,caindo nos braços uns dos outros,para sempre.
ALGURES NESTE VALE - MUNDO DE FANTASIA
Imaginem um cubículo,um buraco de chão térreo,onde mal cabia a cama. E que cama. Compunham-na um colchão de palha,umas tábuas e dois caixotes de sabão. Para completar a mobília, havia mais dois caixotes irmãos,um, a servir de mesa-de-cabeceira e o outro,de sofá. A maioria dos presos,naquela época,não estaria pior,descontando,claro,a liberdade. Pois era ali onde ele dormia e,sobretudo,onde ele queimava as pestanas. Era também a sua biblioteca. Imaginem uma pilha de revistas de cinema a tocar o teto,ou,mais exactamente,o telhado. Terminado o serviço,embrenhava-se nelas. Na vila,não havia luz elétrica. Mas se houvesse,não é de crer que a patroa lhe pusesse lá uma lâmpada. E também estava fora de questão um candieiro a petróleo. Assim,ele tinha de recorrer a velas,pagas do seu bolso,que a patroa não sustentava vícios. O que ele sabia das estrelas,das suas vidas,das suas paixões. Era neste mundo de fantasia que ele se sentia bem. Bem precisava dele. Porque,tirando este,o que é que o esperava? Na pensão,era ele pau para toda a obra. Lá estava às horas das refeições,chamando para a mesa. Sim,que ali havia ordem. Depois,tinha de servir. Mas antes disso,já se levantara cedo para ir à água e para fazer limpezas. Estas prolongavam-se pelo resto do dia e estendiam-se pela noite.Se não fossem aquelas revistas,não se sabe o que seria dele? Eram elas que lhe alimentavam os sonhos,que ele achava lindos. Eram elas que lhe davam razões para viver.
ALGURES NESTE VALE - CAMA,MESA E ROUPA LAVADA
Os pássaros não cabiam de contentes. Não era para menos. Mesmo ali ao pé da porta iam ter por muitos dias abundância de comida saborosa. Os frutos de uma enorme amoreira tinham entrado em plena maturação. Os ramos estavam pejados,quase se quebrando. Não sabiam para onde se virar,tal era a fartura. Saltavam de um poiso para outro,procurando,decerto,os frutos mais doces,que eles bem distinguiam.De vez em quando,recolhiam-se,a descansar,entre a folhagem de choupos altos,que à volta formavam densa cortina. Não encontrariam melhor sala de refeições,no remanso daquelas árvores protetoras. Ali perto,desenhava-se também um pequeno lago,compondo,assim,uma mansão ideal. Poder-se-ia dizer que dispunham de cama,mesa e roupa lavada. Não podiam exigir mais. Mas sem pedir,tinham mesmo mais. Ninguém os importunava,nem concorrência se via. Tudo só para eles.Não viveriam tão ricamente muitos dos seus irmãos. A culpa não era deles,está visto. Não tinham prejudicado ninguém. Os seus pais e avós sempre ali tinham vivido. Fora apenas isto uma questão de sorte. A cama já a encontraram feita e foi só deitarem-se nela.Continuariam assim por muito tempo,pelo que não teriam preocupações com a descendência. Depois,para além daquela fábrica de açúcar,havia outras,não muito longe,para acorrer às necessidades do resto do ano. E quartos não faltariam em árvores que nunca se despiam.
segunda-feira, 18 de junho de 2018
ALGURES NESTE VALE - CONTAS DE SACO
Vinham de grandes distâncias,à pata,e para lá chegar,ao mercado,tinham de vencer ladeira íngreme. Traziam, à cabeça,cestinhos de verga,cobertos com panos brancos. Branco era também o que lá dentro se encontrava. Queijinhos frescos,de cabra e de ovelha. Expunham-nos em sítio certo,reservado. A concorrência era grande,para gáudio do consumidor. Não ganhariam para as solas,não contando com o estirão da caminhada,rematada com um final a trepar,com o tempo dela e o da venda. Contas de saco. Mesmo assim,valer-lhes-ia a pena. Sempre eram umas moeditas,uma fortuna. E,depois,talvez o mais importante,vinham até à cidade.
ALGURES NESTE VALE - A CARA É ALEGRE
Pouco mais de vinte anos ele terá. E,agora,no verão,de calções e de alpergatas,ainda parece ter menos. De momento,estará sozinho,não contando com dois grandes cães, lá no seu "palácio",que a companheira deixou de se ver,talvez por alguma doença ruim,que ela andava muito amarelinha. Viverá de quê? Talvez de arrumar carros aqui e ali. A vida não lhe correrá nada mal,a atentar na sua cara ,que é alegre,risonha,e nas suas passadas ligeiras,decididas,enérgicas até. Desempenhará a contento lá as suas funções. Ia hoje demanhã,um tanto já alta,algo apressado. De telemóvel em posição,ia falando alto,ali em plena rua,como que dando ordens. Terá ele sócios,mesmo até empregados? Os cães teriam ficado aferrolhados lá no "palácio" à espera dele ,para irem,quando regressasse, dar umas voltas.
ALGURES NESTE VALE - SERIA BONITO
Parecia um pobre de pedir. Não era,mas andaria lá por perto. A fonte que o sustentara durante alguns anos secara de vez. Não se sabia do que vivia naquela altura,mas viveria mal. A roupa que usava era disto eloquente prova. Deixara, também, de pagar a renda da barraca. E uma manhã,fora apanhado a solicitar,humildemente,a compreensão da dona do palácio,que estava muito decidida a despejá-lo. Não teria coração esta mulher. Na sua frente,estava quase um inválido. De facto,ele mal se podia deslocar,pois as suas duas pernas tinham saído desiguais. Veja se consegue arranjar depressa o dinheiro,pois há gente na lista de espera. Ao lado,repousava a sua carrinha,novinha em follha,pejada de hortaliça e de fruta. Era a sua banca. Próximo,encontrava-se o mercado,mas ela preferia actuar sem concorrência. Escolhera aquele canto,escondido da autoridade,e ali multiplicava o capital das rendas. Os anos passaram,permitindo que o mundo desse muitas voltas. E voltas deram também as vidas destes dois. Viram-no ontem. Não parecia o mesmo. O fato que trazia era azul,sem uma mancha. Ela lá tem continuado no seu canto. A carrinha é a mesma,mas com muitas marcas de ferrugem. É isto fruto da demolição das barracas. Teria pensado em trocar a madeira por cimento,mas não se sentiria capaz. Ainda se irá ver o carenciado de muito tempo a salvar da falência a encrencada vendedeira de hoje? Seria bonito.
ALGURES NESTE VALE - AQUELE VAZIO
O senhor António não vivia mal. Tinha a sua reforma e ainda uns rendimentos lá na terra. A casa era dele. Na falta de filhos,arranjara um cão. O animalzinho andava passando um mau bocado. Por via disso,o senhor António não largava a porta do veterinário. E era um desabafar quando o encontravam. Aquilo pareciam mesmo agruras de pai ou de avô. Vejam lá,um bichinho tão bonito,tão manso,tão meu amigo,a padecer desta maneira,que o médico bem me diz. Tenho feito tudo,mas,coitado,não deve durar muito. E quase chorava. Lá o procuravam consolar,mas via-se que pouco adiantava. O cãozinho não durou,de facto,muito. O senhor António esteve para morrer também. Não saiu durante uns tempos,tal fora o golpe. Quando se atreveu,nem parecia o mesmo,vergado ao peso da dor e da ausência. Não mais se recomporia,confessava. Quem poderia preencher aquele vazio? Era realmente forte e sério o sentimento que o cãozito lhe inspirava. Só uma coisa lhe despertava algum interesse,a saga da bola. Sobraçando um jornal desportivo,às vezes,dois ou mais,lá ia ele sentar-se sempre no mesmo café,onde passava horas, devorando todas as páginas.
ALGURES NESTE VALE - O CADEIRÃO
Andara uma vida inteira a sonhar com o cadeirão. O que ele sofreu por ver o tempo passar e sem ver o sonho realizado. Mas não perdia a esperança. Havia de chegar a sua hora. E é que chegou,tarde para muitos,mas para ele não. Ali estava ele,finalmente,no cadeirão,no seu cadeirão. Sentia-se ali tão bem,que o não largou durante dias e noites. Passava os olhos,com vagares,pelas paredes,pelos móveis,pelos retratos dos antecessores. Fechava-os,de quando em vez,para dormitar um pouco,pois tinha de estender ao máximo aqueles momentos deliciosos de posse recente. Ao fim desses dias e dessas noites,sentiu-se inteiramente compensado por tanta espera, e decidiu pôr mãos à obra. E a primeira coisa que fez ,foi ir ver o cofre. Compreende-se muito bem esse passo,pois sem dinheiro não se pode ir muito longe. E apanhou um grande choque. O cofre estava quase vazio. E agora?,e esta? Querem ver que tenho de tirá-lo do meu bolso. Era o que faltava. Mas eu hei-de me desembaraçar. Cheguei até aqui depois de tantas barreiras saltar,não será esta que me há-de trair. Pegou da pena e escreveu a sua primeira missiva. Tinha planeado ser de outra maneira,uma maneira que pusesse na sombra as do passado,mas não podia ser. Mais tarde,resolvido esse magno problema de carestia,iriam ver o que era um plano. Naquela hora grave,tinham de compreender. Na missiva,na sua primeira missiva,pedia-se,simplesmente,miseravelmente,dinheiro,esse vil.
quinta-feira, 14 de junho de 2018
ALGURES NESTE VALE - O CUMPRIMENTO
Eatava ali, na esplanada ,uma figura pública de há uns anos. Não mudara muito. O que mais se notava eram as bengalas a que se tinha de apoiar . Coisas da vida,a que nenhum se pode eximir. Um senhor,de bengalas ,também,sentado quase à sua beira,facilmente o descobriu. Pudera,pois só por uma forte razão teria falhado o seu programa semanal de largos anos. E agora,tinha-o mesmo ali,bem pertinho de si. Parecer-lhe-ia estar a sonhar. Mas não,era verdade. A vontade que eu tenho de o cumprimentar,disse ele à filha. Era uma grande alegria que me davas,se isso conseguisses. E a filha,sem regateios,a isso se dispôs. E foi bonito ver o fiel ouvinte,muito comovido,estar agora ali junto daquela figura pública,muito do seu agrado,que,gostosamente,lhe estava a receber o cumprimeto. O que diriam lá na terra quando isto soubessem? Haveria ele de muito crescer em consideração.
ALGURES NESTE VALE - FOME DE DIAS
Nunca se vira por ali um nuvem assim,muito veloz,densa,para o escuro,barulhenta. Como que se fizera de noite. De repente,talvez a uma ordem,vem por aí abaixo,em medonho alarido,rumo ao azinhal,sobre o qual se desfez em milhares de pombos,semelhando um ato de magia. O ruído dos bicos,a atirarem-se às bolotas,merecia ter sido registado. Parecia um concerto de uma orquestra de castanholas. Deviam ter vindo de muito longe e trariam fome de dias. Não havia meio de o repasto terminar,pelo que aquilo deve ter sido uma razia de respeito. Os porcos dali teriam ficado a meia ração por larga temporada.
ALGURES NESTE VALE - O PLANO
Os pais viviam lá para o norte,onde cultivavam umas courelas. Quando chovia,a água arrastava as partículas mais finas,a fracção nobre do solo,levando-a para o rio que corria próximo. A região que acabava por beneficiar com esses carrejos era a vasta leziria de um senhor rio,que ano após ano,por via de sucessivas inundações,se cobria de férteis nateiros. Por este andar,ficariam reduzidos a areia quase estéril. Seria a sua ruína. Em vista de tal perspectiva,traçaram um plano que lhes pareceu trazer-lhes a salvação. Com algumas economias e a ajuda de familares, mandaram o filho estudar para doutor. O rapaz era inteligente e tirou o curso no devido tempo. Fizeram,então,uma reunião, para assentar ideias. Olha filho,o que prevíamos aconteceu. O melhor da nossa terra foi parar lá abaixo. A riqueza daqueles sítios é,em parte,fruto da nossa pobreza. Ninguém se importa com esta injustiça,de bradar aos céus,pelo que temos de ser nós a repará-la. Estou velho e nada posso fazer,mas tu és novo,tens qualidades,e arranjaste uma arma que te pode permitir recuperar o que é nosso,muito nosso,e até,talvez,acrescentá-lo. O filho entendeu,e prometeu fazer tudo para não os desiludir. Com a benção dos pais,rumou ao sul. Instalou-se,e olhou em volta. Não descobriu o que era seu,mas não havia dúvida de que aquelas férteis planuras não tinham comparação com as encostas no osso lá dos seus sítios. E pareceu-lhe sentir um forte apelo vindo daquela riqueza. Não se fez rogado,que as circunstâncias pediam acção sem demoras. E assim,em pouco tempo,estava casado com a filha única de um abastado lavrador,cumprindo-se o plano habilmente urdido pelos atilados pais.
AJGURESNESTE VALE - AR DA FARTURA
Vinha de lá consulado por uns tempos. Possuíra aquilo por um dia ou dois,as searas a perder de vista,as muitas cabeças de gado,os olivais bem tratados. Interessara-se menos pelo pomar,onde as laranjas permaneciam nas árvores tempo demasiado,a ponto de ficarem sem sumo.Jantava-se ao som de orquestra afinada, de cigarras e de grilos, e respirava-se,sobretudo,de noite,o ar da fartura. O cozinheiro,que servia também à mesa,de luzidia calva ,parecia um ganhão acabado de vir do trabalho,todo encardido de suor e de poeira. O avental dava mostras de não ter substituto. Nele apoiava um grande pão,que cortava em fatias grossas,com uma faca de matar porcos. Dava-lhe o sono depois daquela estafadeira e a loiça ficava por lavar.De madrugada,acordava ao som de ruidosa azáfama na cozinha. Além de água sempre a correr,os pratos e os talheres davam em imitar o cozinheiro ,que gostava de conversar com ele mesmo. O casarão parecia uma caixa de ressonância. As cigarras e os grilos mais próximos ,de tão assustados,emudeciam.Levantava-se cedo,para alongar o período de carregamento da bateria. Não se podia desperdiçar,de facto, aquelas raras ocasiões,que valiam ouro. Faria como alguns,ainda que em muito diferente escala,que iam temporadas para longe,de modo a equilibrarem as finanças.
ALGURES NESTE VALE - CARA DE PAU
Era evidente que o patrão não gostava do empregado. Mas não tinha outro remédio se não suportá-lo. Ele já estava naquela casa há muitos anos,desde rapaz,numa altura em que aquilo era do pai. Não tivera coragem de o pôr fora,pois sabia que grande parte da clentela a ele se devia. Mas donde lhe vinha aquela antipatia? Tinha inveja dele,era o que constava. Sabia lidar com as pessoas,ao contrário do outro,que era um cara de pau. Entretinha-as,parecendo até que perdia demasiado tempo com elas. Mas não. Tinha artes. Conseguia conciliar o serviço com o atendimento. Conhecia meio mundo,meio mundo que lhe era fiel,que não o tocava por outro,onde quer que estivesse,e locais como aquele era o que não faltava. Ouvia-se,ás vezes,certos reparos do patrão,sempre com modos de poucos amigos,que embirrava com tais intimidades,mas nem o empregado,nem os que ali iam estavam para lhe ligar. Naturalmente,o empregado era compensado por tanta simpatia. É que ele chegava ao ponto de ajudar na escolha dos pratos. Haveria da sua parte algum interesse. É que a mesada não seria por aí além e o coitado tinha um grande encargo. A mulher era muito doente,sempre a caminho do médico. Isto não lhe alterava,porém, o seu modo de proceder,afinal,a fonte de uma parte dos seus rendimentos.
ALGURES NESTE VALE - VEM DAÍ TAMBÉM
Nem de propósito. Pusera-se um belo dia de primavera antecipada. Fora também o dia de pagamento da pensão de velhice. Duas forças que se conjugaram e que puseram os idosos em grande alvoroço. Estavam os corpos e as almas aquecidas.O jardim,especialmente nos locais onde havia mesas,rebentava pelas costuras. Há muito tempo que se não via tanto velho ali. O inverno tinha sido rigoroso,pelo que a casa fora o seu refúgio,mesmo em dias de bolsos mais aconchegados. Davam largas à sua alegria,gozando duplamente aquela ocasião.Encostados a um muro,dois velhos conversavam. Um deles tinha um jornal. Ora vê aí como está o dia de amanhã. E da sua voz desprendia-se um sonho,um desejo. Há que tempos não largava a toca. Tinha de aproveitar o bom tempo e sem demora ,que o dinheirinho voava. Amanhã ainda o veria. E amanhã continuava o sol a brilhar,conforme o jornal dizia. Vem daí também.
ALGURES NESTE VALE - DE MÃOS LARGAS
Estava a ouvir os carros a passar na rua com o chão molhado de chuva a acair. Fora assim que há muitos anos ele acordara de madrugada,algures numa pensão alentejana. Parecia ter-se gorado o trabalho da noite a preparar as coisas para uma sementeira de trevo da Pérsia. O tempo acabou por se recompor e lá foi à procura de auxílio.Apareceu na forma de um velhote muito magro,com barba de dias. Era dono de uma parelha de muares tão velhas como ele. Mas os três sabiam do seu ofício,que a aprendizagem começara cedo e em excelente escola.A água deixara de vir do céu,mas havia mais prometida. As mulazinhas não podiam mandriar,bem como o seu condutor. A obra ficou perfeita. Todos não cabiam de contentes,sobretudo o trio assalariado. Ainda se haviam lembrado deles,graças a Deus. Tinham estado um largo tempo parados,mas não há mal que sempre dure. O par teve naquele dia rancho melhorado e o velhote,para além do que fora estabelecido,banqueteou-se com ceia lauta no café do lugar.A previsão confirmou-se. A chuva voltou,de mãos largas,fazendo das suas. As sementes boiavam. Tinham sido esforços baldados. Feitas as contas,restara a alegria dada ao trio assalariado. Não se perdera tudo.
ALGURES NESTE VALE - APÊLO DO BERÇO
Emigrara um dia,tal como tantos da sua geração. Talvez lá longe tivesse outro futuro,muito diferente do que lhe estaria reservado na sua terra. Por lá andou uns largos anos,sempre na esperança de se cruzar com a árvore das patacas. Mas esta nunca quis nada com ele. A velhice chegou e nas suas mãos apenas se via uma magra pensão. Fora fraca a colheita. Que fazer? Ficar,aguardava-o um acanhado buraco numa favela. Regressar,doía-lhe pelo insucesso. Tinha lá na aldeia onde nascera uma casita que herdara dos pais. Sempre era melhor do que a barraca que lhe caberia. Hesitou por algum tempo,mas acabou por não resistir ao forte apelo do berço. Com pouco se fizera à aventura,com pouco viera dela. Não era o único que a fortuna esquecera. Pobre consolo. Mas fora assim que lhe acontecera. Tinha de se conformar. Os seus olhos destilavam tristeza,que mais se acentuava em ocasiões de festa. Sentado a um canto,como que a esconder-se,não acompanhava a alegria dos outros. Alguns olhavam-no com desdém. E quando correspondia a cumprimentos,o sotaque mais acentuava a sua situação de deserdado. A vida pregara-lhe grossa partida. Não bastara a carestia da arrancada. A esta viera juntar-se a da emigração. Um rosário de mágoas,que o remate avolumara.
ALGURES NESTE VALE - FELIZ PERSPECTIVA
Volta não volta, lá vinham eles com um desabafo de quem muito possuía e gostava de o mostrar. Mas não eram ricos, coitados. A sua maior riqueza, tirando a saúde, claro, de que não se podiam queixar, estava no recheio lá da casa. E assim, não se cansavam de o inventariar, valorizando-o devidamente. Porque algumas peças lhes pareciam de estilo, vá de as encarecer.
Eram milhares, tudo reunido. Não queriam acreditar, mas era verdade, confessavam, deliciados, como se estivessem comendo coisa gostosa. Compraziam-se em acrescentar pormenores, descrevendo as qualidades dos tarecos, exaltando-as.
Estava-se em tempo de forte inflacção, o que os obrigava a permanentes acertos. Exultavam com isso. Sem contrapartidas, viam a sua riqueza a crescer aceleradamente. Não pensavam noutra coisa, assim se pode dizer. As caras espelhavam a alegria que lhes ia nos interiores. Engordavam, nesta feliz perspectiva.
ALGURES NESTE VALE - O SEU BALÃO
Era aí uma dezena de meninos e de meninas,todos muito pequeninos. A vigilante trazia balões para distribuir. Cada um teria o seu,mas, para isso,tinha de o apanhar. É claro que todos queriam ser os primeiros a serem contemplados.Os balões foram lançados um a um. Pairavam uns momentos,depois desciam sem destino marcado. Iam calhando aos que estavam em melhor posição,aos que eram mais altos,aos que esticavam mais os bracitos.Está-se mesmo a ver a tristeza dos que iam ficando para o fim. A sorte, ou lá o que era,parecia não querer nada com eles,mas acabariam todos por ter o seu balão. Foi só esperarem pela sua vez. E a tristeza desapareceu.Não será assim que, no futuro, outros balões se comportarão. Nesses casos,muitos ou poucos,sabe-se lá,não haverá balões para eles,não chegará a sua vez,mesmo que se tenham enchido de toda a paciência do mundo. A tristeza,nesses casos,terá vindo para ficar. E a tristeza será,afinal,o seu balão.
quarta-feira, 13 de junho de 2018
ALGURES NESTE VALE - TRISTEZA
O casal vestia rigorosamente de negro e os rostos reflectiam-no. Era de supor que grande tragédia os atingira . Talvez a morte de um filho. O ar à sua volta parecia gélido,ainda que se estivesse no verão. E isto,na rua,nas salas por onde passavam,à mesa. Não se lhes ouvia uma palavra. Caminhavam rigidamente ,como autómatos,correspondendo aos cumprimentos, inclinando ligeiramente as cabeças. Aquele local não seria o mais indicado para eles,demasiadamente expostos aos olhares de estranhos,a maioria com ar de festa. Tinham direito,também,a uns dias de descanso,certamente,mas teria sido preferível que os gastassem noutro local,longe das vistas de tanta gente,pouco disposta a pensar em mágoas e, porventura,a presenciá-las. Haviam de perturbar alguns,que se sentiriam aliviados ao vê-los partir. O que os teria levado a escolherem aquele lugar? Se calhar por saberem irem ali encontrar muita gente,onde a sua tristeza se diluiria. Mas poucos se atreveriam,pela demasiada exposição. Uma tristeza assim pedia recato. A mesma contenção e recolhimento os acompanhou à partida. Transmitiam a impressão de não terem ali estado,tal a ausência que os envolvia. Teriam sido as suas almas,e não os corpos,que ali estiveram sentados,recostados,de olhos fixos num alvo que só elas viam.
ALGURES NESTE VALE - UMA DELÍCIA
A mesa estava posta,uma mesa única,de pensão,e os convivas foram chegando. Um deles,trazia um grande queijo fresco ,envolvido em papel de jornal. Pousou-o, destapado. Naquele fundo branco,eram bem visíveis marcas negras de letras. Mas ele não as veria ou não lhes atribuiria grande importância. Aquilo ficaria por ali,se ele não tivesse a amabilidade de oferecer. Acharia indelicado não o fazer,tanto mais que estava em presença de gente mais instruída do que ele. Estaria,pois,cheio de boas intenções. Por delicadeza,também,aquele a quem ele se dirigiu,talvez por se encontrar logo à sua direita,não lhe quis dizer porque não aceitava uma porção daquele queijo,que devia estar uma delícia,como o seu próprio dono,aliás,asseverou. Não havia melhor na terra,podem crer. O senhor insistiu e recebeu nova negativa. À terceira,explodiu. Pois é,é por ser oferecido por alguém de poucos estudos. E levantando-se,saiu desabridamente da sala,para não mais aparecer.
ALGURES NESTE VALE - MAUS TRILHOS
Chovera a cântaros naquele mês de Novembro e a ribeira ia caudalosa. A noite aproximava-se e era altura de regressar a casa. O jipe já pensara nisso,pois não se estava sentindo nada bem. É que precisava de cuidados que só lá na vila encontraria. Ainda se fez ao caminho,mas chegara ao limite das suas fracas forças. Acudam-me. E agora? Ao longe,via-se um "monte". Talvez lá houvesse remédio. Vieram logo com um tractor,e lá o trataram como puderam. Ficou a andar, mas muito mal e incapaz de ver na escuridão,que,entretanto,se fizera. E agora? Haviam de chegar a casa,que devagar se vai ao longe. O jipe,muito chegado ao guia,por vezes,a tocarem-se,lá avançava,penosamente,mas muito amedrontado,pois o fragor da corrente,mesmo ali ao lado,era medonho. Valeu o caminho ter sido aberto em granito esbranquiçado. O jipe esteve um dia a recompor-se,mas disseram que não iria durar muito. Mas aquela era gente sem coração e não descansaram enquanto o não puseram a calcorrear os maus trilhos do costume.
ALGURES NESTE VALE - ERA A ROSA
Fizera uma boa escolha a cegonha para instalar a família,lá mesmo na torre da igreja. De lá,ela podia ver bem o que se passava no local que mais apreciaria,um minúsculo retângulo verde,perdido na imensidão amarela dos restolhos do vale. Levantava-se cedo. Despertaria com o início da faina naquele oásis. Gostava da companhia já conhecida de outros anos e bem depressa se lhes juntava. Consideravam-na já da casa,pelo que tinha,assim,duas,e puseram-lhe o nome de Rosa. Nenhum ruído dos habituais a amedrontava,nem mesmo o do trator. Era o mesmo que nada. Nem levantava a cabeça do fundo dos regos em que procurava matar a fome que trouxera doutras paragens. As minhocas,lembrando enguias,só ali as encontraria. Pudera,não faltava água,que vinha do rio,mesmo ali ao lado,nem estrume de muitas vacas que ali se criavam,muito bem criadas,que comida era quanta elas queriam,uma fartura nunca vista. Sonharia com elas,as minhocas,e também com as vaquinhas,que bem conhecia,pois muitas vezes se cruzavam à mesa. Apenas dele a Rosa fugia. E isso entristecia-o muito. As tentativas que ele fez para a cativar,usando de muitas artimanhas,mas foi tudo em vão. De nada valiam outras presenças. Mal ele se aproximava,sempre de bons modos,ah asas para que vos quero. E aconteceu o que era de esperar. Ele,não suportando mais aquele repúdio,aquele desprezo,com ares de virem para ficar,abandonou aquele lugar para não mais volver. Ela,não. Por muitos anos ali voltou,sempre tranquila,pois sabia muito bem que o não iria lá encontrar
ALGURES NESTE VALE - EM VÃO
Estava o moço em casa,no verão,cansado de não fazer nada,quando lhe bateram à porta. Era um amigo,com um táxi ali à espera. Despacha-te que temos de ir para longe. Voltamos ainda hoje. O amigo fora sempre de entusiasmos repentinos,facilmente alimentados,ainda que metessem grandes despesas. Abalara-o, em tempos ,forte contrariedade,estando,até,internado,mas, aparentemente,recompusera-se. A viagem destinava-se a visitar alguém que ele muito estimava. Lá chegaram. Na terra havia festa e esse alguém era um dos promotores. A festa demorou e tiveram de ficar. No regresso,tudo se complicou. O amigo,afinal,não se recompusera devidamente. A certa atura,de noite,aproveitando uma paragem,desapareceu. Ainda se procurou,mas em vão. Foi encontrado,dois dias depois,quase nu.
ALGURES NESTE VALE - FIO DE ÁGUA
As cigarras emudeceram e os pássaros esconderam-se nos ramos das azinheiras. É que se aproximava o medonho estrondo de um comboio de viaturas. Nunca se vira por ali uma coisa assim. O que estaria para acontecer? Bem depressa veio o esclarecimento quando os carros pararam. Deles saiu um mar de gente que se apressou a bisbilhotar o vasto milharal que se estendia ao longo do rio. Pobre rio,que naquela altura era uma pobre sombra do que fora. Um fio de água,se podia dizer,que mal dava para a meia dúzia de famílias de rãs que por ali faziam pela vida,quanto mais para matar a sede daquela ilha verde. Pois fora esta pobreza que trouxera ali toda aquela gente. Estavam muito preocupados,e com razão. É que aquele milharal estava a ser um comedor de dinheiro. Não bastara a renda da terra,as sementes,as alfaias,os químicos,os amanhos,as jornas,para há uns tempos ter havido necessidade de recrutar pessoal para escavar o leito do rio,na esperança de algum milagre. E o milagre dera-se,como se estava a ver. É que as maçarocas já despertavam os apetites de bandos de pássaros. Alguma coisa de jeito eles sabiam que nelas encontrariam. Aquele pessoal tinha sido o milagreiro. Escavando dia e noite o velho leito do rio,desencantou veios de caudal capaz de dar vida àquele milharal. Mereciam eles um prémio que se visse. Os pássaros também tinham obrigação de contribuir.
terça-feira, 12 de junho de 2018
ALGURES NESTE VALE - A MESADA
Recordava-a com saudade,mas também com gratidão. A sua acção fora determinante no arranque da sua vida profissional. A energia que ia ali naquele corpo baixinho,naquela cabeça de cara muito rosadinha. Só quem com ela convivesse é que dava conta do que ela era capaz. Era a tradutora oficial lá da casa,mas não ganhava como tal. Coisas que acontecem quando os quadros são rígidos. E assim,fora contratada como auxiliar de laboratório. Não era ela,pois,que lá mandava,mas tinha uma grande influência nos que mandavam. A sua vitalidade,a sua palvra fácil,desatada e rica,os seus muitos conhecimentos,de línguas,e não só,a sua cultura,haviam de lhe servir para alguma coisa. Ele tinha sido admitido como tarefeiro. E chegara a altura de lhe fixarem a mesada. Estavam presentes ele,ela e o chefe. E o chefe lançara para a mesa uma quantia muito modesta. Ela não se contivera. Oh senhor chefe,isso nem dá para o moço mandar cantar um cego. Então,o que propõe?E ela lá disse o que lhe pareceu razoável. E o chefe aceitou e o moço ficou todo satisfeito.
ALGURES NESTE VALE - BIFES
Parecia que o jovem iria ter um grave problema para resolver, quando lhe apetecesse almoçar. É que onde ele conseguira,com muita sorte,um estágio pago,não havia refeitório,nem se vislumbrava por ali perto uma taberna,quanto mais coisa melhor. Trazer de casa não dava jeito,pois vivia num quarto. Mas ele continuava com sorte. É que trabalhava num laboratório. Cozer umas batatas e fritar um bife pouco diferia do que ele tinha de fazer. Esteve assim meses. Era para se cansar,mas quem corre por gosto não se cansa,muito em especial em começo de vida. Os pobres dos bifes,às vezes,apanhavam grandes escaldões ou grandes molhas. Sucedia isso quando a camioneta,que o devia transportar,avariava. Então,tinha de recorrer ao comboio,que o não deixava à porta. Era obrigado,assim,a palmilhar uma boa distância,de início,junto à linha,depois ,por um baldio. Mas qual seria a alternativa? Ainda se tinha de dar por muito feliz,pois podia comprar bifes,um luxo para muita gente.
ALGURES NESTE VALE - INQUIETA
A mãe tinha levado o filho ao jardim. A tarde estava amena,pelo que seria uma pena ele não poder respirar um melhor ar do que o lá de casa. Ali encontraria também meninos com quem pudesse brincar. Um deles trouxera um brinquedo que ele nunca vira. Abeirou-se e lá ficaram os dois entretidos, que o outro era de partilhar. Mas não esteve muito tempo,pois a mãe não gostara daquela intimidade. Olha que se está fazendo tarde. Oh mãe,este menino tem um brinquedo tão giro. Deixa-me estar mais um pouco. Este é o meu pai e aquele é o teu. O meu? E ficou assim a modos que envergonhado. A mãe insistiu. Temos de ir para casa. Mas a sua cara era triste,pois via que o seu filho tinha arranjado companhia. Davam a entender que ligavam bem. Dali não despegaria tão cedo,assim a mãe deixasse. Mas ela estava inquieta. Temos de ir embora. Humilde,pediu desculpa. De quê? O filho apenas quisera arranjar companheiro para conviver algum tempo. Estava deliciado com o brinquedo e tão contente com o novo amigo.
ALGURES NESTE VALE - A PROMESSA
Era dia de procissão da Senhora da Bonança,a protectora dos pescadores daquela terra. A Senhora estava para chegar ali ao porto de abrigo. Às vezes,demorava. Nunca se sabia. Dependia de muita coisa, e do mar. Uma multidão A esperava,devota uma,curiosa outra,como acontecera sempre,desde há muitos anos. Sentada em sítio estratégico,porventura o preferido,estava uma velhota toda de negro vestida. Então,vem aqui muitas vezes? Todos os anos,ainda que esteja muito achacada. Foi essa a promessa. Muitos favores Lhe devo. A música que atroava os ares e que não havia meio de se calar,para regalo,talvez,da maioria,emudeceu,à chegada da Senhora. O mesmo aconteceu a um feirante que não se cansava de repetir o seu disco. Uma oportunidade daquelas não mais a apanhariam. Por uma simples nota,não levariam apenas uma peça,mas uma dúzia.
ALGURES NESTE VLE - FEITICEIRA
Daquele segundo andar,o senhor sentir-se-ia dono do mundo. A casa dominava a ampla várzea. O rio não se via,que a vegetação densa da margem não deixava,mas os campos a perder de vista acompanhavam-no. Naquela época,era o trigo o rei. E umas vezes,veria verde,das searas a crescer,e outras,amarelo,das searas a amadurar ou dos restolhos. Podia dizer-se que era o pão que ele via,o pão a haver, o pão já pronto,como o da padaria que ficava mesmo no rez-do-chão. Vinha ali de vez em quando. A padeira enfeitiçara-o. Demorava-se uns dias. Muitos ficariam como ele,rendidos. Além de tudo o mais,havia aquela paisagem restauradora. E aquele silêncio,apenas cortado,lá de onde em onde,pelo apitar do comboio,que corria lá em baixo. E,depois,quedar-se-ia a vê-lo,qual serpente deslisante,para acabar por se sumir,lá muito longe,na linha do horizonte. Mas,acima de tudo,seria aquele aroma de pão,quente,telúrico,acabado de sair do forno a lenha,que mais o inebriaria. Era um cheiro aconchegante,um cheiro de fartura,um cheiro caseiro. Enchia-se dele para uma larga temporada. Quando já não o sentia como ele desjava,punha os pés ao caminho e lá se instalava. Mas não se expunha. Passaria as horas à janela daquele segundo andar,admirando a paisagem e respirando o perfume do pão.
ALGURES NESTE VALE - UM SONHO
Pode dizer-se que não estavam nada bem um para o outro. Mas, naquele tempo,uma desgraça comum visitara-os. É que tinham sido privados,muito proximamente,de alguns dos seus teres,pelo mesmo inimigo. Fora isso suficiente para os irmanar. E,assim,volta não volta,lá se reuniam para carpir e congeminar. O inimigo não podia levar a melhor. E foi o que sucedeu,como se antevia logo de início,pois,para mal dele,não tinha pernas para ir longe. Os teres não demoraram muito a regressar a quem de direito. Tudo,afinal,não passara de um sonho,para ambas as partes,inimigos e amigos. Desaparecera,assim,a causa que produzira aquele insólito par,pois os ombros deixaram de servir para neles lágrimas derramar. Depois,a distância que sempre os separara,sobretudo, em termos de pessoa,impôs-se,e não mais foram vistos juntos. Um,lá seguiu a sua vida,como nada tivesse acontecido,o outro,apsar da recuperação dos bens,não mais foi o mesmo,de tempos áureos. Parecia que uma peste o tomara,de que havia de fugir.
segunda-feira, 11 de junho de 2018
ALGURES NESTE VALE - ENQUANTO PUDESSE VOAR
Foi o que ela fez durante os dias em que ali permaneceu. Passava as folhas muito lentamente. Estaria lendo um outro ,que a este se sobrepunha,o livro das suas recordações. Os seus olhos deixavam,de quando em vez,as linhas na sua frente,para se fixarem,aparentemente,num ou noutro ponto da paisagem rica,que diante dela se abria. Estaria lembrando,estaria sonhando. Raramente se servia da bebida, em cima da mesa da esplanada. Necessitaria de outras,bebidas muito dela. A senhora bastar-se-ia a si mesma. Em locais como aquele, encontraria bálsamo para algumas tristezas. Partiu,provavelmente,consolada. Voltaria ali,uma e mais vezes,enquanto pudesse voar,pois,dificilmente, encontraria melhor poiso.
ALGURES NESTE VALE - PRIMA RICA
Vivia triste a pobre viúva. Magra, sempre de negro, para sobreviver, fazia trabalhos de costura. Fermentava nela, porém, uma esperança.É que ela tinha uma prima muito rica, sem filhos. Com a sua morte, havia de lhe caber alguma coisa que valesse a pena. A prima morreu. De facto, uma parte do espólio caber - lhe - ia. Aconteceu que a não podia receber imediatamente, pois havia prazos a cumprir. E um dia, fazem-lhe a seguinte proposta. Transferia os seus direitos a outrem e receberia imediatamente, não a totalidade da importância que lhe cabia, mas uma parte. É que havia riscos a correr. Foi curto o tempo de hesitações. Mais vale um pássaro na mão do que dois a voar.
ALGURES NESTE VALE - BECO ESCURO
Podiam ter-lhe dado o nome de biblioteca das três ladeiras,pois tal correspondia á realidade. Duas delas,uma mais íngreme,do lado nobre,assim seja permitido dizer,a ela conduziam. Ficava mesmo no seu encontro,no seu vértice. Daqui,nascia uma outra,quase a pino,que levava a um beco escuro.Estava,pois,bem situada esta biblioteca. Duas vias facilitavam o seu acesso,ainda com a vantagem de se ter todos os santos a ajudarem. A outra,significava ser ela a única saída.Era esta biblioteca um achado dos ricos. Além de livros,muitos livros,para os gostos e exigências mais diferentes,tinha um respeitável acervo de obras de várias artes,algumas delas mesmo na ampla sala de leitura.Era outro regalo para os olhos. Estar ali comodamente sentado,envolto em preciosidades. Mas havia uma que levava a palma a todas elas. Era um vitelo lindo do Tomás da Anunciação.Só tinha um senão esta biblioteca. O soalho rangia,mesmo à passagem de um ratinho. Porque rangeria aquele soalho? Mistérios insondáveis.
ALGURES NESTE VALE - FRUTA DO TEMPO
Andara por todos os mares,cruzando-os vezes sem conta,mas pescara muito pouco. Por isso,ali estava ele,de pele curtida por muito sal,sentado a uma secretária,à entrada de templo rico,a ver se algum peixinho lhe caía na rede. Era ele o guardião. Tinha muito para guardar,mas só dispunha de dois olhos,e já não via lá muito bem. Ainda há dias voara uma imagem,ali mesmo nas suas barbas.Mas aquilo era gente que parecia ter feito pacto com o demónio. Sabiam bem do seu ofício. Ele também sabia quem eram,uma família ali das redondezas,uns profissionais. Também estavam interessados nas caixas das esmolas,mas ele não podia estar em todos os cantos.De vez em quando,lá sondavam uma. O que os salvava era ele nunca os ter apanhado com a boca na botija. Havia por ali à roda muita malandragem. Era fruta do tempo,era o resultado dessas liberdades, com cara de terem vindo para ficar. Por isso,ali estava ele,de pele curtida por sal de muito mar...
ALGURES NESTE VALE - UM DIA DE PRIMAVERA
Estava a família,de novo,reunida. Ela ainda conseguira recuperar da doença que a minava,que a consumia,o que bem se via,na sua magreza,na sua palidez extrema. Era meio-dia,de um dia lindo de primavera,pelo que tudo convidava a deixar a toca. Tinham acabado de sair dela,uma toca que lá vai teimando,apsar do caruncho,apsar,sobretudo,de dois incêndios,que a deixaram ainda mais alquebrada. Saiu ele,primeiro,com o seu grande cão negro,saiu ela,depois,com o seu grande cão branco,que se lhe adiantou,pois não podia mais. E ali mesmo,em pleno passeio,aliviou-se. Mas por muito pouco tempo,uns segundos apenas,lá ficou o presente exposto,que ela,pressurosa,não permitiu,era feio,muito feio. E para que outros aprendessem, ela atravessou, rapidamente, a rua, muito movimentada,abriu o saco-mala,tirou de lá um saquinho negro,de plástico,e,como mandam as boas regras,enfiou nele o presente do seu cão,que foi logo depositar no contentor ali perto. E lá foram os quatro,como de outras vezes,tratar da vida,que se fazia tarde,que ela,a vida,não está para brincadeiras. Voltariam,lá pelo fim do dia,depois de terem tratado dela,da vida que lhes coubera.
ALGURES NESTE VALE - UM TUDO NADA
Era um sossego,uma paz,uma serenidade,naquela tarde,naquele lugar. Houvera outros tempos assim,em mais lugares,e em mais tempos também. Tão diferente fora a tarde anterior ali. É que por lá tinha passado uma multidão ruidosa,que um espectáculo de ensurdecer esperava. Não tivesse passado por lá essa multidão,esta tarde,naquele lugar,teria sido uma serenidade,uma paz,um sossego. Um tudo nada tudo isto perturbara,um tudo nada fugidio,tão ao contrário da permanência,ou duma aparência dela,de quase tudo por onde essa multidão ruidosa passara. Tal como em muitos outros tempos,noutros lugares,tal como à beira mar. As ondas vêm e vão,indiferentes,quer estejam lá a vê-las multidões,ou ninguém.
ALGURES NESTE VALE - UMA SEMENTINHA DE RÍCINO
Era caso para esconder,para silenciar,que casos destes contam actos de estarrecer,mas actos que se perpetuam. Uma sementinha de rícino veio instalar-se,um dia,numa estreita nesga de terra,um mísero intervalo entre duas pedrinhas de calçada. Um tanto ao lado,mas em plena terra,bem adubada por um esgoto subjacente,dava mostras do que valia, uma bem nutrida nespereira. Da sementinha,brotou um arbusto,que bem depressa se fez árvore. E é ver a pobre nespereira a definhar de dia para dia,e o rícino a crescer a olhos vistos,de que é responsável,certamente,o muito azoto que o esgoto lhe traz. Já está â altura de um primeiro andar e já faz sombra à infeliz nespereira,que se estará lastimando pela sorte que lhe coube.
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