quinta-feira, 31 de maio de 2018

ALGURES NESTE VALE - CASA VULNERÁVEL

Necessidade a quanto obrigas. Era o que acontecia àquela boa senhora,que já merecia há muito ter alguém que a ajudasse na lida daquele casarão de rés-do-chão e primeiro andar. Mas isso ali era um luxo,só para gente muito rica,que não era o seu caso. Do marido não podia esperar muito,embora ele,às vezes,desse uma mãozinha. Já estava reformado,é certo,mas tinha lá os seus amigos,que não o dispensavam. Para mais,vivendo ali sozinhos,em casa tão vulnerável,sobretudo,pelas traseiras,quáse um deserto de gente,tinham resolvido admitir hóspedes. É que podiam ser assaltados,e assim,tinham quem os ajudasse a enfrentar os larápios,pelo menos,à noite. Depois,sempre eram uns dinheiritos que entravam,que bem precisados estavam,pois o cofre ficara quase vazio por terem de pagar as prestações da casa,de que,há pouco,se tinham livrado. Fora um grande alívio,o que,a cada passo,mostravam. A casinha já era deles. Dera-lhes,talvez,mais energias,em particular a ela,que bem precisada estava pelo muito trabalho que tinha pela frente. O jeito que lhe fazia se pudesse ter ali uma empregada,como lá noutros países,em que era fácil arranjar uma. Mas paciência,não se podia ter tudo,e lá se conformava.

ALGURES NESTE VALE - SÓ DE ENCOMENDA

Há males que vem por bem. Nem sempre sucederá,mas o que se tinha passado com ele poderia ser assim considerado. Uma calamidade abatera-se,inesperadamente,ou talvez não, sobre o local em que ainda há pouco dera os primeiros passos da sua vida profissional. Seria muito difícil,perigoso mesmo,ali permanecer. E abalou. A terra que o recebeu não lhe foi madrasta,antes muito ao contrário. Um lugar de feitor de grande e rica quinta estava à sua espera. Fora coisa que,porventura,nunca lhe tivesse aparecido em sonhos. Um verdadeiro palácio abrigava-o,a ele e à família. Carros e cavalos livravam-no de canseiras. Apreciável parte do pão ficava-lhe quase de graça. Não era de exigir mais,podendo dizer-se que lhe saíra a taluda. Se lá tivesse permanecido,mesmo sem calamidades,quando é que alcançaria uma posição daquelas,de muito invejar? Qualidades não lhe faltavam,é certo,mas outros as teriam e não se encontravam como ele. Era caso para dar graças,o que lhe seria fácil,na quietude dos seus principescos aposentos ,ou numa capela,que ali também havia. Uma tal coisa só de encomenda.

ALGURES NESTE VALE - FESTA DE TRUZ

Terminada a festa daquele ano começavam logo a pensar na seguinte. Não os que dela se encarregavam,mas os que dela se serviam. Como é que aqueles haviam de ficar,depois de uma tal estafadeira? Derreados,certamente. E assim,precisavam de umas longas e merecidas férias. Os outros,ao contrário,estavam prontos para a que se seguia e desejosos que ela viesse depressa. Podiam lá deixar de pensar nela. Em boa verdade,a festa era deles. Tratava-se de uma rica oportunidade para mostrarem o que valiam. Lá para onde tinham partido,apenas uma meia dúzia,se tanto,davam conta deles,os que circulavam no local de trabalho e pouco mais. Mas lá na terra de onde tinham abalado para se fazerem à vida era muito diferente. Ora como estão bem parecidos. Ora folgo muito em os ver. Mas não só isso. Tinham também ocasião de pedirem meças a outros,sobretudo aos da sua geração. Não se encontravam mal adornados,como se fazia constar. Era,de facto,uma festa de truz. Os seus promotores esmeravam-se para não ficarem mal vistos perante tais visitantes. O que iriam dizer se não achassem as coisas como deviam ser? E eram uns cumprimentos,umas admirações,uns elogios. Ficavam deliciados.

quarta-feira, 30 de maio de 2018

ALGURES NESTE VALE - MATA-BORRÃO

As refeições do menino mereciam ser registadas. O espectáculo começava antes. Tenho fome,alertava ele. E logo que os odores dos petiscos lhe chegavam,desatava a salivar. Já posso ir lavar as mãos? Corria para o seu lugar,ficando na expectativa. Comia a grandes garfadas. Dizia ele que no colégio fazia o mesmo. Era sempre o primeiro a acabar. Começava cedo a querer ficar à frente,tal como muitos meninos,certamente. Eu sou o mais forte,eu sou o mais alto,as miúdas não me largam,tenho sete namoradas, um sem número de posições de vanguarda. De vez em quando,repousava,a mastigar mais demoradamente. Estava arranjando espaço no seu estomagozinho. Aproveitava esses intervalos para beijar a avozinha,numa mão,num braço,reconhecido por tão ricos pitéus. Os olhos também denunciavam o bem-estar que sentia com aquelas pançadas. Marchava,depois,a sopa,que achava sempre muito boa. E a expressão de agrado era prova evidente da excelência da confecção. A cena terminava com a fruta de que mais gostava,uma pera ou uma laranja. As digestões eram rápidas,apsar do trabalho a mais que daria aos sucos enzimáticos,em vista da escassa fragmentação dos alimentos. Assim,ainda não tinha passado uma hora,avisava que a fome tinha voltado. Às vezes,esquecia-se dela,mas isso porque os bonecos animados lá da televisão falavam mais alto. Que rica vida a deste menino. Virá a lembrar-se dela quando crescer,quando outros interesses o tomarem,interesses absorventes,que a vida é assim,esquecida de muito passado,que ela é um mata-borrão?

ALGURES NESTE VALE - COISA ÉPICA

Hoje será muito diferente,com certeza,mas naquela noite de um frio de dezembro,há uns bons sessenta anos,a passagem por uma urgência de hospital foi assim.Declarara-se uma apendicite que pedia internamento imediato. Mas para se poder deitar na cama que o esperava,em enfermaria de larga concorrência,não foi coisa fácil. Pode dizer-se,até,sem grande exagero,que foi coisa épica.Para começar,teve de se sujeitar aos cuidados do fígaro. Se não fosse uma nota de vinte,naquele tempo era dinheiro,teria apanhado com a máquina zero. Mas havia mais etapas a vencer. Dali,pasou,sob escolta,não lhe apetecesse fugir,à secção da higiene corporal. Una tina de mármore,que mais parecia um sarcófago,estava preparada. O ar da sala,de pé direito dos antigos,era gelado e a água imitava-o. Seria constipação certa. Lá foi providencial outra nota de vinte. Ia já preparado.Estava quase lá,mas tinha ainda de mudar de farpela. Nunca se vira metido numa camisa daquelas. Parecia a de um presidiário. Mas não havia outra. Finalmente,a tão sonhada cama. O que é lá isso? Esse fio não pode estar aí. Por vezes,dá-lhes para o apertar demasiado. O que lhe valeu foi a intervenção de uma menina enfermeira que se condoeu. Deixe lá o rapaz ficar com o fio. Eu responsabilizo-me. Pôde, então, descansar e rezar com a cruz entre os dedos.

ALGURES NESTE VALE - VOLTAR

Teria a noção de que era imperfeito,talvez até demasiadamente,ainda que qualidades não lhe faltassem. E quereria atingir a plenitude de todas elas. Talvez por isso, vivia na crença de que viria cá tantas vezes quantas as necessárias para alcançar o estado sem mácula. E dali não saía. Não pense assim,diziam-lhe alguns atrevidos. A vida é só uma. Conhece alguém que se lembre de outra? Era o mesmo que nada e lá continuava na sua,de voltar cá e de tornar a fazê-lo. Mas os atrevidos não desistiam. Faça por se aperfeiçoar,mas já,aqui,uma vez que é esse o seu propósito,como se tivesse uma única oportunidade. Seria um grande descanso,se fosse como crê e uma rica saída para quem quer fazer o que lhe apetece,mesmo que seja uma coisa feia. Para complicar as coisas era,às vezes,visto a manifestar outra crença,digamos mais ortodoxa. Era,assim, confrontado com essa aparente duplicidade contraditória. Argumentava como sabia,sem convencer ninguém,mas convencendo-se a ele. E reincidia no consórcio estranho. Não estava só,na variedade de comportamentos,uma infinidade deles,mesmo uma riqueza. É, afinal,o cada cabeça sua sentença. Depois,não é certo que o que um sente não sente o vizinho do lado,mesmo que seja ele o seu irmão gémeo?

terça-feira, 29 de maio de 2018

ALGURES NESTE VALE - NÃO ERA DESSES

Era uma pena o senhor ficar para tio. A ele pouco lhe importaria ,pois a sua vida era uma vida cheia. Desdobrava-se em tantas actividades que pouco tempo e disposição lhe sobravam para cuidar de si. Mas os amigos preocupavam-se. Não estava velho,mas continuando assim já seria tarde,pensavam eles. E vai daí,procuraram-lhe noiva a condizer. Não foi preciso ir muito longe. E assim começou uma relação. Naquela altura,a menina tinha de ter a companhia permanente da mãezinha. O que haviam de dizer? Para mais,ela era filha única e muito rica. Os encontros foram,pois,sempre a três. Não se sabe bem o que verdadeiramente aconteceu. Mas os que o conheciam melhor previram logo que aquilo não iria durar muito. O senhor fora sempre muito independente. A dar o passo,seria com uma e não com duas. E parecia que se tinha de se sujeitar ao segundo cenário. Assim,não. Passem por cá muito bem. Alguns comentaram que ele não soubera aproveitar,juntando o útil ao agradável. Mas ele não era desses. E assim se manteve,continuando na sua senda de bom samaritano,distribuidor de dádivas inúmeras. Constou que mal ele largou o tesouro,alguém,menos exigente,tomou logo posição,não fosse haver arrependimento.

ALGURES NESTE VALE - SERVIDÃO

Isto vai acabar. É tempo de lhe arranjar um passe e um telemóvel. Condoera-se a rica filha da pobre mãe. E estava,ali,em plena rua,a manifestar o seu louvável propósito. Era uma mocinha toda de negro vestida,à moda,de cigarro na mão,em pose. A mãe,muito gorda,ouvia-a,de cabeça baixa. Seria do pesado fardo que ela carregava,de filhos e já de netos. De vez em quando,tinha de sair,mas só para fazer compras lá para a casa. E aquela linda filha,queria aliviar-lhe a servidão. Estaria a moça,pois,cheia de boas intenções. Mas não era de prever que o passe viesse a ter muito uso. Dar-lhe-ia,quando muito,alguma consolação possuí-lo. Se quisesse podia utilizá-lo,mas só isso,que ela,lá em casa,não saberá para onde se virar. Quanto ao telemóvel,esse,sim,vinha mesmo a calhar,pois o telefone estaria quase sempre ocupado.

ALGURES NESTE VALE - ASPETO SOTURNO

Não se ouvia tudo,mas dava para perceber. Era senhora aí de uns cinquenta anos,medianamente composta,que,ao mesmo tempo que caminhava,ia descrevendo a passeata a haver. Do outro lado,sabe Deus onde,estaria alguém muito atento à mensagem. Não era para menos. As passadas eram lentas,como que antegozando aquela rica viagem. Primeiro,Montevideu. Depois,acrescente-se o que mais se gostaria de visitar. Não estaria com semelhante disposição um homem que procurava uma casa de penhores. Não me sabem indicar? Só um sabia,não por a ter visitado já,mas por há tempos ter dado de caras com ela. Os dizeres eram garrafais e a casa tinha um aspecto soturno. Uma cortina impedia que se visse o que ia lá por dentro. O que esconderia ela? Muita coisa,incluindo,talvez,lágrimas. Tritezas que a senhora quereria esquecer e que aquele homem tencionaria remediar. Se acaso os dois se encontrassem e conversassem,talvez a senhora pudesse dar uma ajuda. Quem sabe? Não seria caso único. Tomam-se,por vezes,decisões imprevistas. E se o passeio a não satisfizesse,o que podia acontecer,pelas mais variadas razões,teria no nobre gesto uma valiosa compensação.

segunda-feira, 28 de maio de 2018

ALGURES NESTE VALE - OUTROS VOOS

Baixo,activo,inteligente,olhos muito verdes. Ainda andou até ao terceiro ano do curso. O pior estava passado,mas aquela visita da irmã,a viver lá no outro lado do mar,foi uma tentação,não do diabo,mas do seu anjo da guarda. O que estou eu para aqui a fazer?,depois de se inteirar do estado da carteira da irmã. E,quando a visita terminou,lá foram os dois. Não resistira ao apelo da árvore das patacas. Ainda mal acabara de chegar,uma rica árvore veio ter com ele. Bastava agitá-la,que ela não se cansava de dar fruto,de fácil desprendimento. Não estava milionário,mas por aquele caminhar chegaria lá mais cedo do que ele alguma vez sonhara. Faltava,ali,para compor o ramalhete,uma companheira. Olhou à roda e não gostou do que viu. E se eu fosse lá à santa terrinha? Não é tarde ,nem é cedo,parto já amanhã. A coisa foi rápida,que tempo é dinheiro. E num instante estava casado. Foram mais uns anos a acumular. Mas uma ideia passou a persegui-lo. Aquele curso fora interrompido. Era uma pena ter ficado assim. E se eu fosse lá acabá-lo? Veio e ficou engenheiro. Ainda se empregou,mas por muito pouco tempo. Fora aquilo só para mostrar,a si,e,talvez a outros,que era capaz de outos voos.

ALGURES NESTE VALE - AS MESMAS QUEZÍLIAS

A dona da casa tinha carradas de razões para desabafar,embora o fizesse com um hóspede. Este agradecia e quase estimulava,pois ,desta maneira, tinha frequentes aulas para melhorar o seu inglês. Arranjara,assim,uma professora de borla,ainda com a grande vantagem de não ter de ir apanhar mais frio,e mais chuva. Pois claro que a senhora estava cheia de razões. O desabafar até lhe fazia bem. Ela ali feita escrava, a ter de arrumar quartos,havia mais dois hóspedes,fazer limpezas,confeccionar refeições,e a cunhada,aquela rica peça,a flanar,só. Com a morte do marido ,ficara com uma boa pensão,que ela se encarregava de desbaratar em diversões e compras supérfluas. Ele eram passeios,quase todos os dias,ele eram almoços ,em bons restaurantes,com as amigas,ele eram chapéus sempre à moda. E a água que ela esbanjava nos intermináveis banhos? Parecia ser ela uma menina. Mas quem pagava as contas era o marido,pois então. E ela havia de se ralar. Postas as coisas nestes termos ,está-se mesmo a ver que as duas senhoras só por um muito mero acaso se cruzavam. Fugiam,positivamente, uma da outra,o que era facilitado pelo tamanho do "home". A cunhada refugiava-se no quarto,só de lá saindo para se lavar e ir às tais diversões e compras. O hóspede já andava muito desconfiado,por outras cenas,noutros palcos. Afinal,parecia não ter saído da sua terra.É que viera encontrar as mesmas quezílias.

ALGURES NESTE VALE - MÃO AMIGA

Ele estava decidido a não ficar de braços cruzados,à espera de que o fruto caísse de podre. Não, ele iria fazer tudo quanto estivesse ao seu alcance,e mesmo para além,se tal fosse necessário,no sentido de evitar que tão trágico acontecimento viesse a acontecer. Era este um gesto de invulgar dignidade,um estender de mão amiga,a quem,no entender de muitos,e,talvez,também no dele,o não merecia. Uma grande e de todo inesperada alegria,atendendo aos maldosos procederes correntes,espalhara-se pela Terra inteira,dada a estatura da personalidade que a tal se dispusera. Finalment,e já não era sem tempo,que muito se tinha escoado para nunca mais,aparecera alguém a apontar o reto caminho. De tricas,de chicanas,de malquerenças,de maus olhado,estava,de facto,o vasto mundo cheio. Era absolutamente necessário,era vital que se pusesse um ponto final a tanta endémica tristeza. E, porventura,um dia,em retribuição justíssima,um outro alguém lhe havia de estender, desinteressadamente,a mão,uma mão amiga,de modo a impedir que ele apodrecesse.

domingo, 27 de maio de 2018

ALGURES NESTE VALE- ESCUSADAS

O velho não pode sair à rua,que é logo assaltado. Calhou,naquela altura,ser uma moça,aí de uns vinte anos,com cara de fome e de voz de um outro mundo,de um mundo vazio. Precisava de um euro e meio,para tomar o comboio. Veja lá se tem aí. Já teria tentado,que a avenida era comprida,mas ,naquela escaldante noite, o movimento era do lá vai um. Vamos lá ver se tenho aqui o que quer. É um euro e meio? Sim,é um euro e meio. Veja lá. O velho já não via lá muito bem e levou tempo a procurar. Ela esperava,submissa,com todo o tempo do mundo. O velho lá deu com as moedas,depois de muito rebuscar. Ela aceitou-as,sem uma palavra. Também eram escusadas.

ALGURES NESTE VALE - SEUS VIZINHOS

Aquilo não fora um mero elogio,mas apenas um simples comentário. Um comentário do velho professor. Mas tão contente que ele ficara. Estivera para ali a dizer umas coisas,uma boa meia hora,coisas do seu trabalho de meses. A função acabara e o velho professor,já a sala se tinha despejado,veio ter com ele. Sabe,eu não percebi nada do que esteve para aí a expor. É uma matéria fora dos meus interesses. Mas uma coisa lhe posso afirmar. Você gosta do que faz. Vê-se,à légua. Valeu isto mais do que meia dúzia de palavras de conveniência. O velho professor. A vida não lhe correra nada bem. E ali estava ele a ganhar para as sopas,que elas não caem do céu.As voltas que o mundo dá. Um amigo dera-lhe a mão. A sensibilidade daquela alma. Vivia numa zona da cidade com muitas árvores e muitos pássaros. Pois levantava-se muito cedo para os ver partir para a sua faina. E ia para casa a correr,para assistir ao seu regresso. E contava isto como se os pássaros fossem da sua família. Eram,pelo menos,seus vizinhos.

ALGURES NESTE VALE - QUE BOM

Era de prever,tantos eram os indícios. Ali estava o vilão,de corpo inteiro. Deixara de ser servo,lá no seu entender. O velho passara-lhe a pasta. Também não havia outro na escala,pois eram só os dois. Agora,era ele o patrão. Tinham sido muitos os anos lá por baixo,no seu entender,que o velho não havia meio de encostar. Mas lá nos subterrâneos fermentavam vinganças. Havia de chegar a sua hora. O velho era da escola antiga,da escola romântica. Sempre cheio de atenções,de salamaleques. Ia tudo levar uma grande volta,oh se ía. Quais cerimónias,qual carapuça. E quem não estiver satisfeito,vá bater a outra porta. É o que não falta para aí. Engrossou a voz,até parece que cresceu,que ele saíra para o baixote. Daqui em diante,só atendo quem eu quiser. Desligo o telefone e quem quiser passe por cá. A tabela, já a alterei. Eram preços ridículos. Para mim e para o gato há-de chegar. Nunca fui dessas coisas da família,dessas pieguices. Basta-me um serviço ou dois. Estaria para breve o dia em que se passaria, com armas e bagagens, lá para a loja. Um canto chegava-lhe,para ele e para o bichano. E então,sim,ali por trás do seu balcão,é que era saborear as delícias de ser ele o dono de tudo aquilo,de ser ele o patrão. Patrão e servo. Patrão de si mesmo. Que bom.

sábado, 26 de maio de 2018

ALGURES NESTE VALE - DOIS CHOCHOS

Vejam lá vocês o que me havia de acontecer,desabafara a velhota na última vez que ali estivera. O meu marido está com diabetes e aqui a velha é que o tem de aturar. Já não sei o que mais lhe hei-de fazer. E quase chorava. Metia dó. Tornou-se muito exigente na comida e ficou muito piegas. Não me sai agora de casa,sempre a pedir isto e mais aquilo. Ele,que, dantes,mal tomava o café,ala,que se faz tarde. Na maior parte dos dias,só me chegava à noite,para as sopas e para se deitar. Andava por lá,entretido com os amigos,era o que ele me dizia. Pois agora,passa os dias a lastimar-se e a moer-me o juízo. Já não sei o que mais lhe hei-de fazer. Mas naquele dia,estava ali muito mudada. Toda ela eram risos,tendo ganho,até,cores. É que um velho,que ela nunca tinha visto,tivera a gentileza de a ajudar,levando-lhe parte das compras. Não esperava um coisa daquelas. Isto só lhe acontecera quando era nova. Parecia ter remoçado. De tão gratificada ficou,que deu ao velho dois chochos bem repuxados. Veja lá,dissera-lhe uma vizinha,a rir. Olhe que o seu marido,se vier a saber,pode não gostar. E a mim que me há-de importar? Estou aqui tão consolada. Coitada da velhota,que se consolava com tão pouco.

ALGURES NESTE VALE- OUSADIA

Ouvia-se-lhe a voz,mas não se conseguia vê-lo. Ainda se tentou encontrá-lo,para uma justificação,mas escondia-se. Coisas de rapazes. Do ladrão,ladrão,é que ele não desistia. Tudo isto,porque se lhe invadira os domínios e houvera a ousadia de pôr num saco meia dúzia de quilos da sua terra,muito negra e muito encharcada. O milho,já alto,era capaz de se afogar. Aconteceu isto nas imediações de Póvoa do Lanhoso,há uns largos anos. Sabia-se que fora por ali que eclodira uma "confusa rebelião popular usualmente conhecida de revolução de Maria da Fonte". Dera-se ela em tempos muito recuados,mas aquele moço podia ser descendente de um revolucionário. Era capaz de ir tocar a rebate. O mais acertado era sair dali,para pôr a recato o precioso saco e sabe-se lá mais o quê. Noutros locais,já os tinham olhado com olhos desconfiados. Que andarão estes por aqui a fazer? Boa coisa não será. Se o moço tivesse visto o jipe,um tanto afastado,o que é que ele iria pensar? Querem ver que me vão levar a terra toda. Então é que iria mesmo pedir socorro.

ALGURES NESTE VALE - A SUA RIQUEZA

Não teria casa e andaria com todos os seus teres,acondicionados em dois carrinhos de compras,por essas ruas e demais espaços públicos. Naquela manhã,coubera a vez a um parque,onde nunca teria vindo. Talvez por não ser plano e ele estivesse ainda em jejum,a sua cara era de grande esforço,como a de um condenado às galés. É que viera até ao seu topo. Mas estaria determinado e não houve canto que ele não esquadrinhasse. Onde mais se demorou foi em frente de um prédio de muitos andares,prestes a serem habitados,e de uma cruz metálica,a assinalar o local de uma futura igreja. Compreende-se que assim fosse. Não viveria nada mal num daqueles andares,com lindas vistas. Para isso,seria necessário um milagre,que ele estaria implorando em frente da cruz,benzendo-se demoradamente. À saída,esperava-o uma calçada íngreme. E lá a teve de trepar,vergado ao peso dos carrinhos com a sua riqueza.

sexta-feira, 25 de maio de 2018

ALGURES NESTE VALE - CHEIO DE SORTE

Parecia que aqueles domínios eram do moço. E assim,logo que ficava livre,cumpridas algumas formalidades,lá ia ele,feito capataz,revistar todos os cantos. Era isso um claro sinal da estreiteza do seu viver,de horizontes acanhados. Diante daquela largueza,daquela riqueza,quase se julgava seu dono,ou fazendo parte da sociedade que a explorava. Não havia buraco,pode dizer-se,que ele não esquadrinhasse meticulosamente. Mas, sem dúvida,era a horta,aquela grande e verdadeira horta,que mais o prendia,talvez por haver nela com que confeccionar muitas refeições. Conhecia de cor todos os seus componentes,as noras,os tanques,as caleiras,os talhões,as árvores. Após um reconhecimento,como que a ver se estava tudo no seu sítio,escolhia uma sombra para uma observação envolvente,de senhorio total. Preferia um dos extremos,onde famílias de melros se recolhiam. Julgava-se no paraíso. Por tudo isso,e ainda mais uns acrescentos,que não se podiam deitar fora,ficava consolado por uns tempos. Sabia,de antemão,que ao fim deles era lhe permitido repetir a dose. Sempre era uma compensação de vulto,coisa que muitos não teriam. Era,afinal,um moço cheio de sorte.

ALGURES NESTE VALE - VERDES ANOS

A força daquele quadro. Uma mãe,muito jovem e muito magra,dava sinais de que estaria para muito breve mais um rebento. Um tanto inclinada,aconchegava no regaço o do meio,enquanto arrastava o mais velhinho com a mão livre. Desajeitadamente,mostrou um saco de plástico,suspenso do braço que protegia o bebé,à menina da caixa do supermercado. Não poderiam ser compras por aí além,pois não se via ajuda. O marido andaria mourejando,provavelmente a pensar na mulher e nos filhos,que deixara sozinhos. A cara era de resignação. Já se teria enchido dela,para melhor poder suportar a vida que lhe coubera. A coragem e a esperança não a teriam,também, ainda abandonado. Os seus verdes anos seriam garantia de algumas reservas de ambas. Com elas e a resignação,e com os filhos,lá se diluiu na multidão que enchia o vasto espaço comercial.

ALGURES NESTE VALE - FORTE EXEMPLO

Uma alta chaminé fumegante irrompia do aglomerado de casas. Ali perto,alguém procurava,providencialmente,minorar os estragos causados por tal intruso. Nada mais nada menos do que uma árvore centenária,de tronco e de braços atléticos. Não se notava,mas da enorme massa das suas folhas escapavam-se correntes de antídoto do veneno que o monstro maleficamente expelia. Enquanto ela ali permanecesse, o mau não levaria a melhor. Mas não se ficavam por aqui os méritos daquela nobre figura velhinha. Havia também a sua vasta sombra. Outra tão fresca e tão cerrada não existia por muitos quilómetros em redor. Não seria só por isto,o que já significava muito,que os velhos de um asilo vizinho a elegiam. É que ela era um forte exemplo para eles e uma companhia compreensiva. Resistira contra tudo e contra todos,e ali estava como sempre o fora,com promessas de continuar por muitos anos mais. Seria uma grande desgraça se assim não acontecesse. Quem depois iria substituí-la nos seus múltiplos papéis benfazejos? O tempo que levariam a crescer,tentando,em vão,imitá-la. Atinadamente têm procedido as sucessivas edilidades,poupando-a e conservando-a . Até já a condecoraram.

quinta-feira, 24 de maio de 2018

ALGURES NESTE VALE - EGOÍSMOS

Ah, estes julgamentos apressados,levianos. Quantas vezes, muito diferente a realidade é. Um nunca acabar de enganos. Ele não era muito velho,mas mostrava um ar acabado. Viam-no sair de casa,às vezes,um tanto cedo. Sempre sozinho,do olhos no chão. Iria dar a sua volta higiénica,distrair-se. Em tempos,acontecera ter com ele uma conversa curta,que sugeria ter-lhe sucedido coisa desagradável lá no seu escritório. Sempre triste,andaria curtindo mágoas. E um dia,calhou, mais uma vez,um encontro. Então,vai dar o seu passeio? Antes fosse. Alguma coisa de grave? Comigo,não. É que eu visito, todas as manhãs, uma velhinha que não pode sair de casa. Não é bem uma visita. Presto-lhe assistência. Coitada dela,para ali sozinha,sem ter quem a ajude. Olhe,é o meu entretém. Vou até lá e sempre lhe torno a vida um pouco mais leve. E esta? Quem diria? E a julgar-se que ele ia ver as vistas,estar com um ou outro amigo, num café,ler o jornal,muito provavelmente,desportivo. E afinal,o senhor ia prestar assistência a uma velhinha que não lhe era nada,apenas um antigo conhecimento. Quem é que iria supor,neste tempo de egoísmos?

ALGURES NESTE VALE - O SEGREDO

Era uma velhinha toda vestida de negro,cor que não largara desde a morte do marido. Servira devotamente naquela igreja anos a fio. Os anos não perdoam e tiveram de arranjar quem a substituísse. As voltas que naquela tarde ela deu em torno do túmulo do padroeiro. Tinha feito isso vezes sem conta. Mas parecia ser aquela a primeira vez. Aquilo devia ser a continuação de uma conversa que interrompera no dia anterior. Fora ela que cuidara da higiene do santo durante anos,mas de uma maneira de que só ela tinha o segredo. Talvez ouvisse queixas. A sua sucessora não trataria bem dele. Mas ela estava ainda ali para durar. Podia o santo estar descansado,que ela colmataria as faltas. Não fora em vão que cuidara dele aquele tempo todo. Em troca,o santo dera-lhe sempre excelente saúde,de tal modo que nunca precisara de médico. A filha bem insistia com ela,mas recebia sempre a mesma resposta. Estou todos os dias com o meu médico,não preciso de outro.Naquela tarde,dera a visita por terminada. Fez as despedidas como devia ser e lá abalou,sobraçando um enorme chapéu de sol,próprio para aqueles dias de verão tórrido.

ALGURS NESTE VALE - TIMONEIRA DE ELEVADOR

Vou ver se arranjo as coisas de maneira a poder estar mais vezes contigo. Isto dizia,de forma assaz indiscreta,um conquistador já muito experimentado. Ela acabara de se render,uma moça que podia ser sua filha. Era a timoneira do elevador,naquela altura à espera de nova viagem. O tempo de descanso parecia eternizar-se,acentuando o desconforto de uma estrangeira velhinha. Que desaforo,queriam dizer os seus cansados olhos. Temeria também pela sua segurança. Sim,que a donzela,transtornada pelo namoro em serviço,era capaz de não dar conta do recado,provocando algum desastre. Assim não aconteceu,de facto,que o diabo nem sempre faz das suas. A senhora é que teria suspirado de alívio quando se viu a salvo e jurado que não a veriam por ali outra vez. Que país este. Para assistir a uma coisa destas,não valeria a pena a deslocação. Tê-las-ia também lá no seu. Afinal,tudo estava cada vez mais igual.

quarta-feira, 23 de maio de 2018

ALGURES NESTE VALE - NÃO TRAZIA ROL

Às vezes,dá para pensar em alguém que deixara de aparecer a animar as ruas. Se calhar,já marchara. Mas um dia,lá se vê de novo. Afinal,ainda por cá andava,cumprindo-se. Mas chegará outro dia,o dia de não mais se ver. Partira para longínquas paragens,donde não mais se volta. Foi o caso de um velhinho que dava gosto ver,no seu andar lesto,parecendo voar,que lá em casa ficara a companheira de uma vida longa.Não tinha telemóvel,mas tinha o telefone da casa onde entrara. E era vê-lo a avisá-la que não tardaria,que ela tivesse mais um bocadinho de paciência. A memória já não seria por aí além,que o tempo não perdoava,e não trazia rol,pelo que,a cada passo,lá abria os sacos,na tentativa de descobrir as faltas.

ALGURES NESTE VALE - O BURRO NÃO SABIA

Vivia em permanente desassossego aquela mãe. Bem gostava ela de ficar em casa,por índole e por ser fraquinha. Mas não podia ser. Como muitas,por esse mundo além,teve de arranjar um emprego e alguém que a ajudasse nos afazeres domésticos. O emprego era estável,ao contrário das auxiliares. De quando em quando,lá lhe fugiam. Nestes transes,tinha de pôr pernas aos caminhos,acompanhada da prole. Um dia,depois de várias tentativas frustradas,entrou num incontido desespero. O filho mais velhinho deu conta e quis colaborar. Passavam num descampado,à vista de um burro,que,pacientemente,tasquinhava erva rala. Olhe mãe,está ali um burro. Pode ser que ele saiba de alguma empregada.Vamos parar e perguntar-lhe. O burro não sabia,mas sabia o seu dono.

ALGURES NESTE VALE - CARAPAU DE GATO

Eram mãe e filho,um filho já homem,mas a precisar de amparo,como se fosse ainda uma criança. Ela estava mais acabada,mais achacada,mais trôpega. Tinha de se sentar,ali,acolá,onde calhava,a recobrar forças. Aquela manhã era uma manhã especial,uma manhã de compras. Entraram os dois,mas foi só ela a abastecer-se. Ele pouco se demorou. Preferiu ficar lá fora,à espera do seu anjo da guarda. Ela trazia muito pouco. O que mais se notava era um peixinho,ligeiramente maior do que um carapau de gato,quando o havia. Estava aquilo a pedir um milagre,mas quem seria capaz de o fazer,num tempo a eles tão avesso? Um milagre a seguir a outro,o daquele peixinho,quando vivo,a circular com mestria no seu meio. Mas,no que a ele dizia respeito,por ali se ficou.

terça-feira, 22 de maio de 2018

ALGURES NESTE VALE - DE SACHOLAS NAS MÃOS

Então,vêm lá de Lisboa? Para eles,simples como eram,Lisboa devia ser lá para o cabo do mundo. Sim,viemos lá de muito perto. Então são capazes de ter visto por lá o nosso filho,o nosso único filho,que tanta falta nos faz,mas a tropa levou-o já há uns meses. Ainda tentámos que ele cá ficasse,mas foi o mesmo que nada. Deviam precisar muito lá dele,para assim nos deixar para aqui desamparados.Ali se encontravam aqueles dois,de sacholas nas mãos, a cuidar dos seu batatal,já em flor. Ainda não eram muito velhos,mas aquela dura vida gastara-os,antes do tempo. O jeito que ele nos fazia se cá estivesse. Tenham mais um bocado de paciência,que o tempo passa depressa,e qualquer dia têm-no de volta. Deus o oiça,que fosse já amanhã,para podermos descansar mais um pouco,que há por aqui muito que fazer. Não temos só este pedacito,que o meu pai me deixou. Temos mais alguns,assim maneirinhos,mas é do que há por aqui,já devem ter reparado. Uns quintais ,a bem dizer,mas que nos dão muitas canseiras. Mas é a vida,o que se há-de fazer? Que o nosso rapaz venha depressa.

ALGURES NESTE VALE - O SEU PERIQUITO

Tão feliz que a senhora estava. Não fora uma moeda que ela tinha perdido e que acabara por encontrar,mas muito mais,fora o seu periquito,o seu único companheiro de há longos quatorze anos que voltara para a gaiola. Julgara-o perdido para sempre. A porta da prisão abrira-se e o periquito aproveitara para ir dar uma volta de quase um dia. Tão ralada que ela ficara. Por onde andaria o seu amigo,com quem ela conversava tanto? As voltas que ela dera à casa. Não escapou um canto. Espreitou por debaixo da cama mais de uma vez,revolveu os armários,e o seu periquito não dava sinal de si. Desceu e subiu a escada de serviço do prédio,e foi o mesmo que nada. Nem sombras do periquito. Bateu à porta dos vizinhos em vão. Afinal,o seu periquito não tinha saído da casa. Fora dar com ele debaixo da mesa da cozinha. Tão feliz que ela estava,até pareceu ter remoçado. O que seria dela sem o seu companheiro e amigo de tantos anos? Mais valeria a morte.

ALGURES NESTE VALE - FLOR NA LAPELA

Dois amigos encontraram-se, num encontro aí de uma meia hora, pois tinham alguma coisa para contar, já que se não viam há uns bons tempos. Estavam razoavelmente bem de saúde, graves problemas não os apoquentava, pelo que falaram de coisas sem importância de maior,de coisas triviais. Um falou do tempo, do que acabara de ler,ou de ouvir,coisas por assim dizer do lado de fora. O outro,não,falou de coisas bem lá de dentro,de dentro dele,pois então, que doutras não cuidava. Falou de si,mas dum si longínquo,dum si que ele não havia meio de esquecer,dum si vitorioso. Não calculas,aquilo foi um achado,e ainda estou para saber como tal coisa me aconteceu,mas ainda bem que aconteceu comigo,que com outro não tinha graça nenhuma. Era uma história já conhecida do outro,e de outros mais,também,certamente,que ele não podia deixar de contar,que era assim que ele se sentia feliz,uma felicidade só lá muito lá dele,os outros que a procurassem,talvez viessem a dar com ela. Enfim,assim ele vivia,nada o apoquentando, embalado por um si vitorioso,que o revestia,um si feliz,que ele bem mostrava na sua carita rosada,nos seus olhinhos muito vivos,num sorriso permanente,como uma flor na lapela.

segunda-feira, 21 de maio de 2018

ALGURES NESTE VALE - NO SEU CANTINHO

Não sabia para onde havia de ir,o que o trazia muito ralado. É que estar muito tempo no mesmo cantinho não deve fazer bem à saúde. Já andara por vários cantos,mas não fora feliz. Eram todos de fugir,e quanto mais depressa ,melhor,que os males pegavam-se. Para aqueles males não havia ainda vacinas eficazes,constando, até ,que seria muito difícil inventá-las. E assim,apsar da ralação quanto à saúde,lá continuava no seu cantinho. Mas,de vez em quando,ainda que o não desejasse,dava-se com ele a lembrar um ou outro canto por onde andara. E a lembrar-se,também,dos motivos que o levaram a deles debandar. Desses cantos,havia meia dúzia que nunca mais esqueceria,pois tinham deixado marcas para ficar. Um,era uma caixinha de surpresas,em particular nas veredas nobres. Eram alçapões por todo o lado,pelo que os olhos deviam ir bem abertos. Pode dizer-se que esse tinha um gémeo. Não lhe ficava atrás. Ao virar de cada esquina,lá se abria um buraco. Não se sabe como não fora parar ao hospital. Mas havia outro que pedia meças a estes dois. É que as armadilhas não tinham aspecto disso,estavam bem disfarçadas. De uma não se livrara e tivera de baixar à enfermaria. Um outro ,ainda, batia-os a todos. Era um campeão. Ria-se dos hospitais e das enfermarias. Isso eram cuidados a mais e uma sangria de dinheiro. Se não tivesse saído de lá a correr ,só o teriam encontrado na vala comum. Os dois restantes eram muito parecidos. As ruas eram frequentadas por gente estranha,de difícil classificação. Talvez fossem parentes de fantasmas. Como quer que fosse,aquilo era gente que metia medo. Sendo assim,não tendo exagerado ou fantasiado,o que muitas vezes sucede,por variadíssimas razões,o homem parecia ter razão. O melhor fora mesmo ficar lá no seu cantinho. Não estaria livre,porém,de alçapões,buracos,valas comuns,fantasmas,porque nunca se sabe para o que se está guardado.

ALGURES NESTE VALE - NAQUELE SILÊNCIO

Fora um encontro inesperado. Uma porta estava aberta e lá dentro um velho trabalhava. Os seus ollhos podiam avistar dali meio mundo. Pois desse vasto mundo, era ele o último na sua arte. A forja crepitava e lá fora uma roda esperava. Aro que ele ajustasse era aro para sempre. As encomendas não choviam,naquela altura,como era de imaginar,mas isso pouco lhe importaria. Naquela atalaia,naquele ermo,tinha o universo a seus pés. Ninguém o incomodava e ele retribuía de igual modo. Não parecia que os anos lhe pesassem. Talvez tivesse desejado acabar assim. Um dia,naquela rarefacção,naquele silêncio,iria por esses ares além,certamente,feliz ,por ter sido o que mais resistira.

ALGURES NESTE VALE - UM REGALO

Era como que um outro "monte" aquele maneirinho cemitério,ali perdido no meio de montados e mais montados. Também tinha merecido cara lavada. Parecia,até, que a cal,azul e branca,fora lá posta de véspera. Assim se pintavam todos os "montes" ali em redor. E também estava lá num alto,mais próximo do céu,que ele ali representava. Mas era mais feliz que os "montes" seus vizinhos,pelo menos naquela tarde de abrasar. É que lhe batia uma aragem leve,fresquinha,vinda de um tapete de água,que ali perto se estendia,quase à sua medida,de maneirinho que também era. Muito raramente as suas portas se abririam. Por isso,como que para ali estava abandonado. Naquela altura,podia dizer-se,apenas as cigarras,formigas e outros que tais,tirando um ou outro nómada,lhe faziam companhia. Viveria conformado o maneirinho cemitério. Não se esqueciam dele,pois,de vez em a quando,lá o vinham tratar,cuidando da sua roupa. Depois,tinha ali aquele tapete,quase a molhar-lhe os pés,um regalo em dias de sol de torrar,como naquela tarde.

domingo, 20 de maio de 2018

ALGURES NESTE VALE - A VISITA

Fora visitá-la. Era uma senhora já de muita idade,acamada há largos meses. Devia-lhe muito,uma dívida muito antiga. Tinha sido,pode dizer-se,uma sua segunda mãe. Mas isso já lá ia há um ror de tempo,talvez ela nem já se lembrasse. Mas mesmo assim,nunca ele se tinha esquecido. Há coisas que nunca esquecem,ou não deviam ser esquecidas. O que é que lhe havia de dizer? Não queria que aquele encontro,que podia ser o último,estivesse povoado de tristezas. Recordar-lhe momentos de festa que ela proporcionara seria uma boa saída. E foi o que fez. Via-se que ela ficara um tanto admirada. Não esperaria. Mas bem depresssa aceitou,com satisfação,aquela franqueza,aquela fraqueza,colaborando e recordando factos que se supunha estarem esquecidos. O prazer que aquilo lhe deu,até parece ter ganho novo alento. Estava ali um que lhe mostrava reconhecimento,ao contrário de outros,que fugiam de o manifestar. Com isto,ter-lhe-ia dado mais uma justificação para a sua longa vida,que não teria sido em vão. Prestes a encetar a tal viagem,estava ali aquele a lembrar-lhe que tinha sido amiga. Podia morrer descansada. Morreu,de facto,pouco depois. Parecia ter demorado,à espera daquela visita.

ALGURES NESTE VALE - À VONTADE

Um senhor muito sério,por razões da sua vida,tinha de ir passar uns largos meses em grande metrópole,de que nem um canto sequer conhecia. Ora,constava-lhe,que lá,nessa metrópole,a pouca vergonha era muita,e isso trazia-o assaz preocupado. Um amigo tranquilizou-o. Fica descansado,que eu sei de um pequeno hotel,mesmo à tua medida,onde te irás sentir como em tua casa. Instalou-se. O amigo parecia ter acertado. Ele estava a gostar das pessoas,do tratamento,de tudo. Era mesmo aquilo que ele sonhara. Uma noite,estava ele em conversa amena com a gerente,quando vê entrar,muito sorrateiramente,um vizinho de quarto,acompanhado de uma dama. Ia-lhe caindo a alma aos pés. A gerente reparou. Sabe,ele já cá está há muito,é como se fosse da família. E você,se também precisar de fazer o mesmo,como gostamos muito de si,esteja à vontade.

ALGURES NESTE VALE - VONTADE

O rapaz prometia,assim lhes tinha dito o mestre-escola lá da aldeia. O que é que os pais haviam de fazer? Pois se o filho podia vir a ser mais do que eles ,então era pôr mãos à obra. O comboio passava-lhe mesmo ali ao pé da porta. Era só levantar de madrugada e ir apanhá-lo. Muita gente acordava com as estrelas para ir para as fazendas ou para as fábricas. Ele ia para o liceu. Sempre parecia ser melhor. A viagem era de graça por o pai trabalhar na Companhia. O almoço e a merenda iam na cesta. Apenas ele tinha de estudar. E aqui residia a dificuldade. Cada professor supunha ser a sua disciplina a mais importante,pelo que a matéria a decorar ou a compreeeder formava uma montanha, As viagens eram também longas e barulhentas. Chegava a dormir ns aulas,coitado. Mas a vontade era muita. As notas nunca andaram lá muito por cima,mas chegaram para não ficar para trás. Se tivesse tido vida folgada,outro galo teria cantado. Mas não foi caso único naquela altura. Os irmãos trabalhavam no campo,à jorna. Parecia ser este igualmente o seu destino. Estava escrito,porém,que não seria assim. Alguém resolveu investir nele,tinha o moço já quinze anos. Isso não o perturbou. Em três anos fez os sete da conta. Também lhe vinha de casa o farnel,que ele ia buscar todos os sábados a um sítio certo. Muito custa a vida para alguns,sobretudo quando se metem em cavalarias altas.

sábado, 19 de maio de 2018

ALGURES NESTE VALE - NATUREZA SELVAGEM

Porque ficara impressionado o homem com aqueles registos? Talvez tivesse sido a sucessão de montes pintados de cores violáceas. Mas também o lajedo rochoso,o verde dos prados,o mato florido,a promessa de silêncio. E algumas vezes as gentes. Rudes,talhadas a machado,como o passador.Era este a imagem de um sobrevivente de muitas calamidades e contratempos. Porventura, o modelo de todos os que conseguem,apsar de tantos reveses,ficar à tona. Parece,por vezes,ir submergir para sempre. Mas com um golpe de rins,um salto mais atrevido,uma marcha mais veloz,lá surge ele com maior determinação para viver.Era uma irradiação da natureza selvagem que o rodeava,de onde ele brotara,como que espontaneamente. Muito aprendera com ela. Vira nascer e morrer. Vira armadilhas e cercos. E vira que nem todos se deixaram prender. Certas vezes,fora a sorte que o lograra,outras,a vontade de continuar,de teimar,como ele.Como que fora levado a isso. Aquela beleza rude,dominante,quer ser vista,apreciada,gozada. E só aceita gente forte,corajosa,destemida

ALGURES NESTE VALE- VALOR ACRESCENTADO

Ali não tinha chegado a guerra,mas da guerra não se livraram de todo. A comida minguara. E,assim,nasceram as senhas de racionamento. Quem se habituara a papar o que tinha na vontade,as senhas eram de menos. Para aqueles que sempre tinham apertado o cinto,as senhas eram de mais. E estes,alguns pelo menos,vá de as vender com valor acrescentado. Abrira-se a estes uma novidade. É que nunca lhes teria passado pela cabeça virem,um dia,a ser negociantes. Havia,porém,uma outra forma de abastecimento,reservada só a amigos dos produtores. É que estes não vendiam tudo,ficando com as suas reservas. Era,no entanto,uma saída de alto risco,pois a fiscalização não brincava em serviço. E assim,só os muito habilidosos conseguiam escapar à sua apertada malha. Aos outros,retilham-lhes,pelo menos,as mercadorias. Mas não passava tudo isto de uma questão de comida,que se podia remediar,melhor ou pior. Não uma questão de vida,que essa,uma vez perdida,é sem remédio.

ALGURES NESTE VALE - CANTO DESOLADO

Aquilo não era um deserto ,mas para lá caminhava. Não se via um riacho e muito menos um rio. As colinas sucediam-se,revestidas de vegetação rasteira e seca. Rocha granítica aflorava por toda a parte. Os carneiros que ali e acolá pastavam mostravam-se tristes por tão grande desolação. Assim andariam animais e gentes naqueles recuados tempos de aventuras sem conta. A fome seria sua companheira fiel ,irmanando-os. Lá ao longe,via-se um povoação,parda como tudo o resto. Apenas uma ou outra torre a denunciava. Lá dentro,em larga praça,dominava a estátua,em bronze,de um cavaleiro na sua montada. Fora assim,do alto do seu poder,que ele conquistara terras longínquas. Onde teria ele ido buscar tamanha energia? Ali perdido,naquele canto desolado do mundo,como lhe teria brotado aquela vontade forte que tanto obstáculo tivera de vencer? A magreza dos proventos seus ter-lhe ia dado a resistência das pedras que atapetavam o chão que magramente o sustentara. Teria sido ele quase uma pedra,volumosa como algumas à vista,que,rolando,esmagara,na sua passagem,tudo quanto lhe aparecera pela frente.

sexta-feira, 18 de maio de 2018

ALGURES NESTE VALE - FESTIVAIS

Os festivais iam recomeçar. O local é,sem dúvida,atraente,pois um rio,com azenhas e praias,corre perto. Em vasto terreiro,levantara-se um enorme palco. A coisa prometia,como já acontecera. Uma velhota ia a passar. Então,o que nos diz dos ajuntamentos que aqui se têm dado? Não me fale nisso,desabafou ela,toda escandalizada. É uma pouca vergonha. Estão a ver ali aqueles milharais? Pois dormiam por lá. Foi uma estragação. Não os queremos cá mais. Uma mulher nova,com o filhito ao colo,era da mesma opinião.Não sei quem é que os autorizou. Coisas de gente que não é de cá e que se põe para aí a mandar que é um desatino. Não consultam o povo e depois têm-no à perna. Mas a terra ficou mais conhecida,muitas pessoas falam agora dela,o que não sucedia antes. Que nos importa a nós isso? Melhor seria que não fosse assim. E conhecida porquê? Por aqueles atrevimentos? Pois dispensamo-los. Isto é terra de gente simples e séria. Perguntem aí se gostariam de vê-los cá de novo. Tenho a certeza de que muito poucos concordariam. Se não podem passar sem eles,que os façam lá nas suas terras. Se para aí vierem outra vez,contrariando a vontade da maioria,é capaz de haver sarrabulho. Tão certo como eu me chamar Joaquina. Eu sei de uns tantos que estão muito dispostos a isso. O povo,quando lhe chega a mostarda ao nariz,pode ir às do cabo. Eu cá avisava-os. O melhor é esquecerem-se de uma vez .

ALGURES NESTE VALE- QUE SAUDADES

Pois ela tinha muito para contar. Durante anos,acreditara no destino,que fora assim que a sua mãe lhe ensinara. Mas,depois de muito pensar,chegara à conclusão de que não devia ser bem assim. Ainda que houvesse uma certa sina,com força de vontade tudo se podia alterar. E o caso dela era bem uma prova disso. Divorciara-se e estivera para morrer,ou melhor,entrara em forte depressão. Mas, com muito querer ,vencera-a. Naquela altura,sentia-se dona de si. Havia,porém,algumas didiculdades. Não tinha emprego e ficara com uma filha. O pai atrasava-se ,às vezes ,com a prestação. Estava ali a ver se ele já fizera o depósito em falta,que bem precisada se encontrava. A filha andava com muitas exigências. O que lhe valia era a mãe,coitada,que vivia de uma boa pensão. Passava a maior parte do tempo com ela,embora tivesse a sua casinha. Estava também atravessando um mau bocado. O prédio ia ser demolido e queriam pô-la num quarto com uma vizinha ou então davam-lhe dinheiro. Não sabia o que fazer.Vinha mesmo a calhar o fim do mundo. Aproximava-se o ano dois mil. Uma vizinha,muito crente, afiançara-lhe que o fim chegaria por fases. Por onde iria começar era a sua grande preocupação. Tudo isto a fizera desinteressar de muitas coisas,como de eleições. Nunca votara. Eram todos os mesmos. Só votaria num que a empregasse. Dantes não havia nada disto. Que saudades. Ela estava ainda nova e podia ser que as viesse a matar.

ALGURES NESTE VALE - VIRAGEM HISTÓRICA

Não passavam aquelas rixas de umas brincadeiras. Pulavam,gritavam,gesticulavam,arreganhavam os dentes,arranhanhavam-se e pouco mais. Acabavam os contendores de ocasião por voltarem aos seus cantos,aos seus territórios,esfalfados,de cabeça baixa. Andavam por lá, mais uns tempos,a remoer. Para a próxima vez,a vitória estaria certa. A próxima vez chegava e a sensaboria repetia-se. Era uma grande e dupla tristeza,sem remédio à vista. Certo dia,um dia,aparentemente,como muitos outros do seu longo passado,aconteceu viragem histórica. Coisa do acaso,ou não,sabe-se lá. Andava ele,talvez um chefe,talvez um simples peão,por aqui,por ali,a fazer pela vida,no rasto de algum bichinho que lhe matasse a fome,quando dá com um monte de ossos de um pobre animal,que morrera de velho. Não seria aquilo novidade,mas ,desta vez,deu-lhe para tocar ali,tocar acolá,assim como a divertir-se. E de repente,pegou num fémur,ou numa tíbia,tanto faz,um osso comprido,enfim. Com ele na mão,talvez a direita,levantou o peludo braço,bem acima da sua cabeça desgrenhada. Assim esteve uns segundos,suspenso. Depois,como movido por uma ideia nova,descarregou-o,com força,no monte dos ossos. Estilhaços voaram à sua volta,como numa explosão. E uma nova ideia brotou. Parecia estar encontrado o remédio para aquela tristeza em que se andara envolvido tempos largos. No próximo recontro,o remédio foi usado. Que rico remédio. O inimigo,coitado dele,quase não deu luta. Fugiu,espavorido,mas disposto a desforra. Teria aprendido a lição. Para a vez seguinte se veria. Viria também brandindo ossos,ossos compridos,que era coisa que não faltaria por lá. Só que não lhes teria ocorrido usá-los. Não eram para ali uns atrasados empedernidos.

quinta-feira, 17 de maio de 2018

ALGURES NESTE VALE - ENCANTAMENTO

Estava um fim de tarde ameno de Setembro. Pequenos bandos de gaivotas dispersavam-se no areal extenso. Um ou outro casal de velhos passeava no empedrado fronteiro. O bulício de Agosto era já uma lembrança. Apetecia ficar ali,a sentir a aragem levemente fresca e a respirar o ar fortemente iodado. Ao longe,surge uma figura magra,sobraçando um livro,de mãos nos bolsos. Aproxima-se serenamente,pausadamente. No rosto,esboça-se um sorriso,talvez de encantamento. Era uma figura pública,simpática,respeitada. Dirige-se à esplanada. Senta-se e pousa o livro na mesa. Fica de perfil. Os seus olhos fitam-se no horizonte. Quase não se mexia. O livro jazia esquecido,na sua frente. Que pensamentos ocupariam aquela cabeça?,pródiga em opiniões,carregadas de saber,despidas de qualquer assomo de autoridade. Era aquele,afinal,o cenário que mais se quadrava com ele. A tranquilidade envolvente,o quase silêncio do céu e da terra,o esperguiçar manso das ondas,o azul em frente e acima. E ele ali sentado,sem dialogar,mas comunicando secretamente.

ALGURES NESTE VALE - VINTE E UM ANOS

A moça sorria,encantada com a sua juventude. Que idade tem ela? Vinte e um,respondeu a mãe. Quem nos dera a nós,considerou a outra. E o tom vinha carregado de tristeza. Ainda era solteira com esses anos,e o tom continuou igual,talvez até mais triste. Saudades? Arrependimento? A vida não lhe teria concretizado os sonhos. Os filhos,se calhar também os netos. Só canseiras. Se eu soubesse,quereriam transmitir os olhos magoados,a cara emagrecida,a cor pálida. Estaria convencida de que seria muito diferente? Igual,não desejaria,certamente,que fosse. Ilusões de quem não pára de sonhar. Mas o seu ar era de quem acabaria por trilhar as mesmas veredas, nem melhores,nem piores. As mesmas. Não havia para onde fugir. A casa lá está,e se for uma como deve ser andará com muita sorte. Os filhos aparecerão,com o cortejo obrigatório de gestos e passos de trabalho. As aflições com a saúde deles,o sustento,os estudos,de acordo com as posses,ou sabe-se lá mais de quê,permitirem. E depois,os namoros,as companhias,os empregos,talvez o casamento. Onde se há-de ir arranjar o dinheiro? Um bom padrinho e uma boa madrinha é que vinham mesmo a calhar. Sempre podiam acudir em alturas decisivas,no encarreirar,que isto está difícil. E a seguir,mais um neto,ou dois,ou mais,que nunca se sabe. Não sei para onde me hei-de voltar. Todos precisam de mim e eu que não posso. Ando para aqui cheinha de achaques e nem tempo tenho para ir ao médico. As horas que lá perderia e eu que não posso faltar aqui e ali,senão como é que eles se arranjariam? Não têm recursos para amas e muito menos para creches. Deus me vá dando saúde,para bem deles,que eu para mim já nada espero. O sorriso não abandonara a cara da moça. Tinha o futuro à sua frente e vê-lo-ia cor de rosa. Para quê pensar em precupações? Guardava-as para mais tarde. Quando viessem,logo se veria.

ALGURES NESTE VALE - QUE COISA BOA

Não cabia em si,de contente que estava. Via-se-lhe bem na cara,aberta num sorriso de deleite. Ser possuidora daquele brinquedo,ela que tão poucos,e muito modestos,teria tido quando era uma criança. Estar ali a andar e ao mesmo tempo poder conversar com este e com aquele. Parecia estar a chupar um caramelo gostoso,enquanto se ia dirigindo, pausadamente, para o trabalho. Que coisa boa,que coisa boa,não se cansava ela de repetir. Nunca teria imaginado que,um dia,isso pudesse acontecer. Ali,em plena rua,chegavam-lhe notícias lá da sua terra distante. Que coisa boa. Era caso para agradecer,não era? Concerteza,mas a quem? Não me pode dizer? Se morasse aqui perto,não me importava de lhe ir lá bater à porta. Estar aqui a ouvir a minha gente. Que coisa boa. Nunca pensara nisso do agradecimento. Comprara aquele lindo brinquedo e,pronto,estava o assunto arrumado. Tinha mais em que pensar,ora se tinha. Mas uma vez que alguém o lembrara,achava isso mais do que justo. Já se distanciara e ainda se podia ouvi-la. Que coisa boa,que coisa boa.

quarta-feira, 16 de maio de 2018

ALGURES NESTE VALE - A VASSOURA

Coitadas daquelas oliveiras. Metiam dó,de tristes que ficavam. Parecia vê-las chorar,que aquilo não era fruto a cair,mas lágrimas que elas soltavam. E desfaziam-se elas,teimosamente,em tanta promessa. Mas uma doença maldita não as largava. Ainda esperaram que lhes acudissem,mas muito se enganaram. Para ali têm estado,pois, entregues à sua sorte,anos e anos. E o resultado de tanta comida e de tanta bebida,que o chão é úbere e a água abunda,é sempre o mesmo. Depois,os odores à sua volta,na fase terminal,são de fugir. Nem os pássaros,nem as formigas se atrevem a andar por ali. Uma desolação. De vez em quando,vem a vassoura e é o lixo o destino de toda aquela azáfama,que aquelas flores e aqueles frutos representam muito trabalho,que não se viu,mas que foi feito,disso não se pode duvidar. Razão forte têm aquelas oliveiras,portanto,para chorar. Mereciam melhor sorte,elas que são o símbolo de coisa muito séria.

ALGURES NESTE VALE - COMER E CHORAR POR MAIS

O que por ali havia ,de confortar os olhos e a alma. Parque frondoso,recantos misteriosos,a portentosa catedral,igrejas várias,ruas de remota traça,largos,onde, à noite,o silêncio falava. Pois nada disto o atraíra. Não fora para isto que ele pusera as já cansadas pernas ao caminho. Seria muito melhor ter ficado lá em casa,a ver televisão,sobretudo,os jogos de futebol,e,claro,as telenovelas dos seus encantos. Queria ele lá saber de coisas que não entravam nas conversas com os amigos? E,além disso,coisas velhas,a cheirar a mofo.E apontava. Não vê ali aquele tapete de musgo? O que o movera,o que o fazia andar alvoroçado,logo que chegara,quase não sabendo para onde se voltar,fora, simplesmente,a comidinha. Por uma questão de delicadeza tinha-se de o ouvir. Não calcula,aquilo é de comer e de chorar por mais. O que eu tenho perdido. Em cada refeição,uma surpresa. Depois,ele tinha feito uma prévia investigação,visto ser muito exigente. Não abancava em qualquer mesa. E ssim permaneceu,nunca se deixando levar por algumas lembranças. Os outros que se divertissem lá à sua maneira. Ele tinha a dele,o que muito o alegrava.

ALGURES NESTE VALE - FALTA ESSENCIAL

Morreu o burrinho do tio João. Uma morte rápida,em poucos dias,quase uma morte súbita. Deixou de comer,deixou de beber. E,depois,os olhos dele,de tristes,pareciam chorar. Mas afinal,que morte o levou, assim tão de repente? Morreu de saudades do tio João. Lá deve ter pensado que o tio João se desgostara dele,que o abandonara,pois deixara de lhe aparecer. Ele que se mostrara sempre tão seu amigo,de tal maneira que durante muitos anos não se largaram. Ele trasportava o tio João às courelas,ele ajudava-o a cultivá-las. O tio João não o abandonara,só que se esqueceram de o informar. Adoecera, repentinamente, de doença ruim, e tivera de ir para o hospital. Aqui esteve uns dias,indo,depois,para uma casa amiga,onde passará,talvez,o resto dos seus dias. O burrinho não ficou desamparado. Tratavam dele,como se fosse o tio João. Por esse lado, não tinha de se queixar. Só que não era o tio João,como ele estava acostumado. Só que deixara de o ver,de estar com ele. E isso fazer-lhe-ia muita falta,uma falta essencial. E porque era assim,seria melhor partir. E foi o que aconteceu.

sábado, 12 de maio de 2018

MICHIGAN STATE UNIVERSITY Turfgrass Comparacao de vavios indices de potassio do solo com o potassio extraido pelo azevem-perene em vasos (Comparison of several soil potassium indices with potassium uptake by perennial ryegrass in pots) da Gama, M. V. 1979. Agronomia Lusitana. 39(4): p. 305-334. click here 4572
WDQd.i.8t.;DB..TLUik¥._1Q43; Attce:;&'lTrgpg,a.1946; Vasec da. Gama. 19641: oti ... 'l'HE RELATIONSHIP BETWEEN E-XCHANGEABLE POTASSIUM AND SOIL MOISTURE. 4. IN SOME ... J LE ROUX, Soil Science Department, University of Natal was likely at .... mv 1 mm 3.2 $6 mm H: mud Ed 524 ¢2§<. E m 96 2.0 in 3: ...
TURFGRASS INFORMATION FILE - MICHIGAN STATE UNIVERSITY,USA Comparacao de vavios indices de potassio do solo com o potassio extraido pelo azevem-perene em vasos (Comparison of several soil potassium indices with potassium uptake by perennial ryegrass in pots) da Gama, M. V. 1979. Agronomia Lusitana. 39(4): p. 305-334. click here 4572
History of the City of Durban in KwaZulu-Natal, South Africa www.southafrica-travel.net/kwazulu/edurban1.htm Traduzir esta páginaThe Portuguese seafarer Vasco da Gama arrived at the bay of the Durban of today on Christmas Eve in the year 1497, and called it "Terra do Natal", Christmas ...
420 - UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA - BRASIL [PDF] UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA FACULDADE DE ... - Unesp www.pg.fca.unesp.br/Teses/PDFs/Arq0235.pdf Gama (1977) citado por Boaro (2001) afirmou que a absorção de ...... GAMA, M. V. Efeitos do azoto e do potássio na composição mineral do trigo “Impeto” e do.
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